Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Greve dos portuários - A Construção da trama
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domingo, 9 de setembro de 2012

Greve dos portuários - A Construção da trama


Os momentos que antecederam à greve

Para compreendermos a greve dos catraieiros, ocorrida no Porto de Fortaleza, faz-se necessário analisar o cenário político. Precisamos perceber os lances da trama que contou com a participação, não somente dos trabalhadores, mas também dos contratadores, comerciantes e membros do grupo político oposicionista a Nogueira Accioly


Durante o quatriênio de 1900 a 1904, o Governo do 
Ceará estava nas mãos de Pedro Augusto Borges, aliado de Nogueira Accioly que administrou o Estado de maneira a reforçar o poderio da Oligarquia Acciolina. Mas, devido a problemas administrativos, devido aos avanços dos grupos opositores, a greve dos trabalhadores catraieiros e a aliança firmada entre estes, através dos serviços dos advogados aos trabalhadores sorteados e a visibilidade da greve dos catraieiros, através dos jornais tornaram a administração de Pedro Borges conturbada.
Além desses personagens, ressaltaremos a importância da Lei Federal de Alistamento, visto que, à maneira pela qual foi colocada em prática na cidade, serviu como ponto fundamental para a eclosão da greve. O “cenário” foi ganhando forma com o sorteio realizado no dia 26 de dezembro de 1903, em Fortaleza, e a consequente insatisfação dos trabalhadores catraieiros, acrescentada ao apoio dos patrões e políticos que deram a coloração do desenho, quadro este, posteriormente pintado com o sangue dos próprios trabalhadores, os quais estavam presentes à manifestação reivindicatória da manhã de domingo, no galpão do Porto.
Dessa maneira, podemos destacar a função da experiência nesses processos de construção, manutenção ou, até mesmo, de transformação dos costumes, através da vivência dos trabalhadores, nesse “quadro” constantemente modificado e pintado com diferentes cores, a partir das ações que constituem o seu dia-a-dia.

Durante o ano de 1903 foram assinados pelo Presidente da República do Brasil, Rodrigues Alves, os Decretos nº 4901 e nº 4983, referentes ao processo de sorteio dos matriculados para a Armada da Marinha, com o objetivo de preencher os espaços vagos no contingente.
O Decreto de nº 4901 expunha as instruções e a regulamentação para que os Sorteados, com idade de 16 a 30 anos, exceto maquinistas e pilotos, fossem inscritas por ordem alfabética em um livro especial, denominado Livro de Sorteio.  
O referido Decreto estabelecia as regras pela qual o sorteio seria realizado, tais como: os papéis com os nomes dos matriculados deveriam ter o mesmo tamanho e cor; o sorteio contaria com a participação de uma comissão composta pelo Capitão do Porto, o Presidente da Comissão, e dois oficiais da Marinha; após o Sorteio, o Capitão dos Portos lançaria edital para convocar os sorteados, que deveriam ter três anos na ativa e/ou dois na reserva do serviço militar.
Este Decreto reforçava a Lei de Alistamento Militar de 1875 que, no Artigo 87, § 4º expunha os critérios de alistamento, como: a prioridade do sorteio para marinheiros e aprendizes marinheiros e para o pessoal da Marinha Mercante. Os trabalhadores do Porto, como pescadores, estivadores e catraieiros somente seriam alistados em último caso.


Antigo Porto de Fortaleza - Praia de Iracema

A Lei de Recrutamento Militar de 1874, que determinava o recrutamento forçado para o serviço militar, foi modificada em 1875, quando foi criado o Sistema de Sorteio Universal

O alistamento causou repulsa a qualquer tipo de recrutamento que vigorou durante esse período.  Essas leis foram promulgadas num período em que a sociedade nordestina organizava constantes manifestações contestatórias às condições de pobreza dos trabalhadores das camadas subalternas da população.
Hamilton Monteiro afirma que o aumento abusivo da cobrança de impostos, a nova 
Lei de Recrutamento, mais severa, e o sistema métrico decimal, geraram diversas 
manifestações nas províncias do Nordeste, como a denominada “Quebra-Quilos”. (MONTEIRO, Hamilton de Matos.  Nordeste insurgente (1851-1890). 2º ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.  
pp. 51-52.)

Além da crescente crise econômica agravada pela seca de 1877-79, os trabalhadores foram influenciados pela ideia de que teriam a liberdade cerceada com a Lei de Recrutamento, nº 2.556, de 26 de setembro de 1874, pois seriam convocados a contragosto.
Os boatos foram difundidos pelos grandes fazendeiros que não viam com bons olhos a lei, pois esta ameaçava diretamente a oferta da mão-de-obra e colocava em risco seus lucros, o que gerou os episódios de “rasgar listas”, ocasião em que as listas dos sorteados para o serviço Militar eram rasgadas pelas pessoas insatisfeitas com o processo de sorteio.  
Ainda no final do século XIX, várias manifestações ocorreram no Brasil durante os primeiros anos da República, como a greve ocorrida em 1895 no Rio de Janeiro, analisada por Maria Cecília Velasco, a qual informa que o Coronel Francisco Alves Pessoa Leal tinha a função de organizar a Sociedade União dos Trabalhadores da Estiva, com o objetivo principal de reivindicar melhores salários e desvencilhar as dificuldades do trabalho. Esse recuo no tempo se faz pertinente, visto que a mobilização dos estivadores e trabalhadores do Porto, desde 1895, já passava por um processo de articulação do movimento dos operários portuários. E, mesmo com a derrota do movimento liderado pelo Coronel Leal, foi lançada a semente do movimento desses trabalhadores no Brasil.

Como, em outubro de 1897, os trabalhadores do Porto de Santos aderiram à Greve que contava com a participação de várias categorias, nas Docas, os trabalhadores carregadores de café reivindicaram melhores condições salariais, chegando a 15 dias de agitação.

A resistência dos catraieiros ao alistamento arbitrário para a Armada da Marinha pode ter tido ligação com a cultura nordestina de repulsa ao recrutamento militar de 1874. Daí a pertinência de recuo no tempo para tentarmos compreender o porquê dos catraieiros terem reagido à ideia do alistamento e sorteio, posto que, assim como a determinação do recrutamento, o alistamento e sorteio foram vistos como meios utilizados pelo Governo Accioly para retirar dos homens pobres a possibilidade de escolha do tipo de trabalho que 
realizavam. 


Antigo porto de Fortaleza na Praia de Iracema - Arquivo Nirez


O Decreto nº 4983, de 30 de setembro de 1903, estabeleceu o contingente de pessoal a ser listado para cada Estado, tendo o Ceará recrutado 50, dentre os 750 matriculados. Seguindo as determinações do Governo Federal, o chefe da Capitania do Porto de Fortaleza, Capitão Lopes Silveira da Cruz, convocou, para o dia 27 de dezembro desse mesmo ano, a realização do sorteio. Nos dias se que seguiram ao sorteio, o jornal O Unitário anunciou que: “As commissões da Sociedade União dos Foguistas, Centro Geral dos Folguistas as Sociedades dos Arraes e Patrões e Club dos Officiaes da Marinha Mercante Brazileira, encarregadas de elaborar o protesto contra o sorteio para a Armada”, convocou uma reunião para tratar sobre a questão do sorteio. Dessa feita, os artigos do jornal O Unitário, a partir de 26 de dezembro de 1903, passaram a mobilizar forças para questionar o processo de alistamento e sorteio. 
Assim, o processo de Sorteio colocado em prática no Porto de Fortaleza, contou com o alistamento dos trabalhadores do mar e dos catraieiros, contrariando dessa maneira, a Lei Federal anteriormente citada. A partir da aplicação desses Decretos e da Lei temos como pano de fundo, a repressão imposta aos trabalhadores. 
Em 1903, os trabalhadores de alguns portos, como o do Rio de Janeiro e de Santos, já possuíam uma organização tal, que ansiavam quebrar as amarras que os prendia ao controle dos empreiteiros ou contratadores, para se relacionarem diretamente com o mercado. Dessa feita, deve-se ressaltar que a mão-de-obra nos portos do Brasil era avulsa. Muito embora dela fizessem parte alguns trabalhadores fixos que, não possuíssem relações empregatícias com o Porto, estavam ligados aos contratadores e às empresas de navegação.

No mês de agosto de 1903, ocorreu, no Porto do Rio de Janeiro, um movimento que mobilizou os trabalhadores ligados à Paredeque não os deixou subir nas lanchas para realizar o desembarque de café dos navios.
A partir desse período, o movimento do Porto do Rio de Janeiro e de diversas partes do Brasil alcançou maior notoriedade e, gradativamente, ganhou espaço no teatro das disputas 
dos trabalhadores da época. 

Em Fortaleza, o jornal O Unitário divulgou telegramas, nos quais constavam notícias sobre as mobilizações que estavam ocorrendo em diversas partes do Brasil e de forma mais veemente no Rio de Janeiro, de maneira a reforçar a “causa justa” dos trabalhadores do Porto de Fortaleza, segundo a seguinte nota: 

- Em conseqüência da execução do sorteio para o serviço da armada no dia 30, o pessoal da Marinha Mercante declarou-se em greve, sendo suspenso o trafego dos barcos de Petrópolis e Nitheroy é assim paralysado todo o serviço do mar.
- O vapor S. Salvador não seguirá para o norte, por falta de foguistas.
-Diversos Navios estão despachados, mas sem poderem sahir, em consequência da Parede.
- O vapor S. Salvador parte hoje para o norte, com pessoal tirado d’armada.

Em Fortaleza a mobilização dos catraieiros ocorreu fundamentada no objetivo de fugir ao processo de Alistamento e Sorteio para a Armada da Marinha, foi exatamente no contexto de luta desses trabalhadores, notícia divulgada pelo jornal A nação destacando a vitória do movimento grevista dos trabalhadores do Porto do Rio, que conseguiram negociar melhores condições de pagamento e de trabalho com o Governo e os contratadores.
Os catraieiros perceberam que era um momento propício para realizar suas reivindicações, sendo a obrigatoriedade do alistamento a principal bandeira de luta, visto que os jornais ligados à oposição não abordaram outras exigências, provavelmente, porque tinham relações próximas aos comerciantes e contratadores, responsáveis pela mão-de-obra avulsa do Porto.

Continua...

*Local do Porto onde os trabalhadores se reuniam para a contratação do serviço de frete pelos contratadores.




“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais

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