Rua Almirante Jaceguai antes da intervenção do Programa Cores da Cidade. Fonte Ofipro |
O programa foi implantado em áreas centrais de outras capitais como Curitiba, Recife e Rio de Janeiro.
Imóveis selecionados pelo Programa Cores da Cidade |
Edifícios ao lado do Dragão do Mar, antes e após a reforma pelo Cores da Cidade. Fotos: Fausto Nilo (1995)/Sabrina Studart (2003) |
Após a reforma |
Uma segunda etapa, entretanto, contemplaria as demais edificações também classificadas como relevantes, como a Igreja e o Seminário da Prainha e o teatro São José em um outro programa do Governo do Estado – o Projeto Fortaleza Histórica – que contemplaria quase todo o centro histórico.
Além das fachadas pintadas, os prédios também tiveram seus interiores modificados. Os móveis foram transformados em bares e restaurantes. Foto Sabrina Studart (2003)
Rua Dragão do Mar |
Os patrocinadores do projeto ficariam responsáveis por fornecer o material e a orientação técnica para a obra, enquanto os donos dos imóveis deveriam financiar a mão-de-obra para a execução. O escritório de arquitetura “Oficina de Projetos” foi selecionado pela Secretaria de Cultura para propor as reformas e acompanhar as obras nos imóveis.
O arquiteto Francisco Veloso, chefe do DEPAC na época do projeto esclarece:
“As pessoas ficam perguntando assim: ‘mas essas cores eram originais?’ Não, foram feitas prospecções nessas edificações, foram detectadas suas cores originais. Originalmente, nós sabemos a limitação cromática era muito grande, você tinha 3 ou 4 cores e pronto. Hoje você tem uma infinidade de cores. Por outro lado, um dos grandes parceiros, talvez o maior parceiro deste projeto foi a AkzoNobel que é uma multinacional da Tintas Ypiranga. Nada mais justo que ela fizesse daqui um grande show-room do seu produto. Competiu aos arquitetos daqui buscar uma proposta cromática que destacasse essas edificações, que valorizasse seus elementos arquitetônicos e fosse harmonioso. Quanto a ser a cor original, ai, a gente entra nesta analogia. Amanhã ou depois as edificações podem ser pintadas com outras cores”.
Antes e depois do Programa Cores da Cidade. Foto 1: Linda Gondim (1998) Foto 2: Sabrina Studart (2002) |
Sobre o encaminhamento do projeto em Fortaleza, os arquitetos do “Oficina de Projetos” afirmam:
“O primeiro passo dentro da metodologia a ser aplicada foi conhecer a história do lugar, suas transformações, evolução arquitetônica, seu contexto e o repertório da cidade onde foi gerado este conjunto. Iniciou-se o trabalho com a elaboração de um inventário arquitetônico e de deterioro para cada imóvel com preenchimento de fichas catalográficas para criar um banco de dados. Nestas fichas, se anotaram as caraterísticas morfológicas de cada edifício, dos seus elementos compositivos e se executaram prospecções em alguns pontos pré-determinados para garantir as hipóteses sobre algumas das alterações. Foram executados prospecções estratigráficas que nos revelaram as cores originais, que nortearam de forma inequívoca o nosso projeto”.
A partir destas informações, uma série de desenhos foi apresentada aos proprietários que se encarregaram de executá-las. Sobre a escolha das cores nas fachadas dos edifícios, o escritório ainda afirma que seus critérios levaram em conta quatro aspectos: fator estilístico (códigos de construção de cada época, lugar ou estilo), pesquisa arqueológica, uso e o contexto urbano atual. Mas revelam:
Galpões vizinhos ao Dragão do Mar. Antes e depois da reforma. Ao fundo, edifício Casa Boris. Fotos: Fausto Nilo (1995)/Sabrina Studart (2002) |
“Além dos fatores técnicos, estéticos e históricos, outro fator importante que determinou em muitos casos a escolha das cores de cada imóvel foi o desejo e a opinião de cada proprietário, ou inquilino. Tendo em conta todos estes elementos decidimos que deveríamos optar por cores fortes, jogando com a possibilidade que nos permite a ampla gama das tintas Ypiranga e manter uma coerência cromática, mas sem purismo mal entendido, já que as cidades históricas, incluindo-se o centro de Fortaleza, foram dotadas de uma sutil e vibrante policromia. Tratamos de criar uma gramática da cor, para dar esplendor a sua linguagem”.
A partir de fotografias antigas, os arquitetos propuseram a recomposição de elementos decorativos das fachadas com desenhos e utilizaram reboco com cal para refazê-los. As práticas de intervenção utilizadas nesta área da Praia de Iracema são polêmicas e podem levantar algumas discussões. Os arquitetos assumiram que se deveria optar pelas possibilidades oferecidas pelas técnicas modernas, quando optaram pela escolha das cores, mas escolheram recompor os elementos arquitetônicos, sem os diferenciar dos originais. Já esclarecia a Carta de Veneza em seu artigo 12º que “os elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se harmoniosamente ao conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes originais a fim de que a restauração não falsifique o documento de arte e de história” (IPHAN, 1995: 111). Todavia, nestes edifícios não é explicita a diferenciação entre o que foi reconstruído e o que sofreu restauração.
Vista à partir da rua Bóris em 2017. |
Rua José Avelino antes e depois do restauro promovido pelo Programa Cores da Cidade. Fotos: Fausto Nilo (1995)/Sabrina Studart (2002) |
Semelhante ao que ocorreu em outras cidades brasileiras, o resultado final do programa Cores da Cidade foi a recuperação parcial dos edifícios: enquanto as fachadas foram pintadas e seus elementos ornamentais recompostos, os interiores permaneceram degradados. Cada proprietário ficou encarregado de intervir em seu edifício da maneira que desejasse e, em muitos casos, os imóveis sofreram fortes intervenções que acabaram por descaracterizar o aspecto original de seus interiores. Em alguns deles, foram criados mezaninos ou mesmo vários andares – aproveitando os altos pés direito dos imóveis – com diversos desenhos arquitetônicos e estruturas de sustentação.
É importante ainda informar que os proprietários não receberam nenhum tipo de benefício tributário, como ocorreu em outras cidades onde o Cores da Cidade atuou. Era ainda proposta do Programa Cores da Cidade sugerir a transformação dos usos nestes imóveis, mas isto não aconteceu. Muitos proprietários dos imóveis aproveitaram-se da supervalorização provocada pelas reformas do Programas e passaram a aumentar os preços dos aluguéis ou instalaram atividades mais lucrativas.
Rua José Avelino. Foto de 2017 |
É relevante apontar aqui uma das recomendações das Normas de Quito:
“Da mesma forma, deve-se tomar em consideração a possibilidade de estimular a iniciativa privada, mediante a implantação de um regime de isenção fiscal nos edifícios que se restaurem com capital particular e dentro dos regulamentos estabelecidos pelos órgãos competentes. Outros desencargos fiscais podem também ser estabelecidos como compensação às limitações impostas à propriedade particular por motivo de utilidade pública” (IPHAN, 1995: 141).
Fachada da Fábrica Myrian (Hoje boate Armazém) - Foto do Álbum Fortaleza 1931 |
Operários em frente a Fábrica Myrian (Hoje boate Armazém) - Foto do Álbum Fortaleza 1931 |
Boate Armazém depois do restauro promovido pelo Programa Cores da Cidade. |
O Centro Dragão do Mar inseriu-se em quadras onde anteriormente existiam galpões e sobrados remanescentes do início do século XX, alguns dos quais se encontravam bastante descaracterizados. Depois de sua inauguração, o entorno do Centro Cultural passou a acolher novas atividades que contribuíram para consolidar a Praia de Iracema como o maior pólo de turismo de Fortaleza, mas também trouxeram problemas para o bairro: poluição sonora, visual, deficiência de estacionamento, entre outros.
Foi realizado no mês de fevereiro de 2003 um levantamento geral do uso, ocupação e estado de conservação dos imóveis próximos ao Centro Dragão do Mar. O objetivo era entender até que ponto o complexo cultural exerceu influência sobre as edificações ao seu redor. Infelizmente, não foi feito nenhum levantamento semelhante, antes ou depois da implantação do centro cultural, pelos órgãos de planejamento municipal e estadual, outra instituição ou organização.
Rua José Avelino |
Ficou claro que a grande maioria dos imóveis que passaram por reformas recentes tinha participado do Programa Cores da Cidade. Poucas reformas ou intervenções aconteceram por iniciativa de proprietários ou locatários dos imóveis buscando aproveitar a nova dinâmica econômica da área. Além disto, foi possível também constatar que grande parte dos edifícios reformados não acolhe funções relacionadas à produção cultural ou à habitação, mas passou a receber atividades voltadas ao lazer e turismo: lojas, restaurantes, bares, casas de espetáculos, entre outros. Foi possível ainda observar que muitos lotes ainda se encontram sem ocupação ou utilizados como estacionamentos privativos.
Rua Dragão do Mar com Almirante Jaceguai |
Diretamente relacionada à utilização destes imóveis para fins comerciais está o problema do uso quase que exclusivamente noturno. A área de entorno do Dragão apresenta fluxo intenso de pessoas no período de final de tarde até a madrugada. Durante os períodos do dia, a área encontra-se subutilizada, embora alguns galpões ainda funcionem como depósitos e gráficas.
Fausto Nilo defende que este é um problema que poderia ter sido resolvido com uma ação mais forte da Prefeitura após a implantação do edifício na área. Seu projeto de arquitetura, apesar do programa e da escala com que se inseriu na região, não teria como reverter este problema ou propor soluções numa escala urbana.
Avenida Almirante Tamandaré |
“Isto ai (o planejamento da área de entorno do Centro Dragão do Mar) demanda um papel importantíssimo da Prefeitura, uma política que o Jaime Lerner chama de acupuntura urbana. Tem colegas meus que são contra isto, eles dizem que “ah, eu sou contra fazer obras isoladas”, “obra pontual”, como se fosse possível numa cidade fazer obra que não seja pontual (...) é preciso começar com alguma coisa”.
Autoridades relacionadas ao Governo do Estado e a Prefeitura Municipal por vezes admitem o problema, mas esclarecem que não podem agir sobre a área. Pádua Araújo - diretor-presidente do Centro Dragão do Mar – afirmou:
“É certo que o processo de ocupação não está ocorrendo da forma como idealizamos no início. A dinamização de todo aquele trecho deveria ocorrer não só à noite, mas durante o dia, quando funcionariam ateliês de arte, estúdios fotográficos, livrarias, escritórios e equipamentos afins. Mas os imóveis vizinhos são privados, os proprietários podem alugá-los para qualquer tipo de negócio” (O Povo, em 24/01/2001).
Rua Bóris com a Dragão do Mar |
Teria sido ideal que os órgãos responsáveis da Prefeitura de Fortaleza, pensando no impacto urbano do conjunto, tivessem revisado a legislação que trata do uso e ocupação do entorno, buscando estabelecer funções que garantissem o aproveitamento da área também durante o dia, entre elas moradia e educação.
Rua Almirante Tamandaré com José Avelino |
Ateliê de José Tarcísio |
Outra grave consequência dessas transformações foi a forte especulação imobiliária que se impulsionou e expulsou uma parte dos antigos moradores e usuários do bairro. Aproveitando o novo sucesso comercial, proprietários de imóveis da região aumentaram seus aluguéis e abriram novos espaços destinados ao comércio e lazer. José Tarcísio, artista plástico e antigo morador da área, relata:
“Há mais de 20 anos moro e trabalho em um dos galpões do calçadão do centro cultural. Mas hoje a gente vive com a barba de molho. Tive 100% de aumento no aluguel do meu ateliê e vivo no meio de uma feira: as mesas e cadeiras dos bares invadiram o lugar dos transeuntes; cada um deles apresenta um tipo diferente de música ao vivo, às alturas, promovendo uma ensurdecedora cacofonia. (...) Isso preocupa o artista, que esperava ter ali um corredor cultural e agora está sendo progressivamente expulso da área” (jornal o Povo, em 24/01/2001).
Rua José Avelino |
Rua Bóris com a José Avelino |
O deputado estadual Paulo Linhares, secretário de cultura do Governo Estadual à época do projeto do Centro Cultural, defende que havia inicialmente um projeto que visava diminuir os efeitos desta especulação e manter as funções existentes antes da implantação do edifício. O chamado Projeto Quarteirão do Artista buscava desapropriar alguns imóveis adjacentes ao Dragão do Mar e estimular a presença de produtores culturais na área. Segundo Linhares, “A gente sabia que ia ter uma supervalorização daquela área e ia ter expulsão de pessoas. Infelizmente o mercado de arte e cultura ainda é frágil em relação aos outros, então a gente tinha que ter um esquema de proteção para que o artista pudesse ter lugar ali. Fizemos um projeto que se chama Quarteirão do Artista, apresentei para o representante do Banco Mundial em Brasília e ele adorou. Era para desapropriar inicialmente 40 imóveis. E ai, o Estado passaria a ser agente regulador, permitindo que cantores, escritores, pintores habitassem ali” (O Povo, 02/02/2001).
Casinha de 1919 na rua José Avelino |
Este projeto, porém, não foi implantado pelo Governo Estadual.
Após a construção do Dragão do Mar e execução do programa Cores da Cidade, o Governo do Estado acreditou na potencialidade da área e não procurou interferir em sua dinâmica. Uma parceria com a prefeitura municipal, comunidades locais e a iniciativa privada poderia colaborar para a qualidade e vitalidade da área. A prefeitura não revisou a legislação da região, de maneira a coordenar os usos existentes, nem buscou incentivar os proprietários da região a investir em seus imóveis a partir da isenção de impostos ou benefícios fiscais.
Leia também:
Fonte: Intervenções na cidade existente - Um estudo sobre o Centro Dragão do Mar e a Praia de Iracema/2003 - Sabrina Studart Fontenele Costa / Site oficial tintas Ypiranga/
Oficina de Projetos (Ofipro).
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