quinta-feira, 30 de junho de 2011

Memórias de Celsa Gomes II



D. Celsa Gomes

Não fosse pedido expresso de Tatá, dona Celsa já tinha arribado faz tempo da casinha na rua dos Tabajaras. Brincadeira. Ela mesma ri do pedido do primeiro marido, um dos jangadeiros escolhidos por Orson Welles para seu filme, e morto há mais de 40 anos: “Não saia dessa casa de jeito nenhum”, ele insistia. Sem forro, paredes amareladas e alguns quadros desbotados, em tudo a casa exala simplicidade e um tanto de cuidado insistente. Enquanto o segundo marido, José Brasiliano Soares, conversa na calçada, Celsa Gomes Soares, 84, conta daquele tempo, quando ia tomar banho de mar na piscininha com os filhos e não se via movimentação noturna que incomodasse. 

O que está por vir?



Muitos terços rezados e tantos anos depois, dona Celsa atenta para a barulheira de boates e bares da vizinhança, e enquanto ela espera a volta do filho que vem do estrangeiro, que insiste em tirá-la dali, outros moradores se mostram descrentes das mudanças que o poder público – municipal e estadual – anunciam para a área. “Não foi feito um planejamento urbano, que quer dizer uma intervenção mais profunda”, denuncia Ricardo Rodrigues, arquiteto, há 35 anos frequentador diário do bairro por conta do escritório que mantém. “Planejamento urbano vai além de fazer obras pontuais. Isso que foi feito aqui é pavimentação, não é um projeto urbano”. E indica o calçadão.


“A prefeita idealizou uma organização social (OS) Instituto Cultural Iracema, inclusive a sede está ficando pronta, com uns 97% da obra concluída. Ela que vai ajudar nessa gestão do espaço urbano. Faz parte do programa de requalificação da Praia de Iracema, detalha Rommel Ramalho, gerente do Projeto de Revitalização da Praia de Iracema. Entre as obras previstas para serem entregues, está o Estoril, já concluído, mas à espera da OS mencionada por Rommel, o Boulevard Almirante Tamandaré, caminhando com calçadas, iluminação e falta paisagismo, o Museu do Forró em preparação de licitação junto com o Centro de Artesanato e Bar do Largo do Mincharia, entre outros.

Ricardo questiona, inclusive, os termos revitalização e requalificação. “A Praia de Iracema não morreu. E que qualidade é essa que se quer colocar aqui? Um plano diretor é uma entidade viva de acompanhamento do cotidiano do lugar, não pode ser ações isoladas”. As discussões sobre que Praia de Iracema construir para a cidade gerou o grupo na rede social Facebook, Praia de Iracema Reconstrução Já, em que antigos e novos entusiastas do Cais Bar, legenda da boemia do bairro, debatem questões diversas e a volta do bar para seu berço, depois que o Acquário do Ceará for construído. Outro grupo, gerado pelos moradores do Poço da Draga, é o Ponte Metálica, também interessados que as discussões sobre essa Praia de Iracema que está por vir incluam os moradores do bairro.

Este último propiciou ainda o envolvimento de alguns pesquisadores, como o psicólogo Fábio Giorgio. Em texto produzido a partir dos questionamentos do grupo, ele ressalta uma cidade pequena, que é a de cada um, inserida numa outra, a grande Fortaleza.

Fábio escreve: “O que hoje ocorre na pequena cidade, onde a Praia de Iracema está contida, e prefigura como o nosso território despossuído, remete-nos à grande Fortaleza, e tantos outros lugares de valor cultural para seus habitantes – que estão sendo desfigurados (ou abandonados) por interesses de ordem eminentemente financeira, e que, por suas características materiais e imateriais duráveis, bem comporiam, isto sim, um inventário de ‘Áreas de Proteção Cultural’ que poderiam ser certificadas cidade afora. Não custa lembrar que se hoje o Cais Bar ainda congrega um número considerável de memórias que evocam o que foi a Praia de Iracema para alguns, é que sua marca mantém o seu valor, antes, por aquilo que tatuou na memória da (pequena) cidade, graças à sua capacidade em ter produzido, durante anos, uma atmosfera encantatória no dia a dia da Fortaleza.”


Fonte: O Povo


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