segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Rachel de Queiroz - A primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras




"[...] tento, com a maior insistência, embora com tão
precário resultado (como se tornou evidente), incorporar
a linguagem que falo e escuto no meu ambiente nativo à
língua com que ganho a vida nas folhas impressas.  Não
que o faça por novidade, apenas por necessidade.
Meu parente José de Alencar quase um século atrás vivia
brigando por isso e fez escola."



Rachel de Queiroz
, nasceu em Fortaleza - CE, no dia 17 de novembro de 1910, filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, descendendo, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar (sua bisavó materna — "dona Miliquinha" — era prima de José de Alencar, autor  de "O Guarani"), e, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas em Quixadá, onde residiam e seu pai era Juiz de Direito nessa época.
Em 1913, voltam a Fortaleza, face à nomeação de seu pai para o cargo de promotor. Após um ano no cargo, ele pede demissão e vai lecionar Geografia no Liceu. Dedica-se pessoalmente à educação de Rachel, ensinando-a a ler, cavalgar e a nadar. As cinco anos a escritora leu "Ubirajara", de José de Alencar, "obviamente sem entender nada", como gosta de frisar.
Fugindo dos horrores da seca de 1915, em julho de 1917 transfere-se com sua família para o Rio de Janeiro, fato esse que seria mais tarde aproveitado pela escritora como tema de seu livro de estréia, "O Quinze".
Logo depois da chegada, em novembro, mudam-se para Belém do Pará, onde residem por dois anos. Retornam ao Ceará, inicialmente para Guaramiranga e depois Quixadá, onde Rachel é matriculada no curso normal, como interna do Colégio Imaculada Conceição, formando-se professora em 1925, aos 15 anos de idade. Sua formação escolar para aí.
Rachel retorna à fazenda dos pais, em Quixadá. Dedica-se inteiramente à leitura, orientada por sua mãe, sempre atualizada com lançamento nacionais e estrangeiros, em especial os franceses. O constante ler estimula os primeiros escritos. Envergonhada, não mostrava seus textos a ninguém.
Em 1926, nasce sua irmã caçula, Maria Luiza. Os outros irmãos eram Roberto, Flávio e Luciano, já falecidos).


 foto da autora

foto da autora

foto da autora

Com o pseudônimo de "Rita de Queluz" ela envia ao jornal "O Ceará", em 1927, uma carta ironizando o concurso "Rainha dos Estudantes", promovido por aquela publicação. O diretor do jornal, Júlio Ibiapina, amigo de seu pai, diante do sucesso da carta a convida para colaborar com o veículo. Três anos depois, ironicamente, quando exercia as funções de professora substituta de História no colégio onde havia se formado, Rachel foi eleita a "Rainha dos Estudantes". Com a presença do Governador do Estado, a festa da coroação tinha andamento quando chega a notícia do assassinato de João Pessoa. Joga a coroa no chão e deixa às pressas o local, com uma única explicação "Sou repórter".
Seu pai adquire o Sítio do Pici, perto de Fortaleza, para onde a família se transfere. Sua colaboração em "O Ceará" torna-se regular. Publica o folhetim "História de um nome" — sobre as várias encarnações de uma tal Rachel — e organiza a página de literatura do jornal.


Imagem da Sede do Sítio PICI de Daniel Queiroz, pai da Escritora Rachel de Queiroz, localizada no Bairro do Henrique Jorge - Foto do blog Inventario ambiental Fortaleza

Submetida a rígido tratamento de saúde, em 1930, face a uma congestão pulmonar e suspeita de tuberculose, a autora se vê obrigada a fazer repouso e resolve escrever "um livro sobre a seca". "O Quinze" — romance de fundo social, profundamente realista na sua dramática exposição da luta secular de um povo contra a miséria e a seca — é mostrado aos pais, que decidem "emprestar" o dinheiro para sua edição, que é publicada em agosto com uma tiragem de mil exemplares. Diante da reação reticente dos críticos cearenses, remete o livro para o Rio de Janeiro e São Paulo, sendo elogiado por Augusto Frederico Schmidt e Mário de Andrade. O livro logo transformaria Rachel numa personalidade literária. Com o dinheiro da venda dos exemplares, a escritora "paga" o empréstimo dos pais.
Em março de 1931, recebe no Rio de Janeiro o prêmio de romance da Fundação Graça Aranha, mantida pelo escritor, em companhia de Murilo Mendes (poesia) e Cícero Dias (pintura). Conhece integrantes do Partido Comunista; de volta a Fortaleza ajuda a fundar o PC cearense.
Casa-se com o poeta bissexto José Auto da Cruz Oliveira, em 1932. É fichada como "agitadora comunista" pela polícia política de Pernambuco. Seu segundo romance, "João Miguel", estava pronto para ser levado ao editor quando a autora é informada de que deveria submetê-lo a um comitê antes de publicá-lo. Semanas depois, em uma reunião no cais do porto do Rio de Janeiro, é informada de que seu livro não fora aprovado pelo PC, porque nele um operário mata outro. Fingindo concordar, Rachel pega os originais de volta e, depois de dizer que não via no partido autoridade para censurar sua obra, foge do local "em desabalada carreira", rompendo com o Partido Comunista.
Publica o livro pela editora Schmidt, do Rio, e muda-se para São Paulo, onde se aproxima do grupo trotskista.
Nasce, em Fortaleza, no ano de 1933, sua filha Clotilde.
Muda-se para Maceió, em 1935, onde faz amizade com Jorge de Lima, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Aproxima-se, também, do jornalista Arnon de Mello (pai de Fernando Collor, que a agraciou com a Ordem Nacional do Mérito). Sua filha morre aos 18 meses, vítima de septicemia.
O lançamento do romance "Caminho de Pedras", pela José Olympio - Rio, se dá em 1937, que seria sua editora até 1992. Com a decretação do Estado Novo, seus livros são queimados em Salvador - BA, juntamente com os de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, sob a acusação de subversivos. Permanece detida, por três meses, na sala de cinema do quartel do Corpo de Bombeiros de Fortaleza.



 Anexo da casa da Fazenda onde viveu a escritora em Quixadá-CE
(foto: folha/uol) - Crédito do blog Fortaleza em Fotos e Fatos

Fazenda "Não me Deixes" em Quixadá-CE, onde viveu Rachel de Queiroz (foto: folha/uol) - Crédito da foto: Blog Fortaleza em Fotos e Fatos

Em 1939, separa-se de seu marido e muda-se para o Rio, onde publica seu quarto romance, "As Três Marias".
Por intermédio de seu primo, o médico e escritor Pedro Nava, em 1940 conhece o também médico Oyama de Macedo, com quem passa a viver. O casamento duraria até à morte do marido, em 1982. A notícia de que uma picareta de quebrar gelo, por ordem de Stalin, havia esmigalhado o crânio de Trótski faz com que ela se afaste da esquerda.
Deixa de colaborar, em 1944, com os jornais "Correio da Manhã", "O Jornal" e "Diário da Tarde", passando a ser cronista exclusiva da revista "O Cruzeiro", onde permanece até 1975.


Crédito das fotos: http://www.onordeste.com

Estabelece residência na Ilha do Governador, em 1945.
Seu pai vem a falecer em 1948, ano em que publica "A Donzela e a Moura Torta". No ano de 1950, escreve em quarenta edições da revista "O Cruzeiro" o folhetim "O Galo de Ouro".
Sua primeira peça para o teatro, "Lampião", é montada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Leopoldo Fróes, em São Paulo, no ano de 1953. É agraciada, pela montagem paulista, com o Prêmio Saci, conferido pelo jornal "O Estado de São Paulo".
Recebe, da Academia Brasileira de Letras, em 1957, o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.
Em 1958, publica a peça "A beata Maria do Egito", montada no Teatro Serrador, no Rio, tendo no papel-título a atriz Glauce Rocha.
O presidente da República, Jânio Quadros, a convida para ocupar o cargo de ministra da Educação, que é recusado. Na época, justificando sua decisão, teria dito: "Sou apenas jornalista e gostaria de continuar sendo apenas jornalista."
O livro "As Três Marias", com ilustrações de Aldemir Martins, em tradução inglesa, é lançado pela University of Texas Press, em 1964.
O golpe militar de 1964 teve em Rachel uma colaboradora, que "conspirou" a favor da deposição do presidente João Goulart.
O presidente general Humberto de Alencar Castelo Branco, seu conterrâneo e aparentado, no ano de 1966 a nomeia para ser delegada do Brasil na 21ª. Sessão da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, junto à Comissão dos Direitos do Homem.
Passa a integrar o Conselho Federal de Cultura, em 1967, e lá ficaria até 1985. Depois de visitar a escritora na Fazenda Não me Deixes, em Quixadá, o presidente Castelo Branco morre em desastre aéreo.
Estréia na literatura infanto-juvenil, em 1969, com "O Menino Mágico", em 1969.
No ano de 1975, publica o romance "Dôra, Doralina".
Em 1977, por 23 votos a 15, e um em branco, Rachel de Queiroz vence o jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda e torna-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. A eleição acontece no dia 04 de agosto e a posse, em 04 de novembro.  Ocupa a cadeira número 5, fundada por Raimundo Correia, tendo como patrono Bernardo Guimarães e ocupada sucessivamente pelo médico Oswaldo Cruz, o poeta Aluísio de Castro e o jurista, crítico e jornalista Cândido Mota Filho.
Seu livro, "O Quinze", é publicado no Japão pela editora Shinsekaisha e na Alemanha pela Suhrkamp, em 1978.
Em 1980, a editora francesa Stock lança "Dôra, Doralina". Estréia da Rede Globo de Televisão a novela "As Três Marias", baseada no romance homônimo da escritora.
Com direção de Perry Salles, estréia no cinema a adaptação de "Dôra, Doralina", em 1981.
Em 1985, é inaugurada em Ramat-Gau, Tel Aviv (Israel), a creche "Casa de Rachel de Queiroz". "O Galo de Ouro" é publicado em livro. 
Retorna à literatura infantil, em 1986, com "Cafute & Perna-de-Pau".
A José Olympio Editora lança, em 1989, sua "Obra Reunida", em cinco volumes, com todos os livros que Rachel publicara até então destinados ao público adulto.
Segundo notícia que circulou em 1991, a Editora Siciliano, de São Paulo, pagou US$150.000,00 pelos direitos de publicação da obra completa de Rachel.
Já na nova editora, lança em 1992 o romance "Memorial de Maria Moura".
Em 1993, recebe dos governos do Brasil e de Portugal, o Prêmio Camões e da União Brasileira de Escritores, o Juca Pato. A Siciliano inicia o relançamento de sua obra completa.
1994 marca a estréia, na Rede Globo de Televisão, da minissérie "Memorial de Maria Moura", adaptada da obra da escritora. Tendo no papel principal a atriz Glória Pires, notícias dão conta que Rachel recebeu a quantia de US$50.000,00 de direitos autorais.
Inicia seu livro de memórias, em 1995, escrito em colaboração com a irmã Maria Luiza, que é publicado posteriormente com o título "Tantos anos".
Pelo conjunto de sua obra, em 1996, recebe o Prêmio Moinho Santista.
Em 2000, é publicado "Não me Deixes — Suas histórias e sua cozinha", em colaboração com sua irmã, Maria Luiza.
Em novembro deste ano, quando a escritora completou 90 anos de idade, foi inaugurada, na Academia Brasileira de Letras, a exposição "Viva Rachel". São 17 painéis e um ensaio fotográfico de Eduardo Simões resumindo o que os organizadores da mostra chamam de “geografia interior de Rachel, suas lembranças e a paisagem que inspirou a sua obra”.
Rachel de Queiroz chega aos 90 anos afirmando que não gosta de escrever e o faz para se sustentar. Ela lembra que começou a escrever para jornais aos 19 anos e nunca mais parou, embora considere pequeno o número de livros que publicou. “Para mim, foram só cinco, (além de O Quinze, As Três Marias, Dôra, Doralina, O Galo de Ouro e Memorial de Maria Moura)pois os outros eram compilações de crônicas que fiz para a imprensa, sem muito prazer de escrever, mas porque precisava sustentar-me”, recorda ela. “Na verdade, eu não gosto de escrever e se eu morrer agora, não vão encontrar nada inédito na minha casa”.
Recebe, em 06-12-2000, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Em 2003, é inaugurado em Quixadá (CE), o Centro Cultural Rachel de Queiroz.

Faleceu, dormindo em sua rede, no dia 04-11-2003, na cidade do Rio de Janeiro. Deixou, aguardando publicação, o livro "Visões: Maurício Albano e Rachel de Queiroz", uma fusão de imagens do Ceará fotografadas por Maurício com textos de Rachel de Queiroz.
Obras:
Individuais:
Romances:
- O quinze (1930)
- João Miguel (1932)




- Caminho de pedras (1937)
- As três Marias (1939)
- Dôra, Doralina (1975)
- O galo de ouro (1985) - folhetim na revista " O Cruzeiro", (1950)
- Obra reunida (1989)
- Memorial de Maria Moura (1992)


Literatura Infanto-Juvenil:
- O menino mágico (1969)
- Cafute & Pena-de-Prata (1986)
- Andira (1992)
- Cenas brasileiras - Para gostar de ler 17.


Teatro:

- Lampião (1953)
- A beata Maria do Egito (1958)
- Teatro (1995)
- O padrezinho santo (inédita)
- A sereia voadora (inédita)


Crônica:

- A donzela e a moura torta (1948);
- 100 Crônicas escolhidas (1958)
- O brasileiro perplexo (1964)
- O caçador de tatu (1967)
- As menininhas e outras crônicas (1976)
- O jogador de sinuca e mais historinhas (1980)
- Mapinguari (1964)
- As terras ásperas (1993)
- O homem e o tempo (74 crônicas escolhidas}
- A longa vida que já vivemos
- Um alpendre, uma rede, um açude: 100 crônicas escolhidas
- Cenas brasileiras
- Xerimbabo (ilustrações de Graça Lima)
- Falso mar, falso mundo - 89 crônicas escolhidas (2002)


Antologias:

- Três romances (1948)

- Quatro romances (1960) (O Quinze, João Miguel, Caminho de Pedras,
As três Marias)

- Seleta (1973) - organização de Paulo Rónai


Livros em parceria:

- Brandão entre o mar e o amor (romance - 1942) - com José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e Jorge Amado.

- O mistério dos MMM (romance policial - 1962) - Com Viriato Corrêa, Dinah Silveira de Queiroz, Lúcio Cardoso, Herberto Sales, Jorge Amado, José Condé, Guimarães Rosa, Antônio Callado e Orígines Lessa.

- Luís e Maria (cartilha de alfabetização de adultos - 1971) - Com Marion Vilas Boas Sá Rego.

- Meu livro de Brasil (Educação Moral e Cívica - 1º. Grau, Volumes 3, 4 e 5 - 1971) - Com Nilda Bethlem.

- O nosso Ceará (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), relato, 1994.

- Tantos anos (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), auto-biografia, 1998.

- O Não Me Deixes – Suas Histórias e Sua Cozinha (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), 2000.


Obras traduzidas pela escritora:

Romances:

AUSTEN, Jane. Mansfield Parlz (1942).
BALZAC, Honoré de. A mulher de trinta anos (1948).
BAUM, Vicki. Helena Wilfuer (1944).
BELLAMANN, Henry. A intrusa (1945).
BOTTONE, Phyllis. Tempestade d'alma (1943).
BRONTË, Emily. O morro dos ventos uivantes (1947).
BRUYÈRE, André. Os Robinsons da montanha (1948).
BUCK, Pearl. A promessa (1946).
BUTLER, Samuel. Destino da carne (1942).
CHRISTIE, Agatha. A mulher diabólica (1971).
CRONIN, A. J. A família Brodie (1940).
CRONIN, A. J. Anos de ternura (1947).
CRONIN, A. J. Aventuras da maleta negra (1948).
DONAL, Mario. O quarto misterioso e Congresso de bonecas (1947).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Humilhados e ofendidos (1944).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Recordações da casa dos mortos (1945).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os demônios (1951).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamazov (1952) 3 v.
DU MAURIER, Daphne. O roteiro das gaivotas (1943).
FREMANTLE, Anne. Idade da fé (1970).
GALSWORTHY, John. A crônica dos Forsyte (1946) 3 v.
GASKELL, Elisabeth. Cranford (1946).
GAUTHIER, Théophile. O romance da múmia (1972).
HEIDENSTAM, Verner von. Os carolinos: crônica de Carlos XII (1963).
HILTON, James. Fúria no céu (1944).
LA CONTRIE, M. D'Agon de. Aventuras de Carlota (1947).
LOISEL, Y. A casa dos cravos brancos (1947).
LONDON, Jack. O lobo do mar (1972).
MAURIAC, François. O deserto do amor (1966).
PROUTY, Oliver. Stella Dallas (1945).
REMARQUE, Erich Maria. Náufragos (1942).
ROSAIRE, Forrest. Os dois amores de Grey Manning (1948).
ROSMER, Jean. A afilhada do imperador (1950).
SAILLY, Suzanne. A deusa da tribo (1950).
VERDAT, Germaine. A conquista da torre misteriosa (1948).
VERNE, Júlio. Miguel Strogoff (1972).
WHARTON, Edith. Eu soube amar (1940).
WILLEMS, Raphaelle. A predileta (1950).


Biografias e memórias:

BUCK, Pearl. A exilada: retrato de uma mãe americana (1943).
CHAPLIN, Charles. Minha vida (caps. 1 a 7 (1965).
DUMAS, Alexandre. Memórias de Alexandre Dumas, pai (1947).
TERESA DE JESUS, Santa. Vida de Santa Teresa de Jesus (1946).
STONE, Irwin. Mulher imortal (biografia de Jessie Benton Fremont (1947).
TOLSTÓI, Leon. Memórias (1944).






Teatro:

CRONIN, A. J. Os deuses riem (1952).



Estatua de Rachel de Queiroz, na Praça dos Leões, em Fortaleza - Crédito da foto: http://www.cearavivaessaalegria.com.br


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A Copacabana do Cambeba

Foto arquivo OPovo


A primeira casa do primeiro conjunto construído à beira do Lago Jacarey foi comprada por José Carlos Ferreira Maia, 62, em 1980. A Construtora Cearense anunciou na seção de imóveis dos anúncios populares o início do empreendimento que ficou conhecido como Mansões do Lago, na Avenida Viena Weyne. Cada uma das sete primeiras casas, todas de pavimento térreo, custava em torno de quatrocentos mil cruzeiros.
A preços de hoje, valem R$180.000,00, em média.


Desde sempre, o bairro Cidade dos Funcionários compreende toda a extensão da Avenida Oliveira Paiva, desde a BR-116 até a Avenida Perimetral - atualmente denominada Avenida Washington Soares - no cruzamento conhecido como Seis Bocas, exatamente onde funcionava o restaurante
Toca do Coelho (é o novo!!). Descendo 400 metros à direita na metade da Oliveira Paiva, sentido leste-oeste, chega-se ao lugarejo da Cidade dos Funcionários conhecida como Lago Jacarey. Seu Maia relembra como era difícil o acesso, e mais difícil ainda a aceitação da família em mudar-se para a sonhada casa própria. Os dois filhos adolescentes e a esposa saíram a contragosto do sobrado alugado na Aldeota, na Rua Torres Câmara, reclamando do isolamento e da distância da nova morada. Para piorar o fato de que apenas uma linha de ônibus servia o local, fazendo a rota Praça do Coração de Jesus - Cidade dos
Funcionários via BR-116, a instalação de aparelhos telefônicos na área era um luxo para poucos. Além de ser caro, por vezes demandava tráfico de influência envolvendo algum “peixe” da extinta Teleceará.
Apesar da falta de infra-estrutura e das constantes reclamações familiares, Seu Maia se sentia realizado. A beleza e a paz do local lhe davam a certeza de ter feito um bom negócio, que dentro em breve seria reconhecido pelos que lhe condenavam naquele momento. Em frente à casa, nascentes de água limpa brotavam do solo e abasteciam o Lago Jacarey. No entorno, o matagal, abrigo natural de cobras e escorpiões nativos, os quais eram motivo de mais uma dentre as tantas queixas da família recém-chegada.
De quando em vez, a invasão dos abomináveis vizinhos no território dos Maias obrigava os novatos a fatídica missão de exterminar os peçonhentos. O passo seguinte era exibir ao pai o monstro abatido como troféu, na tentativa inútil de convencê-lo a mudarem dali.

Foto Arquivo Tv Verdes Mares

E por falar em inutilidade, nada se compara a placa indicativa com a inscrição BAIRRO CAMBEBA, afixada na praça do Lago pela Prefeitura de Fortaleza, faz uns cinco anos. É perda de tempo querer convencer aos moradores, em plena praça, que o Lago é parte do Cambeba. Por mais que a placa insista negando, “o Lago é bem aqui, o filé da Cidade (dos Funcionários), e o Cambeba é lá acolá, pras
bandas da Messejana! Esse povo lá sabe de nada!”, bronqueia o Maia, cheio de razão e de vontade de arrancá-la.


Tem jacaré aí, menino!


Difícil saber de onde vem a palavra Jacarey. No Aurélio, consta a grafia com “i” no final, e designa o nome de uma planta da família das ramnáceas, da qual o juazeiro é a espécie mais conhecida. Dentre os moradores mais antigos, não há notícia de um só pé de juá nos arredores, vivo ou derrubado nos últimos 30 anos. Ou seja, no dicionário da língua portuguesa o significado não guarda qualquer semelhança com a denominação dada ao Lago.
A profundidade media aproximadamente dois metros e meio e conta-se que, ao longo dos últimos trinta anos,
uma meia dúzia de pessoas, crianças e adultos, morreram afogadas em suas águas. Esses mesmos moradores
falam de um tempo em que ali habitavam jacarés, mas não há qualquer relato que confirme a preexistência de
répteis crocodilianos. No máximo, horripilantes répteis como cobras e escorpiões e o mais asqueroso dos batráquios, famoso sapo-cururu. Alguns dizem Jacaraí, outros Jacareí, mas são unânimes em difundir o folclore do bairro que dá conta de que a origem da palavra vem da aglutinação de jacaré+aí, talvez criada para amedrontar as crianças e assim livrá-las de situações de perigo.

Copacabana do Cambeba


Distante duas quadras do Lago, no rumo do Cambeba, mora a aposentada Lemirte Pinheiro de Castro, 71, ex professora de Geografia do ensino médio, que chegou ao bairro em 1976. Disposta a terminar o namoro da filha com um rapaz que não lhe era bem-visto, restou-lhe deixar a casa própria do Parque Araxá, assumindo pesadas prestações para aquisição do novo imóvel. Também para ela não foram poucas as queixas de seus familiares, e com a agravante de que Dona Lemirte odiou o local desde o primeiro
dia. “Tudo era difícil, tudo era longe. Aqui era só brejo”, diz, apontando para a rua. Ela conta que um dia cansou de se martirizar, de esconder a filha e de esconder-se a si própria. Substituindo auto-piedade por determinação a viver melhor, saiu de porta em porta conclamando os vizinhos para juntos iniciarem uma espécie de mutirão de melhorias. Com a primeira quantia arrecadada contrataram calceteiros - profissionais que trabalham na pavimentação de ruas - e aos poucos foram desmatando, sentando pedras e fincando placas nas ruas, como forma de minimizar o isolamento que muitas vezes implicava no não recebimento
de correspondência e na falta de prestação de serviços domiciliares, como farmácias, gás butano etc.

Em pouco tempo os serviços coordenados por Dona Lemirte chegaram ao Lago. Com as contribuições regulares de aproximadamente 50 moradores pagavam-se trabalhadores pela capinagem periódica das margens, cerca de 500 metros de contorno. Aberto o acesso ao espaço, a combinação entre a necessidade de lazer das crianças e o tempo livre dos pais nos finais de semana resultou na rotina dos piqueniques, oportunidade para todos fartarem-se de nadar e de comer camarões pescados na hora.
À época, apelidaram o lugar de Copacabana do Cambeba, onde permaneciam até o limite do pôr-do-sol. Mais que isso, impossível, pelo menos para quem tem sangue nas veias. O coaxar eufórico da saparada funcionava como toque de recolher, anunciando a pontualíssima chegada dos mosquitos hematófagos. Às pressas e com o que restava de iluminação natural juntavam-se os teréns e batiam em retirada, deixando livre a área para os verdadeiros donos do pedaço.

A união pela praça


Em 1985, e por iniciativa própria de Dona Lemirte, nasceu a UNILAGO (Associação dos Moradores do Lago Jacarey), entidade por ela presidida durante o biênio inaugural e sobre a qual pouco comenta e muito lamenta. Entre lágrimas, queixa-se de artimanhas políticas armadas por pessoas que colocavam interesses pessoais acima das necessidades da comunidade, o que determinou o abandono definitivo daquele que foi seu mais importante projeto.
Para espantar a tristeza, retomamos estrategicamente o assunto do meio ambiente. Dona Lemirte relembra a
qualidade da água do Lago, a vegetação abundante no entorno, os bandos de garças e aves pernaltas, os cardumes e os enxames, a harmonia e interdependência entre os coletivos. Com a autoridade de quem domina a Geografia, detém-se na explicação dos conceitos de bioma lacustre e cadeia alimentar e finaliza defendendo a necessidade urgente de revitalização e conservação do Lago.
Declara-se “revoltada” com o assoreamento, responsável pela profundidade atual de cerca de um metro. “Devido ao crescente número de ligações clandestinas de esgoto, hoje em dia só uma ou outra garça arrisca atravessá-lo a pé, bicando uma larvinha aqui, outra acolá. E a associação (UNILAGO) não faz nada!”, protesta. Pergunto-lhe então sobre a atuação da atual diretoria, e ela diz que pouco sabe, não conhece os membros. E alfineta: “Na minha época, todo mundo me conhecia!”. Pura verdade. Logo de manhã cedo, dá para ver as bocas de manilha despejando líquidos espumantes na água turva onde uma garça solitária cisca indecisa entre aguapés, dejetos orgânicos e materiais plásticos. No centro, onde é mais profundo,
dois homens em pé, com os peitos à mostra, arriscando umas piabinhas com uma tarrafa de trama miúda. À noite, por hábito natural, é hora dos ratos enormes abandonarem a morada nas manilhas e saírem à caça. Também é verdade que a fundadora Lemirte, assim como o pioneiro Maia, têm lugar de destaque dentre os moradores mais conhecidos e respeitados do bairro.
Nas noites de sexta e sábado da primeira semana do mês, uma banca da UNILAGO é armada no meio da
praça, a fim de recolher a contribuição voluntária mensal de cinco reais dos associados. Pedi para ver a prestação de contas, e a resposta foi que trariam na noite seguinte, domingo. “Não precisa, não, era só curiosidade”, disse, como forma de propiciar um ambiente mais agradável para a conversa com Dona Lurdes, 52, espécie de tesoureira da UNILAGO. Enquanto ela me preparava o recibo (moro lá desde 1997 e confesso que contribuí poucas vezes) falava sobre o muito que há por fazer e sobre como as contribuições estão escasseando (argumentei que, no meu caso, contribuí todas as vezes que a cobrança bateu à minha porta e que é esperar demais do associado que compareça à praça nas datas e horários do plantão
da UNILAGO). Perguntei-lhe sobre o que me parece mais importante, que é o fato de as ligações clandestinas desaguarem dejetos no Lago. “A Prefeitura não tá nem aí, e a CAGECE só vive enrolando a gente!” Dois diretores se achegaram, apresentando-se como Seu Antonio e Seu Oliveira, alardeando que logo, logo haverá correntes de ferro na borda do Lago e que também em breve teremos policiamento, ocupando finalmente a guarita deserta desde a instalação há mais de um ano.
Quanto à revitalização, acreditam que a UNILAGO nada pode fazer, que o assunto compete exclusivamente à Secretaria Executiva Regional II. Me despeço na certeza de que o Lago ainda vai agonizar por um bom tempo, pelo menos enquanto as gestões da UNILAGO considerarem Ecologia e Meio Ambiente questões secundárias, até que resolvam chamar a atenção dos órgãos de imprensa para a gravidade dos problemas do bairro e exigir do poder público o cumprimento das leis de preservação e conservação
ambiental.
Dia e noite , noite e dia Deixando a profundidade de lado – dá licença, Belchior? - e aparentemente indiferentes ao processo de degradação, os freqüentadores do Lago são assíduos e pontuais no cumprimento de seus objetivos. Às cinco da manhã aparecem os primeiros coopistas, e até às nove o rodísio de turmas de andarilhos é intenso. Durante esse período, babás e bebês tomam banho de sol, caninos encoleirados fazem no asfalto o passeio matinal, comerciantes abrem as portas, ambulantes de café circulam, transeuntes vêm e vão.
Às quartas, bem cedinho, um carro de som percorre as ruas do bairro anunciando a venda de frutas e verduras no ônibus da CEASA (Centrais de Abastecimento), estacionado na margem sul do Lago. A copa das ingazeiras sombreia o comércio, enquanto as vagens de sementes chacoalham ao vento, produzindo o fundo musical para o canto dos pássaros. Fascinados com o banquete multicor, pardais atrevidos não resistem à tentação e arriscam-se em vôos rasantes sobre as bancas, com bicadas certeiras nos frutos mais suculentos, espalhando delicioso aroma tutti-frutti.
Das dez às dezesseis o movimento acalma, e daí pra diante recomeçam os coopistas do crepúsculo dando voltas até perto de vinte e uma horas, repartindo o espaço com bebês e babás banhados, outras coleiras e cães, faturamentos encerrados, caixas zerados à espera do tilintar da noite, barracas improvisadas com tudo à venda, transeuntesque vão e vêm. Nos bancos, presença constante de amantes aconchegados sob o sereno do luar, agraciados com a brisa fresquinha e carregada das melodias dedilhadas pelos amadores de violão que se encontram para tirar um som Nas noites de fim-de-semana tem ferveção completa: gente em ebulição, altos barulhos e lixo demais. Trenzinhosarrodeiam o lago, abrindo caminho entre os carrosboate de forró-pancadão e a fumaça dos churrasquinhos de filé-miau e do acarajé. Tem pula-pula, profusão de barracas de bugigangas, butiques a céu aberto e, como não podia deixar de ser, as figuras carimbadas dos pirateiros
de CDs e DVDs, habituées de todos os lugares e horários. Tem pipoca, estalinho, algodão-doce, sorvete;
bola, balão, bicicleta, pedalinho e skate; dominó, novena, panfletagem, até comício tem. Todas as tribos se encontram e se identificam, cada qual na sua, porém em comum o fato de habitarmos a mesma aldeia, o Lago Jacarey, que a tudo vê mas não consegue ser enxergado em agonia, refletida no espelho turvo, impróprio e fedido de suas águas. Falta-nos consciência ecológica e responsabilidade sócio-ambiental, enfim,  sensibilidade e tomada de posição, capazes de transformar observação passiva individual em indignação coletiva, tomada de posição em ação concreta envolvendo os setores privado e público. Falta-nos acima de tudo pressa, pois o tempo da degradação corre a passos largos rumo ao irreversível e abominável fim.




Crédito: Denise Gurgel

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Vila de Fortaleza Passa à Cidade


Carta de lei que elevou à categoria de cidade a vila de Fortaleza

"D. Pedro. Pela Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.

Faço saber aos que esta Minha Carta virem: Que, Tendo Eu Elevado este País a alta dignidade de Império, como exigem a sua vasta extensão e riqueza, e tendo-me Dado as Províncias, de que se compõe, grandes e repetidas provas de amor e fidelidade á Minha Augusta Pessoa e de firme adesão á causa Sagrada da Liberdade e Independência deste Império, cada um segundo os meios que ministram a sua população e riqueza:

Houve por bem por Meu Imperial Decreto de 24 do mês próximo passado, em memoria e agradecimento de tantos e tão relevantes serviços que ela tem prestado, concorrendo todos para o fim geral do aumento e prosperidade desta grandiosa Nação, Elevar á Categoria de cidade todas as vilas que forem capibis de Províncias: E havendo anteriormente requerido esta mesma condecoração em favor da Vila da Fortaleza da Província do Ceará e Comarca da mesma Vila em seu nome e do Clero, Nobreza e Povo, pelos atendíveis motivos que se verificaram na Minha Augusta Presença em Consulta da Mesa do Desembargo do Paço, com cujo Parecer Me Conformei por Minha Imediata Resolução de 2 de Janeiro do corrente ano: Hei por bem, Tendo a tudo consideração que dita Vila da Fortaleza fique erecta em cidade, e que por tal seja havida e reconhecida com a denominação de Cidade da Fortaleza de nova Bragança, e haja todos os Foros e Prerrogativas das outras cidades deste Império, concorrendo com elas, em todos os atos públicos e gozando os cidadãos e moradores dela de todas as distinções, franquezas, privilégios e liberdades, de que gozam os cidadãos e moradores das outras cidades sem diferença alguma; porque assim é Minha Mercê; pelo que Mando á Mesa do Desembargador do Paço e da Consciência e Ordens, Conselho de Fazenda, Regedor da Casa de Suplicação, Junta do Governo Provisório da Província do Ceará, e a todas as mais dos das outras Províncias, Tribunais, Ministros de Justiça, e quaisquer outras pessoas, a quem conhecimento desta Minha Carta de Lei haja de pertencer, e cumpram e guardem, e façam cumprir como nela se contem, sem dúvida ou embargo algum. E ao Monsenhor Miranda, Desembargador do Paço e Conselheiro-Mor do Império do Brasil, Ordeno que a faça publicar na Chancelaria, e que dela envie cópias a todas as Estações do estilo e remetendo-se o Original á Câmara de dita Cidade para seu título. Dada no Rio de Janeiro aos 18 de Março de 1823, segundo ano da Independência e do Império - Imperador com Rubrica e Guarda".



Crédito: Blog Ceará terra do sol