Em 18 de maio de 1969, o antigo operador do Cine Familiar, Raimundo Carneiro de Araújo (Vavá), adquire e reabre o Cine Nazaré, na Rua Padre Graça nº 65, com o filme "Desafio de Gigantes".
Foto George Hudson
Sala de exibição do Cine Nazaré - Arquivo do blog Percursos Urbanos
No final dos anos 40 e início dos 50, os cinemas passaram a ser uma das principais diversões na Capital. Lazer dos mais modernos e disputados. Havia diversas salas em Fortaleza, espalhadas em bairros periféricos ao Centro. Muitos dos espaços eram do Grupo Severiano Ribeiro que, com a inauguração do São Luiz, desfez-se das parcerias para priorizar, a partir dos anos 60, a mais luxuosa sala da Capital.
Segundo Seu Vavá, como é conhecido o radiotécnico, em 1945, quando foi erguido o prédio do Cine Nazaré, o Otávio Bonfim era completamente diferente. A começar pela Lagoa da Onça, marca do bairro, e que hoje não existe mais - a não ser no imaginário dos moradores e nas marcas de algumas paredes que insistem em brejar no lugar do aterro. O primeiro arrendatário do Nazaré foi o marchante José Marcelino, que cortava carne no Mercado São Sebastião.
Na época, já existia o Cine-Teatro Familiar no bairro, feito pelos frades ao lado da igreja. O inusitado do espaço é que os espectadores assistiam ao filme praticamente ao ar livre, pois não havia paredes, só uma coberta.
O Nazaré, por sua vez, começou a funcionar em 1945, final da guerra. “Anoiteceu, o pessoal ia para o cinema, não para bar, restaurante. Muitos casamentos começaram e terminaram ali”, conta Seu Vavá, acrescentando que as mulheres levavam até crianças de colo. A não ser que o filme fosse censurado. No caso, aqueles de terror, com monstros ou os mais insinuantes, com mulheres de maiô ou cena de beijo.
Em sua programação, além de filmes comerciais, películas dos anos 40, 50...
Arquivo do blog Percursos Urbanos
Sobre a censura, o radiotécnico, que também foi censor, lembra que, ao ser exibido um filme científico, com cenas de parto e informações sobre doenças sexualmente transmissíveis, foi preciso fazer duas sessões: uma para mulheres, às 15 horas, e outra para homens, às 22. “Foi algo fora do comum, por volta de 56”, diz.
O Cine Nazaré foi tão marcante naquela época que, na exibição de “O Ladrão de Bagdá”, foi necessário abrir uma segunda sessão. Tantas pessoas esperavam do lado de fora e na lateral do cinema, que o muro caiu. “O pessoal começou a se amontoar, a gritar ‘o gato a miar’, a empurrar. Quando o muro caiu, quem estava vendo o filme nem ligou, continuou assistindo”, recorda, divertindo-se.
No cinema cabiam 300 pessoas. Havia dois tipos de ingresso: 200 nas cadeiras, de madeira no assento e no encosto, e 100 ‘na geral’, bem na frente da tela, com banco sem encosto ao invés de cadeira. Na ‘geral’, onde o ingresso era menos de metade das cadeiras, 400 réis, quando chovia era um sufoco.
A água emanava do chão, já que todo o terreno ao redor da Lagoa da Onça ficava encharcado. Para solucionar o problema, oito pisos foram sobrepostos, para aumentar o nível do chão, cuja base foi construída abaixo do nível da lagoa. “Ou a pessoal ficava de cócoras em cima do banco ou tirava o sapato, chinelo ou tamanco e ficava com as pernas na água, vendo o filme”, explica. Do lado de fora, vendedores de bolo, tapioca e café esperavam os cinéfilos para o lanche. Nada de pipoca, ainda.
Seu Vavá ressalta que sempre foi “louco for cinema”. Em 1938, passou em frente ao Teatro São José e viu, deitado no chão e brechando pela fresta da porta, o filme projetado no palco. No Cine Familiar, o dos frades, Seu Vavá começou carregando rolo de filme, com 18 anos.
Por volta de 1960, com o fim dos cinemas longe do Centro (fecharam o Ventura na atual Aldeota, o Dioguinho na praça do Colégio Militar e outros), o Nazaré também fechou. Em 1968 foi a vez do Familiar.
Dois anos mais tarde e dedicando profissionalmente somente ao cinema, Seu Vavá resolveu arrendar o Nazaré e o reabriu. Passou um ano projetando filmes repassados pelo Grupo Severiano Ribeiro, até que as despesas ficaram altas demais. Na década de 60, também arrendou salas em Sobral, Crateús, Russas e Aracati.
Esperança e Criatividade - Matéria de 2008 (Diário do Nordeste)
Arquivo de Juracy Mendonça
Já que não podia manter funcionando sua sala, seu Vavá, movido pelo saudosismo, comprou, nos anos 70, o prédio onde funcionou seu cinema, que é mantido sem alterações. É o mesmo espaço onde, agora, mais de 30 anos depois, ele instalou a nova versão do Cine Nazaré (a terceira), que ganhou corpo com o aproveitamento de equipamentos de vários outros cinemas. As 75 poltronas do lugar pertenceram ao antigo Cine Fortaleza. Os carpetes são os mesmos que cobriam as paredes e pisos das salas do North Shopping -antes da reforma. E o projetor, com mais de 60 anos de uso, veio de Belém. “É um dos melhores projetores que existem”, garante seu Vavá.
Mas nem tudo foi só na base da criatividade. O teto, em PVC, é novo. Assim como o aparelho de ar-condicionado e as instalações do banheiro. “A gente só precisa ficar de olho na entrada do banheiro das mulheres, pois não existe porta para homem sem-vergonha”, conclui. Os filmes são exibidos em três dias da semana, com duas sessões aos domingos e às quintas-feiras (16 e 19 horas) e uma sessão aos sábados (19 horas). O preço do ingresso é simbólico: dois reais a entrada inteira e um real para estudantes e idosos. Por enquanto, ainda não tem pipoca. Mas seu Vavá já pensa em terceirizar o serviço de lanches. Assim, ele garante que “o pipoqueiro que pagar o ingresso vai ter o direito de vender seu produto na entrada”.
Continua...
Vale resaltar que o querido 'Seu Vavá' e sua paixão já viraram filme: "Seu Vavá e sua paixão pela sétima arte”. O Filme é um curta sobre Raimundo Carneiro de Araújo, que dedica sua vida ao Cine Nazaré. O roteiro é de Iasmin Matos.
Imagem do filme de Iasmin Matos - Arquivo do Site Travessias
Fontes: Diário do Nordeste e Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário