segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Crônica O telefone

O telefone chegou ao Brasil em 1877. O primeiro aparelho foi fabricado nas oficinas da Western and Brazilian Telegraph Company, especialmente para D. Pedro II. Foi instalado no Palácio Imperial, no Rio de Janeiro. Dois anos mais tarde, em 15 de novembro de 1879, era feita a primeira concessão para estabelecimento de uma rede telefônica no Brasil. Quem ganhou a concessão foi Charles Paul Mackie. Mais um ano, e estava formada a primeira companhia telefônica nacional, a Telephone Company of Brazil, criada em 13 de outubro de 1880. Em 1883, a cidade já tinha cinco estações de mil assinantes. A primeira linha interurbana também é de 1883. Ligava o Rio de Janeiro a Petrópolis. A novidade logo se espalhou para o resto do País. A primeira concessão para outros estados foi realizada em 18 de março de 1882. Foram atendidas as cidades de São Paulo, Campinas, Florianópolis, Ouro Preto, Curitiba e Fortaleza
 
"Tem dia que amanheço com vontade de escrever, conversar, contar histórias hilariantes de quando eu era bem jovem e também algumas até depois de adulto bem entrado nos "junhos". Este tal de computador em muito colabora para isto. Por falar em computador, lembrei-me da internet, que coisa boa, fantástica! No meu tempo de jovem não havia nada disto, para se escrever era no lápis ou na máquina de escrever. lepo, lepo, lepo...
Vocês bem sabem, a comunicação era feita através de telegramas, cartas e até recados, era tudo muito demorado, mas já havia naquele tempo os tataravôs dos internautas. Era o "correspondente", a gente se correspondia com moças do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Rio G. do Sul, e de muitas outras plagas, era "chique". Acredite, este vai e vem de cartas deu até casamento... Eu mesmo conheço um caso. Telefone, pelo menos do meu conhecimento só prestava mesmo o local. Lembro-me que havia aqui em Fortaleza uma empresa estrangeira, parece que seu nome era "International" (ITT)*, que fazia ligações nacionais e internacionais. Certo dia, recebemos um telegrama via "Western" (companhia estrangeira de telegramas), de meu tio Neige, irmão de minha mãe que morava em Belo Horizonte "avisando" que ia telefonar dia tal, hora tal via ITT. Dia e hora aprazados, fomos lá, o papai, a mamãe e eu, para o posto da ITT lá na rua Castro e Silva, após quase uma hora de espera, por fim a porta se abriu e um jovem alourado meteu a cabeça para a sala de espera e respeitosamente disse:

-Mr. Júlio e senhora, cabine nº 1, "please" !
Eu achei aquilo muito bonito, ave Maria!

Lá se foram, entraram na cabine e aí começou a gritaria. Primeiro minha mãe, depois o papai. Eu quase fiquei preocupado... Por fim saíram, agradeceram ao "gringo" e já na calçada, meu pai parou e perguntou:

-Você entendeu alguma coisa?
-Quase tudo...E você?
-É... Entendi que ele vem em janeiro.
- Em fevereiro, Júlio!

Na nossa casa, ali na rua Tereza Cristina tinha telefone, era uma extensão da beneficiadora de sal, Usina União. De minha mãe lá pra casa, o nº era 4424. Tempos depois meu pai comprou um telefone para nossa residência, seu número, 8677. Aí estava, pelo menos para mim, se iniciando uma era de "contatos imediatos" com namoradas e amigos, se incluído ai os ''trotes", alguns famosos.

O tempo passou e quando eu já morava na Avenida do Imperador, certo dia recebi um telefonema de uma jovem, de voz muito meiga, dizendo ela que realmente não me conhecia e que havia "pescado" meu nome de um caderno de "disparate" de uma amiga, por que havia me achado interessante. Caderno de "disparate" para quem não sabe, era um caderno onde a proprietária do mesmo pedia para seus amigos e amigas respondessem ali, mil e umas perguntas feitas ao longo de inúmeras páginas, algumas até indiscretas para a época. Ser convidado para responder um caderno de "disparate" era uma verdadeira lisonja. E conversa vai conversa vem, estes telefonemas duraram muitos dias, o fato é que ela nunca me forneceu o número do telefone dela, sempre dando desculpas esfarrapadas que o pai ou os irmãos podia atender e isto podia complicar. Naquela época Fortaleza já possuía alguns "point" mais ou menos chiques: as tertúlias do Maguari aos domingos, as do Náutico durante as férias, dia de quarta feira. 

Fachada do Bar do Anísio. Acervo Roberto Aurélio
Na Beira-mar recém-criada, tinha os bares, o Bem, o bar do Anísio, o Baiuca, do meu amigo Nilbio Portela. Além destes, contávamos ainda com o Lido, restaurante muito chique e o Tony's, bar e sorveteria da moda. As praias eram a do Náutico, a "piscininha" da praia de Iracema e a do Lido. Pois bem, um belo dia esta jovem que se dizia chamar-se Suely telefonou-me e disse que ia sair com umas amigas para a casa de uma colega que estava aniversariando, e de lá iriam dar uma esticada até o Anísio, e perguntou se eu não queria ir até lá para nos conhecermos. Estranhei um pouco, porque moça sair assim de turma era raro, mas a "liberdade" estava começando. Fui. Lá encontrei meu amigo Ferraz. Estava só, sentei-me com ele e pedi uma dose de cuba libre, e logo passei a relatar o motivo de minha presença ali. Não demorou muito chegou um grupo de moças e ocupou uma mesa não muito longe da nossa. Aí o Ferraz disse:

- Não olhe agora, mas na mesa logo ali ao lado acaba de chegar umas seis moças.
-Que tal elas são?
- Não dá pra ver, mas são pessoas de "linha".

Logo começaram a nos observar e a rir, no que nós correspondíamos. Não demorou uma delas levantou-se, e o Ferraz observou:

- Lá vem ela!
Dei uma olhada de relance e logo fiz a análise: não era nada daquilo que ela falou, embora tivesse um rosto simpático. Era determinada. Acercou-se de nós e atacou:

-Qual de vocês dois é o Clóvis?
Meu companheiro adiantou-se e disse:
- Eu sou o Ferraz.
E mais rápido do que imediatamente eu me apresentei:
- Eu sou o Paulo.

A jovem pediu desculpas e foi se afastando, quando o Ferraz que era bastante enxerido, disse:

- Se você quiser mudo de nome... Ela se deu calada por resposta.

Depois ela ainda ligou umas duas ou três vezes, justifiquei minha falta ao encontro e disse que ia viajar para o sertão onde ia passar as férias. Foi a última vez que conversamos.

Depois desta e de outras mais, eu prefiro ficar sonhando como o Nelson Gonçalves em Escultura:

"Cansado de tanto amar, 

Eu quis um dia criar
Na minha imaginação, 

Uma mulher diferente,
De olhar e voz envolvente 

Que atingisse a perfeição.

Comecei a esculturar 

No meu sonho singular 
Essa mulher fantasia.
Dei-lhe o nome de Dulcinéia, 

A malícia de Frinéia,
E a pureza de Maria,

Em Gioconda fui buscar
O sorriso e o olhar,
Em Du Barry o glamour. 

E para maior beleza
Dei-lhe o porte de nobreza
De madame Pompadour.

E assim de retalho em retalho
Terminei o seu trabalho, 

O meu sonho de escultor 
E quando cheguei ao fim 
Tinha diante de mim,
Você, só você meu amor".

Conselho de amigo experiente: nunca arrisque encontros respaldados na descrição que a pessoa faz de si mesma, ou na imagem que você formou da pessoa a ser encontrada. É melhor ver para depois marcar o encontro.

Clóvis Acário Maciel





*Firma americana International Telephone & Telegraph (ITT).

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