Foi uma mudança brutal. Nossa antes arborizada, bela e aconchegante cidade está desfigurada. De qualquer local que se olhe a cidade somente se visualiza prédios e mais prédios. Quem conheceu Fortaleza antes dos anos 80 jamais iria imaginar que chegaríamos a esse ponto. Enormes e incontáveis edifícios. Separados ou juntos, formando um paredão intransponível. Casas, quase nenhuma. Árvores? Nem pensar. Ressaltam-se aos olhos apenas os imensos espigões, fincados em todas as direções, e tomando completamente a paisagem. Marcos do desenvolvimento, mas ao mesmo tempo o amargo e perverso preço do progresso.
Ed. Jaqueline
Na década de 60 contavam-se nos dedos os grandes edifícios da cidade. Tinham personalidade própria e como tal, conhecidos pelos nomes, serviam como ponto de referência e eram citados orgulhosamente como símbolo do crescimento e da riqueza da capital. Alguns surgiram ainda na década de 40 mas foi no final dos anos 50, início dos anos 60 que surgiram imponentes alguns dos mais famosos edifícios da nossa cidade.
Ed. Jaqueline em construção. Foto de Nelson Bezerra |
Ed. Jaqueline em 1970 (Arquivo Lucas) e atualmente |
Dentre os grandes edifícios que fizeram nome e tornaram-se ícones da cidade merecem ser destacados: o Prédio do Cine São Luiz na Praça do Ferreira, o Prédio do hotel Savanah na Praça do Ferreira / 4400, o Edifício Jalcy Avenida na Av. Duque de Caxias e o Edifício Jaqueline na Av. Beira Mar. Todos eles, bem ou mal, ainda sobrevivem com suas ricas histórias de vida. Uma longa vida, desde a inauguração e festejado lançamento ao ocaso e atual abandono. E apesar da decadência e das ameaças teimam em permanecer em pé.
Prédio do Cine São Luis
O ainda belo e imponente edifício do Cine São Luiz domina até os dias atuais a paisagem na Praça do Ferreira, no coração da nossa cidade. Na verdade sua fama sempre foi associada ao cinema instalado no seu andar térreo. Construído em 1939, o Cine São Luiz foi durante décadas a principal casa de exibição de Fortaleza. Era uma das melhores salas de projeção do Grupo Severiano Ribeiro, que dominava o mercado cinematográfico em todo Brasil. Sinônimo de luxo e grandiosidade, sua sala de espera com seus imensos e belíssimos lustres e suas confortáveis poltronas eram citados com orgulho em todos os noticiários. Até o final de década de 60 somente era permitido o acesso nas seções de cinema quem estivesse de trajes condizentes com o local, ou seja, homens trajando terno e gravata e mulheres de vestido longo. Tinha até um pitoresco comércio de aluguel de paletós e cabides na porta do cinema, caso algum distinto cavaleiro esquecesse os trajes apropriados. Com a marginalização do centro da cidade e das salas de exibição o local foi entrando em decadência e o cinema chegou a encerrar suas atividades. Somente sobreviveu e não deu lugar a mais um famigerado templo religioso porque o prédio foi tombado pelo Estado em 1991. Alem de adquirir o cinema, o Governo do Estado comprou todo o prédio localizado acima do cinema, que está em reforma e deve ser a nova sede da Secretaria da Cultura. Sobrevive ainda sob a proteção do estado, pois apesar de tombado como patrimônio cultural, não está descartado a implosão do edifício por conta de infindáveis questões jurídicas quanto a posse definitiva do imóvel acima do cinema. Triste sina daquele local que já foi o mais charmoso ponto de cidade.
Hotel Savanah
O prédio do Hotel Savanah, próximo ao São Luiz amarga o mesmo destino. O edifício também imponente faz parte da história da Praça do Ferreira. Figurou durante anos com destaque entre os mais luxuosos hotéis da cidade. No seu andar térreo ficava instalada uma das mais conhecidas lojas de departamentos da época, as Lojas Brasileiras – LOBRÁS, ou apenas a 4400 (quatro e quatrocentos), como era conhecida, em alusão* ao número do imóvel que se destaca na fachada do edifício. E foi na LOBRÁS, no início dos anos 60, que instalaram a primeira escada rolante da cidade. Era uma imensa novidade na época e virou ponto de atração da população, em especial da periferia. Formavam-se filas para subir pelo “fantástico equipamento”. Algumas senhoras “passavam mal” ao subir pelo sofisticado mecanismo de degraus que surgiam como mágica do piso e levavam as pessoas ao andar superior da loja. Uma festa para a garotada e alguns “corajosos aventureiros" que se arriscavam tentando descer a escada no sentido contrário. Os tombos eram frequentes e subir pela escada não era para qualquer um. Vale lembrar que a escada rolante era somente de subida. Descida, somente pela escada tradicional. E na parte superior do edifício brilhava imponente o suntuoso hotel. Nada mais disso existe. Problemas financeiros e a concorrência levaram a LOBRÁS a falência e a decadência e marginalização do velho centro levou o luxuoso hotel a fechar suas portas. A antes frequentada 4400 deu lugar a um execrável Bingo, posteriormente também fechado. Atualmente todo o prédio se encontra abandonado e não se sabe qual será o seu destino.
Ainda na região central destacamos outro ícone arquitetônico da cidade: o imenso e degradado edifício Jalcy Avenida. Localizado na Av. Duque de Caxias e inaugurado em 1954, o velho Jalcy com seus 12 andares foi por longo tempo o edifício mais alto da capital. Lançado naquela época com o inovador conceito de edifício comercial e residencial, por vários anos habitar um dos seus apartamentos foi sinônimo de requinte e status. No seu andar térreo se instalaram várias lanchonetes e bares e nas décadas de 60/70 tornou-se ponto encontro da boêmia e posteriormente de prostituição. Seu destino foi o mesmo de toda região central. Marginalidade, prostituição, homossexualismo e todas as mazelas da área central da capital selaram seu destino. Com a queda do status, quem podia foi se livrando do imóvel. Grande parte dos apartamentos virou pensionatos, abrigando estudantes carentes vindo do interior, e vários outros residência de prostitutas, travestis e homossexuais marginalizados. Apesar da decadência o edifício sobrevive, com seus inúmeros problemas e aos troncos e barrancos.
A primeira escada rolante de Fortaleza surgiu aqui, nas lojas 4.400 - Lojas Brasileiras de Preço Limitado, depois conhecidas como Lobrás, inaugurada na esquina da Rua Major Facundo com Rua Pará, no dia 09 de novembro de 1957. Vemos aqui suas duas fachadas à noite, iluminadas com motivos natalinos daquele ano. Com a derrubada desse prédio foi erguido, no local, o Hotel Savanah. Arquivo Nirez
E lá na decantada Avenida Beira Mar, cartão postal da nossa bela capital, amargando destino semelhante, sobrevive o famoso Edifício Jaqueline. Construído na década de 60, foi um dos primeiros apartamentos quarto-e-sala da cidade, uma grande novidade na época e um estrondoso sucesso imobiliário no seu lançamento. Lugar disputado pela localização privilegiada, possuir um dos seus apartamentos eram símbolo de riqueza e de status. Mas por conta das dimensões reduzidas dos apartamentos, o imóvel não sobreviveu como prédio residencial e familiar. Rapidamente, não se sabe bem o real motivo, transformou-se num reduto de amantes e ponto de encontro de casais adúlteros. Como tudo no Ceará, virou piada. O prédio foi rebatizado com o codinome de “Edifício Jaquequé” e ficou conhecido como moradia de garotas de programa e de amantes de empresários bem sucedidos. Não era pra qualquer um ter e manter uma amante no Jaqueline. Pegou a má fama e não largou mais. Nos dias atuais a maioria dos seus moradores é composta por turistas, garotas de programa, travestis e alguns boêmios e solteiros renitentes. Independente dos problemas e da decadência, por conta da localização privilegiada, o edifício se mantém em pé. Assim como os outros edifícios já citados e que ainda fazem parte da paisagem e da nossa história, balança, mas não cai. Coisas da minha terra. Coisas do Ceará.
Artigo do amigo e colaborador Carlos J. H. Gurgel
* Na realidade era alusão ao valor do produto, que depois tornou-se conhecido por 1 e 99 (R$ 1,99) e mais recente, "Tudo é DEZ" (R$ 10,00).
O número da edificação nunca atingiria esse número; haja vista que, a rua Major Facundo inicia no Passeio Público, e a definição dos números é na ordem de Norte para Sul, ou Leste para Oeste, com os números pares e impares em lados opostos e definido pelo tamanho da testada do imóvel. Portanto, um imóvel com o número 4.400 estaria a 4 km e 400 metros do ponto inicial da via.
Informações de um leitor do Fortaleza Nobre. Infelizmente, não temos seu nome, pois postou como anônimo.
Lembro que o primeiro filme que assiti no São Luiz foi Star Wars em 1977. Achei o filme incrível e acho que assisti umas três sessões no mesmo dia. Fiquei impressionado com a arquitetura do cinema, com os lustres, etc.
ResponderExcluirComplementando o que vc escreveu, o São Luiz tinha capacidade para 1500 pessoas e sua sessão inaugural ocorreu em 26.03.1958 com o filme Anastácia: A Princesa Esquecida.
Valeu Nobre!
Tudo lá é encantador, desde o belíssimo lustre, as imponentes escadarias...tudo mesmo! :)
Excluir"4:400", na realidade era alusão ao valor do produto; que muito tempo, após, tornou-se conhecido por 1 e 99 (R$ 1,99) e mais recente, Tudo é DEZ (R$ 10,00)
ResponderExcluirPost Scriptum - "4:400" - vide o número da edificação nunca atingiria esse número; haja vista, a rua Major Facundo inicia no Passeio Público, e a definição dos números e na ordem de Norte para Sul, ou Leste para Oeste com os números pares e impares em lador opostos e definido pelo tamanho da testada do imóvel. Portanto, um imóvel com o número 4.400 está a 4 km e 400 metros do ponto inicial da via. Preferível CORRIGIR.
ResponderExcluirOlá amigo (a), boa tarde!
ExcluirComo o texto não é meu, preferi não modificá-lo em respeito ao autor, mas coloquei um asterisco e uma observação.
Agradeço seu comentário e se quiser deixar seu nome, darei o crédito!
Abraços
Algumas observações:
ResponderExcluir1.Para entrar no São Luiz não era necessário gravata ;bastava o paletó;
2. O aluguel de paletós era feito por uma lanchonete ou lojinha situada na Guilherme Rocha ;
3. Não sei o ano exato , mas o Ed. Jalcy Avenida foi inaugurado bem depois de 1954.
Agradeço demais as informações!!! :)
ExcluirComo o texto não é meu, não poderei fazer as correções, em respeito ao autor!
Olá, Leila! Já vi que você comentou que o texto não é seu e que não como fazer alterações, mas gostaria de fazer um registro elucidativo sobre algumas caracteríticas dadas ao Edifícil Jalcy, principalmente aquelas que não pejorativas sobre à prática homossexual no imóvel. Trata-se de um morador do 9º andar, que para além das descrições pejorativas feitas no texto, ganhou destaque na Cena Literária Brasileira. Trata-se de Samorim. Segue trecho de pesquisa realizada pelo historiador Elias Veras que menciona o fato "No apartamento localizado no 9º andar, que se transformava em “quartel general das bichas” durante o carnaval, Amorim, que assinava seus escritos com o codinome Samorim, escreveu cinco romances autobiográficos. Dois desses textos, provavelmente escritos enquanto o escritor autodidata escutava canções de Maria Bethânia e de Roberto Carlos em sua vitrola, sobreviveram ao tempo e ao esquecimento: Ilca (1971) e Nós, eles, nós (1972).
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