"O céu, transparente que doía, vibrava tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, apenas um juazeiro ainda escapa à devastação da rama”. A escritora Rachel de Queiroz imortalizou a seca de 1915, mas as palavras da cearense também serviram de retrato de outras grandes secas ao longo desses 100 anos.
“A ideia era muito clara: concentrar, disciplinar essas pessoas. Colocar essas pessoas ali pra que elas não perturbassem a ordem social. Lá havia uma rígida disciplina. Não poderiam sair, tinham, muitas vezes, os cabelos raspados, separavam mulheres de homens. Muitas vezes, o governo que administrava os campos. Havia cadeias pra punir quem agisse com indisciplina. Então, era um modo de controle”, explica o professor e historiador Airton de Farias.
Esse conjunto de fotografias pertence atualmente, ao acervo da Biblioteca Nacional. São imagens chocantes, em formato de 'cartes de visite', e retratam crianças, homens e mulheres desnutridos e maltrapilhos, de aparência doentia, e, muitas vezes, as fotos, feitas em estúdio, trazem textos rimados que se referem à miséria.
"Tenho fome! Tanta fome
Que já não me posso erguer!
Miseria que me consome,
Faze que eu possa morrer!"
"Foi o céu inexhoravel
Contra á mim, contra á meus paes,
Deixou-me na orphandade
Entregue a dores e ais!"
"Desgraçado! Assim creança
Pae, mãe e irmãos perdi!
A miseria á mim se avança
Abre as garras e sorri!"
"Triste orphão da ventura
Só dores no mundo achei
Dá-me oh" Deus a sepultura
Onde a paz encontrarei!"
ILEGÍVEL
"...Foi lusidio e feliz!
Mas hoje é pallido espectro
Que a existencia maldiz"
"Coberto de immundos trapos
Dormindo exposto ao luar
Falta-me n'alma o talento
Té mesmo para chorar!"
"Porque me tornas cadaver,
Miseria, que me assassina?
Porque plantas tantas dores
Na minh'alma inda menina?"
ILEGÍVEL
"Vive exposto o corpo meu!
Meu pae e mãe, meus amores!"
ILEGÍVEL
"Deixei, por amôr a vida
Me roubarem o pudor!
E hoje mulher perdida
Morro de fome e de horror!"
"O filho, como uma furia
Ergueu-se a um pão pedio!
Pobre pae, ante á penuria
Tremeu de fome e cahio!"
"Eu sou cadaver esguio
Que por entre os vivos erra;
Meu-corpo tomba sombrio
No solo da ingrata terra!"
"Tão bello na face outr'ora
Eu tinha os risos dos céus!
E myrrada pelle agora
Cobre mal os ossos meus!"
(Obs.: Os textos das fotos estão com a grafia da época)
Em 1915, uma seca severa fez com que os sertanejos se dirigissem para as grandes cidades, desta feita o Governo do Ceará, optou por criar o primeiro "campo de concentração, no Alagadiço, hoje Otávio Bonfim, ao oeste da cidade de Fortaleza, lá foram "abrigadas" mais de 8 mil almas a quem eram fornecidas alimentação sob a vigília constante de soldados. Mais uma vez (sim, essa infelizmente não foi a primeira e não seria a última seca que tivemos) foi estimulada a migração para a Amazônia e o campo (curral humano) foi desativado em novembro do mesmo ano.
Decididamente aqueles não seriam anos bons para os cearenses. Depois das duas guerras de 1912 e 1914, seu Jader e sua família iriam assistir em 1915 a pior seca de todos os tempos.
Relatório dos Presidentes dos Estados - 1916
Créditos: G1 Ceará/ Brasiliana Fotográfica
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