domingo, 17 de dezembro de 2017

A conturbada construção do Porto do Mucuripe - Parte II


Leia a primeira parte AQUI

Nessas fotos, vemos o lugar ainda sem a construção do futuro Porto de Fortaleza. 
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"Acaba de ser inaugurada a via férrea que liga esta capital a enseada ao Farol do Mocuripe. [...] Esta estrada de ferro recém-construída vai ficar sem aplicação, desde que o porto não vai ficar localizado naquela vizinha enseada, conforme resolução última. Torna-se, porém, indispensável o aproveitamento daquela via de transporte para ligação rápida do mocuripe com esta cidade. Mesmo que não se estabeleça um serviço de trens suburbanos, bem se poderia adotar o sistema de troler-motor, para trânsito daqui aquele ponto, tão procurado pelas famílias para lugar de repouso. Confiamos que o Sr. ilustre interventor tomará a iniciativa de obter do governo federal uma concessão em favor dos interesses de nossa capital, que com esse melhoramento, contará um grande progresso." (O NORDESTE, 26/12/1933, p. 04).




A construção de uma estrada de ferro ligando o Centro ao Mucuripe mostrava uma clara intenção do governo de expandir o comércio, através do alargamento da circulação de capital. As obras tinham um caráter funcional nítido. Porém, a especulação em torno da construção do porto na enseada do Mucuripe, não se confirmou frustrando, assim, quem especulava investir na área.

Como podemos notar, a racionalidade em relação à cidade imperava. Se o porto não seria mais construído próximo à estrada de ferro, na enseada do Mucuripe, caberia ao interventor federal, dotar aquele espaço de funcionalidade. Não há margem para o acaso, para obras erigidas de qualquer forma. Todo local tem que ter um “sentido”, principalmente se esse for lucrativo e valorizar o capital antes investido. As “melhorias urbanas” sofriam, já na época, intensa especulação imobiliária. Os espaços eram urbanizados de maneira assimétrica, desigual, não por acaso ou obra do destino, mas porque fazia parte do jogo de interesses envolvidos na disputa do urbano. Assim como os açudes no interior do Estado eram construídos em terrenos de particulares, valorizando suas respectivas propriedades, os proprietários de imóveis na capital, também estavam sintonizados em investir os seus recursos próximos às melhorias.
O governo, por conseguinte, deveria garantir o retorno dos investimentos, como na justificativa do engenheiro responsável pelo porto. Edgar Chermont, disse- nos, que aquele local, já que não seria mais destinado ao porto, destinar-se-á no projeto que vai apresentar ao Sr. interventor federal á localização de um depósito de infamáveis, de um porto aéreo e também para a organização da pesca”. (O NORDESTE, 26/12/1933 p. 07). Em linguagem comum, ele queria dizer o seguinte: quem aplicou recurso naquele espaço poderia ficar tranquilo que o terreno seria valorizado de outra maneira. Como observamos na continuação da matéria, do referido matutino, “O trecho da estrada de ferro está construído admiravelmente. O referido ramal deve ser aproveitado para uma linha suburbana. Com essa aplicação, os terrenos a margem da referida estrada de ferro se valorizariam e a cidade cresceria, expandindo naquela zona”. (IDEM).



Não há dúvida da intrínseca relação do projeto de urbanização do governo e os interesses dos capitalistas, em relação ao investimento no circuito secundário e especulação imobiliária. Portos, aeroportos, pontes, ruas, avenidas, estradas de ferro¹, ou seja, investimentos em estruturas físicas tinham que concatenar modernização da cidade e repartição das fatias de lucros. Todavia, havia uma integração entre os governos para as construções dessas obras.

O presidente assinou o decreto entregando ao Ceará 25 mil contos apurados taxa de 2% ouro para a construção do porto de Fortaleza PT autorizou ainda o ministro de viação contratar com particulares em fretes para aquisição material para Rede de Viação Cearense PT abraços. Carneiro de Mendonça. (IBIDEM, 04/07/1934, p. 01).

Este telegrama mostra claramente os recursos do Governo Federal destinados ao porto e às estradas de ferro, na perspectiva de valorizar o ambiente construído e melhorar a circulação de capital. Os investimentos no porto e nas estradas de ferro atenderiam a essa demanda, reduzir o custo do produto final, diminuir o tempo de giro do capital, acelerar a sua valorização, em linguagem comum, tinha como objetivo fazer com que a mercadoria chegasse mais rápido aos seus consumidores, além, é claro, de ocupar a mão de obra dos retirantes.


Neste sentido, a acumulação de capital exerceu um papel importante na formação do espaço urbano de Fortaleza, na medida em que absorveu o trabalho excedente, e criou novos canais de negociação e de trocas. Na época existiam três portos no estado do Ceará: Fortaleza, Aracati e Camocim. A ampliação do Porto de Fortaleza, ou no caso, a construção do Porto no Mucuripe², representava os anseios dos setores capitalistas que queriam expandir os seus capitais naquela cidade. No ano de 1933, segundo O Nordeste (27/01/1934 p. 05), o número registrado de embarcações que adentraram no porto, perfez um total de “571 navios, 1.029.462 toneladas de registro, 30.902 de tripulação e 114.392.270 toneladas de carga”, marcando assim, um aumento exponencial comparado ao ano de 1932.³


O movimento de importação e exportação de mercadorias corroborava a necessidade de se investir no setor secundário, de valorização do ambiente construído. Em um trecho do jornal A Rua, excepcional enquanto síntese da política do governo, relata que “A estabilidade econômica e financeira do Ceará dependerá, exclusivamente, de duas ações técnicas: a construção do porto de Fortaleza e o trabalho eficiente de açudagem. Todo e qualquer empreendimento comercial e industrial do Estado, sem porto e sem água, será um fracasso”. (A RUA, 03/12/1933 p. 03).


Todavia, o investimento em ruas, praças, avenidas, porto e vias férreas, na capital, e os investimentos nas estradas de rodagem e açudes no interior mostram dois lados de um mesmo projeto, coadunar a acumulação de capital com a valorização do ambiente construído, portanto, não se pode pensar a urbanização de Fortaleza, sem levar em consideração esse conjuntos de fatores.

A importância de um Porto para Fortaleza:
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¹“A Rede de Viação Cearense, compreende a Estrada de Ferro de Baturité (de Fortaleza ao Crato), com 599 Km.109, os ramais da Alfândega, com 2, Km.900, de Itapipoca, com 61, Km.300, inclusive o sub-ramal da Barra, de Maranguape, com 7 Km.246, de Cariús, com 33 Km. 200, de Orós, com 42 Km.740, da Paraíba, com 119 Km.402, inclusive o sub-ramal de Cajazeiras, e a Estrada de Ferro de Sobral( de Camocim à Itapipoca), com 373 Km.493, perfazendo, assim, o total de 1.239 Km.410 em tráfego”. Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1932 confeccionado por João da Camara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 142. O Ceará representava a sétima maior rede de estrada de ferro em 1932, que continuou sendo ampliada com a estrada de Fortaleza ao Mocuripe, em 1933.

²O Porto do Mucuripe só começou a ser construído novamente, a partir do ano de 1939 através do decreto, nº 504, 7 de julho de 1938. Voltando a ser localizado na enseada do Mucuripe, e só foi completamente terminado em 1952, recebendo seu primeiro vapor em 1953. Portanto, na década de 1930, Fortaleza continuou com o antigo porto localizado próximo da região central, onde hoje fica a Praia de Iracema.

Guindaste Titan a todo vapor
³Segundo os dados oficias da guarda-moria, durante o ano de 1932, deram entrada no porto de Fortaleza, 535 embarcações diversas, com 952.816 toneladas de registro, 27.683 homens de tripulação, trazendo 149.378 toneladas de carga. Saiu devidamente despachado igual número de embarcações, levando deste Estado para os portos da União e do estrangeiro 449.763 volumes pesando 2.911 toneladas. Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1934 confeccionado por João da Câmara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 219.

Leia também:
Guindaste Titan - Mucuripe
Coluna da Hora - A polêmica em torno da construção do monumento

As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.
Fonte: http://memoria.bn.br/

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