Indubitavelmente, os mais idosos, além de vivificarem cenas de
um cotidiano dos velhos tempos, encontrar-se-ão com os muitos personagens que
as criaram e interpretaram. Excetuado o relato de Descalços e Banguelos,
acontecido em município da Região Sul do Estado, os demais se registraram nesta
nossa querida Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Com ou sem as bênçãos da
Santa. Viajaremos pelos bairros, onde a caça ao voto, ontem, hoje e amanhã, na
maioria das vezes, foi e será obtido nas tocaias dos caçadores eleitoreiros.
Assim é que ciladas fizeram-se por traz de chafarizes, com
chinelos e dentaduras, postes sem fios e sem lâmpadas, óculos e quinquilharias
dos mais variados tipos e espécies.
Promessas, nem se contam. Houve até quem garantisse aos votantes
lugar cativo no Reino de Deus e distribuísse retalhos do manto de Jesus,
fragmentos do cajado de Moisés, fio da barba de José e pombas descentes do
casal embarcado na Arca de Noé.Por final, no dizer do nonagenário causoeiro e
meu xará, Geraldo Bezerra dos Santos, experiente na arte da política e
conhecedor de muitos de seus artistas, o eleitorado ama o "me engana que
eu gosto". Agora, meus amigos, abram os olhos e vamos em frente.
O chafariz
Noite última da campanha eleitoral daquele ano. Comício de
encerramento da candidatura à reeleição daquela vereadora, no bairro onde
obtinha sempre expressiva votação.Mesmo tratando-se de pessoa ética, de elevado
preparo político e cultural, enfrentava extremas dificuldades em continuar com
mandato na Câmara Municipal.
Alguns de seus apoiadores eleitorais queixavam-se de que ela
usava franqueza exagerada. Criticava, insistentemente, as mazelas de
administradores públicos pouco comprometidos com os interesses comunitários.
Além de outras atitudes desagradantes aos chefes políticos da época. E, segundo
eles, o pior de tudo para quem deseja vencer uma eleição: não prometer mundos e
fundos ao povão.
Praça apinhada. Pessoas até trepadas em árvores. A grande maioria
interessada, tão somente, nos furdunços que esses acontecimentos registram.
Poucos, ali, assistiam ao ato por civismo. Aproximava-se do término. Discurso
final da candidata. Nenhuma manifestação entusiástica. O clima, em termos de
angariação de votos, fazia-se gélido.
Para reverter à apatia popular, o principal cabo eleitoral,
disse, incisivo, ao ouvido da oradora: "Ou a senhora promete, agora, um
chafariz, maior desejo do povo daqui ou perde a eleição!".
Ante a derrota, atônita e quase em desespero, bradou:
"Minhas amigas e meus amigos! Nunca prometi nada, mas sei que vocês têm um
desejo enorme por uma coisa! E eu juro que vou satisfazer essa vontade de
todos! Se reeleita, garanto, meus amigos, que vou dar o chafariz!".
Foi o mote para a canalhada presente que, em coro e aos gritos,
repetia: "Ela vai dar o chafariz! Vai dar o chafariz! Vai dar o
chafariz!". Fim do comício e derrota nas urnas.
Cadê o voto?
Anos setenta, século passado. Quadra coberta do SESC na praça São Sebastião. Local de apuração dos votos de eleição municipal. O ínclito
doutor Francisco Pasteur, Juiz da 83ª Zona Eleitoral, coordenava os trabalhos.
Uma das mesas apuradoras tinha, por presidente, o doutor Túlio Maranhão,
procurador do então INPS. Ambos, estimados e saudosos amigos meus. Contratado
por uma das agremiações partidárias, eu prestava serviços, como advogado,
atendendo a possíveis reclamos de candidatos. Os trabalhos decorriam normais,
quando, inesperadamente, um candidato a vereador e o Túlio iniciaram acirrado
bate-boca. Doutor Pasteur e eu, naquele momento, conversamos próximo de onde
estavam os contendores e, de pronto, fomos verificar o que ocorria.
Transtornado, o aspirante ao Legislativo Municipal solicitava
minhas providências e as do Juiz. Afirmava que sua mulher votara na Seção que
estava sendo apurada e o voto não havia sido computado. Exigia recontagem.
Intransigente, Túlio asseverava que os mesários já haviam
procedido duas recontagens e não existia nenhum voto para Carlos Luz. Não
determinaria outra verificação.
A harmonia
Com seu espírito tolerante e conciliador, doutor Pasteur
reuniu-nos e, salomonicamente, indagou ao Túlio se permitia - a ele juiz -
realizar novo exame. Desarmou os ânimos alterados. Constatou o número correto
de votantes e de cédulas de votação. Estas, uma a uma, passarão por suas mãos.
E, ao término, nenhum voto para o contestador.
O desfecho
Naquela tranquilidade que Deus lhe deu, olhou para Carlos e
disse: "Senhor, seu desejado sufrágio não se encontra nesta urna.
Sugiro-lhe verificar, junto a sua esposa, onde ela o colocou.". Soube-se,
no dia seguinte, da briga que houvera acontecido entre o casal.
Ao chamá-la de traidora e mentirosa por não haver votado nele,
ela teria retrucado, de modo incisivo, da seguinte maneira: não era nenhuma das
duas. (Uma pausa) Votara num primo, pois, na véspera do pleito, ele lhe disse
já estar eleito. Assim, melhor do que ter um vereador na família era possuir
dois.
Um causo à parte: uma estranha
rasura
Século passado. Década sessenta. Candidatos a cargos eletivos, mais comumente à vereança, incumbiam-se de auxiliar o eleitorado no que se denominava como sendo qualificação.
Por carência da população e do sistema eleitoral à época, pessoas buscavam, em seus bairros, parlamentares ou candidatos que as encaminhavam aos setores públicos, visando à obtenção de documentos, inclusive o título eleitoral. Era , assim, considerado procedimento legal e ato de cidadania.
Em período desses, Chico Sapateiro, homem calmo no andar, no falar e no trabalhar mostrava-se enlouquecido. Transtornado, irrompeu à casa de seu compadre e vereador. Parecia não enxergar as pessoas que ali estavam. Agitado, pedia com urgência um cartão de apresentação ao delegado de polícia. "A desgraça entrou e tomou conta lá de casa." - declarava repetidamente. Belinha, a irmã que criava como filha desde bebê, recém-qualificada eleitora, aproveitando-se das ausências dele e da mulher, no horário de trabalho, "rasurou" - asseverava.
O desejo em levar o ocorrido à área policial causou estranheza aos presentes. Ser o próprio irmão denunciante do delito e, ainda, desejar a formalização de abertura de processo? Aquilo não fazia o menor sentido.
Na tentativa de acalmar Chico, o compadre assegurou-lhe de que atenderia seu pleito, porém, antes, solicitou-lhe que trouxesse os documentos da moça, a fim de verificar a rasura e melhor avaliar as implicações do cometimento. "Só os dela? E os do Mundico? Não precisa dos papéis dos dois, não?" - indagava confuso o sapateiro.
Daí, tudo começou a esclarecer-se. Com a pergunta sobre quem era Mundico e o quê este tinha a ver com a história, o político e os circunstantes ficaram pasmos com a resposta. "Ora, quem pudera ser? É o cabra que rasurou Belinha!" e, enquanto respondia, seu antebraço direito via-se esticado e a mão, com os dedos, do indicador ao mínimo, dobrados para baixo, balançava em um sobe e desce rápido e frenético, indicando, desse modo, a "ação rasuradora".
Ao invés da delegacia, cartório e igreja. Onde estão Belinha e Mundico? Mundo a fora. Sabe-se lá por onde. Certamente, rasurando, rasurando...
Século passado. Década sessenta. Candidatos a cargos eletivos, mais comumente à vereança, incumbiam-se de auxiliar o eleitorado no que se denominava como sendo qualificação.
Por carência da população e do sistema eleitoral à época, pessoas buscavam, em seus bairros, parlamentares ou candidatos que as encaminhavam aos setores públicos, visando à obtenção de documentos, inclusive o título eleitoral. Era , assim, considerado procedimento legal e ato de cidadania.
Em período desses, Chico Sapateiro, homem calmo no andar, no falar e no trabalhar mostrava-se enlouquecido. Transtornado, irrompeu à casa de seu compadre e vereador. Parecia não enxergar as pessoas que ali estavam. Agitado, pedia com urgência um cartão de apresentação ao delegado de polícia. "A desgraça entrou e tomou conta lá de casa." - declarava repetidamente. Belinha, a irmã que criava como filha desde bebê, recém-qualificada eleitora, aproveitando-se das ausências dele e da mulher, no horário de trabalho, "rasurou" - asseverava.
O desejo em levar o ocorrido à área policial causou estranheza aos presentes. Ser o próprio irmão denunciante do delito e, ainda, desejar a formalização de abertura de processo? Aquilo não fazia o menor sentido.
Na tentativa de acalmar Chico, o compadre assegurou-lhe de que atenderia seu pleito, porém, antes, solicitou-lhe que trouxesse os documentos da moça, a fim de verificar a rasura e melhor avaliar as implicações do cometimento. "Só os dela? E os do Mundico? Não precisa dos papéis dos dois, não?" - indagava confuso o sapateiro.
Daí, tudo começou a esclarecer-se. Com a pergunta sobre quem era Mundico e o quê este tinha a ver com a história, o político e os circunstantes ficaram pasmos com a resposta. "Ora, quem pudera ser? É o cabra que rasurou Belinha!" e, enquanto respondia, seu antebraço direito via-se esticado e a mão, com os dedos, do indicador ao mínimo, dobrados para baixo, balançava em um sobe e desce rápido e frenético, indicando, desse modo, a "ação rasuradora".
Ao invés da delegacia, cartório e igreja. Onde estão Belinha e Mundico? Mundo a fora. Sabe-se lá por onde. Certamente, rasurando, rasurando...
Geraldo Duarte
Continua...
Geraldo Duarte, amigo e colaborador do blog,
é advogado, administrador e dicionarista
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