Na Fortaleza antiga, os enterros eram verdadeiras procissões, que se estendiam, algumas vezes, por mais de um dos nossos quarteirões.
Abria o préstito uma cruz negra de cuja peanha pendia uma saia, que era um pano de veludo preto com franjas douradas, afetando a forma desta peça de vestuário.
As irmandades marchavam em longas filas, solene e silenciosamente. Precedido pelo cura da Sé, vinha o féretro, levado por quatro empregados da misericórdia, vestidos de preto, com cartolas de oleado reluzente, casacas e calças debruadas.
O caixão repousava sobre duas travessas cujas pontas descansavam sobre largas correias, que os condutores traziam a tiracolo.
Eram estes os Gatos Pingados, pobres homens ridicularizados, que aliás, prestavam um grande e penível serviço a mortos e vivos, pois não lhe custava pequeno esforço percorrer dois ou mais quilômetros em marcha lenta, carregando peso, vestidos como iam e sob um sol de fogo.
Pelos anos de 1880, cobria-se o féretro com largo pano preto com franja e cruz douradas ao centro, pendendo de cada canto um cordão com borlas, nos quais seguravam as pessoas mais chegadas ao morto, assim a modo de quem, realmente, o conduzisse ao Dormitório.
Vestidos de rigoroso luto, parentes e amigos acompanhavam, descobertos; e se as posses ou a posição social do morto o permitiam, uma banda de música acompanhava o funeral, o qual, ao aproximar-se da Sé, era recebido com sinais dobrados ou singelos, conforme as circunstâncias.
Até a Catedral, todos iam descobertos; mas daí para o Cemitério, todos se cobriam, porque já estava encomendado o corpo.
Era, em verdade, um sacrifício ir um homem, da matriz ao Cemitério, vestido de preto, sol das quatro horas pela frente, sobre um péssimo calçamento.
Após o percurso de 1300 metros, que portanto se estende a rua das Flores, ali se chegava esbaforido, mas de tal caminhada ninguém se queixava, dados os sentimentos que a todos animavam.
Cemitério São João Batista na década de 30 - Arquivo do Blog
A sociedade fria e cruel, exigia das família enlutadas as mais ruidosas mostras de dor à saída dos enterros, e, mais de uma vez, nesses momentos angustiosos, espíritos fracos desgovernaram, fizeram exclamações inconvenientes ou deixaram vir a lume segredos de família.
Já se vai compreendendo que tais gritarias são mais uma convenção do que a expressão dum verdadeiro sentir; e é por isto que se tem visto aqui mais de uma família despedir-se do seu morto, guardando o silêncio que fala, que exprime melhor que toda palavra a grandeza e a nobreza da verdadeira dor.
As visitas de pêsames eram uma tortura, especialmente para as viúvas que, em exposição nas suas salas, tinham que repetir, miudamente, aos visitantes, as peripécias da doença e sofrimentos últimos do seu morto.
Felizmente, este torturante costume, este sacrifício das viúvas, vai caindo em desuso.
Naquele tempo, os enterros eram solenes e a pé. A frente do cortejo, a cruz alçada e o padre paramentado. O caixão do falecido era carregado por amigos, parentes ou pelos “gatos pingados”( homens contratados para levar o defunto ao cemitério). Vestiam-se com casacas compridas e negras, uma fita amarela a tiracolo, calças com listas vermelhas, cartolas altas de oleado, de abas enroladas.
O esquife era equilibrado sobre duas tábuas, em cujas pontas haviam aldravas seguras pelas mãos enluvadas dos Gatos-Pingados, e transportado num ritmo cadenciado, subindo e descendo, num caminhar lento e silencioso.
Somente homens, todos de preto, acompanhavam o féretro. Como já dito, se o defunto era pessoa importante, o cortejo terminava com uma banda de música tocando peças fúnebres.
Durante um mês, a família só saía de casa para assistir as missas, de sétimo e trigésimo dia. Só escrevia cartas tarjadas de preto e usava luto fechado: os homens, camisa e terno pretos, as mulheres vestido comprido totalmente negro, a cabeça coberta por um véu. Os viúvos usavam luto fechado pelo resto da vida.
Na Fortaleza antiga, quando o morto não tinha muito prestígio ou não era bem quisto, poucas pessoas seguiam o cortejo, e algumas vezes, apenas os quatro "gatos pingados", assim quem morava nos arredores do Cemitério de São João Batista, corria para assistir o enterro e comentar depois.
Até hoje ouvimos a expressão "gatos pingados".
-"Não deu quase ninguém, só alguns gatos pingados!"
Fontes: Fortaleza Velha de João Nogueira, Otacílio de Azevedo (Fortaleza Descalça) e História Abreviada de Fortaleza e Crônicas sobre a cidade amada de Mozart Soriano Aderaldo.
MUITO BOM VER FORT, ANTIGA PARABENS..............AMIGA
ResponderExcluirObrigada, José Carlos!
ExcluirForte abraço