quinta-feira, 30 de junho de 2011

Memórias de Celsa Gomes II



D. Celsa Gomes

Não fosse pedido expresso de Tatá, dona Celsa já tinha arribado faz tempo da casinha na rua dos Tabajaras. Brincadeira. Ela mesma ri do pedido do primeiro marido, um dos jangadeiros escolhidos por Orson Welles para seu filme, e morto há mais de 40 anos: “Não saia dessa casa de jeito nenhum”, ele insistia. Sem forro, paredes amareladas e alguns quadros desbotados, em tudo a casa exala simplicidade e um tanto de cuidado insistente. Enquanto o segundo marido, José Brasiliano Soares, conversa na calçada, Celsa Gomes Soares, 84, conta daquele tempo, quando ia tomar banho de mar na piscininha com os filhos e não se via movimentação noturna que incomodasse. 

O que está por vir?



Muitos terços rezados e tantos anos depois, dona Celsa atenta para a barulheira de boates e bares da vizinhança, e enquanto ela espera a volta do filho que vem do estrangeiro, que insiste em tirá-la dali, outros moradores se mostram descrentes das mudanças que o poder público – municipal e estadual – anunciam para a área. “Não foi feito um planejamento urbano, que quer dizer uma intervenção mais profunda”, denuncia Ricardo Rodrigues, arquiteto, há 35 anos frequentador diário do bairro por conta do escritório que mantém. “Planejamento urbano vai além de fazer obras pontuais. Isso que foi feito aqui é pavimentação, não é um projeto urbano”. E indica o calçadão.


“A prefeita idealizou uma organização social (OS) Instituto Cultural Iracema, inclusive a sede está ficando pronta, com uns 97% da obra concluída. Ela que vai ajudar nessa gestão do espaço urbano. Faz parte do programa de requalificação da Praia de Iracema, detalha Rommel Ramalho, gerente do Projeto de Revitalização da Praia de Iracema. Entre as obras previstas para serem entregues, está o Estoril, já concluído, mas à espera da OS mencionada por Rommel, o Boulevard Almirante Tamandaré, caminhando com calçadas, iluminação e falta paisagismo, o Museu do Forró em preparação de licitação junto com o Centro de Artesanato e Bar do Largo do Mincharia, entre outros.

Ricardo questiona, inclusive, os termos revitalização e requalificação. “A Praia de Iracema não morreu. E que qualidade é essa que se quer colocar aqui? Um plano diretor é uma entidade viva de acompanhamento do cotidiano do lugar, não pode ser ações isoladas”. As discussões sobre que Praia de Iracema construir para a cidade gerou o grupo na rede social Facebook, Praia de Iracema Reconstrução Já, em que antigos e novos entusiastas do Cais Bar, legenda da boemia do bairro, debatem questões diversas e a volta do bar para seu berço, depois que o Acquário do Ceará for construído. Outro grupo, gerado pelos moradores do Poço da Draga, é o Ponte Metálica, também interessados que as discussões sobre essa Praia de Iracema que está por vir incluam os moradores do bairro.

Este último propiciou ainda o envolvimento de alguns pesquisadores, como o psicólogo Fábio Giorgio. Em texto produzido a partir dos questionamentos do grupo, ele ressalta uma cidade pequena, que é a de cada um, inserida numa outra, a grande Fortaleza.

Fábio escreve: “O que hoje ocorre na pequena cidade, onde a Praia de Iracema está contida, e prefigura como o nosso território despossuído, remete-nos à grande Fortaleza, e tantos outros lugares de valor cultural para seus habitantes – que estão sendo desfigurados (ou abandonados) por interesses de ordem eminentemente financeira, e que, por suas características materiais e imateriais duráveis, bem comporiam, isto sim, um inventário de ‘Áreas de Proteção Cultural’ que poderiam ser certificadas cidade afora. Não custa lembrar que se hoje o Cais Bar ainda congrega um número considerável de memórias que evocam o que foi a Praia de Iracema para alguns, é que sua marca mantém o seu valor, antes, por aquilo que tatuou na memória da (pequena) cidade, graças à sua capacidade em ter produzido, durante anos, uma atmosfera encantatória no dia a dia da Fortaleza.”


Fonte: O Povo


Memórias de Celsa Gomes



Manoel Preto, Jacaré, Tatá e Jerônimo - Foto de 1942

Ela mora no meio da rua dos Tabajaras, herdada do jangadeiro Tatá, seu primeiro marido. Aos 83 anos, muito bem conservados, Celsa é uma sábia contadora de histórias.

Quando Jacaré, Manuel Preto, Tatá e Mestre Jerônimo se aventuraram, em 1941, da praia do Peixe ao Rio de Janeiro, a bordo da jangada São Pedro, sem bússola, para reivindicar a situação dos pescadores junto a Getúlio Vargas, ela tinha apenas 16 anos. Somente 10 anos depois, viria conhecer e casar-se com Raimundo Correia Lima, o conhecido Tatá. Ela é Celsa Gomes Soares. "Eu era Lima, do Tatá, mas agora é só Gomes Soares". Aos 83 anos, mora na Praia de Iracema, na mesma casa herdada do finado Tatá, falecido em 1971, atropelado. "Quando a gente se casou, eu tinha 26 anos e ele 64. Ele tinha idade de ser meu avô. Ele me pediu para depois que morresse eu não vender a casa." E assim ela fez. 
No meio da rua dos Tabajaras, a casa se destaca entre lojas de artesanato, restaurantes e algumas poucas residências que ainda restam. Cheia de plantas, decorada com quadros antigos e fotografias na parede, a casa é um grande corredor. Hoje, a história se inverteu, vive com o segundo esposo bem mais jovem que ela, José Brasiliano Soares, desde 1975.

Celsa fala com a boca, as mãos e os olhos. Sorri e se emociona. Sua história de vida desenha um retrato vivo da Praia de Iracema, embora tenha nascido no sertão, em Salva Vidas. "Fica a três léguas de Quixeramobim", mapeia. Veio para Fortaleza em 1946, durante a seca, trabalhar na casa da família Gentil. Foi ser cozinheira. A mansão estava localizada à beira da praia. Hoje, a casa é o sindicato dos engenheiros particulares e fica logo no final do beco, em frente onde Celsa mora atualmente. 
No dedo anelar da mão esquerda, a aliança de ouro ainda marca as lembranças vividas naquele bairro. As histórias na memória relembram o primeiro encontro com o jangadeiro. "Toda noitinha, ele passava para a praia aqui pelo beco. Tinha muita gente que trabalhava lá comigo. Ele passou uma vez e puxou assunto. Perguntou se a gente gostava de ir à praia. Logo se engraçou comigo. Eu já era noiva quando conheci o Tatá. Me apaixonei, desfiz o noivado e casei. Ele era mais velho e tinha mais juízo.(risos). Eu fui a 4º esposa dele"

Orson Welles e os pescadores

O batom vermelho nos lábios se destacava sobre a pele negra e combinava com o vestido longo que usava. "Paulinha que mandou pra mim da França. Ela manda é muito, tenho um vestido de seda chinesa. Às vezes, manda as fazendas bonitas também. Esse aqui tem mais de 10 anos." 

Paulinha e Sadi foram os filhos que ainda teve com Tatá, já passando das seis décadas de vida. O caçula, que tem o nome do pai, Raimundo Correia Lima Júnior, na boca da mãe, ganha o apelido de Sadi. Com menos de um ano de diferença, Paula Maria Lima Martin é, carinhosamente, Paulinha. "Minha filha conheceu o francês tomando banho de mar. Aqui, na Praia do Lido (atualmente praia em frente ao restaurante Tia Nair). Eu não queria que ela se casasse. Ela tinha 18 anos e ele era 20 anos mais velho. Casaram. Foi lindo o casório, lá na Catedral. Mora lá, com ele, até hoje. Paul Pierre." E a história se repetiu. 

Sadi também foi embora, com 21 anos. Encontrou uma australiana, lá em Belém do Pará. "Tão linda ela. Os olhos verdes da cor do mar. Lá na Austrália já teve cinco filhos. Cada um com uma mulher diferente". Atualmente, vive com a chilena Cinthya. "E tá esperando mais uma menina, agora pra dezembro". Sadi é músico e não seguiu o desejo da mãe de ser marinheiro, mas atendeu aos anseios do pai, ficando longe do mar. Ele não queria que o filho seguisse a sina de pescador. 

Já foi à França três vezes visitar a filha, mas a última foi em 1983. "Hoje em dia eu não vou mais, não. Esses aviões tudo doido, caindo". Prefere ficar por ali, nas imediações da sua Praia de Iracema. Antigamente, adorava caminhar no calçadão da Beira Mar. Ia até o Ideal, cedinho. Agora, se aproxima do mar somente quando José a leva. "A gente senta, come uma pipoca, toma uma água de coco. Antigamente, tinham as piscininhas aqui na frente. A gente tomava banho. Era bom. Agora tá tudo poluído, tudo sujo." Passear na Beira Mar, tem que ir de carro. O joelho não permite mais a caminhada e o esforço físico. 
Foto, Brasil, CE, Fortaleza, Rua dos Tabajaras
A Rua dos Tabajaras - Foto de Mario

Aos olhos de Celsa, o tempo andou mexendo na arquitetura do bairro e na sua rua. "Com o tempo, está tudo diferente. Nem dá mais pra ver o mar daqui. Os engenheiros fizeram uma puxada ali em cima. Tampou a minha visão", reclama. A reforma do calçadão da Praia de Iracema tem causado alguns incômodos. Antes, os atletas usavam o espaço para o esporte, "agora, eles vêm fazer cooper aqui, no calçamento. Passam em frente de casa, em vez de ser lá pela praia, pelo calçadão", conta incomodada Celsa.

Ainda com um pé no sertão, passa as manhãs escutando o Reouvindo o Nordeste, programa da Rádio Universitária. Luiz Gonzaga é a trilha sonora predileta para cozinhar seu peixe frito com leite de coco. "Na casa onde eu trabalhava a gente só comia comida boa. Aí eu me acostumei... (risos). Garoupa, Pargo. Adoro!" 


Ela reclama do barulho noturno da Praia de Iracema, da sua vista do mar que se foi, mas também sonha em reformar a casa. Na televisão, assiste de tudo. "Só não gosto muito de novela imoral. Eu tenho vontade de escrever uma carta para o (Luciano) Huck. Ele ajeita casa, né!?" Extremamente ativa no lar, agua as plantas, varre a casa, e lava o terraço. Disposição não falta para as atividades domésticas. "Só não lavo roupa"

Na rua, todo mundo conhece Celsa. Na comemoração dos 80 anos, ganhou uma grande festa. A casa de forró mais conhecida da cidade fica na mesma rua de sua residência. "Paulinha tava aqui para organizar a festa. Eu lembro que fiquei cansada de tanto ir buscar gente no aeroporto. Teve a ajuda da cônsul francesa. A Fernanda, amiga da minha filha. Elas se juntaram e fizeram as batucadas lá no Pirata. A gente é muito amiga do Júlio. Paulinha, quando vem da França com as amigas, ninguém paga nada", conta orgulhosa. 

Sobre o bairro, fala afetuosa. Nem ela, nem José querem deixar a Praia de Iracema. Ir para a França? Nem pensar. Aqui ela tem José, "lá, tenho medo de me botarem na casa dos velhos". O companheiro é técnico fiscal de obra da prefeitura, passa o dia trabalhando fora. Celsa diz ter medo de morrer sozinha em casa. "Uma vez eu caí e não conseguia me levantar. Eu tava sozinha. Tentei me levantar na cadeira e ela virava pra cima de mim. Até que eu tive a idéia de ir até a cama e consegui me levantar. Eu peço é muito pra nossa senhora não deixar eu morrer só aqui em casa"

Os planos para o futuro dependem da vontade de Deus. Somente por um motivo, sairia do bairro. Nem só o dedo do homem é capaz de provocar mudanças na Praia de Iracema. "Eu peço a Deus que essa onda não venha. Vai acabar com tudo, com as casas da gente. E se não sair, morre todo mundo também". Conta Celsa que a onda terá mais de 50 metros e que ela virá até 2013. "Os pastores é tudo rezando na beira da praia. O governo tem que saber e avisar a gente. Eu sei que já tá despregando uns gelos por acolá. Eu até já sonhei, todo mundo correndo. Vai ficar só as cabeças dos morros".
 
Continua...

Fonte: Jornal O Povo

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Os pés por sobre as ruas do passado


Rua Major Facundo: neste local concentrava-se boa parte do comércio, como também espaço para o lazer como os memoráveis cinemas  - Acervo Marciano Lopes

A artéria principal da Cidade - Rua Guilherme Rocha (Antiga Travessa Municipal e Travessa 24 de Janeiro) à noite, mesmos aos sábados e domingos, após término das sessões de cinemas Moderno, Majestic, Diogo, Rex e Cine Luz, respectivamente pelas ruas Major Facundo (Rua da Palma), Barão do Rio Branco (Rua Formosa), Rua Gal. Sampaio (rua ) e Praça dos Mártires (Passeio Público), voltava reinar uma tranqüilidade. Poderiam ser vistas as pessoas que saíam dos cinemas e vinham em direção à Rua Guilherme Rocha, visando ser reconhecidas à grande distância; e, às vezes, ao sinal do assobio, identificadas para (como se dizia à época) "pegar o cavalinho" ou emparelhar-se com a pessoa chamada pelo assobio, a fim de caminharem juntos até o local de morada, geralmente vizinhos, entabulando conversa sobre o filme a que assistiram ou outro assunto do cotidiano.

O olho no longe

Como era linda essa Fortaleza, as suas noites!... Principalmente nos luares do mês de agosto, com a exuberante brancura da lua prateada, incrustada num céu tropical, de um azul ferrete, festejado por estrelas feito pirilampos; com sua fosforescência acendiam e apagavam, no percurso de voo, toda a luminosidade que vem cumprir no curto espaço de sua efêmera existência, mas traduzem inexoravelmente a beleza que na terra se encerra.

Fortaleza de hoje perdeu seu júbilo, uma vez que perdeu o lirismo da antiga cidade provinciana dos bondes, vendedores ambulantes; chapeados; vendedores de panelada e fígado gordo; leiteiros; amoladores de facas e tesouras; consertadores de panela de ágata e alumínio bem como frigideiras, bules e pinicos e aparadeiras, bem como o famoso papagaio e o inesquecível capitão; urinol grande - de aproximadamente cinquenta centímetros de altura de alumínio ou ágata, com tampa, colocado por detrás da porta da alcova para micção noturna; os vendedores ambulantes de óleos para cabelos, que vendiam a retalhos com medida do formato de cone em cada extremidade para servir de valor referencial para cada quantidade na venda do óleo, e o valor variava com o tipo de óleo, que, colocado em garrafa, era depositado no recipiente com o auxílio de um minúsculo funil, tudo de flandre.

Ah, não esquecer também os vendedores de lenha para cozinhar, rolinhos de lenha para fogões de ferro e ágata importada da Europa com chaleira acoplada no bojo do fogão, forno para cozinhar pé-de-moleque, bolo de milho, grude, canjica, perus, galinhas caipira, peixe e outros assados no forno.

Assim gritavam os vendedores: Olha o óleo... Tem mutamba, coco, babosa, muçambê, jasmim, coco babão, oiticica, pequi... Havia uma residência na Rua Agapito dos Santos que vendia esses produtos, tão essenciais, que eram procurados pelos vendedores.

Usos e costumes

Embora com o crescimento da população citadina fosse, assim, paralelo à chegada dos jovens depois abastados - comerciantes, pecuaristas lavradores e pessoas gradas que mandavam os filhos para estudar nos melhores colégios, geralmente internos ou pensionatos, quando retornavam, sentiam a mudanças de hábitos e costumes da terra natal. Geralmente, sob indicação de pessoas de fino trato, as moças se dirigiam aos pensionatos; e os rapazes, às repúblicas do centro da cidade.

Naquela época o vicio de fumar era considerado o pior e um dos mais condenáveis defeitos para o ser humano. Adquirir o vício de fumar era uma inclinação para o mal, abominável e até horripilante. Tanto que quando certa pessoa tomava conhecimento de alguém praticando o fumo, imediatamente procurava se esquivar daquela pessoa e havia o maior cuidado ao tornar público o fato. E quando assim ocorria de transpirar a um amigo, precavia-se em rogar com absoluto segredo quase sepulcral.

Chegava ao ouvido de quem iria confidenciar tão horrendo pecado sussurrando: "Vou lhe contar agora o que se está passando com o filho do Cel. Fulano de Tal!" - "Aquele pedaço de mau caminho, que desencabeçou a filha do compadre, gosta de beber, fazer arruaças por onde chega, engana a todos e não paga suas dívidas?" "Pois bem... É aquele mesmo... está fazendo a pior das coisas..."

E, chegando ao ouvido dizia: "Guarde todo segredo... Mas quem me veio contar não mente!" "Pois é - Vieram me dizer que ele já... já... já fuma... Que coisa!!!"

Era como se fosse a ultima coisa que uma pessoa podia fazer de ruim na vida. Fumar era mesmo que cometer um delito, ou, quase crime.

Quando alguém sabia que determinada pessoa já estava fumando procurava se precaver contra ela que estava a praticar tão horripilante vício. Até para dar a notícia do vicio de fumar escolhiam como local: - A plataforma do pavilhão do ouvido para segredar tal fato... Segundo diz a lenda, a invenção do hábito de fumar foi dos índios: misturando folhas e ervas enchiam os cachimbos de barro, de variados tamanhos, ornados por gregas e símbolos que identificavam também a tribo, e, serviam para embriagar e dormir mais rápido.

Era o sonífero de hoje que funcionava como barbitúricos que os indígenas muito antes de nós já conheciam e se utilizavam, desde então, nos seus momentos de êxtases.

Os ares da província

Mas o bom mesmo é lembrar Fortaleza nos anos 40 a 60, e, a despreocupação de seus habitantes que caminhavam a pé as altas horas da noite, desde a Praça do Ferreira, seguindo pelas paralelas ruas Liberato Barroso, Guilherme Rocha, São Paulo, Senador Alencar e Senador Castro e Silva, em direção as suas residências sem o menor sobrosso de serem molestados sob qualquer forma.

Assalto era coisa inexistente, porque reinava a tranquilidade em todos os locais. Era nessa Fortaleza de sol escaldante e luar prateado soprado pelos ventos que vinham da praia, sem pedir licença invadiam a Cidade, com amenidade causando uma autarcia a todos, cujo frescor de bem-estar ainda hoje lembrado, por noites serenas que já não temos mais, porque os tempos mudaram, deixando apenas o peito amargurado por imorredouras saudades, resistindo às procelas do cotidiano, suportando essa transformação que se opera e se desfaz dentro de cada um fortalezense, deixando um vazio que torna gigante a procurar lenitivo.

A face mítica

Ah! Praia de Iracema de tantos amantes e por todos amada. A decantada "Iracema" descrita por José de Alencar na sua obra magistral - "Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e longos do que o talhe de palmeira. O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado." Iracema - alegoria maior de nossa terra - a que se faz presente de modo indefectível: o mito é o nada que é tudo.

Iracema, que saía da Praia do Peixe e ia se postar num pedestal ao lado do seu filho Moacir, na enseada do Mucuripe, do córrego Maceió, na Avenida Beira-Mar, exibindo a protuberância dos exuberantes e sedutores seios como a própria virgem dos lábios de mel a esperar a chegada do guerreiro Branco, ouvindo o canto da graúna que vinha do alto dos coqueiros

Tal harmonia do compasso musical vem do farfalhar dos ventos entrelaçando as palmas dos coqueiros que abrigam os ninhos, orquestrando e plagiando na maviosa voz do cantor seresteiro Augusto Calheiros na canção - Prelúdios de sonata de autoria do compositor Cesar Cruz
no ano de 1946 há 64 (sessenta e quatro) anos, ainda nos embala com esse hino, agora reproduzido: 

Sinfonia música divina prece musical

Sinfonia ritmo dolente e original

Sinfonia páginas da musa de

um grande amor

Sinfonia mística orquestração

do criador

Um concerto orquestral

E belo e sentimental

Deus porque me fez poeta e

um menestrel

As estrelas lá no céu são notas

musicais

Com harmonizações originais

A lua é um disco

Em que o criador gravou uma canção

Tocada pelos anjos num conjunto

Numa grande orquestração

Há turbilhão de nuvens que

errantes vivem

Lá no firmamento

São páginas de musicas de melodia

De lua sinfonia

Prelúdio de sonata

Fugas e acordes num grande tropel

Vivem lá no espaço vagando

E se transformam

Num suntuoso vendaval

Estrelas lá no céu.

Nessa música cada estrofe exalta além da musicalidade uma mensagem de um menestrel que vagueava próximo ao "Edifício Duas Américas", esquina da Rua Guilherme Rocha com Rua Barão do Rio Branco, onde, nos altos, funcionou a Rádio Iracema de Fortaleza, sob o comando do animador e locutor Irapuan Lima. Depois, transferiu-se, então, para Rua 24 de Maio - Praça José de Alencar.


Crédito: Diário do nordeste


terça-feira, 28 de junho de 2011

As pensões da cidade


Já quase não se ouve falar nas mulheres das pensões altas ou alegres, como eram conhecidas na década de 1950. Suas proprietárias foram morrendo e as ´borboletas noturnas´ foram banidas para outros locais fora do perímetro central, mas continuaram seus encontros para deleite da juventude da época, renovado sempre o plantel. Busquemos um pouco no espaço das ´odaliscas´ e façamos um percurso ao Centro da cidade, à noite, para vermos onde elas ficavam costumeiramente encasteladas a esperar um parceiro de qualquer idade, embora houvesse as preferências no íntimo, para vender amor a retalho... e a quem melhor pagasse, ou atender às solicitações íntimas.

Embora em crônica passada tenha em breve abordagem comentada sobre as casas noturnas, bordéis, casa de cômodo denunciando feito cortiço, nos idos anos de 1940 aos anos 1970, aos jovens que se iniciavam na vida sexual .Assim, persuadido por diversos amigos, mesmo despretensioso por não ser o último abencerrage do perscrutado para falar sobre os cabarés dos anos 1950 a 1970.

Apenas para atender persuasão dos mesmos e satisfazer a curiosidade de quem nada sabe o porquê de tão elevado número de casas de recurso das ´damas da noite´, que tornava alegre a cidade, pelas diárias festas nas ´boites´, ´pensões altas´, ´casas das grinfas´, ´viveiro de borboletas noturnas´, eram nomes para uma infindável nomenclatura das pensões das ´mulheres fatais´, ´marafonas´, ´mariposas´ que vinha desde o longínquo sertão cearense, outros Estados e até outros países, e, aqui ´sentar praça!...´ como se dizia naqueles idos tempo dos anos 1940.

De preferência o Centro da cidade foi o local mais procurado para elas, e, em aqui chegando a ´madame´ que recebia, com certa manifestação de apreço das outras ´borboletas noturnas´, já veteranas na casa. O cuidado maior da madame da pensão era não deixar permanecer no prostíbulo, menor de idade, como segurança - medida de precaução, só maior de idade.

De logo, era levada para se apresentar na Chefatura de Polícia, onde ficava fichada e em seguida fazia exame ginecológico, evitando transmitir aos jovens iniciantes, preocupante ´gonorréia´ e outras doenças infecciosas que grassavam naquela época aos desprevenidos ou outras tipos conhecidas comumente como ´doenças do mundo´, ´doenças dos famosos´, ´doença venérea´ e mazelas, porque nem se falava no uso da camisinha. Como conseqüência toda cortesã que ´sentava praça´ era rigorosamente fichada no Departamento de Diversões e Costumes da Secretaria de Polícia, para registro de sua permanecia do local, ou, servindo de anotações de antecedentes de sua vida pregressa, e proteção de segurança pessoal.

Em caso de descumprimento das obrigações assumidas, a Licença de Funcionamento do lupanar era cassada por inobservar às ordens da Policia.

A jovem após exame ginecológico, preenchida a Ficha de Cadastro junto à autoridade policial, regularizava situação de prostituta, uma vez cadastrada, tinha assegurada a permanência na pensão onde estivesse, tudo com autorização da proprietária do cabaré e o visto da Delegacia de Costumes - da Chefatura de Policia - hoje, Secretaria de Segurança Pública. Tudo isso para satisfazer o desejo utópico do momento de transe, aliado ao apetite de cortejar a dama da noite, - a odalisca que quando se aproximava do cortesão, cujos olhos se transformavam em festa de atração mútua.

A cidade de Fortaleza esse quadrilátero perfeito, traçado por Adolfo Herbster, quando prefeito, agrupando avenidas, ruas, travessas, becos e vilas, serviu para atender a preferência dos primeiros habitantes que aqui se instalaram, quer no comércio, quer para residência muitas delas mista - comércio e residência, no caso da Rua Senador Pompeu - antiga Rua D´Amélia
, mas também para abrigar as doidivanas...



Rua Senador Pompeu - Foto de 1958


Pois nesse quadrilátero da cidade se estabeleceram as mais requisitadas pensões das ´andorinhas´, ´marafonas´, ´messalinas´, ´biscas´, ´chinas´, ´damas´, ´éguas´, ´fadistas´, ´mariposas´, ´moças do fado´, ´mulheres da comédia´, ´grinfas´, ´fuampas´, ´meretrizes´, ´cangatinas´, ´prostitutas´, ´horizontais´, ´mulheres de vida fácil´ e outros chulos que postadas na porta dos ´cortiços´ ou ´cabeça de porco´ aguardavam o freguês para fazer uma boa gamação - hoje ´barato legal´. Tudo sob mais auspiciosos segredos para que não transpirasse no seio das gradas famílias, que a tudo ocultava de forma sepulcral. Era assim como um verdadeiro ´sepulcro caiado´ os encontros previamente marcados com uma meretriz das ´pensões altas´ do Centro com os senhores maduros de idade.
Fazendo um percurso pelo Centro da cidade, recordando as coisas que o tempo levou, subindo e descendo velhas escadas de casarões que antes abrigavam famílias ilustres hoje lembranças guardadas no peito. Dos tempos mais recuados, vem a ´Pensão da Amélia Campos´, defronte a Padaria Lisbonense, na Rua Dr. Pedro Borges - Beco dos Pocinhos -a mais antiga.


Era em frente a então Padaria Lisbonense (Hoje Shopping) que ficava a Pensão da Amélia Campos


Na rua Governador Sampaio, Nº 80, permaneceu por mais de uma década a ´Pensão Boite da 80´, que importava as mais chiques mulheres do Sul, sob a orientação do ´caraxué´ que atendia pela alcunha de ´Paulete´; na rua Conde D´Eu, diagonal para a Catedral, tinha um prédio antigo com escadaria de madeira e três andares, na esquina da Travessa Crato, onde funcionou durante muito tempo a ´Pensão Paraibana´, que no início dos anos 1950 pegou fogo; na rua Conde D´Eu - a ´Pensão da Graça´, de propriedade de duas irmãs paraenses; pela Travessa Crato, perto da Praça da Sé, a ´Pensão do Zé Tatá´; seguindo a Travessa Crato, esquina com a rua Floriano Peixoto, a casa da estimada Cristalina - ´Pensão Cristal´;


Rua Conde D'Eu - Anos 40


Na rua Major Facundo Nº 154/156, primeiro quarteirão entre a rua Senador Castro e Silva com rua Senador Alencar - sobrado do Dr. José Lourenço de Castro e Silva, com três andares, mais antigo prédio de Fortaleza, tombado pela Secretaria de Cultura do Ceará e restaurado em 2006, pelo Governo do Estado.

Neste local, funcionou dentre outras a Loja - Casa das sombrinhas e guarda-chuva do Sr. Antonio Correia, onde também fazia conserto de sombrinhas... Depois a ´Boite Miami Beach´ - ocupava a parte dos altos com entrada pela porta principal; anteriormente funcionou nos anos 1950 a ´Pensão Marajá´; vizinho, a ´Boite Fascinação´, rua Major Facundo, Nº 160, ambas de propriedade de Maria Medeiros - conhecida por Mariinha, com amplas dependências que se assemelhava a um pequeno hotel, com perfeita estrutura arquitetônica; na rua Major Facundo, entre a rua Guilherme Rocha e rua São Paulo, funcionou a ´Pensão Estrela´, da madame Generosa, sobradão com quatro janelões de frente, de propriedade do Sr. Sólon; ainda na rua Major Facundo com a rua Senador Alencar, a ´Pensão América´, da conhecida Madame Nininha.



Zenilo Almada


Fonte: Diário do Nordeste

Padaria Palmeira - História como memória


Imagem meramente ilustrativa

Em caminhadas matinais pela Av. Beira Mar, encontro sempre entre os caminhantes o Sr. José Paiva Sequeira, português saudosista, acompanhado por seu dedicado filho Sérgio, que faz por obrigação esse exercício para quem tem 91 anos de idade e mantém perfeita lucidez, embora tudo isso com certa dificuldade de audição.



Quando abordado, relembra os anos 40, da Padaria Palmeira, situada na rua Guilherme Rocha com rua Senador Pompeu, e, diz que o proprietário português Albano, dizia ter grande inclinação para poesia e recitava de sua autoria a quadrinha que freqüentemente recorda: ´A Padaria Palmeira / Tirou o primeiro lugar / Fornece pão à Marinha /E ao Colégio Militar / E, mais de duas mil família / Em casa particular...´

Aliás, diziam que o dono da Padaria Palmeira - Sr. Albano, gostava de declamar versos exaltando sua casa comercial, fazendo alusão aos produtos por ele fabricados, com reclames em letras garrafais, lembrando com alguns dizeres formando slogan: ´Os melhores productos de panificação são os da Padaria Palmeira´; ´Fabricação especial de biscoitos, bolachas, tijolinhos de goiaba, banana e côco´. ;´O melhor café que se bebe em Fortaleza é da Palmeira, moído no balcão a vista do freguez...´ ;´A cútis fresca e louçã, quem quer que possuí-la queira, é tomar toda manhã o puro Café Palmeira´.

A Padaria Palmeira entronizou um Santo Antônio de Lisboa, colocando-o na parte mais visível da padaria, onde prendia a atenção dos fregueses que ali se abasteciam dos produtos por ela fabricados. Era de singular importância e motivo de constante atração dos fregueses que depositam suas esmolas no pequeno cofre abaixo do nicho, principalmente por moças, solteironas ou balsaqueanas a implorar Santo Antônio de Lisboa em comovente exaltação intima, deixando transpirar os rogos a quem dela se aproximasse no pequeno santuário, cuja iluminação refletia nos rostos dos então desamparados do amor.

Um outro espaço

O grande historiador, memorialista e escritor Mozart Soriano Aderaldo, em Historia Abreviada de Fortaleza e Crônica sobre a Cidade Amada, às fls. 168, narra também a existência de um outro Santo Antônio, no prédio da rua Castro e Silva n.º 101 - hoje Edifico Ventura, com oito pavimento, construído pelo português Julio Ventura e vendido, pouco depois, a Carlos Jereissati. Frente principal para a rua Castro e Silva, com três portas para a rua Major Facundo. Em 1845, no local do Edifício Ventura, existia uma casa habitada por Dr. Pompeu, Diretor do Liceu.

Esta antiga casa foi ocupada por esse Dr. Pompeu passou depois à propriedade de Frederico Dias da Rocha casado com Umbelina Pontes, tio paterno do naturalista Francisco Dias da Rocha, pai de D. Maria de Jesus Dias da Rocha Girão, esposa do eminente civilista conterrâneo Dr. Eduardo Henrique Girão, antigo professor da Faculdade de Direito do Ceará.

Ainda em Historia Abreviada e Crônica sobre a Cidade Amada, D. Maria de Jesus lembrava-se de quando seu pai adquiriu essa casa, há uns cem anos passados, para instalar seu estabelecimento comercial de secos e molhados, vindo do prédio da esquina nordeste da mesma rua com a rua Senador Alencar, onde se instalou a loja ´A Capital´, vizinho do irmão comerciante Joaquim Dias da Rocha, primeiro membro da família portuguesa chegando aqui no Ceará.

Heranças lusitanas

A casa adquirida no fim do século passado por Frederico Dias da Rocha, objeto de nossas cogitações no momento, tinha um pequeno nicho com a imagem de Santo Antônio, manifestação patente da influência portuguesa sobre nossa gente, de que foi exemplo o nicho da antiga Padaria Palmeira, ali na esquina noroeste das Ruas Senador Pompeu e Guilherme Rocha.

Esse prédio da Rua Major Facundo, esquina com a Rua Castro e Silva, fechado o negócio de Frederico Dias da Rocha foi ocupado pelo armazém de John Peter Bernard, sogro do numismata Alcides Peter Santos, e, depois, pelo escritório comercial de um irmão do médico José Paracampos.

Somente há poucos anos alugou-o Julio Ventura, que terminou por adquiri-lo dos herdeiros de Frederico Dias da Rocha, há cerca de meio século, mais ou menos. Em seu lugar, seu novo proprietário construiu o Edifício Ventura.

Esquina da Rua Senador Alencar, lado par com Rua Major Facundo lado impar, prédio térreo com cinco (05) portas, uma das quais bem larga.

Serviu de rede à loja ´A Capital´, esquina nordeste das Rua Major Facundo e Senador Alencar. ´Fundos´ da casa do capitão Antônio Nunes, residente na Rua da Boa Vista, há cerca de quase um século passado, desta casa se transferiu para a esquina nordeste das Rua Major Facundo e Castro e Silva o comerciante Frederico Dias da Rocha, conforme antes dissemos; - na esquina da Rua Senador Alencar, lado impar com Rua Major Facundo, também lado impar, prédio s/n, embora devesse receber o n.º 253, hoje Edifício Jangada, com sete pavimentos, sendo inclusive o térreo também propriedade da Prudência Capitalização, construído no terreno de dois prédios antigamente existentes aí.. 

Registro de um insólito do passadoFoi época que se marcava, com os amigos, hora para tomar café com pão e manteiga de primeira qualidade, cujo encontro ocorria geralmente entre 15 e 17 horas, para isso sem grandes preocupações para conseguir tempo e sem muitos atropelos da vida.

Havia segurança e tranquilidade nas ruas do centro da cidade. Os transeuntes calmamente caminhavam sem medo de serem assaltados por amigos do alheio que quase não existiam. E quando surgia algum, toda cidade tinha ciência do fato.

Certa vez, em plena luz do dia, um larápio, conhecido por ´Aranha Negra´, revolucionou a todos quanto transitavam: viram-no escalando com pés e mãos até alcançar a janela de um antigo prédio, subindo pela parede do sobrado da rua Barão do Rio Branco esquina com rua Guilherme Rocha, onde funcionou uma pensão familiar (local hoje do Ed. Jalcy Metrópole
) do corretor de imóveis Artur Henrique de Oliveira, cujos irmãos Alfredo e Justino, juntamente com o Sr. Rafael Teófilo e Alfredo Machado, comandavam as negociações imobiliárias do centro da cidade de Fortaleza, que, assim, passava a ganhar uma nova roupagem urbana.

O Imponente Ed. Jalcy Metrópole

Um causo urbano

O fato ocorrido marcou durante algum tempo, na lembrança dos que por ali passavam àquela hora do dia, diante da coragem e audácia do gatuno, que desafiava a todos com sua destreza e ligeireza em subir as paredes com as mãos e auxilio dos pés, com a rapidez por ninguém antes nunca praticara. A casa, um velho sobrado de propriedade dentre outros da família da Sra. Jacinta Souto, mais conhecida por Dondon Souto, senhora portadora de distúrbios mentais, mas, muito rica, proprietária de vários prédios comerciais do centro da cidade, cujas posses garantiam-lhe fazer tratamento fora do nosso país, nas melhores clínicas do mundo. Os antigos conheciam bem a família Souto e sua riqueza que permitia uma vida nababesca e com bom tratamento médico psiquiátrico que por aqui ainda não existia, e, por isso era levada para centros médicos da Europa, acompanhada sempre por seu assistente clinico.



Crédito: Diário do Nordeste e Arquivo Nirez