quinta-feira, 8 de março de 2012

Bodega de um tudo

Diferenciada, a bodega de Antônio Firmino destacava-se. “Tem de um tudo”. Dizia o proprietário, também dessemelhante em hábitos mercantis. Enquanto concorrentes usavam gravura conhecidíssima na época, com figuras de “antes e depois”. Aquela, de um comerciante corpulento, bem vestido, exteriorizando riqueza e, a última, de um magérrimo, mal vestido e demonstrando pobreza. Nelas, os dizeres respectivos: “Vendi a dinheiro” e “Vendi fiado”. Antônio inovou com o letreiro: “Fiado foi até ontem.”.
Pouco mais de metro e meio de altura. Achaparrado e fanho. Jamais alguém o viu rindo, sem o chapéu, o slack de mescla azul e um palito permanentemente ao sabor da língua, dentes e lábios. Em movimento de um canto ao outro da boca. Certa feita, esse vezo levou-o à luta corporal. Freguês indagou-lhe se, depois de sair da latrina, ele continuava com o papel no local do uso. Mas, isso, é outra conversa. A nossa, vem agora.
O estranho entrou na mercearia, postou-se defronte ao fiteiro e ficou a olhar as mercadorias expostas. Carretéis e meadas de linhas, agulhas, zíperes, botões, dedais, sianinha e bicos. Brilhantinas Glostora, Royal Briar e Fixador Gumex. Colônias English Lavander, Leite de Rosas, Leite de Beleza e Perfume Coty. Pílulas de Vida do Dr. Ross. Óleo de Rícino, Limonada Purgativa, Aguardente Alemã e Violeta de Genciana. Afora um mundo de miudezas de armarinho.

O merceeiro, de olho no desconhecido, indagou-lhe se desejava alguma coisa. Resposta rápida. “Como dizem que aqui tem tudo, desejo uma bainha para foice.”. Réplica instantânea: “Tem as medidas?”.
O não esperado, veio, entretanto, dia seguinte, o encomendeiro trouxe a ferramenta e o bodegueiro firmou prazo de três dias para a entrega.
Colocou o instrumento sobre uma folha de papel, riscou seus contornos, com folga, e recortou dois moldes. Chico Sapateiro talhou-os em couro, uniu por costura a curvatura superior e, na inferior, colocou fechos de pressão.
A esperada gozação custou caro ao encomendador. E o dito “Tem de um tudo.” foi acrescido de “Até bainha de foice.”.


Texto do amigo e colaborador Geraldo Duarte do Diário do Nordeste


  • A Mercearia do Antônio Firmino existiu nos anos 50 e início de 1960. Funcionava onde hoje é a rua Rio Grande do Sul, entre as ruas Sergipe e Alagoas, no bairro Demócrito Rocha. Na época, o bairro denominava-se Vila Marupiara ou, mais usualmente, Marupiara. Era a mais sortida e diversificada em produtos da área.

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