O quartel do Batalhão de Segurança
Para
o Presidente, Pedro Borges, os grevistas agiram de forma agressiva contra
o Batalhão de Segurança, destacando, no relatório de 1904, que os manifestantes
dispararam tiros e pedradas contra os representantes da ordem, sob a liderança
e presença marcante de três catraieiros: Cairára, Capivara e Luiz Bexigoso.
A
injunção da autoridade fôra desrepeitada. Ao approximar-se a força, foi recebida
a pedradas, a cacete e balas de revolver. O catraeiro Cairára se jactou
perante testemunhas de haver disparado todos os tiros de seu revolver contra
praças da força estadoal: Luiz Bexigoso, outro grevista, disparou três tiros;
Capivara, que era o cabo de ordens dos insufladores da greve, munido egualmente
de revolver, fez uso de sua arma.
O
tratamento dedicado aos que se reuniram no galpão do Porto de Fortaleza na
fatídica manhã do domingo, 03 de janeiro, foi agressivo. Essa atitude está
presente
nos
escritos dos memorialistas não muito simpáticos à oligarquia acciolina. Afirmam,
pelo
contrário, que os trabalhadores estavam realizando uma manifestação pacífica e
foram
surpreendidos com a chegada abrupta de soldados do Batalhão de Segurança e
da
Marinha enviados para repreender os manifestantes que estavam causando desordem.
Diferente
da versão de Pedro Borges para o episódio da praia, Raimundo de Menezes
afirma que a manifestação ganhou clima de hostilidade com a atitude do Comandante,
que levou os catraieiros a reagir, os quais “aglomerados, em represália,
se
opuseram à saída do bote virando-o, tomando à força os remos, e quebrando-os”.
O
desfecho foi sangrento em consequência da resistência dos grevistas que,
armados,
não
queriam aceitar o descarregamento e desembarque das pessoas que se encontravam
retidas no vapor “Maranhão”.
Os
catraeiros, armados de facas, cacetetes e achas de lenha, irritados ao extremo, tentaram impedir, de qualquer forma, o desembarque. E a fuzilaria irrompeu
violenta, usando das suas armas os praças da polícia, sem dó nem piedade
para fazer tombar, ingloriamente, pobres marítimos, brasileiros como
eles!
O
memorialista Rodolfo Teófilo, mesmo não estando presente em Fortaleza no
dia do episódio da praia, também abordou a repressão sofrida pelos catraieiros
e reprovou
a atitude do Governo:
Desceu
a força militar e encontrou os catraieiros em atitude hostil e numerosa
massa de curiosos que assistia o movimento. O galpão da recebedoria
do estado achava-se cheio de gente inerme.
Os
Catraieiros logo que avistaram a força romperam nos maiores insultos e houve
um delles que chegou em frente do Commandante e disse-lhe os maiores
impropérios. O sr. Cabral da Silveira não reagiu, mas o ajudante de ordens
do Presidente do Estado, moço de gênio violento, não se conteve e assumindo
o commando deu ordem para atacar os grevistas. Os soldados quase
todos matadores, assassinos, mandados vir do sul do estado durante o primeiro
governo do Sr. Accioly, de nada mais precisaram para carregarem sobre
o povo matando a torto e a direita.
As
palavras de Rodolfo Teófilo nos alerta para o questionamento sobre as versão
dos memorialistas, os quais, às vezes, expõem um olhar preconceituoso e estigmatizado
sobre os trabalhadores da época, relacionando-os a “pessoas hostis” e “ignorantes”,
talvez pelo fato de serem trabalhadores braçais, ou colocando-os também como
culpados pelo ocorrido, devido às atitudes “desrespeitosas” diante da determinação
do Comandante.
Portanto,
faz-se pertinente, tomando alguns cuidados, a citação de Maurice Halbwachs,
ao tratar da “memória coletiva”:
Toda
memória se estrutura em identidades de grupos: recordamos a nossa infância
como membros da família, o nosso bairro como membros da comunidade
local, a nossa vida profissional em função a comunidade da fábrica
do escritório e/ou de um partido político ou de um sindicato e assim por
diante; que estas recordações são essencialmente memórias de grupos que
a memória do indivíduo só existe na medida em que esse indivíduo é um
produto provavelmente único e determinada intersecção de grupos.
Dessa maneira, ao utilizarmos as versões dos
memorialistas Raimundo de Menezes
e Rodolfo Teófilo, entendemos que as recordações pessoais são o resultado dos acontecimentos sociais e políticos da época.
Ao
final do dia 03 de janeiro e, nos dias seguintes foram registradas sete mortes
e, aproximadamente, 30 feridos, os quais ficaram amontoados, largados pelos
corredores da Santa Casa de Misericórdia.
No Noticiário do jornal O Unitário, na matéria
“Nomes das vitimas do dia 03”, no dia 09 de janeiro foi divulgada a lista com o
número de feridos.
Feridos
na Santa Casa de Misericórdia:
1.
Manoel Luiz Anselmo, cearense, casado 2 filho
2.João
Francisco da Silva,35 annos, cearense, casado, 6 filhos.
3.Waldevino
Nery do Santiago, solteiro, 20 annos.
4.Antonio
Batista Nogueira, 21 annos, solteiro.
5.José
Saldanha Souza; casado, 1 filho.
6.
Luiz Barreira, solteiro.
7.
José Pedro de Menezes, cearense, 24 annos, casado.
8.
Antonio Belleza da Silva, 20 anos, cearense.
9.
Antonio Rodrigues Carneiro. 35 annos, cearense, casado.
10.
Francisco Baptista, 43 annos, casado, cearense.
11.
Agostinho Franklin de Lima, cearense, casado, 1 filho.
12.
Joaquim Correia, solteiro, 15 annos.
13.
Bruno Figueiredo, 21 annos, solteiro, estudante.
14.
Luiz Monteiro dos Santos, cearense, casado, 3 filhos.
15.
Francisco Lourenço, casado, 21 annos.
16.
Francisco Cariolano da Silva, solteiro, 22 annos.
17.
José Deandro dos Santos, casado, 3 filhos.
18.
Antonio Rodrigues da Silva, 32 annos, casado.
19.
Francisco Firmino Alves, viúvo, 53 annos, Macau.
20.
Manoel Francisco do Nascimento casado, 26 annos, Rio Grande do
Norte.
21.
Ludgerio Joaquim dos Santos, solteiro, 24 annos, cearense.
22.
Francisco Antonio, solteiro, 21 annos, cearense.
23.
Mariano Faustino Rodrigues, cearense, casado, 1 filho.
24.
Joaquim de Souza Morim, solteiro, 10 annos, cearense.
25.
Luiz Monteiro dos Santos Filho, cearense, 1 filho.
26.
Antonio Medeiros, solteiro, 20 annos, cearense.
27.
Joaquim Xavier Correia, 18 annos, solteiro, cearense.
28.
Francisco Antonio, solteiro.
29.
Cabo Francisco Antonio de Souza Morim, solteiro, 19 annos.
30.
Cabo Marianno Faustino Vira, casado.
Nas
páginas do Jornal O Unitário, foram dedicadas edições quase inteiras ao episódio
da praia, desde o editorial até o último texto da página quatro. Na edição número
98, do dia 16 de fevereiro, João Brígido destacou as condições precárias em que
se encontravam as vítimas do dia 03 de janeiro e a acusação de desvio das
doações aos
seus familiares:
A
Santa Casa se tornou um açougue, onde morrião sangrando muitos Paes de
familia, fez-se um montão de pernas e braços cortados, durante muitos dias
a um ilustre clinico ouvimos falar disto com assombro.
(...)
Um real não deo do seo bolço às viúvas e orphãos e quando o peteca do sr.
Lampreia lhe mandou por bajulação, 610$ com destino às victimas do grande
crime, S. Exc. Os desviou do seo destino, fasendo com elles uma barretada
á administração da Santa Casa...
Das
sete vítimas fatais do massacre, apenas Luiz Monteiro dos Santos foi identificada
como catraieiro, segundo as listas divulgadas no jornal O Unitário no decorrer
do mês de janeiro de 1904:
1.Adelino
Marques Dias, solteiro, 22 anos, portuguez.
2.João
Mendes da Silva, casado, cearense com 10 filhos.
3.Napoleão
Alcantarino, solteiro, 21 annos, cearense.
4.João
Coimbra, 75 annos, solteiro, cearense.
5.Uma
criança
6.José
Rodrigues da Silva, casado, 3 filhos.
7.Luiz Monteiro dos Santos Filho, catraeiro, casado, uma filha.
Ao analisar o
Jornal O Unitário, podemos destacar que
esses números referentes
aos catraieiros foram modificados no decorrer dos dias e, também, a ênfase nos
indivíduos que sofreram lesões graves como amputações, devido à agressiva ação do
Batalhão de Polícia, como o caso de João Mendes da Silva, conhecido como João Cabano, catraieiro matriculado, mas que na lista não consta como tal.
Os
jornais citavam entre as vítimas do acontecimento da praia, o catraieiro José
Leandro dos Santos que teve o braço direito amputado, por causa dos ferimentos.
Também são relatados outros casos de óbito, como a morte posterior, no dia
15 de janeiro, do catraieiro Luiz Monteiro dos Santos, de 23 anos, casado com Idulberge.
Para os jornais oposicionistas, Monteiro era “homem valido, trabalhador e honrado,
que trazia farta a sua casa sem fazer mal a alguem...”.
Ou seja, estes jornais buscavam
ressaltar a ação injusta do Governo, diante de um “homem correto”.
Os
jornais oposicionistas destacaram em várias edições, além da ação repressiva
do Governo, o descaso diante das vítimas e dos seus familiares, de modo a dar
maior visibilidade à questão da greve, intensificando as críticas à oligarquia acciolina.
Mas as lutas dos catraieiros não estavam restritas à questão do Recrutamento e
da greve, pois também existia tensão no cotidiano de trabalho, principalmente,
em relação
aos contratadores.
“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais
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