terça-feira, 28 de agosto de 2012

Severiano Ribeiro e a cidade: Estátua, ingressos caros e público insatisfeito



Foto de 1903 da Praça Marquês de Herval, vendo-se a Igreja do Patrocínio. Acervo Clóvis Acário 

No ano de 1928, a ACI - Associação Cearense de Imprensa, promoveu a construção de uma estátua, na Praça Marquês de Herval, em homenagem ao escritor José de Alencar, no centenário de seu nascimento:

"Em sessão extraordinária, realizada sabbado ultimo, a Associação Cearense de Imprensa, deliberou promover uma grande subscripção publica, destinada á erecção, em Fortaleza, a 1º de maio de 1929, e uma estatua de José de Alencar, commemorativa do centenário de seu nascimento..."¹

O intuito da Associação Cearense de Imprensa era angariar recursos financeiros com o apoio de órgãos e instituições importantes em Fortaleza. Foi proposta à Empresa Luiz Severiano Ribeiro e a outras empresas de diversão (cinema, teatro), a adoção de um imposto especial de 10% sobre as respectivas entradas. 



Monumento José de Alencar - Acervo Clóvis Acário

No entanto, tal imposto não foi aceito por Severiano Ribeiro, que sugeria outra forma de colaboração de sua parte:

O monumento a José de Alencar 

"o offerecimento do sr. Severiano Ribeiro Consultado pela Associação de Imprensa sobre se concordaria em crear um imposto especial nos cinemas, de sua propriedade, para auxilio á erecção de um monumento a José de Alencar, o sr. Luiz Severiano Ribeiro manifestou-se  enthusiasta da idéa da homenagem ao nosso maior escriptor, mas achava que a medida da adopção de uma taxa, não era acceitavel por vários motivos, dentre os quaes se salientava o onus que acarretaria directamente, para sua empreza, pois o publico forçosamente se retrahiria, com essa nova taxação nas entradas dos cinemas. A seu ver o cinema deve ser uma diversão eminentemente popular, ao alcance de todos, e não um passatempo que, por seu preço, se nivele ao Theatro, como o entendem alguns emprezários do paiz, sobretudo do Rio. Ali como em Recife, em Fortaleza, ou em outras capitaes onde possue casas daquelle genero, sempre se oppõe, terminantemente, á elevação do preço das entradas, já não tanto pela diminuição da renda, como, sobretudo, pela da frequencia. Um preço elevado, muitas vezes, compensa o descrescimo de espectadores. Mas o Cinema foge á sua finalidade, que não somente dar lucro aos que o exploram, mas principalmente, divertir o público, para que foi feito, e do qual deve ser sempre, a recreação por excellencia.  
Assim o imposto alvitrado não podia ser acceito.
Outros meios porém, havia, de a sua empreza concorrer para o exito da bellissima causa em que todos os cearenses estão empenhados. Seus cinemas ahi estavam, á disposição da Associação Cearense de Imprensa, que nelles podia realizar, uma vez por mez, festivaes, beneficios, etc. ou, mesmo sessões cinematographicas, cujos productos, d’duzida uma pequena percentagem para o pagamento do aluguel dos films exhibidos, reverteriam em favor da creação da estatua de José de Alencar."

Na década de 1920, a relevância do cinema e da Empresa Luiz Severiano Ribeiro os condicionou a participar de tão importante evento na cidade. O empresário Luiz Severiano Ribeiro aceita tal convite pois certamente sua participação neste acontecimento seria importante para a imagem de sua empresa perante o meio social fortalezense, uma vez que a construção do monumento a José de Alencar envolvia os mais importantes membros da sociedade local. 
No entanto, sua colaboração ocorreria desde que não ficasse comprometida sua prática comercial, ou mais precisamente, o seu lucro, seus rendimentos. De acordo com Luiz Severiano Ribeiro, o cinema deveria ser uma diversão voltada para um amplo público, não se restringindo o acesso às salas apenas a quem pudesse pagar mais. Ele não nega a finalidade lucrativa do cinema, mas alega que não poderia aceitar o imposto de 10%. O que Luiz Severiano Ribeiro não queria de modo algum era aumentar o preço dos ingressos pois tal
questão já era alvo de reclamação por parte dos frequentadores, que achavam excessivo o ingresso cobrado, que sem a taxa já chegava a até 3$300. 
Em termos comparativos, o teatro possuía entradas mais dispendiosas do que o cinema, chegando os ingressos mais caros do Teatro José de Alencar ao valor de 20$000 (Frisa).

Contudo, este era o único grande teatro da cidade e possuía frequentação restrita ao público que pudesse desembolsar tal quantia, como a elite comercial e intelectual, em consonância com as práticas elitizadas em voga, que exigiam a frequentação de espaços de distinção como o Teatro José de Alencar. A proposta de Luiz Severiano Ribeiro era a de que não houvesse a taxação de 10%, mas uma vez por mês, suas salas de exibição cinematográfica estariam disponíveis para a Associação Cearense de Imprensa, desde que a mesma pagasse o aluguel dos filmes exibidos. 
Pelo visto, para que a colaboração ocorresse, Severiano Ribeiro precisava lucrar de algum modo, então, para o aluguel dos filmes exibidos seria cobrada, “uma pequena percentagem”. E chegou a ocorrer, no Cine Moderno, uma exibição cinematográfica com tal intuito:  

MODERNO – Amanhã – 
Na “Soirée da Moda” a obra imortal de José de Alencar filmado no Brasil pela 
PARAMOUNT” 12 actos O GUARANY em beneficio da construção da estátua 
de José de Alencar.

Cartaz do filme O Guarany - Acervo Veja SP

A “Soirée da Moda” era a sessão noturna do Cine Moderno, que era a sala de exibição cinematográfica mais requintada e elegante de Fortaleza. O filme exibido era uma produção nacional, do ano de 1926, filmada por Vittorio Capellaro / Paramount Pictures
Será que o cinema teria sido incluído nas instituições colaboradoras no final do século XIX quando tal atividade era feita de forma itinerante e para um público diferente do atual, no caso o público da década de 1920, considerado “distinto”? Ao que parece, a importância do cinema nesta década de 1920 lhe deu essa condição de ser incluído entre as “nobres” instituições colaboradoras, uma vez que as salas de cinema pertencentes à Empresa Luiz Severiano Ribeiro eram frequentadas por uma elite composta por comerciantes, profissionais liberais e intelectuais, o que já é um significativo indicador da relevância do cinema na cidade de Fortaleza, neste período, para estes membros da sociedade local. 
Ao longo deste capítulo, mostramos as relações sociais que Luiz Severiano Ribeiro foi tecendo ao longo dos primeiros anos de sua trajetória comercial, onde a presença de Alfredo Salgado foi extremamente significativa nesta rede de sociabilidade composta por membros da “alta sociedade”, como por exemplo, a elite comercial, que era frequentadora das salas de exibição cinematográfica da Empresa Luiz Severiano Ribeiro. 

O convite da Associação Cearense de Imprensa a Luiz Severiano Ribeiro é algo significativo para percebermos a sala de exibição cinematográfica como integrante de redes da cidade.
Em Porto Alegre, na década de 1920, também houve um caso de cobrança de taxas dos cinemas. Na capital gaúcha, tal cobrança não era em beneficio da construção de alguma estátua, mas também não foi bem recebida pelos envolvidos na atividade cinematográfica:

Durante a década de 20, o cinema também foi motivo de grandes discussões políticas devido ao Imposto de Caridade, que taxava os espetáculos artísticos da cidade, provocando vários conflitos entre os intendentes José Montaury, Otávio Rocha e Alberto Bins, os exibidores e os distribuidores, que culminou com uma greve das salas de cinema, no início de 1929. A taxação era de 10% sobre a renda bruta das entradas, o que provocou a ira dos proprietários de cinemas.

Ao que parece, o uso das salas de exibição cinematográfica pelo poder público, tanto em Fortaleza quanto em outras capitais brasileiras, como Porto Alegre, poderia ser algo conflituoso caso os interesses comerciais dos proprietários destas salas fosse comprometido. 
A utilização das salas de exibição cinematográfica da Empresa Luiz Severiano Ribeiro era feita por outras instituições, certamente devendo ser também cobrado o uso destes espaços. Neste mesmo ano de 1928, em outra propaganda, agora do Cine - Theatro Majestic Palace, era anunciada a exibição de uma peça teatral:

Peccados da Mocidade”  hoje no Majestic 

"Subirá á scena hoje, no Majestic, a chistosa comedia musicada de Carlos Camara: Peccados da Mocidade, que tantos applausos há alcançado em todas as suas representações. O producto desse espetáculo será applicado na construcção da fachada do teatrinho do Grêmio Dramatico Familiar, no Boulevard Visconde 
do Rio Branco."

O objetivo desta exibição teatral era angariar fundos para o Grêmio Dramático Familiar, instituição fundada a 14 de julho de 1918, pelo teatrólogo cearense Carlos Câmara (foto ao lado). Provavelmente, tal exibição, assim como a do filme O GUARANY, no Cine Moderno, deve ter sido paga.  
Quando Luiz Severiano Ribeiro se pronunciou sobre o apoio à construção da estátua de José de Alencar, ao não aceitar o imposto definido pela Associação Cearense de Imprensa, uma das argumentações apresentadas por ele, como vimos há pouco, foi a de que: “A seu ver o cinema deve ser uma diversão eminentemente popular, ao alcance de todos, e não um passatempo que, por seu preço, se nivele ao Theatro...”

Ele alegava que se opunha à elevação do valor dos ingressos do cinema pois tal prática diminuiria a renda em suas salas e a frequência do público. No entanto, ao longo da década de 1920, as reclamações sobre os altos preços dos ingressos do cinema são constantemente feitas por frequentadores dos Cines Moderno e Majestic, nos jornais e revistas de Fortaleza:

"SODOMA e GOMORRA... O cinema reproduz, fielmente, aspectos da vida real antiga e moderna e (cousa muito curiosa) quando o fabricante de films omitte uma circumstancia, um detalhe qualquer, a firma que os projecta, na téla, corrige a falha e preenche os vazios, de modo a integralizar o quadro, em sua inteira verdade. 
SODOMA E GOMORRA – o nome vale por si uma explicação do film – desvendou, em 1925, aos olhos da população de Fortaleza, o que foi a vida dos habitantes daquellas cidades lendarias. 
Os excessos de toda a ordem ali appareceram em tintas vivas e fortes, impressionando a um público aparvalhado e...explorado. 
O que deixou de surgir na fita, dentro da sala de projecção, não passou despercebido á empresa Luis Severiano Ribeiro, tanto assim que, ao público, se lhe deparou ainda na bilheteria do Moderno e do Majestic: - a orgia do preço (3$300). 
Antes de penetrarem no cinema, os espectadores já haviam comprehendido não apenas Sodoma e Gomorra, mas até Ninive e Babylonia, pagando como pagou os pesados tributos para a riqueza de Balthazar e Sardanapalo
A empresa que não providencia sobre a deficiencia tecnica de seus apparelhos, sobre os eclypses de suas projecções, contra as rupturas de seus films, a empresa que transforma seus salões em sala de fumar, não tem o direito de abusar desse modo do público que assegurou e mantém a sua prosperidade. 
A continuar dessa forma, não se admire se um dia o Sr. Ribeiro de lêr nas taboletas da bilheteria os seus frequentes 3$300 transformados em MANE, TECEL, FARES."

Cena de Sodoma e Gomorra

O filme Sodoma e Gomorra era uma produção austríaca de 14 partes e dividido em duas épocas, com uma  metragem de 2.100 metros correspondente à primeira época e outra de 1.800 metros referente à segunda época.

Esta era uma fita bastante longa e o aumento da duração dos filmes, ao que parece, incidia no 
valor do ingresso. Nos anos de 1920, os filmes já possuíam uma longa duração ao contrário das primeiras exibições cinematográficas, que eram constituídas por fitas curtas de 15 a 350 metros. Se compararmos o preço do cinema com o do teatro, na década de 1920, os espetáculos teatrais possuíam ingressos mais caros que o das sessões cinematográficas: 

• Frisa - 20$000 
• Camarote - 15$000 
• Balcão - 3$000 
• Cadeira de 1ª  - 3$000 
• Cadeira de 2ª  - 2$000 
• Galeria – 1$000 
• Geral – 1$000 


No artigo Sodoma e Gomorra a reclamação do alto preço dos ingressos é reforçada por uma série de argumentos, como a deficiência técnica dos aparelhos, comprometendo a qualidade da projeção, e o ato de fumar durante as sessões.  

Continua...

¹O Ceará, terça-feira, 10 de janeiro de 1928
A estátua foi inaugurada no ano de 1929, centenário de nascimento de José de Alencar, pelo então prefeito Álvaro Weyne. No documento Monumentos do Estado do Ceará, escrito em 1932, o intelectual Eusébio de Souza afirma: A iniciativa dessa justa e expressiva homenagem ao imortal autor de Iracema coube à Associação de Imprensa do Ceará, por proposta de seu presidente dr. Gilberto Câmara, com a mais decisiva e honrosa cooperação do Governo do Estado e todas as classes da sociedade cearense e com o aplauso das elites  mentais do país inteiro. Deve-se ao dr. Gilberto Câmara a parte mais saliente da agigantada e patriótica idéia. Foi um dia de festa para a cidade de Fortaleza, o 1º de maio de1929, da inauguração desse monumento, sendo a mesma honrada, além das autoridades superiores do estado, com a presença do sr. Dr. Juvenal Lamartine, governador do vizinho estado do Rio Grande do Norte. A grande estátua de José de Alencar (...) toda em granito branco de Itaquéra, com formosos motivos decorativos indígenas e dois baixos relevos extraídos do “O guarani” e de “Iracema” – constitui um dos maiores e mais belos monumentos do norte do Brasil. SOUZA, Eusébio de. Monumentos do Estado do Ceará: referência histórico - descritiva. Fortaleza: Secretaria de Cultura do Estado do Ceará/ Museu do Ceará, 2006, p.56-58. 



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Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva

Um comentário:

  1. Parabéns, pelo belíssimo blog e belíssimos posts! Sou apaixonado pela fortaleza antiga.

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