Ainda quanto à maritimidade, mesmo considerando que, historicamente, a cidade de Fortaleza se desenvolveu de costas para o mar e que o conceito de maritimidade “seja mais forte quando aplicado aos moradores com seus costumes em ilhas oceânicas e não especificamente no continente”, Diegues (1998), é importante fazer-se uma analogia quanto às práticas econômicas, sociais e simbólicas dos atores sociais com a Praia do Futuro e bairros vizinhos; principalmente, em função das transformações acontecidas nos últimos anos, na faixa litorânea da Capital, quando as técnicas, o poder financeiro, as modificações dos agentes socioeconômicos transformaram-se. É como diz o senhor Possidônio Sousa Filho, que trabalha na Colônia Z-8 na Avenida Dioguinho, em entrevista em março de 2005:
"Aquela figura que vivia na praia e pegava sua jangada e ia para o mar, desapareceu. Por força da especulação imobiliária o pescador mora até em Messejana a quilômetros do litoral. Esta relação do pescador com seu meio ambiente foi radical por força do poder econômico e a evolução do próprio tempo, e as coisas se modernizam, e onde há modernidade há o poder econômico que predomina, mas a vida social não mudou muito, apenas a relação do pescador com a previdência social teve alguma melhora, antigamente para um pescador se aposentar era uma dificuldade."
Vila do Mucuripe, onde, ao longe se vê o movimento do incipiente Porto na década de 1940. Foto do Museu do Ceará
O bairro do Mucuripe reflete bem, na década de 1950, o relacionamento dos pescadores e suas famílias com o mar, vinculação mudada gradativamente, como relatado pelo presidente da Colônia Z-8, no entanto, àquela época, as atividades comerciais demonstradas pela partida dos homens de madrugada em busca do sustento da família, com suas jangadas de piúba de seis paus, e na venda do produto excedente no final da tarde, vista da Praia do Mucuripe na década de 40, eram característica que não existe mais. A participação da mulher no cuidar da casa e dos filhos, aliando-se a isso a prática da confecção da renda e do labirinto, configuravam uma interação em todos os setores dos habitantes, refletindo um sentimento de maritimidade que outros chamam de “sentimento praieiro”, proveniente de muitos anos no bairro.
Casebres na região da praia próxima ao antigo porto de Fortaleza. Arquivo H. Espínola
O mar é o personagem maior da gente do Mucuripe, como de todo praiano. Dele tira o sustento, depende de suas entranhas para viver. E é dessa interação do homem com o mar que se compõe o contexto da história dessa comunidade. Ela conhece o mar...até certo ponto. Mas teme os seus mistérios. Sabe de seus riscos, dos seus caprichos. Pescador confia desconfiando do mar. Amigo íntimo, sim, mas que não admite certos descuidos. (GIRÃO, 1998:61).
As práticas dos pescadores e suas famílias expressas em sua religiosidade, superstições, personagens folclóricos, na luta da comunidade para alcançar progressos para o bairro em movimentos populares, as atividades de lazer à beira-mar, desde o mais simples piqueniques nos primórdios do Mucuripe até a primeira barraca a oferecer bebida, peixe assado e aluguel de calção de banho, mostram o quanto à comunidade do Mucuripe é emblemática quando se fala de maritimidade.
Acervo de Carlos Juaçaba
E, pela proximidade, os bairros contíguos do Farol, Serviluz, do Morro de Santa Terezinha e a própria Praia do Futuro possuem relações de vínculos com o bairro do Mucuripe e, naturalmente, com o sentimento de maritimidade. Entender a cidade de Fortaleza e seu relacionamento sertão-mar é captar os valores identitários como cada um de seus habitantes interage com a Cidade. Sendo assim, mesmo os provenientes do restante do Estado e os que já habitavam Fortaleza exerceram uma lógica baseada em princípios que aos poucos se vão amalgamando, criando outros conceitos.
Aí pelos anos 40/50, a praia do Mucuripe, então poético recanto de pescadores, passou a receber uma população estranha, procedente de outros pontos da cidade e do interior. O velho problema habitacional, agravado pelo êxodo de populações tangidas pela miséria dos campos, gerava o fenômeno que se chama atualmente de favelização. O romântico e
íntimo esconderijo de velhos homens do mar fizeram-se caótica albergaria de gente de doutras origens e de outros costumes. Em meio a essa desordem urbanística, implantou-se ai também a prostituição. (GIRÃO, 1998:32).
Especificamente na praia do Futuro, a prática da maritimidade existe por parte de pescadores que moram no Conjunto São Pedro e pessoas que, mesmo não sendo pescadores, vivem de atividades comerciais junto à pesca. Sendo assim, existem os que trabalham fabricando manzuás, redes de pesca e, quando no período de defeso da lagosta, trabalham em outras atividades que não sejam a pesca. Essas atividades são chamadas por eles atividades em terra, como de:
servente de pedreiro, pedreiro, garçons em barracas de praia ou até mesmo pintando barcos.
O fundamental é entender que, nos bairros, principalmente no Serviluz e no Farol, há grande atividade comercial, onde se sobrevive direta ou indiretamente da pesca, e a praia do Futuro, como limítrofe, também produz a sua parte, aumentando em direção ao rio Cocó na Praia do Caça e Pesca.
Construção da Avenida Beira- Mar - Jornal O Povo 18/12/1963
O perfil do pescador modificou-se nos últimos 40 anos. Esta transformação repercutiu não só na venda de terrenos nas margens da Avenida Beira-Mar, pois, com a construção da própria Avenida, também foi transformado o perfil social do pescador, não financeiramente, mas na possibilidade do jovem filho de pescador procurar outras atividades em terra para
sobrevivência, pois a vida do pescador não é muito fácil, como fala o senhor Possidônio, em entrevista em março de 2005:
"A vida do pescador é muito sofrida, é um homem enfrentando as procelas do mar, que são violentas, a tempestade, também a falta do vento, que é o oposto. Tudo isso o jovem pensa, vê alguma facilidade em terra, ele não se arrisca mais em ser um pescador profissional, pode até iniciar e depois se afasta, mas alguns ainda têm no sangue o desejo de querer ser pescador."
A Praia do Futuro ainda deserta nos anos 50 - IBGE
Falar em maritimidade, no entanto, não é apenas referir-se aos pescadores e às pessoas que trabalham em terra, em atividades vinculadas à pesca, pois os ambulantes, que são em torno de 2500, segundo a PGRU (Procuradoria Geral da União), possuem importância na sua sobrevivência que retiram na venda de seus produtos na faixa litorânea, além deles, os barraqueiros que interagindo com frequentadores ocasionais, turistas, empresários do ramo da hospedagem, marisqueiros do Caça e Pesca, todos esses atores sociais têm diferenciadas
relações com o mar, extraindo dele a sobrevivência ou interagindo com seus frequentadores, ofertando seus produtos, auferindo lucro pela paisagem natural, desenvolvida por diferentes meios de hospedagem. Sendo pode-se afirmar que estes outros personagens citados anteriormente, e não apenas os pescadores, possuem um sentimento indireto de maritimidade com a Praia do Futuro.
Barracas típicas de tábuas na Praia do Futuro - Jornal O Povo 09/03/1983
A região da Praia do Caça e Pesca possui, mesmo de uma maneira menos intensa, pessoas que sobrevivem das atividades pesqueiras, ou pescando para a subsistência, ao que se alia uma cultura agrícola, ou a atividade da pesca do peixe e do marisco aliada à outra atividade urbana como: atuar de pedreiro, pintor ou com pequenos comércios, ou fabricando instrumentos para a pesca.
Crédito: Praia do Futuro - Formas de Apropriação do Espaço Urbano - Pedro Itamar de Abreu Júnior
maravilhoso bela aula de historia..
ResponderExcluirMuito bom...gostei de conhecer a historia do meu bairro praia do futuro.
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