Rua Major Facundo: neste local concentrava-se boa parte do comércio, como também espaço para o lazer como os memoráveis cinemas - Acervo Marciano Lopes
A artéria principal da Cidade - Rua Guilherme Rocha (Antiga Travessa Municipal e Travessa 24 de Janeiro) à noite, mesmos aos sábados e domingos, após término das sessões de cinemas Moderno, Majestic, Diogo, Rex e Cine Luz, respectivamente pelas ruas Major Facundo (Rua da Palma), Barão do Rio Branco (Rua Formosa), Rua Gal. Sampaio (rua ) e Praça dos Mártires (Passeio Público), voltava reinar uma tranqüilidade. Poderiam ser vistas as pessoas que saíam dos cinemas e vinham em direção à Rua Guilherme Rocha, visando ser reconhecidas à grande distância; e, às vezes, ao sinal do assobio, identificadas para (como se dizia à época) "pegar o cavalinho" ou emparelhar-se com a pessoa chamada pelo assobio, a fim de caminharem juntos até o local de morada, geralmente vizinhos, entabulando conversa sobre o filme a que assistiram ou outro assunto do cotidiano.
O olho no longe
Como era linda essa Fortaleza, as suas noites!... Principalmente nos luares do mês de agosto, com a exuberante brancura da lua prateada, incrustada num céu tropical, de um azul ferrete, festejado por estrelas feito pirilampos; com sua fosforescência acendiam e apagavam, no percurso de voo, toda a luminosidade que vem cumprir no curto espaço de sua efêmera existência, mas traduzem inexoravelmente a beleza que na terra se encerra.
Fortaleza de hoje perdeu seu júbilo, uma vez que perdeu o lirismo da antiga cidade provinciana dos bondes, vendedores ambulantes; chapeados; vendedores de panelada e fígado gordo; leiteiros; amoladores de facas e tesouras; consertadores de panela de ágata e alumínio bem como frigideiras, bules e pinicos e aparadeiras, bem como o famoso papagaio e o inesquecível capitão; urinol grande - de aproximadamente cinquenta centímetros de altura de alumínio ou ágata, com tampa, colocado por detrás da porta da alcova para micção noturna; os vendedores ambulantes de óleos para cabelos, que vendiam a retalhos com medida do formato de cone em cada extremidade para servir de valor referencial para cada quantidade na venda do óleo, e o valor variava com o tipo de óleo, que, colocado em garrafa, era depositado no recipiente com o auxílio de um minúsculo funil, tudo de flandre.
Ah, não esquecer também os vendedores de lenha para cozinhar, rolinhos de lenha para fogões de ferro e ágata importada da Europa com chaleira acoplada no bojo do fogão, forno para cozinhar pé-de-moleque, bolo de milho, grude, canjica, perus, galinhas caipira, peixe e outros assados no forno.
Assim gritavam os vendedores: Olha o óleo... Tem mutamba, coco, babosa, muçambê, jasmim, coco babão, oiticica, pequi... Havia uma residência na Rua Agapito dos Santos que vendia esses produtos, tão essenciais, que eram procurados pelos vendedores.
Usos e costumes
Embora com o crescimento da população citadina fosse, assim, paralelo à chegada dos jovens depois abastados - comerciantes, pecuaristas lavradores e pessoas gradas que mandavam os filhos para estudar nos melhores colégios, geralmente internos ou pensionatos, quando retornavam, sentiam a mudanças de hábitos e costumes da terra natal. Geralmente, sob indicação de pessoas de fino trato, as moças se dirigiam aos pensionatos; e os rapazes, às repúblicas do centro da cidade.
Naquela época o vicio de fumar era considerado o pior e um dos mais condenáveis defeitos para o ser humano. Adquirir o vício de fumar era uma inclinação para o mal, abominável e até horripilante. Tanto que quando certa pessoa tomava conhecimento de alguém praticando o fumo, imediatamente procurava se esquivar daquela pessoa e havia o maior cuidado ao tornar público o fato. E quando assim ocorria de transpirar a um amigo, precavia-se em rogar com absoluto segredo quase sepulcral.
Chegava ao ouvido de quem iria confidenciar tão horrendo pecado sussurrando: "Vou lhe contar agora o que se está passando com o filho do Cel. Fulano de Tal!" - "Aquele pedaço de mau caminho, que desencabeçou a filha do compadre, gosta de beber, fazer arruaças por onde chega, engana a todos e não paga suas dívidas?" "Pois bem... É aquele mesmo... está fazendo a pior das coisas..."
E, chegando ao ouvido dizia: "Guarde todo segredo... Mas quem me veio contar não mente!" "Pois é - Vieram me dizer que ele já... já... já fuma... Que coisa!!!"
Era como se fosse a ultima coisa que uma pessoa podia fazer de ruim na vida. Fumar era mesmo que cometer um delito, ou, quase crime.
Quando alguém sabia que determinada pessoa já estava fumando procurava se precaver contra ela que estava a praticar tão horripilante vício. Até para dar a notícia do vicio de fumar escolhiam como local: - A plataforma do pavilhão do ouvido para segredar tal fato... Segundo diz a lenda, a invenção do hábito de fumar foi dos índios: misturando folhas e ervas enchiam os cachimbos de barro, de variados tamanhos, ornados por gregas e símbolos que identificavam também a tribo, e, serviam para embriagar e dormir mais rápido.
Era o sonífero de hoje que funcionava como barbitúricos que os indígenas muito antes de nós já conheciam e se utilizavam, desde então, nos seus momentos de êxtases.
Os ares da província
Mas o bom mesmo é lembrar Fortaleza nos anos 40 a 60, e, a despreocupação de seus habitantes que caminhavam a pé as altas horas da noite, desde a Praça do Ferreira, seguindo pelas paralelas ruas Liberato Barroso, Guilherme Rocha, São Paulo, Senador Alencar e Senador Castro e Silva, em direção as suas residências sem o menor sobrosso de serem molestados sob qualquer forma.
Assalto era coisa inexistente, porque reinava a tranquilidade em todos os locais. Era nessa Fortaleza de sol escaldante e luar prateado soprado pelos ventos que vinham da praia, sem pedir licença invadiam a Cidade, com amenidade causando uma autarcia a todos, cujo frescor de bem-estar ainda hoje lembrado, por noites serenas que já não temos mais, porque os tempos mudaram, deixando apenas o peito amargurado por imorredouras saudades, resistindo às procelas do cotidiano, suportando essa transformação que se opera e se desfaz dentro de cada um fortalezense, deixando um vazio que torna gigante a procurar lenitivo.
A face mítica
Ah! Praia de Iracema de tantos amantes e por todos amada. A decantada "Iracema" descrita por José de Alencar na sua obra magistral - "Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e longos do que o talhe de palmeira. O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado." Iracema - alegoria maior de nossa terra - a que se faz presente de modo indefectível: o mito é o nada que é tudo.
Iracema, que saía da Praia do Peixe e ia se postar num pedestal ao lado do seu filho Moacir, na enseada do Mucuripe, do córrego Maceió, na Avenida Beira-Mar, exibindo a protuberância dos exuberantes e sedutores seios como a própria virgem dos lábios de mel a esperar a chegada do guerreiro Branco, ouvindo o canto da graúna que vinha do alto dos coqueiros
Tal harmonia do compasso musical vem do farfalhar dos ventos entrelaçando as palmas dos coqueiros que abrigam os ninhos, orquestrando e plagiando na maviosa voz do cantor seresteiro Augusto Calheiros na canção - Prelúdios de sonata de autoria do compositor Cesar Cruz no ano de 1946 há 64 (sessenta e quatro) anos, ainda nos embala com esse hino, agora reproduzido:
O olho no longe
Como era linda essa Fortaleza, as suas noites!... Principalmente nos luares do mês de agosto, com a exuberante brancura da lua prateada, incrustada num céu tropical, de um azul ferrete, festejado por estrelas feito pirilampos; com sua fosforescência acendiam e apagavam, no percurso de voo, toda a luminosidade que vem cumprir no curto espaço de sua efêmera existência, mas traduzem inexoravelmente a beleza que na terra se encerra.
Fortaleza de hoje perdeu seu júbilo, uma vez que perdeu o lirismo da antiga cidade provinciana dos bondes, vendedores ambulantes; chapeados; vendedores de panelada e fígado gordo; leiteiros; amoladores de facas e tesouras; consertadores de panela de ágata e alumínio bem como frigideiras, bules e pinicos e aparadeiras, bem como o famoso papagaio e o inesquecível capitão; urinol grande - de aproximadamente cinquenta centímetros de altura de alumínio ou ágata, com tampa, colocado por detrás da porta da alcova para micção noturna; os vendedores ambulantes de óleos para cabelos, que vendiam a retalhos com medida do formato de cone em cada extremidade para servir de valor referencial para cada quantidade na venda do óleo, e o valor variava com o tipo de óleo, que, colocado em garrafa, era depositado no recipiente com o auxílio de um minúsculo funil, tudo de flandre.
Ah, não esquecer também os vendedores de lenha para cozinhar, rolinhos de lenha para fogões de ferro e ágata importada da Europa com chaleira acoplada no bojo do fogão, forno para cozinhar pé-de-moleque, bolo de milho, grude, canjica, perus, galinhas caipira, peixe e outros assados no forno.
Assim gritavam os vendedores: Olha o óleo... Tem mutamba, coco, babosa, muçambê, jasmim, coco babão, oiticica, pequi... Havia uma residência na Rua Agapito dos Santos que vendia esses produtos, tão essenciais, que eram procurados pelos vendedores.
Usos e costumes
Embora com o crescimento da população citadina fosse, assim, paralelo à chegada dos jovens depois abastados - comerciantes, pecuaristas lavradores e pessoas gradas que mandavam os filhos para estudar nos melhores colégios, geralmente internos ou pensionatos, quando retornavam, sentiam a mudanças de hábitos e costumes da terra natal. Geralmente, sob indicação de pessoas de fino trato, as moças se dirigiam aos pensionatos; e os rapazes, às repúblicas do centro da cidade.
Naquela época o vicio de fumar era considerado o pior e um dos mais condenáveis defeitos para o ser humano. Adquirir o vício de fumar era uma inclinação para o mal, abominável e até horripilante. Tanto que quando certa pessoa tomava conhecimento de alguém praticando o fumo, imediatamente procurava se esquivar daquela pessoa e havia o maior cuidado ao tornar público o fato. E quando assim ocorria de transpirar a um amigo, precavia-se em rogar com absoluto segredo quase sepulcral.
Chegava ao ouvido de quem iria confidenciar tão horrendo pecado sussurrando: "Vou lhe contar agora o que se está passando com o filho do Cel. Fulano de Tal!" - "Aquele pedaço de mau caminho, que desencabeçou a filha do compadre, gosta de beber, fazer arruaças por onde chega, engana a todos e não paga suas dívidas?" "Pois bem... É aquele mesmo... está fazendo a pior das coisas..."
E, chegando ao ouvido dizia: "Guarde todo segredo... Mas quem me veio contar não mente!" "Pois é - Vieram me dizer que ele já... já... já fuma... Que coisa!!!"
Era como se fosse a ultima coisa que uma pessoa podia fazer de ruim na vida. Fumar era mesmo que cometer um delito, ou, quase crime.
Quando alguém sabia que determinada pessoa já estava fumando procurava se precaver contra ela que estava a praticar tão horripilante vício. Até para dar a notícia do vicio de fumar escolhiam como local: - A plataforma do pavilhão do ouvido para segredar tal fato... Segundo diz a lenda, a invenção do hábito de fumar foi dos índios: misturando folhas e ervas enchiam os cachimbos de barro, de variados tamanhos, ornados por gregas e símbolos que identificavam também a tribo, e, serviam para embriagar e dormir mais rápido.
Era o sonífero de hoje que funcionava como barbitúricos que os indígenas muito antes de nós já conheciam e se utilizavam, desde então, nos seus momentos de êxtases.
Os ares da província
Mas o bom mesmo é lembrar Fortaleza nos anos 40 a 60, e, a despreocupação de seus habitantes que caminhavam a pé as altas horas da noite, desde a Praça do Ferreira, seguindo pelas paralelas ruas Liberato Barroso, Guilherme Rocha, São Paulo, Senador Alencar e Senador Castro e Silva, em direção as suas residências sem o menor sobrosso de serem molestados sob qualquer forma.
Assalto era coisa inexistente, porque reinava a tranquilidade em todos os locais. Era nessa Fortaleza de sol escaldante e luar prateado soprado pelos ventos que vinham da praia, sem pedir licença invadiam a Cidade, com amenidade causando uma autarcia a todos, cujo frescor de bem-estar ainda hoje lembrado, por noites serenas que já não temos mais, porque os tempos mudaram, deixando apenas o peito amargurado por imorredouras saudades, resistindo às procelas do cotidiano, suportando essa transformação que se opera e se desfaz dentro de cada um fortalezense, deixando um vazio que torna gigante a procurar lenitivo.
A face mítica
Ah! Praia de Iracema de tantos amantes e por todos amada. A decantada "Iracema" descrita por José de Alencar na sua obra magistral - "Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e longos do que o talhe de palmeira. O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado." Iracema - alegoria maior de nossa terra - a que se faz presente de modo indefectível: o mito é o nada que é tudo.
Iracema, que saía da Praia do Peixe e ia se postar num pedestal ao lado do seu filho Moacir, na enseada do Mucuripe, do córrego Maceió, na Avenida Beira-Mar, exibindo a protuberância dos exuberantes e sedutores seios como a própria virgem dos lábios de mel a esperar a chegada do guerreiro Branco, ouvindo o canto da graúna que vinha do alto dos coqueiros
Tal harmonia do compasso musical vem do farfalhar dos ventos entrelaçando as palmas dos coqueiros que abrigam os ninhos, orquestrando e plagiando na maviosa voz do cantor seresteiro Augusto Calheiros na canção - Prelúdios de sonata de autoria do compositor Cesar Cruz no ano de 1946 há 64 (sessenta e quatro) anos, ainda nos embala com esse hino, agora reproduzido:
Sinfonia música divina prece musical
Sinfonia ritmo dolente e original
Sinfonia páginas da musa de
um grande amor
Sinfonia mística orquestração
do criador
Um concerto orquestral
E belo e sentimental
Deus porque me fez poeta e
um menestrel
As estrelas lá no céu são notas
musicais
Com harmonizações originais
A lua é um disco
Em que o criador gravou uma canção
Tocada pelos anjos num conjunto
Numa grande orquestração
Há turbilhão de nuvens que
errantes vivem
Lá no firmamento
São páginas de musicas de melodia
De lua sinfonia
Prelúdio de sonata
Fugas e acordes num grande tropel
Vivem lá no espaço vagando
E se transformam
Num suntuoso vendaval
Estrelas lá no céu.
Sinfonia ritmo dolente e original
Sinfonia páginas da musa de
um grande amor
Sinfonia mística orquestração
do criador
Um concerto orquestral
E belo e sentimental
Deus porque me fez poeta e
um menestrel
As estrelas lá no céu são notas
musicais
Com harmonizações originais
A lua é um disco
Em que o criador gravou uma canção
Tocada pelos anjos num conjunto
Numa grande orquestração
Há turbilhão de nuvens que
errantes vivem
Lá no firmamento
São páginas de musicas de melodia
De lua sinfonia
Prelúdio de sonata
Fugas e acordes num grande tropel
Vivem lá no espaço vagando
E se transformam
Num suntuoso vendaval
Estrelas lá no céu.
Nessa música cada estrofe exalta além da musicalidade uma mensagem de um menestrel que vagueava próximo ao "Edifício Duas Américas", esquina da Rua Guilherme Rocha com Rua Barão do Rio Branco, onde, nos altos, funcionou a Rádio Iracema de Fortaleza, sob o comando do animador e locutor Irapuan Lima. Depois, transferiu-se, então, para Rua 24 de Maio - Praça José de Alencar.
Crédito: Diário do nordeste
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