Marcondes Falcão Maia, nasceu na cidade serrana de Pereiro, interior do Ceará, no dia 16 de setembro de 1957, filho de dona Carminha e seu Zé Maia. Falcão tem quatro irmãos.
Além de arquiteto, compositor e cantor, Falcão também se dedicou à escrita. Seu primeiro livro, Leruiate - Dog's Au-Au It's Not Nhac-Nhac, foi lançado em 2001 e retrata toda a filosofia, o pensamento e as diretrizes falconianas.
Entrevista ao Jornal Vicentino:
Jornal Vicentino - Onde você nasceu?
Falcão - Nasci em uma cidade chamada Pereiro, no interior do Ceará. Tem um bocado de mapa que ela não está ainda, mas tá aparecendo devagarinho nos mapas. É uma cidade dessas menores que existe pelo interior do Brasil, principalmente porque é no interior do nordeste, que é um lugar muito pobre. Para ter uma idéia, quando eu nasci existia uma rua que se dividia em rua de baixo e rua de cima. Eu nasci na rua de cima. Na época devia ter uns 5 mil habitantes e hoje deve ter uns 10 mil. Lá acontece um caso interessante que é a população ao invés de crescer diminui, porque o povo vem tudo embora para São Paulo. Em São Paulo deve ter muito mais pererense do que lá na própria cidade.
JV - Qual era a situação da família na época?
Falcão - Pode-se dizer que a minha família era a aristocracia da cidade. Meu avô era juiz, era prefeito, foi o maior comerciante da Cidade. Na época que nasci, com certeza meu avô era o homem mais rico de Pereiro, só que rico para os padrões pereirenses. Quando ele foi morar em Fortaleza virou pobre. Ele tinha o mesmo dinheiro, mas em Fortaleza ele não tinha esse cacife, e talvez, se ele tivesse vindo para São Paulo moraria em uma favela. Isso por parte de meu pai. Já a família por parte de minha mãe era uma família mais humilde, mas também uma família muito grande e depois uma família inteligente, em que todos foram estudando muito e se tornaram pessoas celebres na cidade.
JV - Como foi a infância e os estudos?
Falcão - Só ouvi falar em Jardim da Infância depois que cheguei na capital, porque em Pereiro todos eram alfabetizados em casa. Minha vó foi quem me alfabetizou e quando eu fui para o grupo escolar já era na primeira série. Era um colégio de interior, com muita brincadeira. Tinha muito mais brincadeira do que estudo. Eu morava a um quilômetro ou dois do colégio e eu ia montado no jegue, mas não era jegue nosso não, era o jegue que a gente pegava na estrada. Aquele jegue que estava solto a gente montava e ia para a aula, ai na volta, se ele tivesse lá esperando a saída a gente pegava ele de volta. Tinha todas aquelas coisas de menino do interior, de sair da aula para ir tomar banho de açude, para ir jogar bola. Isso era mais ou menos na Copa de 70, então toda garotada se influenciava pelo futebol.
JV - Qual foi a trajetória nos estudos até ingressar na faculdade?
Falcão - Como lá só tinha o primeiro grau, quando a gente terminou não tinha mais para onde correr, tinha que sair de lá para continuar estudando ou ficar lá na agricultura ou algo de subsistência. Mas a família resolveu ir se embora para Fortaleza. Foi ai que continuei os estudos. Quando cheguei a Fortaleza com 13 ou 14 anos, era como se tivesse chegado em outro planeta, porque em Pereiro não tinha nem energia elétrica na época, muito menos televisão. Rádio era a única coisa que você podia imaginar em matéria de comunicação, mesmo porque jornal só chegava atrasado. Tanto é que uma coisa interessante, é que em matéria de futebol, a gente torcia para times de São Paulo e do Rio. Porque as rádios que a gente pegava lá eram desses locais. Então eu era torcedor do Santos, torcedor do Flamengo e nem sabia se tinha time lá em Fortaleza.
JV - Porque você escolheu o curso de Arquitetura?
Falcão - Sempre quis fazer arquitetura. Fiz o curso de arquitetura lá na UFC, que é a Universidade Federal do Ceará. Para ter uma idéia fiz o vestibular cinco vezes para poder entrar. Escolhi arquitetura porque já era desenhista, já gostava, já fazia caricatura, tirinha de quadrinho e era o que gostava. Já gostava de música também e a faculdade de arquitetura era a única coisa parecida, que tinha arte pelo meio, lá na Universidade do Ceará.
JV - Antes de iniciar a carreira artística você trabalhou com arquitetura?
Falcão - Antes de fazer arquitetura fiz um curso de técnico de edificações em uma escola federal que tinha lá, comecei a trabalhar como desenhista de arquitetura ao mesmo tempo que fazia o curso de arquitetura. Por isso fiquei um tanto tarimbado e antes de terminar já comecei a trabalhar, fazer uns projetos pequenos, casa de cachorro, gaiola de passarinho, casa de sogra de cunhado e essas coisas (risos). Quando terminei resolvi montar um escritório com dois colegas, mas coincidiu com a época que eu comecei a cantar e não vingou muito.
JV - Como foi o início da carreira artística?
Falcão - Já na época que estava fazendo vestibular comecei a compor e fui fazendo já em um estilo mais ou menos parecido com o que faço hoje em dia, e o pessoal achava estranho, outros achavam engraçado, outros não queriam nem ouvir, e eu fui fazendo faculdade e guardando aquelas músicas. Quando foi um dia, já no final da faculdade, apareceu um festival e eu inscrevi uma música que depois até gravei, que é a música chamada Canto Bregoriano II, e foi um sucesso, de público, porque o júri deu zero (risos). A partir daí todo mundo ficou muito curioso de saber o que era aquilo, principalmente pela roupa, porque eu já fui cantar com uma vestimenta extravagante, parecida com as que uso hoje, e a cidade toda ficou curiosa e eu percebi que tinha um campo. Tinha gente besta o suficiente para escutar (risos) e ai comecei a fazer uns shows em encontros estudantis e ao mesmo tempo terminei a faculdade e quando eu vi o público já estava exigindo que eu gravasse um disco. Então gravei um disco independente que me lançou para o Brasil todo.
JV - Qual foi a reação da família quando você deixou de lado a arquitetura para dedicar-se a carreira de cantor?
Falcão - Mamãe queria me matar. Porque o cara passa cinco anos na faculdade, tinha um projeto de vida, todo mundo sabia que gostava muito de arquitetura, e ainda gosto, e a expectativa era a de que eu fosse o novo Niemeyer de Pereiro, o Lúcio Costa do Ceará e de repente o cara abandonar. Mas isso foi até ela ver a minha primeira apresentação. Digo: ‘Mamãe, vamos assistir para senhora ver a desgraça que é’ (risos). Mas quando ela viu ela disse ‘é você tem razão, fique cantando mesmo que é ruim mas o povo lá estava adorando e tem sinceridade. As pessoas tão querendo e precisando de alguma coisa assim, então vá enfrente’. A partir daí foi legal porque a família toda passou a incentivar e ser fã.
JV - Quais foram as influências musicais em sua carreira?
Falcão - Tinha alguns ídolos como Raul Seixas, Zé Ramalho ou um compositor cearense chamado Belchior. Eu sempre gostei mais dos caras que fazem música mais letral do que musical. Gosto mais da letra do que da música, porque como não sei música nenhuma, só sei tocar violão de ouvir, tinha que ir pelo lado da letra que era algo que tinha mais jeito. Ai fui começando a querer ser, uma época queria ser Bob Dylan, depois queria ser Frank Zappa, depois Raul Seixas, e essa mistura desse povo que eu queria ser é que começou a pintar esse Falcão. Como eu vi que não podia ser esses caras, por causa do talento, da voz e aquele negócio todo, eu pensei: eu tenho que ser uma coisa irreverente, tem que ser algo diferente, puxando para o humor que é algo que o povo brasileiro gosta muito. Eu não fui fabricado. Eu já tinha personalidade irreverente. Foi quando eu tive a idéia de fazer alguma coisa puxada para o brega, porque o brega é aquela história do povo brasileiro, das nossas raizes bem populares.
Com Roberto de Carvalho, Rita Lee e o senador Eduardo Syplicy - Ego
JV - Quando estourou a primeira música?
Falcão - Canto Bregoriano II é uma música que estourou lá na cidade e todo mundo começou a querer que eu cantasse em tudo que é lugar e a partir dela eu comecei a compor com parceiros e fiz muita música na época, e quando gravei o disco foi quando estourou I am not dog no, que era uma música do Waldique Soriano que a gente passou para o inglês, e foi em frente. Quando o pessoal conhece a primeira música vai atrás de saber as outras e as outras também começaram a estourar.
JV - Você se considera extremamente irreverente. Da onde vem tanta irreverência?
Falcão - Acho que isso é mesmo da personalidade do indivíduo e também porque nós brasileiros, principalmente os nordestinos, devido a ser um povo pobre e sem perspectiva e feio também, quanto mais feio o cara é, mais irreverente ele procura ser para poder se sobressair, e isso é uma marca do brasileiro. Depois que comecei andar pelo Brasil todo, desde do Amazonas até o Rio Grande do Sul, fui vendo que nós somos todos muito parecidos. Inclusive no começo eu tinha um certo receio de que as pessoas não entendessem o linguajar bem nordestino, as tiradas que a gente tem no nordeste, que claro que é um pouco diferente, mas não, o brasileiro entende tudo. É por isso que o Brasil é tão grande e é tão unido através da língua e dos costumes, porque é tudo parecido.
JV - As letras das músicas tratam de política, cultura e costumes. Qual a importância e a intenção dessas letras?
Falcão - Acho que a gente como artista mais ou menos letrado e um pouco politizado, a gente tem que passar essa experiência, principalmente porque o povo brasileiro, infelizmente ainda não é muito educado nesse sentido. O mínimo que a gente passe já é muito importante, porque o povo precisa cada vez mais se educar, e através da irreverência e de humor é muito mais fácil de ser capitado. Por exemplo, quando eu começo a falar de alguma coisa escatológica, de corno, ou de alguma minoria, e meto alguma coisa de política no meio fica muito mais fácil do povo capitar isso. Através da música simples, da música dita brega, fica mais fácil porque é aquela melodia que pega no ouvido do camarada que nem catarro e não sai mais.
JV - Chegando quase a dois mil discos vendidos e tendo feito vários shows pelo Brasil. Qual a sensação de ver esse resultado?
Falcão - É muito interessante não só ver o povo cantando, mas ver a quantidade muito grande de pessoas que entendem o que você está querendo dizer. É claro que tem gente que não entende, pensa que você é um analfabeto, que tá fazendo sacanagem, que ta fazendo isso só para aparecer, que na verdade também é (risos). Mas tem gente que entende a mensagem que estou passando, que é está mensagem política e social que eu faço questão de sempre passar e ver até onde vai. É bom você ver que tem uma geração que já foi “educada” e já sabe algumas coisas devido a escutar sua música.
Falcão já apareceu até em quadrinhos com a turma da Mônica
JV - Você escreveu o livro Leruaite: Dogs au-au it’s nhac-nhac. Da onde veio a inspiração para fazer o livro?
Falcão - Não sei nem se é inspiração. Talvez seja muito mais transpiração (risos). Na verdade é um livro de frases. São frases que andei falando, outras que eu inventei na hora para poder o livro ficar maior um pouco. Um editor lá do Ceará ficou dando corda. ‘Rapaz dá para fazer um livro porque você tem um certo estilo literário e gosta de escrever porque não lançar um livro mostrando sua filosofia’. Eu lhe disse que não tinha tempo e ele falou para fazer um livro com as frases que já tinha cometido. Ai ficou fácil porque realmente já tinha muita entrevista, muita conversa mole, os próprios encartes dos meus discos que são cheios de coisas que eu escrevo, mas foi tão legal o resultado que eu tô fazendo outros, agora sim, mais embasados. Livros com história. Vou escrever um romance, vou escrever um manual ensinando os políticos a roubarem, só não sei se eles vão aprender.
JV - Existe preconceito contra cultura Nordestina?
Falcão - Até pensava que existia, mas depois fui vendo que não era bem preconceito. Cada região tem seu bairrismo. Por exemplo, no Rio de Janeiro o pessoal não gosta muito do que vai de São Paulo, é uma coisa mais de rivalidade do que preconceito. Se um gaúcho chegar no Nordeste, ele também vai ser mais ou menos ridicularizado, porque o pessoal fica mangando. Mas ao mesmo tempo no Brasil também acontece uma integração geral. Essa mistura toda que é legal no Brasil.
JV - Qual o sentimento de propagar cultura nordestina?
Falcão - Na verdade a gente não devia nem fazer essa divisão porque a cultura brasileira é muito parecida. Claro que o Nordeste tem algumas diferenças do Sul, mas é muito importante que a gente divulgue a cultura brasileira e ao mesmo tempo rebata alguns lixos que o pessoal fica tentando empurrar lá de fora. Não por xenofobia, com tanta violência. A gente tem que ver o que é bom e fazer uma peneira para poder incorporar a nossa cultura. Afinal de contas a cultura brasileira é uma mistura de tudo quanto é ruim que vem lá de fora. A importância de qualquer artista é não só levar a cultura, mas resgatar algumas coisas que estavam meio esquecidas e avivar a memória para as coisas que estavam começando a ser esquecidas.
JV - Quais os novos projetos que estão sendo trabalhados?
Falcão - Estou para lançar um disco com músicas inéditas que está terminando de ser gravado. Porque foi lançada uma coletânea, depois de cinco anos sem gravar os fãs estavam quase enlouquecidos porque não encontravam nenhum disco meu. A coisa mais difícil do mundo é encontrar um disco do Falcão. Se um sujeito precisar fazer um chá com o disco do Falcão ele morre e não encontra (risos). Então saiu essa coletânea com os 20 sucessos do Falcão. Além disso, vamos lançar um disco de inéditas com a mesma qualidade fuleragem de sempre e os livros que estou com eles na agulha. E ainda tem projetos de levar música para fora, projeto de cinema e até telenovela eu pretendo fazer se a Globo deixar.
JV - Em 15 anos de carreira com certeza já aconteceu muita história. Qual é o episódio engraçado que te vem a cabeça?
Falcão - Tem muita coisa. Era outra coisa que dava um livro só com as andanças. Já andei em lugares que se fosse catalogar e dizer ninguém acreditava. O que tem de história de fã enlouquecida, não só mulher mais homem, viado, corno e tudo quanto é tipo de fã. Teve um fã, um fazendeiro rico, no interior de Minas que chegou no hotel onde eu estava e disse: ‘Vim aqui comprar seu paletó’. Eu disse não tá à venda não. Ai ele explicou que tinha uma namorada que queria de presente de noivado o paletó, e ele estava disposto a pagar qualquer coisa. Ai lhe falei: Olha rapaz, infelizmente não está à venda. Ai o cara disse: ‘Se vai ter coragem de acabar com meu noivado’. Rapaz o problema não é coragem, se eu vender o paletó para você como vou fazer o show. Naquela época era começo de carreira, tinha poucos paletó. Mas o cara fez eu prometer que quando chegasse em Fortaleza ia mandar um paletó para ele. A gente combinou isso e meu empresário, na época, enviou um daqueles mais antigos para poder salvar o casamento do cara.
Carteirinha da Associação dos homens mal amado do Estado do Ceará
Entrevista para o site Trash80
Livro lançado no ano 2000 e que já está em sua 5ª edição
Como você começou sua carreira de cantor? Desde o inicio apostou neste visual diferente?
Falcão – Quase que por acaso. Na verdade eu já compunha, desde a época do colégio, músicas nesse estilo que até hoje eu as faço, porém não tinha planos, nem cacife, para me tornar um cantor ou coisa que o valha. Mas, com o tempo, o amadurecimento e o incentivo dos amigos resolvi adentrar a essa carreira. O visual começou já no estilo brega, embora menos espalhafatoso que o atual. Também foi idéia de amigos e colegas que, vendo o estilo de música que eu tinha a apresentar, deram “força” ao meu visual.
Você é visto por muitos jornalistas como um grande ator, pelo seu trabalho como humorista. Já pensou em fazer algo ligado a cinema ou teatro?
Falcão – Teatro nunca, mas em cinema tenho feito algumas pequenas pontas e, realmente sinto vontade de fazer algo mais consistente, talvez um longa para o qual eu já tenho alguns rascunhos de roteiro.
No show do Tom
Como você vê o humor hoje em dia? Acha que está muito estereotipado ou chulo?
Falcão – O humor sempre foi e sempre será assim mesmo. Cada povo tem seu estilo de humor. Aliás, cada região e cada pessoa têm sua maneira particular de achar ou não achar engraçada uma situação. O que pode me matar de rir ou me parecer um humor elegante, pra outra pessoa pode ser enfadonho ou chulo. O que faz rir Hebe Camargo pode fazer chorar minha avó.
Você possui ídolos? De quem o personagem Falcão é fã? E o artista por trás dele?
Falcão – Pra começo de conversa, eu não acho que o Falcão seja um personagem. Pelo menos eu nunca mudei nada na minha conduta para subir num palco e interpretar minhas músicas. O que eu mudo para as minhas apresentações é só a roupa. Quanto aos meus ídolos, são aqueles pelos quais eu fui influenciado ainda na adolescência, entre eles: Raul Seixas, Bob Dilan, Frank Zappa, Luís Gonzaga, Waldick Soriano, Zé Ramalho…
É possível desvincular a imagem do personagem Falcão da imagem do homem Marcondes? Como é o Falcão fora do palco?
Falcão – Conforme a resposta anterior, a diferença maior é, com certeza, a roupa; embora, todo a gente saiba que em cima de um palco ninguém conserva sua verdadeira personalidade. Fora do palco e dependendo da ocasião eu sou um pouco mais comedido, talvez…
Você curte desenhos e quadrinhos? Quais os seus favoritos?
Falcão – Demais. Até, em certa época da minha adolescência, já me arrisquei e risquei algumas historinhas, tirinhas e cartuns. Pode até ser lugar comum, mas eu digo que em matéria de quadrinho gosto de tudo: “Tintim”, “Batman”, “Corto Maltese”, “Asterix”, “Little Nemo”, “Maus”, “Blueberry”, “Spirit”, “Peanuts”, “Krazy Kat”, “Pato Donald”, “Tio Patinhas”, “Homem Aranha”, “Super Homem”, “Elektra”, “Conan”, “Tex”, “Cavaleiros do Zodíaco”…