Um aspecto curioso é a presença de duas barbearias improvisadas nas calçadas da praça. Com espelhos pendurados no muro da Casa de Saúde César Cals, Chileno e Fofa cortam “barba, cabelo e bigode” por apenas R$1,99. Chileno conta que trabalha há seis anos no local e, como a procura havia aumentado, contratou os serviços de Fofa, há quatro meses, para ajudá-lo a dar conta do recado.
Luis Reginaldo, fiscal do comércio ambulante, aproveitou os três anos de atuação na área para conhecer historicamente os quatro cantos do logradouro onde trabalha. E revela: o maior objetivo da fiscalização é impedir que os ambulantes ocupem toda a praça. Eles se limitam à parte esquerda dela. O trabalho acabou duplicando: além de fiscal, tira onda de guia turístico.
Apesar de abandonada e sombria, a pobreza da praça atrai jornalistas em busca de informações, inclusive históricas,para denunciar o abandono e resgatar o que foi aquele espaço um dia. Quando isso acontece, Reginaldo está a postos. Nunca esquece de ressaltar a história do estudante João Nogueira Jucá, que tem seu busto imortalizado, em bronze, em um canto da praça, esquecido, sem qualquer placa indicando quem ele é. Nada!
No dia 4 de agosto de 1959, o jovem estudante João Nogueira Jucá passava em frente à Maternidade Dr. César Cals, que fica ao lado da Praça da Lagoinha e funciona neste local até hoje.
No momento de sua passagem, aconteceu uma explosão seguida de incêndio. João entrou no hospital em chamas e salvou muitos recém-nascidos e parturientes. As pessoas gritavam tentando impedi-lo, mas o grito maior foi o de uma mãe: “- Por favor, meu filhinho ficou lá, salve-o pelo amor de Deus!” Depois de salvar todos os ocupantes do hospital, João caiu. Cerca de 80% do corpo do jovem foi consumido pelo fogo. Ficou irreconhecível. Morreu dia 11 de agosto, coincidentemente o dia em que se comemora o Dia do Estudante. De tal modo, entrou para a história como um símbolo do estudante cearense. Uma vez no ano, dia 11 de agosto, é relembrado seu ato de bravura por meio de homenagem do Corpo de Bombeiros, realizada
na própria praça. Por iniciativa do vereador Tin Gomes, a Câmara Municipal de Fortaleza realizou em agosto deste ano, uma audiência pública marcando o início do Projeto João Nogueira Jucá. O objetivo é resgatar a memória do estudante. O projeto foi pensado para três etapas. Na primeira, pretendia recuperar o monumento em homenagem ao estudante e transferi-lo da Praça da Lagoinha, para o pátio externo do Colégio Liceu do Ceará. O segundo passo era aprovar um Projeto de Lei que declara João Nogueira Jucá, patrono dos estudantes de Fortaleza e dispõe sobre esta homenagem junto à comemoração anual do Dia do Estudante. Por último, a Câmara iria instituir a Medalha João Nogueira, que será concedida anualmente, no dia 11 de agosto, a um grêmio ou entidade estudantil que desenvolva atividades em defesa da vida. Mais um ‘pedacinho’ da Praça da Lagoinha será ‘extraído’. Só restarão as pedras soltas do passeio que se acumulam nos cantos da praça. Uma das mais antigas da cidade, sua demarcação enquanto praça é anterior a 1859. Batizada em 1891 com o nome de Comendador Teodorico, passou a ser chamada de ‘Lagoinha’ porque um dos afluentes do riacho Pajeú passava pelo local e formava uma pequena lagoa, que depois foi aterrada para a construção do espaço público. A praça que foi bonita e bem cuidada, repleta de bancos, de jovens e de muitas noites de festa, já sofreu inúmeras perdas no decorrer de sua história. Em 1829 havia um coreto em forma de lira, demolido em 2001. Em 1930, um jardim foi construído com fonte luminosa, importada da Alemanha, que hoje se encontra na Praça Murilo Borges, em frente ao Banco do Nordeste.
No dia 21 de abril de 2003, a estátua de Capistrano de Abreu, em bronze, fundida em Paris no início do século passado, medindo 1,90m (tamanho natural) e pesando cerca de 100 quilos, desapareceu da praça, onde estava desde 1964. No mês seguinte a estátua foi recuperada. Estava prestes a ser vendida como sucata pelos ladrões.
Foto de 1950
João Capistrano Honório de Abreu, o homem e o nome da Praça.
Depois de resgatada após o “seqüestro” foi restaurada e devolvida ao seu ‘habitat’. Hoje, os sinais da restauração já desapareceram. O monumento encontra-se pichado e abandonado como o resto da praça. Um dos primeiros grandes historiadores do Brasil, ‘vive hoje’ em meio à história destruída. Talvez o primeiro historiador a dar importância a elementos populares ou menos elitistas, escrevendo uma história sócio-econômica do Brasil.
Cearense, nascido em Maranguape, em 23 de outubro de 1853, Capistrano de Abreu, depois de nove obras publicadas faleceu, aos 73 anos, no Rio de Janeiro.
Passaram-se os anos e o lugar perdeu a ambientação bucólica, onde, nas noites das quartas-feiras, a banda da polícia realizava retreta. Fortaleza vive o dilema da modernidade sem se dar conta de que a organização do espaço urbano não pode ser feita apenas para melhorar o fluxo de carros, sem contemplar a construção de espaços de convivência lúdica, com áreas verdes para caminhar, ler, escrever, contemplar, filosofar, agir...
Foto de Juliana Brito - A Praça na atualidade
Um pouco mais sobre Capistrano de Abreu
O historiador maranguapense, nascido em 1853, saiu do Ceará na casa dos 20 anos para o Rio de Janeiro e lá mesmo passou o resto da vida, que se esticou até 1927. Este homem dedicou-se a estudar a história colonial brasileira, especialmente as relações sócio-econômicas, buscando assim ressaltar elementos mais populares, menos elitistas.
Capistrano de Abreu foi considerado um intelectual brasileiro precursor de trabalhos como os de Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prada Júnior. Nada disso teria acontecido se ele não tivesse ido para o Rio de Janeiro sob as asas de José de Alencar ser redator da Gazeta de Notícias.
Por isso, quando a seca de 1915 estourou nos Inhamuns, ele estava pertinho do Pão de Açúcar, pensando na legitimidade de uma inconfidência qualquer – acontecida havia algumas dezenas de anos. Enquanto Fortaleza era invadida por flagelados da seca, enquanto as relações sócio-econômicas do estado passavam por uma mudança histórica, enquanto campos de concentração eram construídos para “abrigar” os miseráveis vindos do interior do estado, lá estava ele, no Rio.
Quando a segunda grande seca estourou, 1932, Capistrano já não estava entre os vivos, e, quando se tornou nome de praça, 1965, o Centro já não era mais o mesmo de seus 20 e poucos anos. Foi em forma de placa que o historiador cearense voltou à capital do Estado para ver o quanto ela prosperou em linhas tortas durante sua ausência.
Fonte - Renata Ribeiro Maciel Lopes, Blog Fortaleza no Centro e pesquisa de internet
Lembro-me da "Praça da Lagoinha" quando lá ainda se encontrava o belo e andejo chafariz. Em 1947, minha avó estava internada na Cesar Cals, onde fui visitá-la. Era uma praça com "cara" de praça.
ResponderExcluirHoje, nem se pode atravessá-la...sentar num dos bancos, nem pensar!!!
A homengem ao aluno é justa, mas que mania de se mudar tudo de lugar...João Nogueira foi herói na Praça da Lagoinha e não no Liceu!
Boa noite, Leila!
Realmente a "Praça" não tem mais cara de Praça, parece apenas uma extensão do comércio do Centro, sem falar que a população não pode mais usufluir de nenhum lazer na tal praça, ela só serve mesmo para os ambulantes venderem suas mercadorias.¬¬
ResponderExcluirQuanto a estátua de João Nogueira, totalmente sem sentido levar para o Liceu, seria mais coerente colocá-la no pátio do César Cals, onde tudo aconteceu.
Boa noite, amiga!
Beijinhos