quinta-feira, 4 de julho de 2019

Fortaleza - Uma cidade colorida (Parte II)

Fortaleza - Junho de 2002

Conhecer o passado não é só estudá-lo , é conviver com ele. Passear em suas ruas, usufruir de seus prédios, aprender a ler sua história, que a cidade deixa escrita em cada canto, em cada pedra, em cada fachada e janela, em cada espaço.

Em Fortaleza o ProjetoCores da Cidade” é uma parceria da Fundação Roberto Marinho e da empresa Tintas Ypiranga, através da Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará. Mas seu principal parceiro é a comunidade local. O projeto tem como objetivos beneficiar comerciantes, moradores e visitantes. Todos os moradores e comerciantes que tem suas casas na área do projeto podem participar. Os interessados recebem o material de pintura necessário e contam com a orientação técnica de especialistas em Restauração de Monumentos do escritório de arquitetura “Oficina de Projetos” para as obras realizadas nas fachadas.

Fundamentalmente a proposta é recuperar elementos de valor e de forma, tal que se revalorizem e retomem sua importância dentro do conjunto, recuperando o ambiente  urbano, de forma harmoniosa e contemporânea.

Imóveis participantes do projeto na época
Fortaleza : Um pouco de sua história

Quando Bernardo Manuel de Vasconcelos, o primeiro Governador da Capitania do Ceará, chegou à Vila de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, em 1799, ficou decepcionado. A Vila, fundada em 13 de Abril de 1726, não passava de “um montão de areia, apresentando do lado pequenas casas térreas, incluindo a muito velha e arruinada casa dos Governadores”.

Cartão postal colorizado à mão, do início do século XX. Ancoradouro da Prainha. Acervo de Carlos Augusto Rocha Cruz
O viajante inglês Henry Koster visitou Fortaleza em 1810 e deu um diagnóstico mais preciso. Na opinião dele, seria difícil fazer nascer uma cidade sobre terreno tão arenoso. Além disso, faltava um cais. Apesar do pessimismo do inglês, o ancoradouro da Prainha ficou pronto e contrariando suas previsões, funcionava. Funcionava bem. Foi graças a ele que Fortaleza deixou de ser apenas um areal cheio de casas e iniciou suas atividades econômicas. O reconhecimento oficial do esforço da população local não custou a chegar. Em 17 de Março de 1823, por ordem imperial, a Vila de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção foi elevada à categoria de cidade com o nome de Cidade de Fortaleza de Nova Bragança e planta desenhada por Silva Paulet, em 1818.

Trabalhadores descarregando algodão no cais da Praia de Iracema em 1935. Foto: Robert S. Platt
Flatcar carregado com fardos de algodão no cais de Fortaleza em 1935. Foto: Robert S. Platt

Descarregamento de fardos de algodão no Porto em 1935.
Fotógrafo: Robert S. Platt
Alguns anos depois de virar cidade, o lugar foi calçado com pedras. Agora, os carros de boi, carregados de algodão, já podiam ir e vir. Era o começo da atividade mercantil que possibilitaria o início do desenvolvimento da cidade. 
Um cais, o calçamento de pedras, o algodão. Parece pouco. Mas com base nisso, no fim do século XIX Fortaleza já mantinha relações comerciais com a Europa. O interesse internacional despertado pelo algodão cearense chamou a atenção do resto do Brasil e logo chegaram os navios a vapor, estimulando os negócios de importação e exportação.

Carregamento de fardos de algodão até o flatcar no porto em 1935. Foto: Robert S. Platt
Porto de Fortaleza em 1935. Fotógrafo Robert S. Platt
Içamento de fardos de algodão via guindaste
no então porto de Fortaleza em 1935.
Fotógrafo: Robert S. Platt
O comércio local começou a se desenvolver. A cidade cresceu, a população aumentou, surgiram os primeiros prédios públicos como a Santa Casa de Misericórdia, a Cadeia Publica e a Assembléia Provincial. Fortaleza não parecia mais um areal. Era preciso um porto maior, cuja construção foi iniciada em 1923.

O surgimento do Porto do Mucuripe transferiu o embarque e desembarque de mercadorias e tirou a razão original de ser da região da Prainha com seus armazéns e edificações. Com o tempo, os prédios do local foram ocupados por escritórios, transportadoras, bares, prostíbulos, ateliês, restaurantes... Mas suas construções mais antigas, como a Casa Boris, a antiga Alfândega ( hoje Caixa Cultural) guardaram aquela historia de 150 anos atrás, do tempo em que Fortaleza começou a deixar de ser um areal desprezado e virou uma cidade de verdade. 


Içamento de fardos de algodão via guindaste no então porto de Fortaleza em 1935.
Fotógrafo: Robert S. Platt
Descarregamento de fardos de algodão em frente a Alfândega na rua Pessoa Anta em 1935. Foto: Robert S. Platt
Pilha de fardos de algodão em 1935. Foto: Robert S. Platt

Fardos de algodão na rua Dragão do Mar, esquina com a Almirante Jaceguai em Fortaleza 1935. Foto: Robert S. Platt

“A luz e a cor, definidores do espaço físico, são como uma musica que acompanha a cidade”.

Critérios de atuação - Avaliação do escritório de arquitetura Oficina de Projetos”:

Preservar o acervo arquitetônico de uma cidade é resgatar sua memória e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.
Restauração é ato crítico. Nenhuma proposta de restauração é neutra. Cabe-nos portanto a responsabilidade de estabelecer um conjunto de critérios que orientem as intervenções, assegurando ao monumento a sua autenticidade, a restituição da sua capacidade evocativa, o seu passado presente.

Dentro do processo de renovação urbana que seguiremos, levamos em conta dois aspectos: a RESTAURAÇÃO - Recuperação de elementos de valor de um imóvel, conhecimento de seus valores arquitetônicos e urbanísticos e REABILITAÇÃO - voltar a fazer aproveitável as estruturas mortas tanto dos bens imóveis, como áreas urbanas.




A área escolhida, tombada a nível estadual, esta limitada entre as Avenidas Pessoa Anta, Almirante Jaceguai, José Avelino e a famosa Rua Boris, no entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, com um total de 56 imóveis entre sobrados e armazéns típicos de regiões portarias.

O conjunto arquitetônico que foi o objeto deste projeto foi um importante sítio de expansão da cidade e que deixou retratado o desenvolvimento econômico de Fortaleza. Hoje dentro deste conjunto foi construído o Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura. O complexo arquitetônico do Centro Cultural tem uma área total de aproximadamente 30.000 m², compostos por Memorial da Cultura Cearense, Museu de Arte do Ceará, Anfiteatro, Planetário, Cinemas para 200 pessoas e Cine-Teatro para 250 pessoas, Salas de aulas do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura e grandes espaços multifuncionais. O mais significativo é a interação urbana entre dois pontos da cidade através dos espaços do Centro sempre acompanhados por um contexto histórico. 


Pela primeira vez o Projeto Cores da Cidade se enfrenta a um projeto destas caraterísticas onde se contrapõem o antigo com um projeto novo, o Centro Dragão do Mar, com sua nova escala arquitetônica e intervenções a nível urbano, já que foram apropriadas, modificadas e alargadas ruas e praça integrando-as a outras, obrigando a um novo desenho urbano, onde o conjunto antigo mudou totalmente de contexto. 
O componente cromático do Centro Dragão do Mar foi levado em conta como premissa para nossa proposta (Branco nos grandes panos, cinza como detalhes de revestimento de mármores e vermelho nos componentes metálicos). O material utilizado como pavimento também influiu cromaticamente (pedra portuguesa em grandes áreas pavimentadas branca, com algumas áreas em negro).

Dentro do conjunto se definem claramente varias épocas de construção, estilos arquitetônicos e por tanto diferentes níveis de riqueza arquitetônica, sendo o conjunto em sua totalidade de grande valor.


O primeiro passo dentro da metodologia a ser aplicada foi conhecer a história do lugar, suas transformações, evolução arquitetônica, seu contexto e o repertório da cidade onde foi gerado este conjunto. Iniciou-se o trabalho com a elaboração de um inventário arquitetônico e de deterioro para cada imóvel com preenchimento de fichas catalográficas para criar um banco de dados. Nestas fichas, se anotaram as caraterísticas morfológicas de cada edifício, dos seus elementos compositivos (sacadas, fechamentos, postigos, ornamentos) e se executaram prospecções em alguns pontos pré-determinados para garantir as hipóteses sobre algumas das alterações. Foram executados prospecções estratigráficas que nos revelaram as cores originais, que nortearam de forma inequívoca o nosso projeto.

Inicialmente procuramos determinar as regiões mais adequadas à prospecção onde a fotografia foi de grande ajuda. Além do reconhecimento das sucessivas camadas de pintura que o prédio recebeu ao longo dos anos, nosso principal objetivo foi reconhecer as cores mais antigas e por conseqüência a cor original primária, onde foram encontradas as informação sobre a pigmentação empregada, dado que a intensidade era impossível determinar visto que tanto a base como os pigmentos empregados nas tintas eram de inferior qualidade, pois a cor, com o nosso sol, só é original no momento da sua aplicação. Foram utilizadas como método de identificação das camadas de pintura, as técnicas de decape, remoção com solvente e remoção mecânica através de bisturi.

Um dos importantes aspectos que o projeto teve em conta foi a reutilização de materiais e técnicas tradicionais na recomposição de elementos perdidos, e no uso de rebocos com cal.
O objetivo do ato de restaurar, entendido como revitalização é assegurar além da integridade física, a restituição dos seus valores simbólicos e de uma leitura integral do conjunto.


A pintura vem a ser elemento de destaque de um conjunto arquitetônico, daí a importância das cores para personalizar cada imóvel, realçar valores e as caraterísticas formais de cada elemento arquitetônico e de cada espaço urbano. Segundo correspondia, a cor pode utilizar-se para unificar ou individualizar, neutralizar ou acentuar, hierarquizar, subordinar, reforçar a volumetria do detalhe, desvirtuar ou apagar.

Os critérios utilizados para a seleção da gama cromática tendo em conta as premissas expostas foram os seguintes:

O fator estilístico: O estilo arquitetônico se relaciona diretamente com a época de construção e tinha seus códigos. Em nosso caso, edificações erigida a finais do Século XIX e princípios do Século XX: paredes com cores neutros, sendo os detalhes ou relevos destacados. Esquadrias, portas e janelas, cores afins mais escuros. As sacadas foram destacadas e os elementos de serralharia, grades, e portões de ferro em preto verdoso para apagar o reflexo. 

O fator de pesquisa arqueológica: Confirmando o fator estilístico, e elementos de interesse. 

O fator de uso: Para o que foi construído o imóvel. Determinando também o uso de cores.

O contexto urbano atual: Determinando premissas contemporâneas. Alem dos fatores técnicos, estéticos e históricos, outro fator importante que determinou em muitos casos a escolha das cores de cada imóvel foi o desejo e a opinião de cada proprietário, ou inquilino.
Tendo em conta todos estes elementos decidimos que deveríamos optar por cores fortes, jogando com a possibilidade que nos permite a ampla gama das tintas Ypiranga e manter uma coerência cromática, mas sem purismo mal entendido, já que as cidades históricas, incluindo-se o centro de Fortaleza, foram dotadas de uma sutil e vibrante policromia. Tratamos de criar uma gramática da cor, para dar esplendor a sua linguajem. 


Como aspectos gerais respeitamos o uso dos sanefas escuras, o remarque de portas e janelas com tons mais claros, também decidimos valorizar na Rua Boris cada edificação individualmente. Os conjuntos da Rua Dragão do Mar seriam reforçados todos seus elementos componentes nos aproximando o mais possível das cores originais. Os elementos de carpintaria originais foram restaurados. Na Rua José Avelino decidimos que as cores rememorassem o mais possível ao origem de edificações populares que caraterizam esta rua. Na Av. Almirante Jaceguai entre a Rua Boris e a Rua Almirante Tamandaré, onde funcionava antiga Fábrica Myriam, foi restaurada toda a fachada com seus elementos componentes investigados historicamente. Somente tomamos a liberdade de pintar cada modulo da fachada, individualizando cada divisão atual dos espaços interiores. E como moldura mais distante do Edifício do Centro Dragão do Mar.


Leia aqui a PARTE I

Fonte: Ofipro

Nenhum comentário:

Postar um comentário