DiMaio havia instalado a primeira sala de exibição cinematográfica de Fortaleza, o Cine DiMaio. O sócio de Luiz Severiano Ribeiro era Alfredo Salgado, empresário e homem de negócios, que mais tarde irá
investir no Cine - Theatro Majestic Palace.
Alfredo Salgado foi um importante nome na luta pela abolição da escravatura. Nascido em Fortaleza, no
dia 1º de setembro de 1855, era filho de Francisco Luís Salgado e Virgínia da Rocha Salgado. Aos
quatorze anos de idade, vai estudar na Inglaterra, graduando-se em Comércio. Alfredo Salgado trabalhou na Casa Inglesa, uma filial cearense da firma Singlehurst & Cia., de Liverpool. Durante muitos anos foi intérprete no comércio local dos idiomas alemão, francês e inglês, sendo respeitado em seu meio social.
Alfredo Salgado foi membro da Sociedade Perseverança e Porvir, dedicada à luta pela Abolição da Escravatura e transformada posteriormente na Sociedade Cearense Libertadora.
Ele compartilhava suas idéias abolicionistas no Clube Iracema, cuja inauguração ocorreu em 1884, ano da Abolição da Escravidão no Ceará. Este clube era “...muito mais que um mero espaço para diversões refinadas, pois logo se transformou em um núcleo irradiador de expressivos movimentos sócio - políticos e círculos de saber em Fortaleza no final do século passado”. (Sebastião Rogério Ponte)
Transitando nestes espaços de lazer e fazendo parte da elite comercial da cidade, Alfredo Salgado era respeitado em seu meio social além de ser uma das figuras mais destacadas da cidade. Como ressalta o historiador Raimundo Girão, o cearense Alfredo Salgado era “Finamente educado, cavalheiroso, sempre brumelicamente trajado, mesmo durante
a velhice, gozou de grande relevo social, e no seio das classes comerciais manteve-se como figura de alto acatamento “.
A presença de Alfredo Salgado, como investidor na área de cinema, mostra uma mudança em relação aos primeiros exibidores no país –estrangeiros, como por exemplo, os italianos Vitor DiMaio e Paschoal Segreto. Estes exibidores de outrora geralmente eram homens de posses medianas e ligados ao ramo da
diversão.
Vitor DiMaio, na condição de exibidor ambulante, esteve em várias cidades brasileiras e também chegou a instalar salas fixas de cinema, como foi o caso do já referido Cine DiMaio. Este pioneiro, nascido em Nápoles, a 14 de abril de 1852, dedicou-se ao cinema por toda vida chegando à velhice pobre e doente, vindo a falecer no dia 21 de abril de 1926, em Fortaleza, no Café Art – Nouveau, no mesmo prédio onde havia instalado o Cine DiMaio.
Paschoal Segreto, imigrante pobre vindo da Itália, foi o primeiro grande empresário voltado para o entretenimento no Brasil. Junto com seu irmão Gaetano, chega ao Brasil em 1883, iniciando uma trajetória de bastante sucesso no ramo das diversões. Pioneiro, funda a primeira empresa de porte e de nome nacional do setor, a mitológica EMPRESA PASCHOAL SEGRETO, que Paschoal nunca formalizou e só foi registrada depois de sua morte. Paschoal observa o sucesso das exibições irregulares do cinematográfico realizadas no Rio e mesmo com a instabilidade da energia por vezes prejudicando a nitidez das sessões, resolve investir no negócio. Em 31 de julho de 1897, em sociedade com Cunha Sales, funda na privilegiada rua do Ouvidor o SALÃO DE NOVIDADES PARIS NO RIO, a primeira sala “fixa” de exibição cinematográfica do país. Com o extraordinário sucesso de público do SALÃO, o cinema seria a menina dos olhos de Paschoal, investimento no qual apostaria antes que qualquer outro aqui. Também com o cinema ficaria conhecido e daria uma nova dimensão a seus negócios. Duplamente pioneiro, além de importar fitas para a programação
regular da sala, manda seu irmão Afonso para o exterior comprar e aprender a manejar um equipamento cinematográfico. Em agosto de 1898, um incêndio destrói por completo o SALÃO DE NOVIDADES PARIS NO RIO, assim como o resto, os dois outros andares onde os Segreto guardavam equipamentos e estoques e moravam. No entanto, o prédio estava no seguro, e, depois de contestado, Paschoal é pago e, em janeiro de 1889, reabre o cinematógrafo, já sem a parceria de Cunha Sales, que leva seus negócios para Petrópolis, onde era menos notório.
Afonso Segreto junto aos primeiros projetores
Com relação a Alfredo Salgado, ele fazia parte daquela classe média que havia ascendido como elite na virada do século XIX para o XX. Por qual motivo ele investiu em cinema? O que significa sua inserção na atividade cinematográfica em parceria com Severiano Ribeiro? O fato do cinema ser um capital novo que passava a circular na cidade e as mudanças ocorridas com o cinema no âmbito mundial podem nos ajudar a entender a presença de Alfredo Salgado como sócio investidor de Luiz Severiano Ribeiro.
Quando em 1915, Alfredo Salgado fez parceria com Severiano Ribeiro na criação do Cine Riche, buscava obter lucro com a atividade cinematográfica em um momento onde estavam ocorrendo mudanças significativas nas práticas de exibição cinematográfica em termos mundiais. À partir deste ano, a indústria cinematográfica visava atingir um público consumidor burguês, isto é, um público distinto daquele de outrora quando o cinema era um divertimento barato e voltado para o público masculino.
O Cine Riche funcionava no mesmo prédio onde antes esteve o
Café Riche, na Guilherme Rocha, ao lado da Praça do Ferreira
As mudanças nas práticas de exibição visavam atender a um público elitizado, abonado financeiramente, que passava a ter no cinema um elemento de diferenciação social. Vale ressaltar que a presença do público feminino passa a ser valorizada com a feitura de produções cinematográficas voltadas para as mulheres. O cinema mudou seu formato de exibição, deixando de ser uma simples curiosidade popular para atrair um novo público “...com as possibilidades narrativas abertas pela linguagem cinematográfica a atividade
tende a se dignificar através das novas histórias que passa a contar, atraindo o público burguês, o que demanda mudanças nas práticas de exibição.” (SCHVARZMAN, Sheila. Op. Cit., p. 154)
Em Fortaleza, a elite composta por médicos, advogados, jornalistas, professores e sobretudo comerciantes, era o grupo social que passava a ter no cinema um lugar de distinção social. Certamente visando lucrar com este novo público consumidor e possuidor de capital, tendo a frente a elite comercial, é que Alfredo Salgado, que já era um grande comerciante, passa a negociar com Luiz Severiano Ribeiro. Assim sendo, Alfredo Salgado investia nas salas de cinema, enquanto Severiano Ribeiro ficava responsável pela gestão do empreendimento.
Apostando nesse novo público, em 1915, com o Cine Riche e, em 1917, com o Cine Theatro Majestic Palace, Alfredo Salgado e Severiano Ribeiro fizeram uma parceria que favoreceu a consolidação deste último como grande nome da atividade cinematográfica. Ao se aliar a Alfredo Salgado, Luiz Severiano Ribeiro fazia parceria com uma importante figura da sociedade cearense, o que lhe dava mais credibilidade e inserção neste grupo social influente da cidade.
Ao entrar na atividade de exibição cinematográfica, Luiz Severiano Ribeiro não se contentou em ser apenas mais um proprietário de sala de exibição cinematográfica, ele queria ser o principal. E conseguiu, obtendo além disso, o monopólio na distribuição dos filmes.
Com relação aos seus concorrentes, Severiano Ribeiro adotou como prática pagar mensalmente para que estes mantivessem seus cinemas fechados. Os contratos de fechamento eram pelo prazo de dez anos. Os exibidores Júlio Pinto, José de Oliveira Rola e Henrique Mesiano eram os concorrentes que aos poucos foram sendo superados por Luiz Severiano Ribeiro.
Júlio Pinto nasceu em Icó, no interior do Ceará, e era membro de uma tradicional família ligada à política cearense. A área de atuação de Júlio Pinto era o comércio e a indústria, sendo ele, um respeitável nome da sociedade de Fortaleza atuando do final do século XIX até o início do século XX, quando veio a falecer. O seu ingresso na atividade cinematográfica ocorreu com o patrocínio do Cassino Cearense, que pertencia a Empresa Carvalho & Cia, cuja instalação ocorreu em 1º de junho de 1909, com a utilização do equipamento “Stereopticon” Após a temporada do Stereopticon, logo a seguir, no dia 18 de setembro de
1909, é definitivamente inaugurado o Cinema Júlio Pinto, cuja divulgação publicitária alterna-se com a denominação de Cassino Cearense. Ao ato inaugural tinha-se o prestígio da presença do Presidente Dr. Nogueira Acioly e autoridades do Estado.
A presença do político Antônio Pinto Nogueira Acioly na inauguração do Cinema Júlio Pinto é motivada pelos vínculos familiares que uniam o Presidente do Estado, Nogueira Acioly, e o exibidor cinematográfico, Júlio Pinto (foto ao lado). Além disso, em todo o Brasil era comum a presença de autoridades nas sessões inaugurais dos mais conceituados cinemas das capitais brasileiras.
Em 1916, com a morte de Júlio Pinto e a forte presença de Luiz Severiano Ribeiro na atividade cinematográfica, o Cine Júlio Pinto declina sendo fechado no início de 1920.
José de Oliveira Rola, proprietário do Cine-Theatro Polytheama, foi outro concorrente de Luiz Severiano Ribeiro antes da década de 1920. Nascido no município de Trairí, no interior cearense, este exibidor
cinematográfico era um comerciante que atuava sobretudo nos empreendimentos ligados ao lazer, como
foi o caso da Maison Art-Nouveau.
A José Rola a cidade deve, no início do século, um dos seus mais distintos estabelecimentos: a Maison Art-Nouveau, que instala com o genro Fiuza Pequeno, um misto de restaurante e café, ponto obrigatório de reunião da juventude, e que também abrigaria o primeiro cinema fixo de Fortaleza, o Cinema DiMaio.
Maison Art-Nouveau na Rua Major Facundo em 1904
¹LEITE, Ary Bezerra. Op. Cit.., p.99-101: Apenas o nome de Afonso Segreto é mencionado nos anúncios, ao passo que não é possível afirmar se Paschoal Segreto também esteve em Fortaleza. A área de atuação de Paschoal Segreto era a cidade do Rio de Janeiro, logo ele não foi um exibidor fixo cearense.
Continua...
Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva e Arquivo Nirez
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