domingo, 5 de setembro de 2010

As três fases da Itapuca Villa e a luta em defesa dos escravos



Ao lado da casa ficava o escritório de Alfredo Salgado - Embaixo era a garagem. Arquivo de Carlos Alberto Salgado


Rico e de muito bom gosto, Alfredo Salgado desejou o melhor para construir em 1915, sua mansão, a Itapuca Villa, na Rua Guilherme Rocha. Todos os materiais vieram do exterior, inclusive as madeiras. 

Periodicamente ele viajava à Europa para contratar novos jardineiros (vide recorte ao lado de 1928).

A Itapuca Villa, era um dos orgulhos de Fortaleza.


Itapuca após reforma (*) - Arquivo Carlos Alberto Salgado
No caminho do Liceu, a imponência da Itapuca Villa, estilo de nobreza implantado numa ampla quadra ajardinada da Rua Guilherme Rocha.

A Itapuca, que o descaso administrativo municipal deixou arruinar, foi concebida nos moldes das mansões coloniais inglesas no Oriente, particularmente da Índia. Explica-se: a Itapuca era a residência de Alfredo Salgado, figura histórica do Ceará, com o nome ligado à luta abolicionista, e que fora educado na Inglaterra. Sabe-se hoje os motivos de ordem econômica que levaram o Império Britânico a pressionar o Império do Brasil a proibir o tráfico de escravos negros, estrangulando a economia açucareira e do café, inteiramente dependentes do braço servil.


Mas Alfredo Salgado era um idealista, ignorando as razões de política externa dos ingleses contra a escravatura. A luta abolicionista no Ceará tinha razões verdadeiramente humanitárias, culminando em 1884 - quatro anos antes da Lei Áurea - com a libertação dos negros cativos de nossa terra.

Pois a Itapuca, em sua beleza exótica e a exuberância de seus jardins, agasalhava esse típico "gentleman" nascido no semi-árido cearense e que gozava do respeito e da admiração dos seus conterrâneos.

No trajeto para o Liceu, de bonde, a visão da Itapuca Villa era obrigatória. Com certa frequência, tinha-se oportunidade de ver de perto o seu proprietário, vestido com a elegância de um nobre inglês, calças listradas, casaco escuro com um cravo na lapela. Já bastante idoso, mas erecto e firme, Alfredo Salgado ficava à espera do "Tramway" da Light, na parada fronteiriça à sua mansão. Respeitosamente recebido pelos estudantes, às vezes ganhava deles a deferência de uma vaga sentado quando o veículo estava superlotado. Tempos de fino trato, não obstante a costumeira algazarra da rapaziada liceísta.


O abandono e o descaso do poder público - Arquivo Carlos Alberto Salgado

A Itapuca Vila era o destaque maior na paisagem arquitetônica, mas todo o corredor constituído pela rua Guilherme Rocha até a Praça Fernandes Vieira (hoje Gustavo Barroso), avançando mais além pela Francisco Sá, apresentava um conjunto de luxuosas residências, quase todas em amplos terrenos e com dois pavimentos.

Itapuca Abandonada

A majestosidade entregue à demolição do tempo - Arquivo Carlos Alberto Salgado

A casa, toda de madeira, atualmente está em avançado estado de deterioração, as paredes rachadas e a escada que dá acesso ao pavimento superior totalmente em ruínas, com os degraus apodrecidos, tornando-se impossível chegar ao primeiro andar.

Arquivo Carlos Alberto Salgado (**)

Atualmente o térreo é ocupado por uma família humilde, que lá se instalou há mais de dez anos, não possuindo entretanto uma mínima infra-estrutura habitacional, pois, a casa não possui energia elétrica e o abastecimento de água é feito apenas por uma torneira localizada no jardim. Numa tentativa de se proteger de assaltos, todas as janelas e portas da mansão foram trancadas com tábuas e pregos, aumentando ainda mais o ar de abandono de uma residência que sem dúvida já foi uma das mais bonitas da cidade.

Ao contrário (Felizmente) da Itapuca Villa, a antiga residência de Senador Pompeu não perdeu sua imponência, sendo preservada e hoje abriga a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (***) - Arquivo Carlos Alberto Salgado


A demolição

Em dezembro de 1993, é demolida a tradicional casa construída por Alfredo Salgado, na Rua Guilherme Rocha, Itapuca Vila, de arquitetura inglesa.

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Depoimentos de Carlos Alberto Salgado Pettezzoni de Almeida:

(*)"Vivi na Itapuca com meu querido avô até os 11 anos. Lembro-me que eu, com 10 anos, meu avô me acordava para irmos à missa juntos, às 5 horas da manhã. Como eu o adorava...
Dentro de seu livro de missa, levava uma nota (dinheiro) como doação."


(**) "Esse era o quarto onde dormia."


(***) "Se não me falha a memória, meu pai a alugou antes de irmos para a casa de meu avô."

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Agradecimentos: Ao querido Carlos Alberto Salgado, neto do ilustre Alfredo Salgado, que gentilmente me cedeu todo o material necessário para essa postagens. Todos os créditos vão para ele.

23 comentários:

  1. Gostaria de dar meu testumunho, da veracidade e fidelidade usada pela dedicada Leila Nobre com relação ao passado histórico do meu inesquecível avô.

    Att.:
    Carlos Alberto Salgado.

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  2. Estou muito emocionada!
    Não tenho palavras para
    expressar o que estou sentindo
    nesse momento, é muita felicidade!!!

    Ter um legítimo "Salgado" em meu blog,
    é algo que não tem preço...é o que faz
    valer muito toda a dedicação que coloco
    em cada postagem que publico no 'Fortaleza Nobre'.

    Seu querido e inesquecível avô fez muito
    por Fortaleza e pelo Ceará, é mais que
    justo que sua memória seja preservada e
    conhecida por todos os cearenses, é algo
    que muito nos orgulha!

    Muito obrigada por TUDO, querido
    e gentil Carlos Alberto Salgado

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  3. Leila, fuçando a internet em busca de uma foto antiga da nossa linda cidade, para fazer uma plotagem na parede de minha casa, fui arrebatada a um período muito gostoso da minha infância, quando passava de ônibus com a minha mãe, vindo do centro, em frente a essa casa. Cresci e no sufoco do dia-a-dia nunca busquei informações da casa que tanto me encantava os olhos e os sonhos. Minha mãe dizia que eu sempre repedia, quando passava pela casa,que iria comprá-la quando crescesse. Infelizmente, nem que eu pudesse isso seria possível. Estou muito feliz por esse encontro! Não sabia nada sobre ela. Muito obrigada por esse presente. Você sabe se existe a planta dessa casa?

    Um abraço e parabéns pelo blog,
    Socorro Nogueira

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  4. De nada, Socorro, foi um prazer falar da Itapuca!

    Sobre a planta, vou entrar em contato com o senhor Carlos Alberto Salgado para me informar, ok?

    Abraços

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    1. Obrigada pela atenção, Leila. Caso saíba de alguma informação, ficaria muito feliz. Mais uma vez, parabéns pelo seu trabalho.

      Abraços,
      Socorro Nogueira
      socorronpaula@gmail.com

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  5. Oi Socorro!

    Até agora, não obtive sucesso, mas continuarei procurando.

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  6. Oi Leila...parabéns pelo blog e principalmente por essa matéria riquíssima sobre a Itapuca villa...sempre leio e releio e toda vez me emociono...muito obrigada!!

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    1. Muito obrigada, Rochelle! :)

      Eu tbm sempre me emociono com a Itapuca e com o gentil comentário do filho de Alfredo Salgado, q honra a minha!

      Beijos e obrigada a vc, por prestigiar o blog! O/

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  7. CONHECI MUITO DE PERTO POIS MORAVA NA RUA GUILHERME ROCHA NUMERO 1020 O CASARÃO ERA LINDO E A ULTIMA PESSOA DA FAMILIA QUE MOROU FOI A DNA ALICE FILHA DO SR. ALFREDO SALGADO E ELA JÁ ERA BEM VELHINHA NOS IDOS DE 1964
    SEI QUE ELA TERMINOU SEUS DIAS EM UMA CASA NA RUA TEREZA CRISTINA O CASARÃO FOI DERRUBADO PELOS IDIOTAS SO GOVERNO ESTADUAL

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    1. Poxa, adorei saber que meu bisavô (Alfredo Salgado), além da minha avó (Amyntha Salgado) ainda tinha outra filha, Dna Alice, eu desconhecia essa informação. Muito obrigada!

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    2. Leila, preciso falar com vc sobre um projeto que eu tenho, referente ao meu bisavô Alfredo Salgado. Queria muito a sua ajuda pois não conheço Fortaleza. Beijos
      Pode me enviar um e-mail?
      Meu e-mail é: claudia.pettezzoni@gmail.com
      Muito obrigada.

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    3. Oi! :)
      Pode contar comigo!
      Te envio ainda hj o e-mail. Bjos

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  8. Quando tinha q pegar o ônibus circular fazia dando a volta de forma q ele passasse na Guilherme Rocha, ficava encantado com a arquitetura da Ytapuca Vila... até hoje acho um crime deixarem os casarões do começo da construção de Fortaleza serem destruídos perdendo parte da história de nossa cidade deixando quase sem memória...

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  9. Sou do interior e desconhecia a história da Ytapuca, hoje ouvindo Cid Carvalho no rádio, me interessei pela bela narração dele e resolvi pesquisar a história da casa que ainda tive o prazer de conhecer quando vim morar na capital em 1985. Parabéns Leila Nobre, ótimo blog. ❤️

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  10. Eu queria tanto visitar a Itapuca Villa, ver de perto a construção, saber um pouco mais de meu bisavô.
    Meu pai dizia que ele era uma pessoa muito boa e extremamente religioso. Tenho fotos dele aqui. Dá vontade de chorar em saber que foi totalmente abandonada.

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    1. Eu que não sou da família, tenho vontade de chorar, imagino vc! :(

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    2. Queria tanto ver as coisas boas que meu bisavô fez, ele era abolicionista! Essa coisa de falarem que a Itapuca Villa era assombrada é mentira (ouvirem sobre lamentos dos escravos e correntes se arrastando). Meu bisavô queria a liberdade dos escravos. Meu pai contava (infelizmente, ele faleceu em 2013, vítima de um câncer), que foi uma das pessoas mais caridosas, dando alforria para todos, e que muitos continuavam na propriedade dele. Desculpem, estou muito emocionada!!

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    3. Estou querendo fazer uma homenagem a ele..e com, certeza, farei uma homenagem a você pelo empenho e dedicação em contar a história linda dele. Te enviei meu e-mail pessoal...depois vou entrar em contato com você isso será para um futuro muito próximo. Estou coletando dados e fotos de meus primos também, pois, o meu pai, Carlos Alberto Salgado, tirou a foto de diversos álbuns da familia para te enviar as imagens da Itapuca. Fico-lhe muito grata,
      Cláudia, bisneta do Sr. Alfredo Salgado.

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    4. Obrigada por sua dedicação!

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    5. Conte comigo, estou à disposição! :D

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  11. Eu morava na trav .Luís Hortêncio.
    E sempre passava em frente isso nos anos 70 a 80. Me lembro de sua beleza encanto.
    Pena que tenham demolido.

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