terça-feira, 14 de setembro de 2010

Fontes do passado




Durante longos anos, podia ser visto, na quadra ao lado da Santa Casa de Misericórdia, conhecida por "quadra do gasômetro" o muro da quadra que, pintado de alcatrão, dava uma funesta impressão, estampada pela excentricidade da cor preta aplicada nos muros que confinavam com os trilhos de trem que conduzia lenha para abastecer as fornalhas da Light. Aquele local foi infestado por casebres de madeira que margeavam o trilho do trem, e aí se proliferou verdadeiro antro de promiscuidade até o leito da praia, que ficou conhecida por "Cinzas", ao lado do "Curral das éguas", e, do mais famigerado "Bar São Jorge", palco dos mais hediondos crimes, com manchetes nos jornais sob as mais diferentes modalidades de crueldades.

La Conga

Teve sua época áurea ao tempo da chegada dos americanos aqui em
Fortaleza. Construíram barracão de madeira para promoverem seu lazer, com "dancing" - o "La Conga", em alusão ao ritmo de dança da época, executada e exercitada pelos soldados americanos, que desencabeçavam as jovens da sociedade, ensinando-lhes a dançar o excitante ritmo, nos idos anos de 1944, deixando rebentos mesclados de louro, tez morena, olhos esverdeados - os "americanalhados" - diziam.

Quando retornaram aos Estados Unidos, após guerra, desativando aquele barracão de madeira, pintado da cor verde, onde os americanos do Norte levavam a efeito esfuziantes encontros com as jovens desta Cidade, - apelidadas estas de "Coca-Cola", pois frequentavam aquela casa de lazer dos filhos do Tio Sam; ficavam tais moças alijadas perante outras famílias, eram discriminadas pela sociedade.


A referência eram os costumes europeus: as roupas e os adornos pouco adequados ao clima local




Dos lazeres

As vesperais se realizavam no prédio onde funcionava o Bar e Restaurante Estoril, na Praia de Iracema; tomava-se Coca-cola e se degustavam sorvetes, coisa por demais elegante naquele tempo. Hoje debaixo da mungubeira, árvore que cobre sombreando aquele espaço histórico de nossa Cidade, soprado pelos ventos que vêm da nossa praia do Poço da Draga, como costumeiramente chamado, praia do gasômetro, depois Light, das Cinzas, ao lado do tumultuado Bar São Jorge, que serviu de palco das mais atrozes cenas de sangue de homicídios, suicídios, depravação humana, onde a prostituição proliferava e vadiação de menores que ali nasciam, virados para os mais sórdidos hábitos, cuja delinquência assumia papel de preponderância no lenocínio.

As crianças, fruto do abandono e da marginalização dos que se fizeram adultos antes do tempo, mal saídas do ventre para sugar o peito materno, não se demoravam por muito tempo para que se tornassem perigosos marginais. Quanta falta de amor ao ser humano!

A delinquência já predestinada saía do ventre para o peito materno, descia para as calçadas da vida, que lhe serviam de berço, guarnecida por farrapos que mal dão para aquecer o açoite do impiedoso vento frio, que penaliza mãe e filho nas noites, até parece perdurar uma eternidade aquele sofrimento imposto a quem não pediu para nascer...


O velho Baobá

A mais adulta (antiga) árvore da Praça dos Mártires - Passeio Público, trazido do Continente Africano, por Hildebrando Pompeu de Sousa Brasil, filho do Senador Pompeu (Padre), local aonde por diversas vezes o Professor Dias da Rocha se deslocava com seus alunos da Escola de Agronomia, para dar aulas prática de botânica, cuja arvore tem o nome científico (Adansônia digitata) da família das bombacáceas, com tronco gigantesco, ereto, madeira branca, mole e porosa, casca medicinal e de que extraia fibra têxtil, grandes folhas digitadas, flores brancas e às vezes com tons lilás, cápsulas grandes oblongas e pubescentes; adansônia, embandeiro, nativa de regiões tropicais da África, pode viver mais de dois mil anos e seu tronco alcançar mais de 10 (dez) metros de diâmetro; as folhas, flores, frutos e sementes são comestíveis e têm inúmeros usos medicinais. Plantada na entrada da Praça do Passeio Público, de fronte a Rua Major Facundo numa diagonal da casa da residência do Dr. João Moreira (Rua Barão do Rio Branco esquina com a mencionada Rua Dr. João Moreira. A entrada principal da Praça do Passeio Público, em boa hora foi esculpida a esfinge - herma em forma de redoma do insigne Bibliográfico e historiador e um dos maiores homens de letra do nosso Estado do Ceará - O Barão de Studart.


Rua Barão do Rio Branco (antiga Rua Formosa), cruzamento com a Rua Dr. João Moreira, onde nasceu Dom Helder Câmara. ACERVO DE MACIANO LOPES


A casa de Dom Helder

O Casarão de cinco (05) portas de frente, na Rua Dr. João Moreira entre as ruas Major Facundo (Rua da Palma) e Barão do Rio Branco (Rua Formosa), nasceram além de Dom Helder, os irmãos Mardônio Pessoa Câmara casado com Francisca Norma Dias da Rocha (tia do autor desta crônica), Nair Pessoa Câmara, Gilberto Pessoa Câmara casado com Zuleika Catunda, Maria Pessoa Câmara (religiosa), Eduardo Pessoa Câmara casado com Elisa Rocha.

Já os demais filhos nasceram na Rua 24 de Maio no quarteirão entre Senador Castro e Silva e Senador Alencar, incluindo também mais cinco (05) filhos de tenra idade que faleceram numa semana de peste bubônica, segundo se comentava em família. Existiam outras residências de famílias gradas naquela quadra da Rua Dr. João Moreira entre as ruas Floriano Peixoto e Senador Pompeu, onde se destacava desde o inicio da quadra - do Cônsul da Inglaterra - Charles Matheus, casado com D. Helena Bulhão Matheus, depois a família do Dr. Valdir Liebmann, pai dos diretores do Ideal Clube, Ricardo e Sergio Liebmann, localizada no inicio da Rua Major Facundo (antiga Rua da Palma), uma família de árabes - Bachá, e a casa com bela fachada arquitetônica pertencente à família Bulhão Ramos - Helena, Maria, Regina e Rosa, pessoas de mais fino trato - cujas fachadas impressionavam por serem confeccionadas com moldes de madeira esculpidas em argamassa, pintada com tinta cor verde-lodo, próximo ao Palace Hotel, antigamente de propriedade da família do Sr. Efren Gondim, hoje pertencente à Confederação da Indústria e Comércio do Ceará.



Um espaço singular

A Rua Dr. João Moreira, apesar de resumido número de imóveis ali edificados servia para residência de antigas famílias conhecidas, formando um grupo homogêneo pertencente de um só grupo de pessoas, embora algumas descendentes de outras nacionalidades, mas quase sempre do mesmo ramo comercial, os chamados - "galegos".

Nos primórdios

A Prefeitura mantinha apreciadas retretas para ponto de encontro das jovens senhoritas e elegantes cavalheiros que para ali se dirigiam com finalidade de botar "conversa fora", "tirar linha", "namorar", tudo na mais perfeita cordialidade, numa troca de simpatia mútua, parafraseando recitativos e versos de afamados poetas, sublimados sonetos apropriados aos momentos de conversação.

Numa troca de congraçamento ou de afinidades literárias, para melhor aproximação entre seres que se prendiam doce por encanto de um olhar à primeira vista, que transmite o magnetismo de um amor perfeito.

Dos gestos

As moçoilas e mancebos elegantemente vestidos nos trajes da "belle époque" deixavam transparecer uma felicidade que vinha com ardentes chamas que o amor transmite. Essa aparência despontava no trajar, no falar, no olhar a primeira vista, aguardando o aperto da mão para alegrar e encher de ternura os corações que pulsavam.

A moda que palmilhava a praça

Ao voltear a Praça do Passeio Público, as casadoiras ricamente vestidas nas suas saias rodadas, balão, armadas saias com arame em forma de círculo, trajes vindo da Europa; anquinhas; bustiê; cinturinhas rendadas ou bordadas para contorno da cintura; califom (sutiã) para seios volumosos e proeminentes com ligas presas às meias; espartilhos para diminuir o volume do ventre confeccionado com presilhas e aspas em aço ou galalite para dar forma ao corpo por ser muito flexível e de boa duração, mais principalmente para dar melhor contorno e elegância.

As senhorinhas usavam, ainda, chapéus, laços de fitas, pentes brancos de galalite ou tartaruga com bijuterias, imitação de brilhantes, usados para segurar e armar cocó de quem possuía vasta cabeleira (madeixas); óculos l´ornion, presos a uma longa corrente de ouro, cujas hastes do l´ornion cravejado com brilhantes, dão aspecto senhorial de quem tinha alta linhagem social, procedentes de ilustres famílias de grande poder econômico. Os sapatos eram as botas de variadas cores, feitas de pelicas de variadas cores ou tecidos vindo da Europa. O chorão, com apurados desenhos e finos tecidos franceses. Os homens vestiam casimira, tecido irlandês, inglês nas diversas cores e padronagens, lisas, riscadas, quadriculadas, mas sempre com muita discrição. Usavam chapéus de feltro, palhinhas do Chile, Panamá, França, Inglaterra, Alemanha e Suíça.

Os sapatos na sua maioria eram botas ou botinas de couro - cromo alemão, depois, sapatos de bico fino em duas cores, bico e calcanhar da mesma cor, preto, cor de telha (marrom); azul ou verniz, da marca Polar, Belmont, Clarck, Scatamaki ou verniz de cor preto com salto carrapeta, de couro de bezerro alemão, de couro de cobra e jacaré, que davam especial destaque ao calçado pela elegância que imprimia a quem usasse os tão afamados calçados. Os ternos paletó almofadinha, calça casimira preta ou caruá listado, paletó branco S-120, jaquetão e combinado preto e casimira creme; não podia faltar o chapéu panamá ou palhinha cor champagne, veludo, chapéu cubano, as cuecas eram as famosas ceroulas que servia como primeira peça do vestuário masculino, que encobria desde a cintura até o tornozelo com atadura presa a um cadarço.





Um comentário:

  1. Excelente artigo sobre a sociedade fortalezcente. Muito instrutivo para um estrangeiro, que adora Fortaleza e a parte educada da cidade.

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