sexta-feira, 13 de agosto de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque ´Parte I

 

Lagoa do Garrote no Parque da Liberdade. Arquivo Nirez

Em 1865 e 1870, entra em cena um novo código de posturas de Fortaleza, estes tinham por objetivo prever normas disciplinares a população e impor medidas saneadoras, principalmente aos mais pobres, que era vistos como os agentes insalubres da cidade.

O código de 1870, era um instrumento de disciplina e permitia vislumbrar os efeitos limitados da remodelação espacial no controle das condutas.

Algumas medidas que o código impôs foram mencionadas por Campos, no código de 1865, além de mencionar “alinhamento, limpeza, desempachamento das ruas, praças”, traz também disciplinarização de “os curtumes, salgadeiras, estabelecimento de fabricas, depósitos, manufacturas, e tudo quanto possa alterar a salubridade pública”. (CAMPOS COSTA, 2002 p.67).


Lagoa do Garrote nos anos 30

Além disso, o código de 1870 trazia um artigo com o título: “Medidas Preventivas”, que mencionava sobre “bulhas, vozerias obscenidades e ofensas a moral” e proibia as pessoas de se banharem a luz do dia na lagoa do Garrote ou no Pajeú, por exemplo, ou outros lugares expostos sob pena de punição.

De fato, afastar os pobres era o principal objetivo das elites, pois estas os viam como:

Ignorantes, sujos doentes e perigosos e por isso os discriminavam. Os ricos achavam que a população pobre enfeava o embelezamento e a modernização que estavam realizando em Fortaleza para o próprio bem estar, lazer e cultura. Aos pobres era dificultado o acesso aos melhoramentos implementados nas cidades naquele período. (SOUZA; PONTE; LOPES, 2007, p.80).


Riacho Pajeú - Acervo O Povo

É exatamente neste cenário que o afrancesamento invade totalmente a cidade e muda completamente o cotidiano de seus habitantes...

Como outras cidades que se desejavam civilizadas, Fortaleza tinha Paris como referencia de modernidade. Assim, a capital foi arrebatada por uma febre de afrancesamento. Ser moderno era acompanhar as modas vindas de Paris, usar expressões em francês, abrir lojas com nomes franceses [...]. (PONTE, 2009, p.76)

Era comum que as pessoas usassem expressões em francês para se cumprimentarem, as lojas tinham nomes franceses, as roupas eram totalmente inspiradas na moda francesa. Um fato curioso chama a atenção para esta onda de afrancesamento na cidade. Havia no centro da cidade um quiosque de vender garapa de cana-de-açúcar. Seu dono era conhecido como Bembém Garapeira, famoso por sua irreverência e humor. Com o afrancesamento da cidade por todos os lados, de tanto ouvir falar na França, Bembém resolveu ir até lá e conferir de pertinho o porque de todo aquele alvoroço em Fortaleza. Juntou dinheiro e viajou até Paris. O relato mais famoso da viagem de Bembém foi feitor por Otacílio de Azevedo e diz o seguinte:

Bembém foi e voltou radiante. Lamentava apenas ter ido tarde, não podendo assistir à decapitação de Maria Antonieta... “Aquilo é que é cidade! Dizia entusiasmado – No hotel onde me hospedei todo mundo falando fui obrigado a escrever meu nome. Como a língua era outra, escrevi:’ BienBien’ e, mais embaixo: ‘Garapiére’. E completava: ‘Olhe, lá eu só andava com um homem chamado Cicerone, que sabia português como eu. Terra adiantada aquela: todo mundo falando francês, até mesmo os carregadores Chapeados, as mulheres do povo e as crianças! ‘Bembém não se cansava de falar da França e completava declarando que lá, a única palavra que ouvira em português fora ‘mercibocu’... A conselho de um intelectual ‘perverso’, mandou imprimir um cartão para distribuir com amigos e fregueses: BIEN – BIEN – GARAPIÉRE – Fortaleza – Ceará. (AZEVEDO apud PONTE, 2010, p.156).


Registro de 1907, da antiga Praça José de Alencar, com a Garapeira do Bembém e o Mercado de Ferro. Hoje é a conhecida Praça dos correios (Praça Waldemar Falcão).

No Rio de Janeiro o aformoseamento e embelezamento dos logradouros fez com que o governo tomasse como medida o Bota- Abaixo, expulsando os pobres dos cortiços, que em seguida foram demolidos. Esta medida foi vista como símbolo de civilização, e em todos os cantos circulava a manchete “o Rio civiliza-se”, este fato em Fortaleza é semelhante com as construções dos Asilos da Mendicidade e da Parangaba, para abrigar mendigos, refugiados, loucos e outras figuras que representassem insalubridade a cidade e pudessem afastá-los do perímetro central, que agora estava reservado ao desfrute das elites que começavam a criar o hábito de sair de casa. Com isso pretendia-se manter os pobres sob o olhar vigilante da repressão, e em 1925, era publicado um artigo na revista Jandaia com o título “Fortaleza civiliza-se”.

As duas cidades por terem climas quentes, também foram cenários para o desfile de trajes que foram criados para serem usados na Europa, mas mesmo tendo que encarar o calor, a elite o fazia com classe não importando o desconforto que sentiam.

Tanto Rio como Fortaleza possuíam Passeio Público, embora na fala de José Pereira, um dos personagens de A Normalista, o dos cariocas não se comparava ao da capital cearense em beleza, e afirmava: “O Passeio Público? dizia ele; o Passeio Público é um dos mais belos do Brasil e a coisa mais bem feita que o Ceará possui. Que vista, [..] Nem o Passeio Público do Rio de Janeiro!”.(CAMINHA, 1997, p.89).

Outro fato bem semelhante foi os surtos da epidemia de varíola que contaminaram as cidades, no Rio de Janeiro chegou-se ao impressionante índice de 52/1000 mortes enquanto que Fortaleza o surto gigantesco da doença chegou a enterrar mais de 1000 pessoas em um dia, ocorrência que ficou conhecida como o dia dos mil mortos.

O Dia dos Mil Mortos - Em 1877, em um intervalo de apenas dois meses, morreram, em Fortaleza, 23.378 pessoas e, no ano seguinte, 24.849, vítimas da varíola que atingia os habitantes da cidade e os retirantes da seca que ocorreu na época. A cidade estava lotada de retirantes. Em um só dia, chegaram a ser enterradas 1004 pessoas, vítimas da assombrosa doença; era o dia 10 de dezembro de 1878, que ficou conhecido como “o Dia dos Mil Mortos”. Foto: 1877 - Flagelados na Estação de Iguatu.


A semelhança entre as duas capitais é tanta que fica até difícil encontrar algo a que as diferencie, a não ser pelo fato de o Rio de Janeiro ser a capital do Brasil.

Mas, embora fosse capital, Fortaleza destacou-se por decretar a vacina obrigatória contra a varíola em 1892, fato que só ocorreria 12 anos depois no Rio de Janeiro e que provocou a Revolta da Vacina.

A conclusão que se chega é que tanto Rio de Janeiro quanto Fortaleza tiveram suas semelhanças e diferenças em relação ao período, mas fica claro que as semelhanças entre as duas cidades são bem maiores quando compara-se as capitais.


Parte II

Parte III


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo