domingo, 7 de janeiro de 2018

O Urbanismo de Nestor de Figueiredo


Plano Nestor de Figueiredo. Arquivo FbioMatos
É linguagem comum falar de um crescimento desordenado do espaço urbano de Fortaleza a partir da década de 1930. Em grande medida, contribui para essas análises a explosão demográfica causada pelas secas, em especial, a seca de 1932. Porém, não se analisou até que ponto essa urbanização foi realmente desordenada. Não havia planejamento do estado? E se havia planejamento, em que medida foi eficiente? Qual foi o papel que o urbanismo exerceu nesta urbanização?
Jornal A Ordem - 22/04/1933
A tentativa de traçar um plano urbanístico para Fortaleza data de meados do século XIX, com o plano em xadrez de Silva Paulet, e depois em 1875, com ampliação do traçado em xadrez por Adolfo Hebster, influenciado pelas reformas do Barão de Haussmann, na França, contornando o centro comercial com um conjunto de avenidas chamadas de Boulevards. De acordo com Castro (1977, p. 30), “o plano em xadrez está intimamente ligado a objetivos colonizadores ou de expansão urbana. Era o traçado helenístico por excelência, empregado por Alexandre, o Grande, nas cidades recém-criadas em seu vasto império. Era o traçado da colonização romana, introduzida algumas peculiaridades”. Não obstante, a perspectiva de se estabelecer um plano urbanístico continua na década de 1930, especialmente após a seca de 1932, sendo, inclusive, criado um conselho consultivo para desenvolver um plano de urbanização para a capital. “O conselho consultivo em sua sessão de ontem deliberou acerca da consulta feita pelo Sr. prefeito municipal sobre o projeto de urbanização da cidade a ser contratado pela prefeitura com o engenheiro Nestor de Figueiredo”. (O NORDSTE, 12/07/1933 p. 01). Todavia, o conselho não se mostrou favorável ao plano de urbanização apresentado pelo arquiteto Nestor de Figueiredo, dando o seguinte parecer:

Nestor de Figueiredo
De todo o exposto, resulta que sem negar a necessidade de retoques e ampliações no plano atual de desenvolvimento de Fortaleza, discordo todavia da conveniência de uma obra geral de reforma do mesmo plano, com o caráter amplo e suntuário que necessariamente teria o projeto do engenheiro Nestor Figueiredo. [...] Julgo que as necessidades urbanas, determinadas pelo crescimento da cidade, as modificações que acima aludi à conveniência enfim de disciplinar esse crescimento, poderá ser atendida gradativamente, sem dispêndios extraordinários e onerosos pela própria Secretaria de Obras e Viação da prefeitura. [...] Toda questão está naturalmente em aparelhar esse departamento de recursos necessários, provendo-o dos meios para a elaboração desse plano- o que se deve ir fazendo gradualmente, a medida das reais necessidades de Fortaleza, de acordo mesmo com a mentalidade ambiente e na proporção, o que é essencial, dos recursos econômicos normais do município. (O NORDESTE, 12/07/1933 p. 01).

Jornal A Razão de 09 de setembro de 1936


Continuação. Jornal A Razão de 09 de setembro de 1936

Final. Jornal A Razão de 09 de setembro de 1936
Existiam, portanto, dois projetos de controle do crescimento da cidade. Um projeto elaborado por Nestor de Figueiredo, que pensava numa reforma mais radical, de investimentos mais vultosos, para uma reforma geral da urbe. E, num sentido diametralmente oposto, o plano defendido pelo conselho consultivo, que deveria ser executado pela própria Secretaria de Obras do Município, tendo como prioridade mudanças gradativas de acordo com os recursos econômicos do Estado, em outras palavras, sem gastar muito dinheiro com as reformas. Porém, o que havia de similar em ambos os projetos, era o reconhecimento de “disciplinar” o crescimento urbano. A cidade tinha que ser apreendida por uma racionalidade instrumental, não poderia ser deixada ao fluxo espontâneo da desordem provocada pelo aumento populacional. Esta era a tarefa do “urbanismo”, padronizar a cidade, dirimir sua heterogeneidade, considerada como uma contradição. Como o urbanismo conseguiria resolver.

Foto aérea de meados da década de 30, vendo-se o Parque da Liberdade.
O projeto de Nestor de Figueiredo se enquadra numa tentativa de ordenar a cidade, da aplicação de uma lógica industrial e evacuação da “racionalidade urbana”. Porém, ele é apresentado travestido de uma couraça reluzente que chega a ofuscar os seus objetivos.

Realizou-se ontem na sede da prefeitura municipal, a anunciada exposição do plano de urbanização de Nestor Egídio Figueiredo. [...] Começou tecendo algumas referências ao alcance e responsabilidade desse contrato, que devia ser mais uma obra de previsão que de momento. Discorreu sobre o urbanismo, analisando-o sua existência na antiguidade, no seu colapso na idade média, e em seu recente ressuscitamento no século passado, novamente preocupado com os planos urbanísticos. Explicou aos presentes como esses planos devem obedecer não somente a técnica pura, mas também ao lado emocional, poderíamos dizer, romântico, de acordo com a psicologia dos povos habitantes das diversas cidades. Para o plano de urbanização de Fortaleza, havia a considerar, portanto, estes dois lados igualmente importantes e necessários. Seus habitantes têm sentimentos morais próprios, que constituem um delicioso motivo de beleza coletividade cearense. (A RUA, 20/12/1933, p. 03).

Vista aérea do Centro nos anos 30. Arquivo Nirez
Figueiredo tem consciência do papel que o urbanismo exerce na remodelação de uma cidade. Não é por acaso que no seu discurso ressalva a importância dos sentimentos, valores morais, e costumes dos seus habitantes, pois o urbanismo age exatamente no sentido oposto.
A exposição do plano urbanístico continua, salientando que “o plano urbano deve presidir sempre o critério de previsionar, isto é, impedir males futuros. A utilidade pública está acima da obra de luxo. As cidades de hoje apresentam estas falhas que obstam a expansão e a formação de uma futura cidade”. (A RUA, 20/12/1933 p 01). O traçado da cidade continuaria na linha desenhada por Paulet, Boticário e Hebster, porém ampliando o perímetro e a sua dimensão global. Não apenas a divisão das ruas seria levada em consideração, mas um conjunto amplo de fatores. Observamos melhor as características do plano, nas suas cláusulas contratuais, que define como seria desenvolvido o projeto.

1 Parte- Análise da aglomeração nos seus múltiplos aspectos no tempo e no espaço de acordo com os pontos de vista físico, geológico, hidrogeológico, geográfico, hidrogeográfico, meteorológico, histórico, social, econômico. 2 Parte- Elaboração do plano em cartas, quadros sinópticos, etc. 3 Parte- Organização do plano diretor que deverá compreender a ossatura do plano, os meios de transporte e zoneamento, organização do comércio varejista, bairro industrial e zona do porto, localização dos bairros residências, determinação dos espaços verdes, gabaritos, legislação e regulamento, estudo de uma legislação especial do plano diretor com conexão com o código municipal de construções. O plano geral para o desenvolvimento sistemático da cidade atende a uma população de 250 mil habitantes. (O NORDESTE, 20/12/1933 p 01).

Vista aérea do final da década de 30.
As partes do contrato mostram a dimensão do plano urbanístico. Tratava-se de um projeto para a cidade envolvendo aspectos econômicos, sociais, políticos, estudos geográficos, geológicos, hidrogeográficos. A capital foi pensada na sua estrutura global, pois havia separação de bairros industriais dos residenciais, organização do comércio varejista, do sistema de transporte, criação de uma legislação própria em conexão com o código de construção do município, análise das aglomerações, que na época já se tornara um problema, e, por fim, uma projeção para o futuro, pois o plano tinha como base atender uma população de 250.000 habitantes, ou seja, o dobro da população do período¹.
O projeto de Nestor de Figueiredo sofreu muitas críticas, dentre um dos motivos, o fato de pensar em 250.000 habitantes, sem levar em consideração a realidade financeira do município. No contrato, ficaram acordados que a prefeitura pagaria o valor de 120.000$ ao engenheiro, em cinco prestações. Além do valor da obra em si, que pela vultuosidade do projeto, envolvendo desde arborizações a separação de bairros, não se podia ter um número preciso do gasto. Uma crítica mais contundente analisava os principais problemas sociais da cidade, destacando-os como prioridade, em detrimento de um projeto, que além de custar caro para a população, não resolveria as dificuldades dos que mais necessitavam de urbanização.

Fortaleza em 1937
¹A população do Brasil, no ano de 1933, foi estimada em 43.340.000 habitantes, tendo o Estado do Ceará, 1.800.000, e Fortaleza 126.000, a sétima cidade mais populosa na época. Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1934 confeccionado por João da Camara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 30. No ano de 1934, a população de Fortaleza teve um ligeiro aumento, passando para 133.066, tornado-se a oitava cidade mais populosa . Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1935 confeccionado por João da Camara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 140 à 144. Portanto, o projeto se balizava num crescimento futuro da cidade.


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Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.
Fonte: http://memoria.bn.br

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