quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Hospital Mira Y López - 44 Anos



Casa das Missões em 1930 
A Casa das Missões dos Padres Lazaristas holandeses foi aberta em 31 de março de 1927 e, funcionava como alojamento de padres vindos da Europa para trabalhar no Norte e Nordeste do Brasil.
Em 1969 o prédio foi vendido e transformado no Hospital Mira Y López.

Casa das Missões em 1931

Prédio do Hospital Mira Y López é vendido 
(Reportagem do Jornal Diário do Nordeste em agosto de 2012)
"O futuro do Hospital Psiquiátrico Mira Y López, no Benfica, que dispõe de 200 leitos de internação, sendo 160 conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e 40 particulares, é incerto. Funcionários relatam que a direção realizou uma reunião, na semana passada, para anunciar a venda do imóvel e a demissão de todos. Em torno de 100 pessoas cumprem aviso prévio. O que se comenta é que o proprietário teria uma dívida de R$ 7 milhões.
O imóvel deve ser entregue em até dois meses. Há 18 pacientes sem vínculo familiar morando no hospital. Eles devem ser transferidos para duas residências terapêuticas que ainda serão inauguradas.
A unidade só deve funcionar até setembro, pois o prazo dado para entrega do imóvel ao novo dono é de dois meses. Caberá a ele decidir o que será feito do local. Pacientes que possuem vínculo familiar começaram a ter alta. Os demais, conforme informações dos funcionários, serão transferidos para outras unidades. Há dez dias, quando teve início o processo de altas, eram 198 pacientes internados. Ontem, eram 166. Desses, 135 pelo SUS e 31 particulares.

Após sete anos trabalhando na unidade, Francisco Milton, se mostrou inconformado por perder o emprego. "O Mira Y López tem história, são 44 anos de hospital. No dia que eu tive que assinar o meu aviso prévio, me deu uma tristeza. Quem é que gosta de ficar desempregado? E esses pacientes, vão para onde?", indaga, sem saber o que vai fazer quando terminar o aviso prévio.



Foto de 2006. Arquivo Elmo Júnior.
Na tarde de ontem, um paciente de Ibiapina, município localizado a 360 Km da Capital, que sofre de esquizofrenia, teve alta e seria levado para casa por um motorista da Prefeitura, mas não foi, porque o motorista não estava num carro adequado para transportar um paciente no estado que ele se encontrava - caindo do banco e com os joelhos feridos. "Disseram que ele estava normal", justificou o motorista, antes de desistir de levar o homem para casa.
A auxiliar Edilene Maria Sales, 51, que sofre de transtorno bipolar e costuma se internar, em média, três vezes por ano na unidade, estava triste. "Este é o melhor hospital que a gente tem, é uma pena. Se pudesse, reverteria essa situação", sugere.

A coordenadora de saúde mental do Município, Rane Félix, disse que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) não foi informada, oficialmente, do fechamento desses 200 leitos. Acrescenta que há dois anos, quando a mesma polêmica veio à tona com a possibilidade de venda do hospital, foi firmado um acordo no qual os proprietários se comprometeram a não fechar a unidade. "Eles disseram que o espaço era muito grande e que iriam transferir os leitos para outro prédio, com estrutura menor".



Foto: Rodrigo Carvalho

Preocupação
A preocupação maior de Rane Félix é com os cerca de 18 moradores da unidade - pacientes crônicos que não têm vínculo familiar e estão há muitos anos no hospital. Estes deverão ser transferidos para as duas residências terapêuticas que serão inauguradas, ainda sem data prevista. Será entregue, ainda, até o fim do mês de agosto, a Unidade de Saúde Mental do José Walter, com 20 leitos. "Os demais vamos redistribuir na rede", diz.
A coordenadora de saúde mental do Município se queixa do curto prazo para transferência dos pacientes: dois meses. "Não vamos 'jogar' para Messejana, já estamos querendo tirar eles de lá. O que a gente tem que fazer é cuidar das pessoas, e não fechar um hospital de uma hora para outra. Dois meses é muito pouco, precisamos de cinco a seis meses para fazer essa transição", frisa."


Reportagem: Luana Lima


Tristeza e revolta


“É com pesar que nós, Maria Stael Torres de Melo Santiago Filha, médica psiquiatra, e Leônia Maria Santiago Cavalcante, psicóloga, estamos vivenciando o fechamento do Hospital Mira Y Lopez, estabelecimento dedicado à saúde mental e idealizado com muito amor pelo nosso pai, Dr. Leão Humberto Montezuma Santiago*, e sócios, Dr. Glauco Bezerra Lôbo e Dr. Roberto Augusto de Mesquita Lôbo. Foram 43 anos de existência, de serviço prestado com dignidade e humanidade à população cearense. É um momento de profunda tristeza e frustração para nós, funcionários e todo o corpo clínico que, durante muito tempo, dedicou-se ao tratamento de portadores de transtorno mental. Essa é a realidade da saúde mental no Brasil. Suas portas estão fechando por falta de condições na manutenção de uma estrutura e atendimento digno aos pacientes. Convém salientar ainda que a verba destinada à instituição sempre foi um descaso. Com diárias irrisórias, dívidas acumularam-se tendo em vista a incapacidade de se manter a infraestrutura do hospital. A doença mental, infelizmente, não dá ibope e nunca foi alvo de promessa por parte dos políticos. Não deve ser surpresa para a Secretaria de Saúde do Ceará o fechamento de mais um hospital psiquiátrico, visto que a condição de funcionamento não vem permitindo a sobrevivência dessas instituições. Esta expressão e revolta, vale dizer, é fruto do amor incondicional de nosso pai pelo paciente em sofrimento psíquico. Emílio Mira Y Lopez, psiquiatra e psicólogo, autor de um grande exemplar denominado "Os 4 Gigantes da Alma - Ira, Poder, Medo e Amor", foi a inspiração para o nome do Hospital Mira Y Lopez. Segundo ele, "a ira, o poder e o medo" são obstáculos para a evolução humana. A realidade é que o poder não oferece condições para que o amor transforme essa triste situação vivenciada por muitos de nós. Que esse momento nos faça refletir sobre o papel e função da instituição hospitalar psiquiátrica na atual conjuntura do suporte e tratamento aos portadores de transtorno mental. Observa-se uma mensagem ambivalente: determina-se a extinção e, ao mesmo tempo, critica-se o fechamento, discurso este esquizofrenizante!”


Stael Torres de Melo Santiago Filha 

Leônia Maria Santiago Cavalcante


Médicos que fizeram a diferença:

  • Dr. Roberto Augusto de Mesquita Lôbo, cearense de Santa Quitéria, psiquiatra renomado, foi fundador diretor do Hospital Psiquiátrico Mira y López, em Fortaleza. 

"Um ser humano de qualidades excepcionais, culto e detentor de um grande conhecimento profissional. Aprendi a admirá-lo desde os meus tempos de estudante de medicina, quando prestei serviços ao Hospital Psiquiátrico Mira y López, do qual Roberto era um dos diretores."






Foto da década de 80, em destaque o Dr. Roberto Lôbo - Foto de Paulo Gurgel 

  • Dr. Airton Monte era envolvido no trabalho psiquiátrico com doentes mentais no Hospital Mira Y Lópes. Natural de Fortaleza, onde nasceu em 1949, Airton Monte era médico psiquiatra formado pela Universidade Federal do Ceará em 1976. 


"Médico psiquiatra formado pela Universidade Federal do Ceará, cronista do jornal O Povo, comentarista de rádio, redator de televisão, letrista, teatrólogo, iniciou-se na revista 'O Saco', onde publicou contos. Um dos fundadores do Grupo Siriará de Literatura.
Publicou “O Grande pânico” (1979), “Homem não chora” (1981), "Alba Sanguínea" (1983) e “Moça com flor na boca” (2005), adotado pelo vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC). Participou de algumas antologias: Os Novos Poetas do Ceará III, Antologia da Nova Poesia Cearense, Verdeversos e 10 Contistas Cearenses. Tem também um livro de poemas."

Diário do Nordeste

Airton Monte faleceu em 10 de setembro de 2012, vítima de câncer.

  • Dr. Heraldo Guedes Lobo.
"Indicaria e indico a todos que precisam de um milagre, que conheçam esse profissional, pois ele claro com a ajuda de Deus me devolveu a alegria de viver... Sou paciente já curada."


 Socorro Farias 
(Já foi interna do Mira Y Lópes)

Hospital Mira Y López - Foto de Herlanio Evangelista
Um prédio histórico que merecia e deveria ser tombado como patrimônio histórico de Fortaleza.
No ano de 2012, o prédio do Hospital Mira Y López foi um dos pedidos pela população para a transformação em bem material.

Quem foi Mira Y López?




Emílio Mira y López foi sociólogo, médico psiquiatra e psicólogo, professor de Psicologia e de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madrid. A sua visão da psicologia está intimamente ligada à fisiologia, já que entendia que os estados mentais estavam relacionados com mudanças musculares com origem nos órgãos sensoriais resultantes da interação com o mundo externo e interno do indivíduo.





Mira y López nasceu em Cuba em 1896, filho de Rafael Mira Merino e de Emilia López García, ambos espanhóis. 



Depois de terminar o bacharelado com brilho, estudou Medicina em Barcelona, onde foi aluno de Augusto Pi i Suñer, professor que sobre ele exerceu uma influência decisiva.


Em 1919, dois anos após obter a licenciatura, venceu o concurso para o lugar de chefe da seção de Psicofisiologia do Instituto de Orientación Profesional de Barcelona, serviço de que chegou a ser diretor em 1926. Entretanto, em Abril de 1922, defendeu na Universidade de Madrid a sua tese doutoral sob o título: Correlaciones somáticas del trabajo mental.
Em 1930, presidiu em Madrid o Congresso Internacional de Psicologia e entre 1932 e 1939 foi diretor e consultor do Instituto Pere Mata de Reus e diretor do Instituto Psicotécnico da Generalidade da Catalunha. Em colaboração com os médicos Alfred Strauss, Adolfo Azoy e Jeroni de Moragas i Gallissà criou La Sageta, a primeira clínica de psiquiatria e avaliação psicológica infantil de Espanha.
Mais tarde foi diretor do centro de orientação e seleção profissional da Escuela del Trabajo e em 1933 venceu o concurso para a cátedra de Psiquiatria da Universidade de Barcelona.

Uma conferência do Dr. Mira Y López em 17 de julho de 1937
No Rio de Janeiro, foi nomeado em 1947 diretor do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), cargo que ocupou até falecer.
Colaborou no Dicionário de Medicina do doutor Manuel Corachán.

Foto de 1949
Toda trajetória de Mira y López colaboraram para o surgimento do PMK, Partindo da Medicina, que o levou à Psiquiatria e depois à Psicologia. As atividades de Mira culminaram num período em que a Espanha estava em grande efervescência cultural. Foi escritor, editorialista, conferencista, brilhante orador, professor de Psiquiatria, de Psicologia (psicologia forense, psicologia experimental, psicopatologia infantil), membro e representante de vários conselhos de Psiquiatria na Espanha e criador de vários testes psicométricos.

Hospital Psiquiátrico "Mira y López", (Santa Fé, Argentina) em 1943. 
É um dos mais importantes do país.
Introduziu-se no campo da Psicologia, trabalhando com orientação profissional, depois com testes de psicotécnicos para seleção de motoristas. Criou seu célebre percepto taquímetro e inventou uma prova rudimentar para estudar a dispersão da atenção numa tarefa psicomotora contínua. Teve a intuição de que esses teste mediam não só a capacidade de atenção, mas também traços emocionais e aspectos da personalidade e de conduta.
Mira se concentrou em estudos nas técnicas expressivas, que se diferenciavam das projetivas por serem testes que não fogem de nosso controle, sendo alterado conforme a vontade consciente.
Inicialmente os métodos eram centrados na análise dos movimentos faciais, mas com o decorrer do tempo Mira sentiu necessário medir outras expressões mais distantes do controle consciente.

Dr. Mira em 1955
Dr. Emilio Mira y López faleceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 1964.

De entre a sua extensa produção escrita, que compreende mais de 30 livros publicados, cerca de 200 trabalhos científicos catalogados e numerosas conferências e cursos ditados, destacam-se as seguintes publicações:


  • El Psico-Anàlisi (1926);
  • Manual de psicología jurídica (1932);
  • Manual de psiquiatría (1935);
  • Psicoterapia; Psicopatología dels estats passionals (1938);
  • Psicología evolutiva del niño y el adolescente (1941);
  • Los fundamentos del psicoanálisis (1943);
  • Cuatro gigantes del alma. El miedo, la ira, el amor y el deber (1947);
  • Educación pre-escolar. Su evolución en Europa, en América y especialmente en la República Argentina;
  • Le psychodiagnostic miocinètique (1951);
  • Psicología experimental (1955);
  • Hacia una vejez joven (1961);
  • La mente enferma (1962);
  • La doctrina psicoanalítica (1963);
  • Psicología de la vida moderna (1963).
  • Futebol e Psicologia (1964) junto a Atahyde Ribeiro da Silva - Editora Civilização Brasileira S.A; Rio de Janeiro - RJ, 1964, 1ª edição;




*Em 15 de abril de 1997, morre, aos 72 anos de idade, o médico psiquiatra Leão Humberto Montezuma Santiago (Leão Santiago), que nas horas vagas era cantor.
Era cearense do Crato onde nasceu a 21 de abril de 1925.

Editado 28/02: Soube ontem que a demolição do prédio já teve início, a parte da entrada pela Avenida da Universidade, praticamente já não existe mais, infelizmente!
É, mais um patrimônio nosso é vendido e nossa história indo para o poço do esquecimento...







Fontes: Diário do Nordeste, Álbum Fortaleza 1931, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Wikipédia e http://www.miraylopez.com

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Guindaste Titan - Mucuripe




Graças a ajuda do Guindaste Titã, há mais de 70 anos, o Porto do Mucuripe vive um momento de prosperidade. 
Aperte o play, ouça a música de Sérgio Costa e Wilson Cirino, em homenagem ao gigante de aço e curta a postagem!


Enseada do Mucuripe antes da Construção do Porto - Arquivo Nirez

Postal Porto do Ceará
o Presidente da República, Getúlio Vargas, modificando o decreto anterior, lança o Decreto-Lei nº 544, de 7 de julho de 1938, e o faz publicar no Diário Oficial da União e decreta em seu Artigo 1º:

Art. 1º Fica transferida a localização do Porto de Fortaleza para a enseada do Mucuripe a que se refere a concessão outorgada ao Estado do Ceará, pelo decreto nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, para construção, aparelhamento e exploração do referido porto (Espíndola, 1978; p. 32). 


Foto do Guindaste Titan em 1940 - Arquivo MIS
Em 23 de julho de 1938 as obras tiveram início no Mucuripe. Segundo Espíndola, foram projetados dois enrocamentos laterais e paralelos, de 240 e 320 metros, com três metros de largura e nove de altura cada, um enrocamento transversal levantado por 102 colunas de concreto chamadas tubulões, cada uma com 2 metros de diâmetro por 12 metros de altura ligadas por vigas de concreto e sobre as quais se ergueria o cais de embarque e desembarque, espaçadas em oito metros. Um quebra-mar de 1.480 metros de comprimento à frente dos enrocamentos com função de amortecer as ondas e guiar as correntes para o largo. A conclusão da obra previa a realização de dragagem para alcançar oito metros de calado, aterro do espaço entre os enrocamentos utilizando o material dragado, um calçamento de paralelepípedos sobre o aterro e a construção de armazéns de carga e administrativos e instalação de geradores. 


A previsão de conclusão foi de 32 meses, prazo que não foi cumprido. Segundo Jucá (2000) e Espíndola (1978), o atraso e a posterior paralisação das obras do agora Porto do Mucuripe se deveram à inadimplência, ao assoreamento e aos fatores externos, como a crise financeira do Estado. A partir daí as idéias de ligação do Porto à cidade foram também abortadas. Conta Jucá que a construção do porto “incrementou o anedotário” (JUCÁ, 2000; p. 129) para muitos quando se referiam a tempo indeterminado ou ao dia de “São Nunca”. Assim se diziam que os play-boys da cidade se casariam no dia da inauguração do porto. Outro fator que emperrou a construção foi o conhecido acidente* do Guindaste Titã. O guindaste vinha operando já há alguns meses em péssimas condições de uso no transporte de pedras e na construção do quebra-mar. Segundo relata Espíndola, no dia 3 de junho de 1940 

[...] ao descarregar um dos carros de pedra, o Titã sofreu ruptura numa chaveta e, em seguida, quebra de uma mensageira. Nesse instante, a lança já se encontrava desnivelada pelo carrilho, resultando então no desequilíbrio e tombamento de toda a estrutura metálica [...] (Espíndola, 1978; p. 38). 


Acervo Carlos Juaçaba
o conserto do guindaste levou dez meses, durantes os quais os trabalhos de lançamento de pedras e construção do quebra-mar foram interrompidos. Mas o imaginário popular ganhou espaço. A praia onde desabou o Titã acabou ganhando o nome de Titã, e mais tarde Titãzinho.

O transporte das pedra

O Guindaste Titan em plena atividade

O Guindaste fez história e virou símbolo:

"Em 1939, chegava em Fortaleza o guindaste Titan, gigante de aço que, durante anos, foi símbolo da construção do Porto do Mucuripe, erguendo toneladas de rochas para a formação do quebra-mar que ainda hoje mantêm as águas tranquilas do Porto. A partir do Mucuripe, o Ceará passou a romper fronteiras com o mundo e Fortaleza ganhou status de metrópole."
Sergio Novais

(Diretor Presidente da Companhia Docas do Ceará)

O gigante de aço
Titãns

"Usual em toda imprensa fazer referência a “Luta de titãs” sobre qualquer coisa principalmente em futebol. 
Quando se construía o porto de Fortaleza, havia um guindaste de proporções avantajadas. Era o titã que pontificava na Ponta do Mucuripe para encher com pedras. Era o espanto para quem chegava a Fortaleza. 
Gago Coutinho foi visitar Fortaleza. A comissão de recepção do Clube da praia de Iracema fez homenagem. Convidou o herói para a visita. Subiu no Titã até o ponto mais alto. Foi espetáculo assistido pelo povo. 
Daí por diante quando uma coisa era grande, deixou de ser “jagularau”. Titã tomou conta do resto. "

Ari Cunha
(Correio Braziliense)

"...Viajei no passado, lembrando-me de que, quanto jovem, aluno do Liceu do Ceará, cheguei a aventurar em deliciosos mergulhos naquelas águas tendo como testemunha o antigo e simbólico e gigantesco guindaste Titã, que anos depois, já bastante corroído pela ação do tempo e da maresia, tragicamente desabou matando operários ao ser desmontado para venda em ferro velho. Foi a “fúria do Titã”, como registrou o jornal O POVO, onde eu na época era repórter político. Hoje, o local é emoldurado pelas vistosas torres geradoras de energia eólica. Mas isto é outra estória..."

Paulo Tadeu

(Jornalista)


Colocação das pedras do quebra-mar do porto pelo guindaste Titan. Ao longo dos anos, a praia ao lado do porto ficou conhecida como Praia do Titanzinho - Acervo Jaime Correia
Sobre o Porto, ao qual dedica especial atenção no livro 'Caravelas, Jangadas e Navios'; histórias do Ceará, Espínola descreve a presença do Titã, máquina responsável pela construção do molhe de pedras, para viabilizar sua construção. Era "o maior equipamento produzido pelo homem no Ceará. E o mais moderno e importante, porque não tinha semelhantes nas regiões Norte e Nordeste". E lamenta o pouco caso com a nossa história: "até ser transformado em sucata, por ideia de algum iluminado em troca de uns poucos dinheiros".


*Em 03 de junho de 1940, desaba a torre do guindaste Titan, no Mucuripe, que cai ao mar por não suportar uma carga de 50 toneladas. Saem feridos dez operários, dos quais um faleceu horas depois. 

No ano seguinte, no dia 20 de janeiro, acontece a bênção do guindaste Titan, que é recolocado na Ponta do Mucuripe, em cerimônia oficiada pelo cônego Joaquim Rosa.

Oito dias depois (28/01/1941), o Guindaste Titan volta à atividade.

Jornal Correio da Manhã - 31 de janeiro de 1941

Fotografia aérea com data aproximada de 1950. Demonstra o Porto de Fortaleza finalizado e já operando além a difração das ondas no molhe, formando a praia mansa. Arquivo Nirez

Curiosidade:

Em 04 de outubro de 1964, falece o comerciante e desportista José Antunes Queirós (José Queirós), irmão de Edson Queirós, em acidente, aos 32 anos de idade, quando foi cuspido da lancha em que estava, próximo ao guindaste Titan, no Mucuripe. Ele nascera em 19/03/1932.



Fontes: O Caso do Porto do Mucuripe e da Praia do Serviluz - Roberto Bruno M. Rebouças, Livro “Caravelas, Jangadas e Navios” de Rodolfo Espínola, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Livro Ah, Fortaleza!  e pesquisas diversas.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Memórias de uma vida à beira-mar


Mesmo com 93 anos de idade, Dona Neusa mantém o hábito de sentar no calçadão e olhar o mar. Na lembrança, histórias quando a avenida era uma das três ruas até o mar.
Apesar da idade avançada, que por vezes limita seu caminhar, a aposentada Neusa Miranda de Freitas não se priva da felicidade de, todas as manhãs, atravessar a Avenida Beira-Mar e contemplar o vasto oceano que se coloca à frente de sua porta e lhe traz boas e saudosas lembranças. “Hoje só faço olhar o mar, mas era a nossa diversão”, lembra. 

Desde seu nascimento na localidade de Boi Choco, hoje Volta da Jurema, como conta a aposentada, as águas salgadas do Mucuripe estiveram presentes nas horas de brincadeiras de infância, na vida de casada e, claro, no crescimento dos seis filhos. “Nadei muito ali, ia até longe. A gente fazia churrasco na adolescência”

Porém, como recorda, as ondas revoltas também foram responsáveis pela derrubada da primeira casa da família, que ficava bem na beira do mar. “Era tudo areia, mas tinha três ruas. A primeira era na praia. Lá ficava nossa casa, que o mar derrubou. A segunda era a Rua dos Pescadores, por onde passavam os caminhões para a construção do Porto do Mucuripe. Por fim, tinha a terceira, que é a Avenida Beira-Mar de hoje”.

Ao lado, a versão original da casa de dona Neusa em 1966.

Por conta desse percalço da natureza, dona Neusa explica que a solução foi a mudança com os pais para a Rua da Paz. “Minha mãe nunca se acostumou porque não dava para ver o mar”, observa. Depois disso, na década de 1960, o casório a levou para a morada de número 4558, em que no cômodo onde hoje há uma janela, ficava a mercearia do marido falecido, Luiz Gonzaga de Freitas

Desta época, a aposentada ainda tira da memória que a vizinhança era rodeada por casas de veraneio e das artimanhas usadas no período da Segunda Guerra Mundial. “A primeira casa de veraneio foi do general Manoel Teófilo. Durante a Guerra, as luzes ficavam apagadas para não chamar atenção dos aviões”


Dona Neusa em frente a residência, que resiste ao tempo e à especulação.
Em quase um século de vida, dona Neusa não deixa de lembrar detalhes e cumprimentar os conhecidos de longa e curta datas. Para se ter uma ideia, basta uma saída rápida de casa para que flanelinhas, moradores e frequentadores do calçadão desejem “bom dia” e falem com a aposentada. Diante de tantas demonstrações de afeto, pensar em se mudar nem passa pela cabeça, como diz.

Apesar, diga-se de passagem, da especulação imobiliária, das propostas de compra e da violência que não existia outrora e hoje pode ser presenciada de sua varanda. No entanto, dá para entender dona Neusa. Não é sempre que se tem o passado, a família, os amigos e o mar tão próximos. “Saudade nunca passa, né? Mas, aqui, sou muito querida”.


História do Bairro


Na década de 1930, a Praia do Mucuripe era o reduto de pescadores e de jovens. Dona Neusa é uma testemunha e protagonista dessa agitação.


Etimologicamente, em Tupi, Mucuripe significa Vale dos Mocós. Segundo relatos históricos, acredita-se que, em 1500, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón desembarcou nesse trecho antes da viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil e o batizou de Cabo de Santa Maria de La Concepción

Em 1501, André Gonçalves e Gonçalo Coelho chegaram à enseada do Mucuripe, tendo Américo Vespúcio na tripulação. Quando os holandeses desembarcaram no Ceará, em 1649, o bairro foi o porto de ancoragem da embarcação. Durante a consolidação de Fortaleza como cidade, em 1823, a enseada e a ponta do Mucuripe receberam fortes que completavam a estrutura militar do Forte de Nossa Senhora da Assunção. Ainda no século XX, foi construído o Farol, como apoio e complemento do Porto de Fortaleza e, em 1891, uma Estação de Trem.


No litoral, ainda não havia ocorrido processo de ocupação efetiva. Isso só acontece após 1950, sendo a Praia de Iracema a primeira. Livro "Caravelas, Jangadas e Navios" de Rodolfo Espínola.

Vila de pescadores, o bairro teve dois centros habitacionais: um à direita, onde foi construída a Igreja Nossa Senhora da Saúde e o segundo Cemitério público da cidade, e outro à esquerda do Riacho Maceió, em que houve a construção da Capela dos Pescadores. Nos anos 40 do século passado, ele foi escolhido como o local para o Porto. Já na década de 1950, deixou de ser um bairro de pescadores para expandir-se.
Janine Maia

Editado em 10/04/2015:

Em 08 de abril de 2015, o bairro do Mucuripe perde sua ilustre moradora, morre D. Neusa Miranda, no alto dos seus quase 100 anos. Com ela, perdemos tbm parte da história do bairro...
Meus pêsames aos filhos, netos, bisnetos e amigos! :(


Crédito: Diário do Nordeste
Fotos  D. Neuza: Alex Costa


Casa Boris Frères



Casa Boris Frères em 1910 - Arquivo Nirez
Uma das casas mais importantes, não só no Ceará como em todo o Norte do Brasil. Os sócios da firma eram os srs. Théodore Boris, Isaie Boris e Achille Boris, que residiam em Paris e lá dirigiam a sucursal da casa, e o sr. Adrien Seligmann, era o sócio-gerente no Ceará.

Crédito: Carlos H. Bertelli
Esta casa, foi fundada em 1870 e fazia o comércio de exportação dos principais produtos do estado, tais como borracha, algodão, cera de carnaúba, couros e peles. Importava máquinas para agricultura, cimento, carvão etc.

Correspondência de João Brígido endereçada a Casa Comercial Boris Frères - 25 de janeiro de 1904 - Acervo de Nágila Maia de Morais

Correspondência de João Brígido endereçada a casa Comercial Boris Frères - 1904 
Acervo de Nágila Maia de Morais
Os srs. Boris Frères possuíam uma instalação para o beneficiamento da borracha, que recebiam do interior do estado. A borracha era posta de molho em uma solução especial durante 20 ou 30 horas; depois, tratada em máquinas diversas, e cortada, em seguida, por meio de facas circulares. A borracha era depois posta a secar em estufas, onde ficava durante trinta dias. A instalação tinha capacidade para 1.500 quilos diários e as máquinas eram provenientes dos conhecidos fabricantes Joseph Robinson & Co., Salford, Manchester. Os srs. Boris Frères pretendiam aumentar a sua instalação para o tratamento da borracha, visto o aumento constante que estavam tendo.


Propaganda Boris Frères de 1929 - LR Blogs Associados
Na seção de algodão, era enorme a quantidade de artigo bruto tratado pela firma. Vinha ele do interior em grandes fardos imprensados e no depósito da firma era limpo quando isso se tornava necessário. O armazém era iluminado à luz elétrica, fornecida por um dínamo; e havia também uma bateria de acumuladores (para o caso em que não se queria fazer funcionar o dínamo), a qual tinha capacidade para iluminar a instalação durante dez dias. A força motriz para o maquinismo era dada por um motor a vapor dos srs. Fawcett Preston.

Nota de despesas de trabalhadores da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais
Na seção de couros, que ficava em outro depósito fronteiro ao porto, o movimento anual sobia a 1.000.000 de couros e peles, dos quais os primeiros eram exportados, na maioria, para o Havre e Hamburgo, sendo as peles enviadas principalmente para Nova YorkFiladélfia.

Crédito Collectorcircuit
O representante da firma em Nova York era o sr. Emile Boris, Broad Street, 68. As exportações em borracha ficavam divididas entre os mercados de Liverpool, Havre, Antuérpia e Nova York; o algodão ia para o Rio de Janeiro, Liverpool e Havre; a cera de carnaúba para Hamburgo, Nova York e Liverpool. Os srs. Boris Frères eram cônsules da França no Ceará e vice-cônsules da Noruega; e eram agentes e representantes de bancos e firmas importantes, tais como London & River Plate Bank e todas as suas sucursais; Brasilianische Bank für Deutschland e todas as suas sucursais sul-americanas; British Bank of South America, Banco do Recife, Banque Française et Italienne, Banco Español del Rio de la Plata, Banco Transatlântico Alemão, Rio; Deutsch Sudamerikanische, Rio e Hamburgo. Fazia também a firma a emissão de vales-ouro para pagamentos alfandegários.


Crédito Collectorcircuit

Os srs. Boris Frères eram também proprietários de várias plantações de borracha, café, cana-de-açúcar etc., próximo a Baturité e Crato (Serra Verde), no estado do Ceará. A firma tinha agências nos estados vizinhos. O movimento anual da casa ia a R$ 12.000:000$000 (£800.000).


Filial da Boris Frères em 1921: vista fronto-lateral do prédio em Fortaleza

(fotografia cedida por Pierre Seligman) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

A casa em 1922. Acervo Charles Boris

Todo colecionar de selos ou história postal do Império do Brasil, em algum momento se 
depara com os envelopes destinados a Casa Boris Fréres.
Mas afinal quem foi está Casa comercial que tanta correspondência mantinha?

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

                                            Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
                                                                        Acervo de Nágila Maia de Morais

No decorrer do século XIX, sobretudo de 1850 até o seu final, a França ocupou uma posição privilegiada nas relações comerciais externas brasileiras: o segundo país no movimento de importação e exportação de mercadorias no Brasil, logo em seguida à Inglaterra.

Matriz da Boris Frères: vista frontal do prédio onde se localizava o escritório
da empresa entre as décadas de 1880 e 1940 - Rue de La Victoire, 65. Paris
(fotografia feita em 1990) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

A origem dessa posição privilegiada encontra-se no crescimento econômico ocorrido naquele país no chamado Segundo Império, caracterizado especialmente por um impulso industrial que passou a exigir mercados cada vez mais amplos.
Nesse processo, as casas comerciais importadoras-exportadoras, pertencentes a “comissários em mercadorias” na França, atuando no ramo atacadista e apoiada numa estrutura que implicava na existência de uma matriz francesa e uma filial no Brasil, tiveram 
uma importância fundamental ao viabilizarem essa expansão, materializando-a.
Dentre essas casas. Estava a Boris-Frères. Sua origem remonta à cidade de Chambrey
na região da Alsácia-Lorena, onde a família Boris comercializava com cavalos, pelo menos 
desde a segunda metade do século XVIII.

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Em 1865, um de seus membros, Alphonse Boris, viajou para a região nordeste do Brasil, dirigindo-se à província do Ceará, sendo seguido, dois anos depois, por seu irmão Théodore.
A primitiva casa comercial que então fundaram em Fortaleza, no ano de 1869, a Théodore Boris et Frères, desapareceu com o regresso deles ao país de origem, dois anos 
depois, mas não em definitivo: suas atividades no Brasil estavam, de fato, apenas começando.
Em Paris, cidade para a qual a família havia emigrado no contexto da Guerra Franco Prussiana, eles fundaram, a 14 de fevereiro de 1872, a Boris Frères, sociedade entre irmãos. Essa objetivava explorar “um comércio de comissão exportação-importação”, com matriz na capital francesa e filial no Ceará, para onde eles retornaram, ainda no mesmo ano, e estabeleceram a filial.

O comerciante Théodore Boris, Chambrey, 1841 . Paris, 1933. ( Uma casa chamada Boris, 1869-1969. Fortaleza, s. n., [1969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
A Província do Ceará experimentava, entre 1860 e 1870, uma expansão agroexportadora, apoiada principalmente na produção algodoeira, que integrava o mercado cearense às correntes do comércio internacional. Tal expansão significava para os interesses comerciais franceses, representados pela Casa Boris, a possibilidade de atuarem não só no ramo da exportação de matérias-primas para a Europa, mas também no ramo de importação de produtos manufaturados.
A opção deles contrastava com a da grande maioria dos comerciantes franceses que, neste período, emigraram para o Brasil com o objetivo de ai estabelecer casas comerciais. A capital do Império e as cidades do Recife e Salvador foram aquelas para as quais eles se dirigiam preferencialmente, sobretudo a partir dos anos cinquenta.
A partir da instalação definitiva em 1872, foi-se engendrando uma hierarquia na cadeia de distribuição das mercadorias importadas, tendo, em uma de suas extremidades, a casa matriz de Paris, e na outra, o pequeno comerciante do interior da província.

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

A exportação de produtos locais para o mercado externo alicerçava-se nos mesmos agentes e hierarquia. As matérias-primas dirigidas ao comércio exportador chegavam à Casa Boris, em Fortaleza, através dos comerciantes com que negociavam na importação, oriundas de fornecedores interioranos.

O comerciante Alphonse Boris. Chambrey, 1843. Paris, 1898. ( Uma casa chamada Boris, 1869-1969. Fortaleza, s. n., [1969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
Os tecidos vinham em primeiro lugar por ordem de importância. Eram constituídos tanto por aqueles de melhor qualidade, mais finos, como por aqueles mais baratos, destinados a um consumo mais popular. Estes últimos, que no Brasil foram de origem, sobretudo inglesa, 
predominaram nas vendas da Casa. Dessa forma, a Boris Frères soube esquivar-se de uns 
problemas enfrentados pelo comércio francês, especialmente no caso dos tecidos, ou seja, a 
dificuldade de consumo para artigos de luxo, que o caracterizavam. Logo após os tecidos, as 
demais mercadorias estrangeiras importadas e comercializadas foram peças de vestuário, 
perfumaria, objetos de decoração, vinhos, conservas, manteiga, drogas, artigos de armarinho e papelaria, cujas encomendas eram feitas à casa-matriz. Note-se, porém, que havia um produto bastante comercializado pela Casa Boris, cuja origem era norte-americana e constituía um dos principais itens das exportações dos Estados Unidos para o Brasil: a farinha de trigo, para confecção de pães e de bolachas.
A “flexibilidade” dos negócios da Casa, porém, é mais patente quando se observa que 
comercializou também com mercadorias de produção local, como velas de cera de carnaúba, 
charque ou ainda aguardente, que eram enviadas de uma área à outra dentro da própria 
Província.

O comerciante Isaie Boris. Chambrey. 1846. Versalhes. 1918. (Uma casa chamada Boris. 1869-1969. Fortaleza. s. n.. [I969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
Considerando-se a atividade exportadora da Casa Boris, em particular, consta-se que o 
algodão constituiu o principal gênero comercializado pela Casa. Ora, na medida em que os 
tecidos foram às mercadorias de maior peso nas importações, verifica-se que ocorria um 
intercâmbio comercial no qual se importavam manufaturas feitas com a matéria-prima que se exportava, vários foram os comerciantes cearenses cuja relação com a Boris Frères esteve assentada, sobretudo, na venda do algodão e na sua contrapartida: a compra dos tecidos, fabricados com aquela matéria-prima.
Os couros estiveram em segundo lugar, em ordem de importância. Por um lado, esse artigo manteve-se, na segunda metade do século XIX, como um dos principais itens as pauta 
das exportações brasileiras para a França; pelo outro, os objetos trabalhados com essa 
matéria-prima constituíram uma das oito mais importantes mercadorias importadas daquele 
país pelo Brasil, no período.
Em terceiro lugar, vinham as penas de ema, utilizada na França, provavelmente, na indústria de decoração e vestuário.
A cera de carnaúba e a borracha também foram comercializadas, embora em bem menor 
grau do que os três artigos anteriormente citados. Afora esses produtos típicos do Ceará
alguns outros despertaram o interesse da casa Boris, este foi o caso do “jaborandi” e de 
resinas”, empregados na fabricação de algumas drogas.
Dessa forma, a Boris Frères filial pôde estabelecer, nos anos de 1870, as bases seguras de sua presença comercial na Província. Suas lucrativas relações com o mercado cearense, que não foram abaladas pelos anos de seca, muito ao contrário, desdobra-se-iam, a partir dos anos oitenta, em novas atividades, colocando-a em posição cada vez mais importante no Ceará.


Prensa inglesa de algodão da Casa Boris Frères, inaugurada em 1924 (Fotografia cedida por Pierre Seligman). Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

As atividades mencionadas caracterizavam-se, em primeiro lugar, pela sua manutenção 
como casa comercial, reforçada por novas “conquistas”, como a da estável posição de gentes 
consulares, que deteriam durante décadas, e de companhias de seguro de navegação; em 
segundo lugar, por um desdobramento em novas atividades no setor da agroindústria, que se 
traduziram em investimentos diretos na agricultura e no processo de beneficiamento, ao 
mesmo tempo em que constituiu uma expansão da atividade da Boris Frères, consolidou-a 
como casa comercial, pois objetivava, em última instância, um aprimoramento da atividade 
exportadora.
A  primazia da exportação em seus negócios na província se consolidaria em 1910, quando a Casa deixou de realizar importações de mercadorias, num quadro marcado pela perda progressiva da posição da França no mercado internacional, após o final do século XIX. 
Quanto às exportações seriam interrompidas somente em 1930, como efeito da grande 
depressão de 1929, que atingiu o comércio exterior brasileiro. A partir de então as atividades 
da Boris Frères, no Ceará, restringir-se-iam, especialmente, ao ramo de navegação e seguros, 
no qual ainda hoje atua.
Carlos H. Bertelli

Saiba Mais

A Casa Boris foi fundada em 1869, tendo como razão social: "Théodore Boris & Irmão".
Localizava-se antiga Travessa da Praia (atual Rua Boris)





Fontes: ¹Livro Impressões do Brazil no Século Vinte, ²Szmrecsányl, Tamás. & Lapa, José Roberto do Amaral. História Econômica da Independência e do Império. Edusp, São Paulo, 1993 e ³Meyer, Peter. Catálogo Enciclopédico de Selos & História Postal do Brasil. 
RHM, São Paulo, 1999