segunda-feira, 8 de julho de 2019

Do molhe do Titan à formação da Praia Mansa

Ponta do Mucuripe ainda sem o porto
A ideia de implantação de um porto na região do Mucuripe vem desde o século XVII. Isto se torna evidente quando Mathias Beck, sobre uma disputa de um local em que se instalaria um porto, coloca: “abrir-se-ia bem cedo, interminável duelo de opiniões sobre se o cais da Capital seria em frente ao Forte de Schoonenborch ou no promontório* mucuripano”. Ele mesmo teria escolhido a enseada do Mucuripe como local ideal de ancoradouro de seus navios ao invés da Barra do Ceará, preferida por Soares Moreno.


Mucuripe nos anos 30, antes da construção do Porto.
 Imagem do início do século XX. Ancoradouro da Prainha.
Como se vê, a possibilidade da enseada do Mucuripe receber um porto é bastante antiga.
Entretanto, não foi esse o primeiro local a receber o equipamento. O primeiro porto de Fortaleza instalou-se em 1805 na região central da cidade, próximo ao Monumento do Cristo Redentor e à Catedral de Fortaleza. Um porto em forma de trapiche que não oferecia segurança aos navios. O Trapiche do Ellery, na Prainha – atualmente Praia de Iracema – foi o primeiro ancoradouro de que se tem notícia em Fortaleza e foi desativado na década de 1860 em função de sua precariedade operacional e do grande número de acidentes ocorridos.

Muitos foram os projetos de construção do porto até a sugestão do engenheiro Zózimo Bráulio Barroso, em 1869, de que o porto fosse transferido para o Mucuripe, com ligação com a capital por meio de via férrea. Seguindo as ideias de Barroso, outro engenheiro: Sir John Hawkshaw, em 1875, propôs a construção de um quebra-mar de 670 metros de comprimento ligado ao litoral por uma ponte de acesso.


Antigo porto na Praia de Iracema, nos anos 30.
Acervo Marcos Siebra
A construção do quebra-mar foi iniciada somente em 1887, devido às grandes dificuldades para obtenção da pedra necessária às obras e pelo acúmulo de areia causado pela ação das ondas que aterraram a bacia abrigada pelo quebra-mar e as estruturas que já havia. Em 1897, essas obras foram suspensas quando o quebra-mar já alcançava 432 metros. Devido ao fracasso do plano, as condições de serviço de embarque e desembarque no antigo porto tornaram-se intoleráveis para os viajantes e para o comércio, culminando na construção da chamada Ponte Metálica, inaugurada em 1906 na região da Praia de Iracema (atualmente próximo ao Poço da Draga). 


Construção do Porto do Mucuripe no início dos anos 40. Acervo Marcos Siebra
Construção do Porto
Finalmente, em 1933, seguindo o Decreto-Lei nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, abriu-se a primeira concorrência para a construção do Porto do Mucuripe sob muitos protestos. As discussões seguiram até 1937 quando o Presidente da República, Getúlio Vargas, modificando o decreto anterior, lança o Decreto-Lei nº 544, de 7 de julho de 1938, proclamando em seu Artigo 1º:   

Fica transferida a localização do Porto de Fortaleza para a enseada de Mucuripe a que se refere a concessão outorgada ao Estado do Ceará, pelo decreto nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, para construção, aparelhamento e exploração do referido porto. 


Obras de construção do Porto
Construção do Porto do Mucuripe
Em 1939, foi instalado o canteiro de obras para implantação da infraestrutura do primeiro trecho de cais. As primeiras funções foram executadas pela Companhia Nacional de Construções Civis e HidráulicasCIVILHIDRO, resultando dessa empreitada a incorporação de 426 metros de cais acostável ao Porto de Fortaleza. A conclusão da obra previa a realização de dragagem para alcançar oito metros de calado, aterro do espaço entre os enrocamentos utilizando o material dragado, um calçamento de paralelepípedos sobre o aterro e a construção de armazéns de carga e setores administrativos, além da instalação de geradores. A previsão de conclusão foi de 32 meses, prazo que não foi cumprido.


Início da construção do Porto do Mucuripe. Foto Aba Film 1940
Obras do Porto
As obras do porto se arrastaram até 1945, sendo construídos pequenos trechos, embora o porto já estivesse em funcionamento para pequenas embarcações. Apesar de já estar operando, a primeira atracação só aconteceria em outubro de 1951, mas a conclusão das obras só seria bem mais tarde. O atraso e a posterior paralisação das obras do Porto do Mucuripe, em 1959, ocorreram devido a inadimplência, ao assoreamento e aos fatores  externos, como a crise financeira do Estado. No final de 1960, o assoreamento voltou a  dificultar o movimento do porto, fato este que exigiu nova dragagem. 


Porto do Mucuripe nos anos 50. Acervo Marcos Siebra
A retomada mais veemente dos trabalhos se deu por ordem do então Governador Coronel Virgílio Távora, o qual finalizou as obras do Porto do Mucuripe e as entregou no dia 9 de abril de 1965, ano em que foi criada a Companhia Docas do Ceará. O Porto do Mucuripe passava assim a integrar a área de atribuições do Governo Federal, por seu Ministério dos Transportes.


Autoridades visitam as obras do Porto do Mucuripe em 1959.
Acervo Marcos Siebra
Praia de Iracema (Primeiros efeitos do Porto sobre o litoral).
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
No ano de 1980, foi inaugurado o cais pesqueiro; em 28 de janeiro de 1982 foi inaugurado o píer petroleiro do porto, e, em 1984, mais armazéns. Ao longo do tempo, o Porto do Mucuripe foi evoluindo em área e novas estruturas, como grandes moinhos, foram sendo incorporadas.
Vale ressaltar, porém, que as problemáticas referentes ao Porto do Mucuripe não se restringiram apenas à ordem político-administrativa. Os problemas ambientais oriundos da implantação do porto foram iguais ou maiores que os entraves burocráticos.


Praia de Iracema - Casas destruídas pelo avanço do mar (Primeiros efeitos do Porto do Mucuripe sobre o litoral de Fortaleza). Arquivo Nirez

Desastre ambiental na Praia de Iracema
Praia Formosa e os primeiros efeitos do porto sobre o litoral.
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
Logo após o início das operações, sobretudo com a instalação do molhe do Titan na ponta do Mucuripe, os primeiros impactos oriundos da sua construção já eram sentidos nas praias a jusante e no próprio porto. À medida que as obras avançavam, estouravam os problemas nas praias de Iracema e Formosacausando, inclusive, o desmoronamento de residências em virtude das erosões instaladas na primeira praia e retirada da vegetação por ação das ondas na segunda.  
Mais tarde, outros trechos entre a Praia do Meireles e Iracema também começavam a ser afetados.


Titan - O gigante de aço
Titan em atividade, transportando as pedras.
Para tentar amenizar o problema, foi adotada a opção de um molhe (conhecido como molhe da Praia do Futuro - ou molhe do Titanzinho) como alternativa mais viável economicamente e de efeito imediato. 
O molhe passou a impedir que os sedimentos fossem transportados pelas correntes de deriva litorâneas para a bacia portuária, vez que estavam causando assoreamento naquele local. Mas ainda se estava longe de uma solução. Parcialmente resolvido o problema do porto, a cidade passou a ter, progressivamente, um novo desenho para sua linha de costa, com praias em forte processo erosivo a jusante do porto e com forte engorda a leste do molhe do Titanzinho. 


Guindaste Titan na ponta do Mucuripe e o surgimento ainda tímido da Praia Mansa.
Arquivo IBGE
Várias obras foram realizadas para conter a erosão costeira a oeste do Porto do Mucuripe. A primeira delas foi o espigão da Praia de Iracema construído em 1969. Após essa obra, mais 11 espigões e enrocamentos foram construídos na faixa da praia com extensão superior a 1800 m e se estendem da Praia de Iracema até a foz do rio Ceará. Um último espigão foi finalizado em 2014 nas imediações da Praia do Meireles com o intuito de proteger uma futura engorda de praia. 
Essas obras tinham como objetivo proteger o litoral do processo erosivo, entretanto, o problema de erosão continuou, sendo, dessa vez, transferido para as praias subsequentes a jusante do sistema, lado oeste do rio Ceará, como Iparana, Pacheco e Icaraí, no município de Caucaia, a partir da década de 1980.


(A) Espigão da Praia de Iracema 
(B) Estruturas rochosas para contenção do mar na Praia de Iracema 
(C) Rochas dispostas na Av. Beira-Mar e molhe ao fundo 
(D) Aterro da Praia de Iracema 
(E) Dissipador rochoso de energia de ondas na Praia do Pacheco 
(F) Erosão na Praia do Icaraí

No ano 2000, foi iniciado pela Prefeitura Municipal um aterro hidráulico na Praia de Iracema, integrando um plano de regeneração e recuperação. Este aterramento, contudo, apresentou instabilidade e perda sedimentar durante tempestades e ressacas, no início de 2001, precisando ser refeito no final do mesmo ano para recompor o volume de sedimentos perdidos.


Foto: Nelson Bezerra
Anos 50 vendo-se a Praia Mansa. Arquivo IBGE

A fotografia mostra a Praia Mansa, o Bairro Serviluz, a Praia
do Futuro na extrema esquerda e fluxo de sedimentos
em direção a bacia portuária do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
Voltando ao molhe do Titanzinhocriado para abrigar a bacia portuária... 

Em decorrência dessa estrutura, houve um barramento do transporte lateral de sedimentos da Praia do Futuro em direção ao setor oeste do litoral de Fortaleza os quais passaram a acumular-se na bacia portuária, assoreando o canal do porto. Consequentemente, houve a formação de uma praia interna ao dique, que foi denominada de Praia Mansa.


Molhe do Titanzinho com areia acumulada. Foto de 2005.
Crédito Fechine
Como vimos, a praia é fruto do caminhamento das areias e o remanejamento dos sedimentos (pedaços de solo ou de rochas deteriorados em pequenas partes, ou até em pó), que acabaram passando pelo molhe, devido ao efeito das ondas e a mudança do comportamento das correntes. Sua evolução geológica foi se dando a partir da década de 1950. 

A Praia tem cerca de 108.000m² de área, e acha-se sob a responsabilidade da Companhia Docas do Ceará


Caminhamento e contorno litorâneo de areias na parte
interna do molhe do Porto do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
O setor está situado em uma área cujas atividades básicas (industriais, portuárias e residenciais), acarretam poluição da zona litorânea. Existe enorme pressão imobiliária no sentido de ocupar a área com atividades voltadas para o turismo e o lazer. Neste trecho, ocorrem pequenas barracas de taipas utilizadas como apoio na atividade de pesca artesanal e local. Existe também a presença de três aerogeradores para produção de energia eólica.  A paisagem é formada por vegetação antrópica de pequeno e médio porte, destacando as gramíneas e as castanholas. O acesso é restrito pelo interior do porto ou por via marítima, com vigilância dos guardas da Companhia Docas. Praia frequentemente utilizada para atividades turísticas, através dos passeios de barco. 


Molhe do Titan ao fundo
Praia Mansa em 1973. Assoreamento resultante do enrocamento para o aterro do porto, construído com a utilização do famoso guindaste TITAN. Foto de Nelson Bezerra

Foto do final dos anos 70. Acervo Alysson Correia Lima
Ações de uso e ocupação da praia Mansa, sem levar em conta a fragilidade da área, poderão acarretar a instalação de processos erosivos e aumento da degradação ambiental, em virtude da ocupação irregular com equipamentos turísticos (hotéis, bares, restaurantes, etc.), tanto em função dos resíduos deixados no local, como também pelo uso indiscriminado pelos visitantes. 

Foto aérea da praia Mansa em 18 de janeiro de 1984.

Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Foto de André Ramone

*Parte mais alta, elevação.

Fonte: Portos e Gestão Ambiental: Análise dos Impactos Ambientais e Correntes da Implantação do Terminal Marítimo de Passageiros na Praia Mansa - Otávio Augusto de Oliveira Lima Barra/Alterações no Perfil Natural da Zona Costeira da Cidade
de Fortaleza, Ceará, ao Longo do Século XX - José Alegnobeto Leite Fechine/Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima da Prefeitura Municipal de Fortaleza de 2006

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Fortaleza - Uma cidade colorida (Parte II)

Fortaleza - Junho de 2002

Conhecer o passado não é só estudá-lo , é conviver com ele. Passear em suas ruas, usufruir de seus prédios, aprender a ler sua história, que a cidade deixa escrita em cada canto, em cada pedra, em cada fachada e janela, em cada espaço.

Em Fortaleza o ProjetoCores da Cidade” é uma parceria da Fundação Roberto Marinho e da empresa Tintas Ypiranga, através da Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará. Mas seu principal parceiro é a comunidade local. O projeto tem como objetivos beneficiar comerciantes, moradores e visitantes. Todos os moradores e comerciantes que tem suas casas na área do projeto podem participar. Os interessados recebem o material de pintura necessário e contam com a orientação técnica de especialistas em Restauração de Monumentos do escritório de arquitetura “Oficina de Projetos” para as obras realizadas nas fachadas.

Fundamentalmente a proposta é recuperar elementos de valor e de forma, tal que se revalorizem e retomem sua importância dentro do conjunto, recuperando o ambiente  urbano, de forma harmoniosa e contemporânea.

Imóveis participantes do projeto na época
Fortaleza : Um pouco de sua história

Quando Bernardo Manuel de Vasconcelos, o primeiro Governador da Capitania do Ceará, chegou à Vila de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, em 1799, ficou decepcionado. A Vila, fundada em 13 de Abril de 1726, não passava de “um montão de areia, apresentando do lado pequenas casas térreas, incluindo a muito velha e arruinada casa dos Governadores”.

Cartão postal colorizado à mão, do início do século XX. Ancoradouro da Prainha. Acervo de Carlos Augusto Rocha Cruz
O viajante inglês Henry Koster visitou Fortaleza em 1810 e deu um diagnóstico mais preciso. Na opinião dele, seria difícil fazer nascer uma cidade sobre terreno tão arenoso. Além disso, faltava um cais. Apesar do pessimismo do inglês, o ancoradouro da Prainha ficou pronto e contrariando suas previsões, funcionava. Funcionava bem. Foi graças a ele que Fortaleza deixou de ser apenas um areal cheio de casas e iniciou suas atividades econômicas. O reconhecimento oficial do esforço da população local não custou a chegar. Em 17 de Março de 1823, por ordem imperial, a Vila de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção foi elevada à categoria de cidade com o nome de Cidade de Fortaleza de Nova Bragança e planta desenhada por Silva Paulet, em 1818.

Trabalhadores descarregando algodão no cais da Praia de Iracema em 1935. Foto: Robert S. Platt
Flatcar carregado com fardos de algodão no cais de Fortaleza em 1935. Foto: Robert S. Platt

Descarregamento de fardos de algodão no Porto em 1935.
Fotógrafo: Robert S. Platt
Alguns anos depois de virar cidade, o lugar foi calçado com pedras. Agora, os carros de boi, carregados de algodão, já podiam ir e vir. Era o começo da atividade mercantil que possibilitaria o início do desenvolvimento da cidade. 
Um cais, o calçamento de pedras, o algodão. Parece pouco. Mas com base nisso, no fim do século XIX Fortaleza já mantinha relações comerciais com a Europa. O interesse internacional despertado pelo algodão cearense chamou a atenção do resto do Brasil e logo chegaram os navios a vapor, estimulando os negócios de importação e exportação.

Carregamento de fardos de algodão até o flatcar no porto em 1935. Foto: Robert S. Platt
Porto de Fortaleza em 1935. Fotógrafo Robert S. Platt
Içamento de fardos de algodão via guindaste
no então porto de Fortaleza em 1935.
Fotógrafo: Robert S. Platt
O comércio local começou a se desenvolver. A cidade cresceu, a população aumentou, surgiram os primeiros prédios públicos como a Santa Casa de Misericórdia, a Cadeia Publica e a Assembléia Provincial. Fortaleza não parecia mais um areal. Era preciso um porto maior, cuja construção foi iniciada em 1923.

O surgimento do Porto do Mucuripe transferiu o embarque e desembarque de mercadorias e tirou a razão original de ser da região da Prainha com seus armazéns e edificações. Com o tempo, os prédios do local foram ocupados por escritórios, transportadoras, bares, prostíbulos, ateliês, restaurantes... Mas suas construções mais antigas, como a Casa Boris, a antiga Alfândega ( hoje Caixa Cultural) guardaram aquela historia de 150 anos atrás, do tempo em que Fortaleza começou a deixar de ser um areal desprezado e virou uma cidade de verdade. 


Içamento de fardos de algodão via guindaste no então porto de Fortaleza em 1935.
Fotógrafo: Robert S. Platt
Descarregamento de fardos de algodão em frente a Alfândega na rua Pessoa Anta em 1935. Foto: Robert S. Platt
Pilha de fardos de algodão em 1935. Foto: Robert S. Platt

Fardos de algodão na rua Dragão do Mar, esquina com a Almirante Jaceguai em Fortaleza 1935. Foto: Robert S. Platt

“A luz e a cor, definidores do espaço físico, são como uma musica que acompanha a cidade”.

Critérios de atuação - Avaliação do escritório de arquitetura Oficina de Projetos”:

Preservar o acervo arquitetônico de uma cidade é resgatar sua memória e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.
Restauração é ato crítico. Nenhuma proposta de restauração é neutra. Cabe-nos portanto a responsabilidade de estabelecer um conjunto de critérios que orientem as intervenções, assegurando ao monumento a sua autenticidade, a restituição da sua capacidade evocativa, o seu passado presente.

Dentro do processo de renovação urbana que seguiremos, levamos em conta dois aspectos: a RESTAURAÇÃO - Recuperação de elementos de valor de um imóvel, conhecimento de seus valores arquitetônicos e urbanísticos e REABILITAÇÃO - voltar a fazer aproveitável as estruturas mortas tanto dos bens imóveis, como áreas urbanas.




A área escolhida, tombada a nível estadual, esta limitada entre as Avenidas Pessoa Anta, Almirante Jaceguai, José Avelino e a famosa Rua Boris, no entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, com um total de 56 imóveis entre sobrados e armazéns típicos de regiões portarias.

O conjunto arquitetônico que foi o objeto deste projeto foi um importante sítio de expansão da cidade e que deixou retratado o desenvolvimento econômico de Fortaleza. Hoje dentro deste conjunto foi construído o Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura. O complexo arquitetônico do Centro Cultural tem uma área total de aproximadamente 30.000 m², compostos por Memorial da Cultura Cearense, Museu de Arte do Ceará, Anfiteatro, Planetário, Cinemas para 200 pessoas e Cine-Teatro para 250 pessoas, Salas de aulas do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura e grandes espaços multifuncionais. O mais significativo é a interação urbana entre dois pontos da cidade através dos espaços do Centro sempre acompanhados por um contexto histórico. 


Pela primeira vez o Projeto Cores da Cidade se enfrenta a um projeto destas caraterísticas onde se contrapõem o antigo com um projeto novo, o Centro Dragão do Mar, com sua nova escala arquitetônica e intervenções a nível urbano, já que foram apropriadas, modificadas e alargadas ruas e praça integrando-as a outras, obrigando a um novo desenho urbano, onde o conjunto antigo mudou totalmente de contexto. 
O componente cromático do Centro Dragão do Mar foi levado em conta como premissa para nossa proposta (Branco nos grandes panos, cinza como detalhes de revestimento de mármores e vermelho nos componentes metálicos). O material utilizado como pavimento também influiu cromaticamente (pedra portuguesa em grandes áreas pavimentadas branca, com algumas áreas em negro).

Dentro do conjunto se definem claramente varias épocas de construção, estilos arquitetônicos e por tanto diferentes níveis de riqueza arquitetônica, sendo o conjunto em sua totalidade de grande valor.


O primeiro passo dentro da metodologia a ser aplicada foi conhecer a história do lugar, suas transformações, evolução arquitetônica, seu contexto e o repertório da cidade onde foi gerado este conjunto. Iniciou-se o trabalho com a elaboração de um inventário arquitetônico e de deterioro para cada imóvel com preenchimento de fichas catalográficas para criar um banco de dados. Nestas fichas, se anotaram as caraterísticas morfológicas de cada edifício, dos seus elementos compositivos (sacadas, fechamentos, postigos, ornamentos) e se executaram prospecções em alguns pontos pré-determinados para garantir as hipóteses sobre algumas das alterações. Foram executados prospecções estratigráficas que nos revelaram as cores originais, que nortearam de forma inequívoca o nosso projeto.

Inicialmente procuramos determinar as regiões mais adequadas à prospecção onde a fotografia foi de grande ajuda. Além do reconhecimento das sucessivas camadas de pintura que o prédio recebeu ao longo dos anos, nosso principal objetivo foi reconhecer as cores mais antigas e por conseqüência a cor original primária, onde foram encontradas as informação sobre a pigmentação empregada, dado que a intensidade era impossível determinar visto que tanto a base como os pigmentos empregados nas tintas eram de inferior qualidade, pois a cor, com o nosso sol, só é original no momento da sua aplicação. Foram utilizadas como método de identificação das camadas de pintura, as técnicas de decape, remoção com solvente e remoção mecânica através de bisturi.

Um dos importantes aspectos que o projeto teve em conta foi a reutilização de materiais e técnicas tradicionais na recomposição de elementos perdidos, e no uso de rebocos com cal.
O objetivo do ato de restaurar, entendido como revitalização é assegurar além da integridade física, a restituição dos seus valores simbólicos e de uma leitura integral do conjunto.


A pintura vem a ser elemento de destaque de um conjunto arquitetônico, daí a importância das cores para personalizar cada imóvel, realçar valores e as caraterísticas formais de cada elemento arquitetônico e de cada espaço urbano. Segundo correspondia, a cor pode utilizar-se para unificar ou individualizar, neutralizar ou acentuar, hierarquizar, subordinar, reforçar a volumetria do detalhe, desvirtuar ou apagar.

Os critérios utilizados para a seleção da gama cromática tendo em conta as premissas expostas foram os seguintes:

O fator estilístico: O estilo arquitetônico se relaciona diretamente com a época de construção e tinha seus códigos. Em nosso caso, edificações erigida a finais do Século XIX e princípios do Século XX: paredes com cores neutros, sendo os detalhes ou relevos destacados. Esquadrias, portas e janelas, cores afins mais escuros. As sacadas foram destacadas e os elementos de serralharia, grades, e portões de ferro em preto verdoso para apagar o reflexo. 

O fator de pesquisa arqueológica: Confirmando o fator estilístico, e elementos de interesse. 

O fator de uso: Para o que foi construído o imóvel. Determinando também o uso de cores.

O contexto urbano atual: Determinando premissas contemporâneas. Alem dos fatores técnicos, estéticos e históricos, outro fator importante que determinou em muitos casos a escolha das cores de cada imóvel foi o desejo e a opinião de cada proprietário, ou inquilino.
Tendo em conta todos estes elementos decidimos que deveríamos optar por cores fortes, jogando com a possibilidade que nos permite a ampla gama das tintas Ypiranga e manter uma coerência cromática, mas sem purismo mal entendido, já que as cidades históricas, incluindo-se o centro de Fortaleza, foram dotadas de uma sutil e vibrante policromia. Tratamos de criar uma gramática da cor, para dar esplendor a sua linguajem. 


Como aspectos gerais respeitamos o uso dos sanefas escuras, o remarque de portas e janelas com tons mais claros, também decidimos valorizar na Rua Boris cada edificação individualmente. Os conjuntos da Rua Dragão do Mar seriam reforçados todos seus elementos componentes nos aproximando o mais possível das cores originais. Os elementos de carpintaria originais foram restaurados. Na Rua José Avelino decidimos que as cores rememorassem o mais possível ao origem de edificações populares que caraterizam esta rua. Na Av. Almirante Jaceguai entre a Rua Boris e a Rua Almirante Tamandaré, onde funcionava antiga Fábrica Myriam, foi restaurada toda a fachada com seus elementos componentes investigados historicamente. Somente tomamos a liberdade de pintar cada modulo da fachada, individualizando cada divisão atual dos espaços interiores. E como moldura mais distante do Edifício do Centro Dragão do Mar.


Leia aqui a PARTE I

Fonte: Ofipro