Após a instauração do regime democrático em 1946, o movimento sindical sofreu forte repressão. O Partido Comunista Brasileiro foi posto na ilegalidade e seus militantes sofreram perseguições e o movimento operário foi cerceado pelo aparato policial repressivo a mando do Estado.
Contudo, o aparelho repressivo do Estado não conseguiu minar a organização dos movimentos populares. No Ceará foi significativa a ação do Partido Comunista entre os trabalhadores das fábricas instaladas em Fortaleza. No bairro de Jacarecanga muitas fábricas já havia sido instaladas, o que de certo modo, favoreceu a organização dos trabalhadores na área do Pirambu, bairro localizado na zona oeste da cidade e onde residiam os trabalhadores dessas fábricas. Nesse bairro a atuação do Partido Comunista Brasileiro era bem significativa, notadamente através do Comitê Democrático de Libertação Nacional, que juntamente com a Sociedade Feminina do Pirambu passou a organizar debates e discussões entre os moradores, sobre a questão da terra, do transporte, da água potável e da eletricidade, dentre outras necessidades básicas da população local.
Até o início dos anos 50 o Partido Comunista Brasileiro pode atuar livremente no Pirambu e em outros bairros de Fortaleza, pois até então a Igreja Católica ignorava os movimentos populares. Os religiosos se mantinham em silêncio, quase que totalmente alheios à vida pública, se dedicando apenas ao trabalho burocrático e as campanhas assistencialistas, que se resumia apenas à doação de esmolas aos pobres.
Essa postura de neutralidade mudou a partir das mudanças políticas nacionais, que passaram a exigir uma nova postura da Igreja diante das questões sociais. Quando o presidente Jânio Quadros renunciou em agosto de 1961, o país se encontrava num caos generalizado. O vice-presidente, João Goulart assumiu o país mesmo diante da resistência dos ministros militares. Jango assumiu, em 7 de setembro de 1961, num quadro de parlamentarismo híbrido, associando um presidente enfraquecido a um parlamentarismo fraco. Foi um ano muito agitado, de intensa movimentação popular. As idéias do comunismo ateu deixaram os cristãos apavorados.
E foi nessa conjuntura de crise e de reivindicações das massas por reformas sociais que a Igreja reaparece em cena, através de Movimentos Leigos e de Educação de Base, a fim de recuperar o espaço perdido para os comunistas junto ao movimento popular.
No Pirambu a Igreja entra em cena a partir da chegada do padre Hélio Campos em 1958, iniciando-se, pois, uma nova etapa de luta e organização dos moradores, sob o olhar disciplinador do padre, que se munindo do poder conferido pela instituição que representava e com o apoio de assistentes sociais, passa a realizar um trabalho de forte teor religioso e comunitário como forma de neutralizar a ação do Partido Comunista junto às massas.
A Igreja Católica através do padre e dos educadores cristãos assume uma postura progressista, visando o homem como um todo e passa a dar atenção especial à formação de lideranças populares e à luta contra a opressão. Ao mesmo tempo se contradiz ao pregar a necessidade incontestável das pessoas se manterem submissas às orientações da Igreja.
O padre Hélio em pouco tempo se tornou uma importante liderança no bairro e com o apoio da irmã Lindalva Miranda e da assistente social Aldaci Barbosa, passou a mobilizar toda a comunidade com o intuito de discutir os problemas, sendo que o que mais chamava a atenção de todos era a questão da terra.
'Organizando um trabalho de quarteirão em quarteirão e com a ajuda do padre Hélio, os moradores realizaram a Marcha na cidade no dia 1 de janeiro de 1962, reunindo 20.000 pessoas até o centro.' (BARREIRA, 1992, p.58).
A Marcha do Pirambu segundo alguns pesquisadores foi o marco inicial da luta popular em Fortaleza. Mesmo tendo existido muitas lutas populares em nosso Estado, não podemos deixar de reconhecer que a Marcha foi um dos maiores movimentos populares em nossa cidade. Ela não foi um movimento isolado, pois fazia parte de um contexto histórico de lutas e mobilizações populares. Apesar da liderança da mesma ser atribuída ao padre Hélio, não podemos negar a efetiva participação de militantes do Partido Comunista Brasileira e de lideranças sindicais.
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Na verdade, o padre Hélio, na sua forma carismática, deu uma dinâmica ao movimento sem entrar em choque frontal com o Estado e com as elites de Fortaleza. Isso reflete o caráter apaziguador do movimento. Entrando, pois, em contradição com o seu objetivo maior que era a luta por terra, trabalho e pão. Isso evidencia o esforço da Igreja Católica de tomar a direção do movimento popular no Pirambu, que sob a direção do padre Hélio Campos e do padre Arquimedes Bruno tomam a dianteira da Marcha na tentativa de excluir da mesma, a voz das lideranças sindicais e comunistas que atuavam no Pirambu na época.
Não podemos negar que a Marcha do Pirambu foi um movimento político cuja participação não se restringiu somente aos padres e religiosos, mais contou com a participação de militantes do Partido Comunista Brasileiro e de líderes sindicais, dentre os quais, podemos citar: João Meneses Pinheiro, do Sindicato dos Securitários; Marcelo Alves Ribeiro, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçados; José Braga da Silva, do Sindicato dos Têxteis; Francisco de Farias de Melo, do Sindicato dos Rodoviários; José Jatay, do Sindicato dos Músicos; Luciano barreira, da Federação dos Camponeses do Ceará; Jorge Pereira Nobre, do Sindicato dos Ferroviários; José Maria de Oliveira, da União dos Ferroviários; Milton Barbosa, do Sindicato dos Marceneiros; Francisco Anísio Lobo, do Sindicato dos Telégrafos; Padre Tarcísio Santiago de Almeida, da Federação dos Círculos Operários do Ceará e José de Moura Beleza, representando os Bancários e o Pacto Sindical de Fortaleza.
A Marcha do Pirambu foi um movimento popular que teve repercussão nacional, de caráter político inspirado nos ideais de Reformas Sociais defendidos na época por entidades cristãs e sindicais. Apesar de ser credito apenas a figura do padre Hélio Campos, não podemos negar a forte presença de militantes sindicais e do Partido Comunista.
A Marcha idealizada pelos moradores do Pirambu foi divulgada pela imprensa local com certo temor, principalmente quando o padre Hélio Campos afirmou que a mesma se tratava de uma advertência aos poderosos do Estado. Os jornais locais noticiaram o fato como se não fosse possível um padre e seus seguidores conseguir concentrar um número significativo de pessoas. Porém, o movimento se concretizou no dia 1 de janeiro de 1962, quando a população do bairro, após a celebração de uma missa no pátio à frente da Casa Paroquial às 16 horas, saiu marchando pelas ruas da Cidade, indo pela Avenida Francisco Sá, prolongando-se pela Rua Guilherme Rocha, Sena Madureira e finalmente Conde D’Eu, onde os manifestantes de forma pacífica passaram a ocupar os espaços da Praça da Sé.
A multidão de aproximadamente 30 mil pessoas conduzindo faixas, cartazes e gritando palavras de ordem por uma Reforma Social, assustaram os comerciantes que fecharam seus estabelecimentos e até as portas da Igreja da Sé foram fechadas, pois Arcebispo Metropolitano, Dom Antônio de Almeida Lustosa nunca assistira uma aglomeração tão grande de pessoas em tal espaço. Diante de tal fato, o padre Hélio pediu para todos ficarem sossegados, pois o movimento era pacifico e ordeiro e na ocasião pediu perdão ao Governador do Estado e demais autoridades pelo susto causado. Depois do susto, o Arcebispo fez um elogio a bravura dos moradores do Pirambu, o seu espírito disciplinado e ordeiro.
Na verdade, o grande temor da Igreja e das elites do Estado era a presença de militantes de esquerda e de sindicalistas, que pudessem tomar a direção do movimento em prol de seus ideais revolucionários. Mas o padre, com o apoio de religiosos, políticos conservadores e da imprensa local conseguiu até o último momento da Marcha manter a liderança da mesma, não permitindo que outras lideranças pudessem se manifestar a massa. E a idéia que ficou do movimento para a população de Fortaleza que se tratava de uma manifestação pacífica de favelados liderados por um padre que pregava o Amor, a Fraternidade e a Justiça Social.
O Mocupp - Movimento de Cultura Popular do Pirambu (1980) - Acervo Juracy Mendonça
A Marcha teve efeitos positivos para os moradores do Pirambu, pois ao seu término políticos influentes do Estado, como o Senhor Virgílio Távora, então Ministro de Aviação e Obras Públicas do Governo de João Goulart, que através de sua influência política conseguiu junto ao primeiro Ministro Tancredo Neves a desapropriação das terras do Pirambu, fato esse que se deu através do Decreto nº 1058/62 assinado no dia 25 de maio de 1962.
Juracy Mendonça pedalando pelas ruas do Pirambu em 1976 - Crédito da foto
Embora tenha conseguido a desapropriação das terras junto ao Governo Federal, o povo do Pirambu acabou perdendo uma de suas mais expressivas lideranças. Pois, decorridos os acontecimentos marcados pelo Golpe Militar de 1964, os movimentos populares foram desarticulados e suas lideranças presas ou exiladas. A Igreja e as forças da repressão no intuito de desarticular o crescente movimento de resistência dos moradores do Pirambu trataram rapidamente da transferência do padre Hélio Campos para o Estado do Maranhão, e o Pirambu foi dividido em duas paróquias: Nossa Senhora das Graças e Cristo Redentor, originando, pois, dois bairros. A partir de então, o silêncio veio à tona e os movimentos populares acabaram se enfraquecendo e o Pirambu, de bairro operário passou a ser visto pela elite local, apenas como mais uma favela de Fortaleza.
Crédito: Artigo “O Pirambu e seus atores sociais: Do povoamento em 1930 até a Marcha de 1962.” de Raimundo Nonato Nogueira de Oliveira.
Como posso conseguir fotos da grande marcha do pirambu?
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