terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Das antigas - Das radiopatrulhas e tetéus



Outro dia, garimpando pelas páginas da revista O Cruzeiro encontrei uma preciosidade. Uma relíquia. Tava lá, em 1961, um informe publicitário da Vokswagen sobre as vantagens de se ter um Fusca como carro de polícia. Carro de polícia não, uma radiopatrulha para ser mais fiel ao palavreado corriqueiro da época. O anúncio, de página, quase não cabia a cara da joaninha estampada em preto e branco com uma luzinha vermelha no alto. Um besouro vestido de super-herói. O Fusca fazia tanto sucesso naqueles tempos que, quando criança, comprávamos em qualquer bodega ou nos históricos mercantis São José (10, 12 e outros) sucos artificiais em embalagens plásticas com motivos de fusquinhas. Existiam também as embalagens em forma de cacho de uva e laranja. Eram ''caldos de bila pintados com corantes''.

De vez em quando um Fusca da Polícia Militar aparecia no Porangabussu. Vez perdida na Tavares Iracema, rua considerada calma por aquelas bandas. Os vi algumas vezes na bodega do seu Geraldo ou de seu João Vermelho. Era pra acalmar os ânimos de bebinhos. Como crianças, por precaução de mãe, espiávamos do basculante da sala de estar a arrumação dos alterados. A mundiça do bairro cercava a joaninha da PM como formigas de asas em torno de uma lâmpada após dois ou três dias de chuvarada. Mas o negócio era mais pesado, mesmo, no Beco da Poeira, Campo do Ideal ou favela do Papôco. Eles ficavam nos arredores do bairro e eram pontos de droga.

Vi essas histórias na década de setenta. Nesse tempo, os fusquinhas da PM, ou tetéus, também chegavam arrepiando com seus macacos a bordo. Eram mais arbitrários do que vemos hoje. O cenário chumbo-oliva da ocasião justificava as aberrações. Afinal, quem botava o Brasil para marchar eram os militares.



Entrega das novas viaturas do BPTRAN, conhecidos por Teteus. 
Foto do Jornal Correio do Ceará de 11 de setembro de 1974. Lucas Jr.

AS VERANEIOS DA MORTE 

Os fusquinhas fardados em preto e branco perduraram até a década de 1980 ou um pouquinho mais. Sua potência e capacidade de explosão não eram páreo para outros motores. Numa perseguição mais arrojada comiam poeira. Entram em cena aí, as temidas Veraneios da Chevrolet. Lembro delas em azul e branco. Os camburões, viaturas prediletas dos anjinhos do COE, Comando de Operações Especiais. Eles eram também os favoritos da Ku-klux-klan brasileira, o bando do Esquadrão da Morte.

Neguinho era preso na rua por estar sem identidade, por crime de vadiagem. Vejam só! Ia também em cana só para ser averiguado. Se fosse bandido de carteirinha tava com os dias contados. Caso recebesse a pecha de comunista, ganhava uma passagem para o inferno ao ser jogado na traseira dos camburões. O Campus do Pici, lá atrás das quadras da UFC, era local de desova e tortura. Tinha gente que era obrigado a inalar a fumaça do cano de escape da Veraneio. Outros eram arrastados por uma corda amarrada dos pés ao para-choque da viatura.

Quando fui policial, de 1987 a 1992, o cenário político havia mudado um pouquinho. Tava maqueado. O presidente da República não era mais um general. João Baptista Figueiredo voltou a viver com seus cavalos e o vice-sempre-fraco de Tancredo Neves (que morreu sem assumir), José Sarney, assumiu. Politicamente foi trocar seis por meia dúzia, mas já não tínhamos um militar no poder. As polícias militar, civil e federal continuaram arbitrárias, arcaicas e torturadoras. Afinal, o ranço da ditadura militar permanece até hoje.

No final de 1987, por falta de opção de emprego, tive que experimentar a vida de um sargento de Polícia. Não era fácil. Ainda mais pra mim, que há bem pouco tempo havia terminado o básico do curso de jornalismo. Não que isso fosse grande coisa, o problema era ideológico. Mas isso são outros quinhentos. Tô contando esse blá-blá-blá todo para dizer que peguei o final dos tempos das Veraneios na PM. Para substituí-las vieram as D-20 e depois Blazers.

Mas trabalhei mesmo nas RPs Chevetts. Azul e branca, com o xadrez (cela), para uma pessoa, atrás do banco do passageiro da frente. Lembro de um fato, no começo da carreira, que foi decisivo para fortalecer o sentimento que meu lugar não era ali. Depois de ter concluído o curso de sargento, eu e outros colegas nos submetemos ao concurso para a formação de oficiais da PM. No ano que passei internado em um quartel, minha rotina era só estudo e instrução militar. No começo de 1998 estávamos aprovados, só que classificáveis. Em vagas ali pertinho da entrada. Mas um detalhe fez a diferença na hora do concurso. Enquanto fazíamos a prova com o que tínhamos estudado, boa parte de quem estava fazendo as provas recebia o gabarito antecipado das questões.

Era covardia. Filhos, irmãos, parentes e amigos de coronéis e outros oficiais recebiam o passaporte para a academia sem o mínimo esforço intelectual. Quando saiu a lista dos aprovados, estavam lá todos que haviam recebido as respostas da provas. Um desses inclusive, sargento da minha turma, passou entre os cabeças. Na escola de sargento quase foi rebaixado a cabo e depois de um ano de academia foi cortado. Era filho de um oficial.

VIATURA DA INSUBORDINAÇÃO 


Revoltados com a situação pegamos uma viatura da própria PM no 5º Batalhão e fomos a Praia do Futuro, à casa do governador fazer a denúncia e exigir justiça. Era Tasso Jereissati. Eu, e os sargentos Filho, Besair, Besanildo e Dinael só chegamos ao portão. Evanilton, na época capitão, ainda hoje segurança do governador, comunicou a ''insubordinação'' ao coronel Viana, então sub-comandante da PM. Fomos chamados e ameaçados de prisão disciplinar e até expulsão. Nos defendemos dizendo que não poderíamos ser punidos pelo justo fato de querermos ser oficiais sem usar de meios ilícitos, fraudulentos. Afinal, que tipo de oficial a PM estava formando se ele já entrava por meio de corrupção, de um crime? Resultado: três sargentos foram para a pior companhia da polícia. Eu, que fazia faculdade em Fortaleza, e o Filho fomos transferidos da capital para o 2º Batalhão em Juazeiro do Norte. O único que ainda está na PM é Antonio Carlos Nunes Filho. Depois de muito custo, oficial por méritos próprios. Ainda fiquei por lá cinco anos. Penso que atualmente exista seriedade no concurso para oficiais, pois é realizado dentro do vestibular da Uece. Mas enquanto isso não acontecia muita gente chegou a coronel na base da ilegalidade, da fraude. Daí, talvez, porque ainda exista até hoje tanto oficial envolvido com denúncias de bandidagem no Ceará. De tenente a coronel. Basta olhar os arquivos da Corregedoria das polícias ou da Auditoria Militar. De vez em quando vejo alguns deles pelas ruas. Uns já na reserva - frustrados, ainda sonhando com algum tipo de gratificação. Outros, na ativa, desfilando moral a bordo de Paratis ou Blazers. 



Demitri Túlio




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Créditos: Jornal O Povo e a primeira foto do fusquinha 
Rádio Patrulha Tetéu é de Carlos Juaçaba

3 comentários:

  1. Excelente postagem Leila Nobre. Cada vez mais seu trabalho me faz ficar empolgado.

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  2. Eu, menino à época,lembro bem que os fusquinhas da polícia eram chamados de Rita Pavone (RP de Rádio Patrulha). O Nome tetéu era específico dos fusquinhas do transito que puniam com rigor (Carne de Tetéu). As equipes que os habitavam tinham a fama de "cascaviar" os veículos à exaustão até encontrar um motivo para multá-los. Por isso, tetéu. Com o passar dos tempos, ou das políticas, dizia-se que começaram a aceitar suborno. Continuavam a esmiuçar os veículos à fim de detectar irregularidades mas, agora, em proveito do grupo, estavam abertos à subornos. O tempo tira a certeza das lembranças, mas, creio que a diferença entre os RP e os Tetéus era a inversão das cores... Talvez a cor dos paralamas fossem invertidas, não sei. Ou, talvez, o Tetéu fosse branco e azul e a RP branco e preto. Mas havia diferenças. Alguém tem lembrança mais viva?

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