terça-feira, 11 de setembro de 2012

A fatídica manhã de 03 de janeiro de 1904



(...) Três de janeiro é a expressão do golgotha que verteu o sangue cearense e registra o momento em que o espírito do povo revoltado contra o ludibrio e o morticinio, ergue-se toma proporções gingantescas e prepara-se para a luta.
Era preciso morrer-se naquelle dia, ainda, para despertarmos hoje ao toque do clarim que annuncia a necessidade da reparação do supplicio, a queda do Tyrano, o desaggravo da affronta feita aos nossos irmãos que baixaram com nossas lagrimas, e daquelles que as muletas para attestar a illucidez do Sr. Pedro Borges...


(UNITÁRIO, Fortaleza. Sentença, 14 de janeiro de 1904, nº 84. p.4)
                                      
O dia 03 de janeiro de 1904 foi marcado pela manifestação dos trabalhadores do Porto da cidade de Fortaleza, os quais questionavam o processo de alistamento e sorteio para o serviço da Armada da Marinha Brasileira, dia que ficou lembrado pelo sangue derramado dos grevistas.

Após ter sido realizado o sorteio, no dia 27 de dezembro, incluindo catraieiros e pescadores, foram realizados os pedidos de habeas-corpus pelos advogados que faziam parte do grupo oposicionista, ou seja, eram membros das famílias que possuíam notoriedade política, mas não estavam contentes com o domínio da Oligarquia Acciolina, como: João Brígido (foto ao lado)Agapito Jorge dos Santos, Valdemiro Cavalcante, Hermenegildo Firmeza, dentre outros, com a justificativa de que o alistamento e o sorteio foram realizados arbitrariamente, não respeitando os critérios de idade e de funções no Porto.
  
As insatisfações dos opositores decorriam do domínio de Nogueira  Acciolyque estava no controle da política Estadual desde 1896, diante do prestígio de seu 
sogro, o Senador Pompeu.

A política no Estado do Ceará passava por um período de turbulência diante dos acertos políticos do então Presidente da República, Campos Sales (foto ao lado), que objetivava manter no controle governamental do País as oligarquias ligadas ao poder Federal de maneira a obter uma relação política mutualista. 

Com o apoio da “Política dos Governadores”, colocada em prática por Campos Sales, ele objetivava somar força entre o poder central do País e os Estados. 
Dessa feita, Nogueira Accioly conquistou notoriedade na política nacional e mantevese à frente do Estado à custa do nepotismo e de fraudes em eleições. Em meio aos privilégios concedidos aos apaniguados da oligarquia, alguns grupos políticos, antes ligados a Nogueira Accioly, romperam os laços com o oligarca e passaram a fazer oposição ao seu poderio.
Porém, mesmo no período em que apoiava Nogueira Accioly, João Brígido estava insatisfeito com a maneira pela qual, os cargos públicos eram divididos, como também com a concentração da riqueza no Estado, privilegiando somente à família Accioly e a um pequeno grupo de políticos, mais próximos do oligarca.
João Brígido distanciou-se de Acciolly em janeiro de 1904, com o apoio dado aos catraieiros e com às críticas publicadas no jornal  O Unitário, passando a questionar a oligarquia vigente, juntamente com o jornal situacionista,  A Repúblicarompendo definitivamente relações políticas e passando a ser opositor.  
Em meio às disputas políticas com a oligarquia Acciolina, os oposicionistas adotaram a causa dos catraieiros, possivelmente devido à relação existente entre estes e os contratadores de mão-de-obra portuária. Assim, concederam apoio à decisão de paralisação dos trabalhos, que deram início ao movimento grevista.


Segundo o trecho abaixo do Relatório do Presidente do Estado, Pedro Borges (foto ao lado), é possível visualizar o tipo de tratamento recebido pelos manifestantes: 

Effectivamente, pela manhã cedo do dia 03 de janeiro, quando se achava ancorado ao porto o vapor “Maranhão”, procedente do norte, abarrotado de passageiros com destino a esse Estado, a praia. No local ordinário, achavase quase deserta. Os escaleres fluctuavam esparsos sobre as vagas, os catraeiros e os homens habituados ao serviço do mar, formavam pequenos grupos, de observação na linha da praia, o serviço de transporte completamente paralysado denunciava a existência da greve. (...) Mantendo a atitude pacifica, a força descansou as armas, confiando que os grevistas, melhor avisados cessassem as hostilidades ao serviço Federal iniciado para o desembarque dos passageiros... Muitas pêssoas do povo, que haviam aderido a sua causa confraternisaram publicamente com elles no galpão da Recebedoria, excitando os ânimos (sic.).

O primeiro fato, que nos chama atenção no texto acima, é que Pedro Augusto Borges admitiu oficialmente a existência da greve e demonstra na sua fala a visão de que os grevistas eram homens grosseiros que estavam com os ânimos exaltados, tendo o Governo a obrigação de manter a ordem diante de tal situação. 
Para amenizar a tensão existente, o Capitão do Porto, Lopes da Cruz, propôs uma reunião na manhã do dia 03 de janeiro de 1904, a qual contaria com a participação dos grevistas, cujo objetivo era negociar a situação vigente. No entanto, deve ser ressaltado que, para o poder governamental, a questão dos trabalhadores durante o período aqui analisado era um “caso de polícia”. 
Segundo Cláudio Batalha, a política nacional vigente, as manifestações e greves eram ações que quebravam a harmonia e a organização da sociedade, sendo, dessa maneira, necessária a utilização da repressão para restabelecimento da ordem. 
Com esse intuito, eram efetuadas prisões arbitrárias, empastelamento de jornais, invasões das casas dos manifestantes, etc.

Na manhã do dia 03 de janeiro, mesmo com a manifestação, o Comandante do Porto tentou obrigar os grevistas a descarregar o navio e transportar os passageiros impedidos do desembarque, porém, os mesmos se negaram a tal feito. Então, Luis Lopes da Cruz, também apelidado por João Brígido, la Croix, resolveu, com o apoio de Augusto Borges, repreendê-los.
Para o Governo, os trabalhadores agiram de maneira “pensada e premeditada”, pois no dia 02 de janeiro já corriam notícias que, na manhã seguinte, os homens matriculados na Capitania dos Portos se negariam a realizar o serviço de embarque e desembarque de mercadorias e passageiros.


Porto de Santos

O movimento grevista contou com a organização e a participação efetiva dos trabalhadores e contratadores, devido aos interesses lucrativos dos mesmos, além do que os trabalhadores não aceitavam passivamente as mudanças impostas pelo Governo.

Raimundo de Menezes assim descreveu com riqueza de informações os momentos que antecederam o episódio da praia:

O dia 3 despertava borrascoso. Era domingo. Chegara, manhãzinha cedo o paquete “Maranhão”. 
Notava-se no ponto de desembarque um corre-corre desudado e gente... 
corre - corre fora do habitual. Agitado vaivém de populares e de homens do mar.
Às sete horas exatamente explodiu o movimento grevista. Aderiram, desde logo, catraieiros e demais empregados no tráfego marítimo. Os  poucos indiferentes tiveram de abandonar o trabalho, forçados pelos paredistas.

Interessante perceber no texto citado, o quanto a greve fugia ao cotidiano da cidade, tendo sua causa questionada. Também é importante analisar detidamente a passagem que trata a respeito dos trabalhadores indiferentes à manifestação e afirma que foram forçados pelos grevistas a deixarem seus postos de trabalho, como a descrição anterior de Raimundo de Menezes e o Relatório do Presidente do Estado, do ano de 1904: 

“Fora assentado, como ponto fundamental da greve ou seu objectivo 
irreductivel, que a nenhum catraeiro seria permitido trabalhar, ainda mesmo áquelles 
que inspirado em melhor conselho, se recusassem a fazer parte della”.

A partir desses relatos, podemos ter uma noção da força e da organização do movimento grevista, que contou com a participação significativa dos trabalhadores do Porto, os quais foram acusados de desrespeitar a autoridade do Governo e causar desordem na cidade.

Continua...



“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais

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