quinta-feira, 12 de julho de 2012

O povoamento do Pirambu


A década de 1940 foi de profundas mudanças no mundo, o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos Regimes nazi-fascistas caracterizou muito bem esse período. No Brasil deu-se o fim da Ditadura do Estado Novo, iniciando-se, pois um período democrático que vigorou no país até 1964.

Foi um período de crescimento industrial e de diminuição da produção agrícola. Um verdadeiro contraste, de um lado a produção industrial crescia e do outro aumentava cada vez mais a situação de miséria da população.

O Ceará continuava a ser um estado rural e economicamente atrasado, ora era imensa a concentração latifundiária e profunda as contradições sociais. A nossa economia girava em torno do comércio e do binômio pecuária-agricultura. As atividades industriais eram pequenas, limitando-se quase que exclusivamente às fábricas têxteis e ao beneficiamento de oleaginosas como oiticica e mamona.

Em Fortaleza surgiram muitas indústrias o que de certo modo facilitou a concentração de moradores na periferia. Nesse período houve um expressivo crescimento dos movimentos populares, principalmente no bairro do Pirambu, onde era bem significativo o número de fábricas instaladas na sua proximidade, isto é, no vizinho bairro de Jacarecanga.

PirambuAv. Filomeno Gomes, ladeira em frente a Escola de Aprendizes Marinheiros, descendo para a praia. no lugar dessas casas, hoje se encontra a Paróquia São Francisco de Assis. Arquivo Nirez 

Por ser um bairro localizado na zona oeste, à beira-mar e por estar a 3 km de distância do centro da cidade, o Pirambu tornou-se um local atrativo para as famílias que devido às condições difíceis, se aventuraram a fugir do sertão, migrando para Fortaleza na procura de dias melhores.

Não só o Pirambu, mas outros bairros pobres de Fortaleza têm sua origem em decorrência dos constantes deslocamentos de lavradores sem terras e pequenos proprietários que chegavam a urbe devido à rigidez da estrutura fundiária vigente em nosso país.

As migrações se intensificaram mais nos períodos de estiagem mais prolongadas, quando centenas de famílias deixaram sua terra natal e se deslocaram para a capital, visto que, esta oferecia melhores condições e dispunha de empregos, nas indústrias nascentes na periferia da capital.



Pirambu na década de 60 - Acervo O Povo

Muitas das famílias que chegaram do interior do estado acabaram por se abrigar debaixo de pontes ou longo das praças, ou se dispunham a vagar sem rumo pelas ruas do centro da cidade. Essas famílias passaram a procurar lugares que pudessem oferecer abrigo, mesmo que esses fossem temporários. Os becos, favelas, áreas alagadas, zonas de difícil acesso passaram então a abrigar a massa de agricultores vindos do interior, pois eram os únicos locais possíveis de moradia longe do olhar disciplinador e higienizador do poder local.

O povoamento do Pirambu se insere no contexto do intenso êxodo rural que ocorre a partir da década de 1930, e da expansão da ferrovia.

De acordo com o depoimento de um antigo morador, a ferrovia facilitou o povoamento do Pirambu.


Antigo kartódromo do Pirambu - Arquivo Carlos Juaçaba

“Quando os retirantes chegavam a Fortaleza desembarcavam na estação do Otávio Bonfim e se deslocavam para o Pirambu, onde existia um Campo de Concentração. Em pouco tempo a área concentrou uma grande massa de excluídos, que se tornaram esquecidos pelas autoridades e passaram a viver de uma maneira marginal.” (Carlos Careca. Articulador cultural do Pirambu e fundador do grupo Quadrilha Raízes Sertanejas).

Durante a década de 1930, O Pirambu passou a concentrar retirantes desembarcados em Fortaleza, caracterizando-se, assim, como um território habitado inicialmente por pescadores e depois por imigrantes que chegaram ao bairro e logo se alojaram nas dunas, erguendo seus barracos e casebres de papelão, barro e palha, sem perguntar, quem era o proprietário do terreno. Muitas famílias vieram nos períodos de estiagem, deixando o interior para sobreviver na capital. Assim cresceram muitas habitações, sem nenhum planejamento, sem ruas, sem luz, sem água e higiene. Nascia assim, a favela do Pirambu. O que entendemos por favela?

O resultado da ação de grupos socialmente excluídos que ocuparam terrenos públicos ou privados, via de regra inadequada para a valorização fundiária e a promoção imobiliária. A ação desses grupos, que se dá espontaneamente, representa, de um lado, uma estratégia de sobrevivência e, de outro, de resistência a um sistema social que exclui parcela ponderável da população de suas benesses. (CORRÊA, 2001, p.163).

Surgem então as primeiras favelas na orla marítima de Fortaleza, uma área inicialmente habitada por pescadores e que nos períodos de seca passará a abrigar os retirantes que chegavam à cidade.

Como uma faixa da praia geralmente era de propriedade do Ministério da Marinha, o povo do Pirambu, procurou saber se por parte deste Ministério existia alguma proibição de alojamento neste local. A resposta foi negativa. Continuou a imigração, espalhando-se sobre oito quilômetros das dunas. 


Arquivo Jangadeiro Online

O grande fluxo de pobres na orla marítima, num espaço inicialmente ocupados por colônias de pescadores, suscita a construção de uma grande favela. Nesse espaço de migração intensa, os retirantes acabaram deixando a condição de flagelados, passando a viver como favelados.

Nessa perspectiva, evidenciamos a comunhão de pescadores e favelados que passam a dividir o mesmo espaço, vivendo por um determinado tempo em comunhão e sem conflitos aparentes. Contudo, a “paz” em seu efêmero espaço de tempo, cedeu lugar a conflitos pela posse da terra.

Por ser um bairro situado em local privilegiado, o Pirambu sempre representou um espaço de grande interesse por parte da especulação imobiliária. Além disso, sua proximidade ao centro da cidade, na orla marítima e das fábricas instaladas ao eixo viário da Avenida Francisco Sá, estendendo-se até a Barra do Ceará.

No ano de 1926, instala-se no bairro de Jacarecanga a indústria têxtil e de cigarros, em 1927 na Avenida Francisco Sá tem-se a fábrica de tecidos e em 1928 a Fábrica dos Urubus, da Rede Viação Cearense. (SOUZA, 1978, p.80).

A partir de 1930, Fortaleza passa por profundas transformações. Surgem ao longo da ferrovia da Avenida Francisco Sá, na zona oeste, os primeiros estabelecimentos industriais de porte, formando um verdadeiro pólo industrial no bairro de Jacarecanga. Nessa época, a população da cidade chegava à marca de 100 mil habitantes, na sua maioria operária e pessoas excluídas pela sociedade, que passam a viver segregado em favelas, espaços de moradia para aquelas que não viviam nas ruas a mendigar.

(...) em 1933, com as primeiras chuvas, o Governo oferecia passagens, distribuiu sementes para o plantio, mas nem todos retomaram ao Sertão. Muitos permaneceram em Fortaleza. Alguns estudos sobre o processo de favelização em Fortaleza assinalam os anos de 1932/33 como marco na expansão da periferia de Fortaleza. (SILVA, 1992, p.29).


 

Fotografia de Daniel Roman

O Pirambu é um bairro situado entre o Arraial Moura Brasil e a Vila Santo Antônio. Localizada na área litorânea, toda a paisagem foi sendo alterada por ocupação popular, constituída de pescadores, operários e pequenos comerciantes. Certamente a ocupação decorreu, também, da implantação de indústrias nesse setor. As indústrias se estendiam do bairro Jacarecanga até a Barra do Ceará.

A história de Fortaleza está no contexto de: “Grandes favelas que se transformaram em bairro e ainda hoje permanecem às margens da fachada marítima, como, por exemplo, o Pirambu”.(RIOS, 2006, p.17).

Nos anos 1940, a área que anteriormente era ocupada por colônias de pescadores e retirantes, passa a despertar a cobiça da classe dominante local. Inicia-se, então, um lento processo de expansão dessa área, com a instalação de chácaras e casas de Veraneio, os ricos atraídos pelas belezas naturais do lugar: o encontro do mar com o Rio Ceará, os coqueiros e as dunas, faz do Pirambu um território de elevado valor paisagístico.

Pirambu a maior favela do Ceará e a 7ª maior do Brasil

Assim, motivados pela especulação imobiliária, famílias ricas de Fortaleza, passaram a reclamar junto ao Ministério da Marinha, os direitos como proprietários das terras do Pirambu.

Mas os moradores do bairro não ficaram de braços cruzados, começaram a se organizar e por meio de muitas lutas e com apoio de diversas instituições conseguiram permanecer na área sob constante tensão.

De acordo com documentos disponibilizados no Centro de Documentação do Pirambu (CPDOC), o bairro até o início da década de 1940 já abrigava um número significativo de operários que trabalhavam nas indústrias localizadas na Avenida Francisco Sá e no bairro de Jacarecanga. Nessa época era imensa a influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos movimentos populares de Fortaleza. A experiência sindical dos trabalhadores que residiam no Pirambu e a ação do PCB na periferia da cidade, foram importantes para a organização da famosa Marcha de 1962, cuja reivindicação era Terra, Trabalho e Pão.

Além da atuação do PCB, o Pirambu também contou com forte influência da Igreja Católica, principalmente após a chegada do Padre Hélio Campos em 1958. O Padre teve papel importante na conscientização dos moradores na luta pela terra, pois através do Evangelho, passou a fazer uma análise da conjuntura sócio-político-econômica da área em que residiam muitas famílias esquecidas pelas autoridades.


 

Padre Hélio Campos


O Pirambu havia se tornado em pouco tempo um bairro bastante populoso, mas a realidade era deprimente, pois faltava infra-estrutura básica, as famílias habitavam barracos sem nenhum saneamento, infestados de verminoses, as mães davam à luz no único cubículo, numa esteira de palha.

As ameaças de despejo eram constantes, o que levou o Padre Hélio Campos a adotar uma postura crítica em relação ao poder local. Tal fato pode ser evidenciado a partir de um depoimento de um antigo morador do Pirambu, onde podemos perceber a coragem do Padre na sua luta a favor dos pobres, enfrentando aqueles que se diziam proprietários das terras e as autoridades policiais.

“Uma vez, quando a polícia quis derrubar uma casa, o Padre Hélio subiu no telhado e gritou de cima, que podiam começar. (...) Ele bem organizou a sua defesa e um sistema de alarme que podia avisar no período de uma hora quarenta mil paroquianos. (...) Mesmo depois de uma declaração jurídica oficial em favor dos proprietários, o Padre continuava a defender os pobres, pois duvidava do valor e legalidade dos documentos apresentados. (...) Quando 19 famílias deviam deixar suas casas, ele mandou soltar quatro horas antes 19 foguetes, e imediatamente juntaram-se, bem em ordem, os homens do Pirambu, para impedir o trânsito nas entradas do lugar. As mulheres e as crianças formavam um círculo bem fechado, ao redor das casas comprometidas. O resultado? Não se pensa mais na possibilidade, de desterrar o povo do Pirambu, sabendo, que qualquer nova tentativa provocaria uma revolta pública na cidade, pois, os estudantes e operários entrariam logo no primeiro alarme do Padre Hélio, em ação”. (Carlos Careca. Antigo morador do Pirambu e organizador do grupo Quadrilha Raízes Sertanejas).


Além de mobilizar os moradores contra as ordens de despejos, o Padre Hélio passou a denunciar na imprensa a situação de miséria do povo do Pirambu e para tal contou com o apoio de jornais locais, notadamente o Democrata. Um jornal criado em 1945 pelo Senador Olavo Oliveira e adquirido em 1946 pela secção local do Partido Comunista do Brasil.




Crédito: Artigo “O Pirambu e seus atores sociais: Do povoamento em 1930 até a Marcha de 1962.”  de Raimundo Nonato Nogueira de Oliveira. Desenho de Guga Detoni

11 comentários:

  1. primoroso! é muito legal conhecer cada recanto de Fortaleza e sua história através desse blog.

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    1. Muito obrigada, Patrícia, fico feliz que esteja gostando! :)

      Forte abraço

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  2. Eu queria saber quando foi inaugurado o kartódromo do pirambu na Av.leste oeste. Obrigado!
    Vinícius Vitor.

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  3. Eu costaría de encontrar familiares da minha vozinha que hje tema 86anos e nao sabe dos irmaos pq velo embora pro Acre e perdeu contacto eles moravam en pirambu

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  4. Também gostaria de saber mais sobre a história desse Kartódromo, quando foi construído, porque foi desativado. Obrigado e belo material!

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  5. Morei rente a avenida (lado oposto do Pirambu) entre 94 e 99. É uma grande nostalgia relembrar, por exemplo este Kartódromo, apesar de que na minha época era apenas um campo de terra batida com uma modesta arquibancada de madeira. E essas duas quadras de futsal onde tanto joguei entre outras adjacências.

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  6. Aí que saudade da minha infância no bairro Pirambu ...

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  7. Bom dia Leila, sou fundador do projeto Jornalistico Pirambu News e gostaria que você enviasse para este e-mail pirambunewsnoticias@gmail.com artigos referentes as historias do nosso querido bairro. Desde já te agradeço

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  8. Estou procurando a família do Senhor Carmelo antigo morador do Pirambu na década de 70.Ele tinha um filho chamado Carmelio Filho,um chamado Francisco e um chamado Arlindo e duas filhas.Uma era enfermeira do Hospital Cesar Cals.Seu Carmelio era maquinista .Eles moravam próximo a rua Nossa Senhora das Graças,numa esquina bemnproxima a igreja.

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  9. 989364445 meu contato para quem conhecer essas pessoas.Eles são meus familiares.

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  10. Estou procurando a família do Senhor Carmelo antigo morador do Pirambu na década de 70.Ele tinha um filho chamado Carmelio Filho,um chamado Francisco e um chamado Arlindo e duas filhas.Uma era enfermeira do Hospital Cesar Cals.Seu Carmelio era maquinista .Eles moravam próximo a rua Nossa Senhora das Graças,numa esquina bemnproxima a igreja.Contato 989364445

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