domingo, 12 de setembro de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque - Parte II


Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

A Belle Époque mudou o cotidiano e os hábitos dos fortalezenses no final do século XIX e isso representou um novo modo de lazer inspirados também nos modelos europeus, mais especificamente Paris que era a capital modelo.

Em 1880, é inaugurado o Passeio Público na então Praça dos Mártires,

O Passeio Público, por sua vez, surgiu para satisfazer o desejo por uma área exclusiva de lazer público que Fortaleza carecia e outras grandes cidades brasileiras já possuíam. Deveria ser um espaço florido, arejado, reservado apenas para fruição daqueles “belos tempos”[...]. (PONTE, 2007, p.170).

Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

Neste momento, o Passeio Público torna-se “obrigatório no cotidiano da vida fortalezense” (CORDEIRO, 2007, p.138). Isso porque foi um equipamento construído para representar este período e o afrancesamento da cidade, nas palavras de Sebastião Ponte, “um éden a servir de passarela para o desfile de elegantes e palco para o exercício de uma sociabilidade europeizada”. (PONTE, 2009, p.73)

Como afirma o autor Silva e Filho em seu livro Fortaleza imagens da cidade, o Passeio Público representava “indícios da influência europeia nas formas de lazer e interação social de Fortaleza”.

Ainda seguindo esta afirmativa, de acordo com Ponte (2010):

Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX, como o Theatro José de Alencar (1910) e os cine Majestic e Moderno (1917 e 1921, respectivamente). 


Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

De fato o logradouro era a principal referencia de lazer da cidade naqueles anos, afirmação que pode ser confirmada pelo autor Oliveira Paiva, que faz referencias ao lazer no romance A Afilhada mencionando as “novenas na Prainha e a ida ao Passeio Público” (OLIVEIRA PAIVA apud CORDEIRO, 2007, p.138).

Casal Zé de Góes e Beatriz
no Passeio Público em 1928.
Acervo Sérgio Roberto

Naqueles últimos anos do século XIX, a cidade tinha ganhado a iluminação a gás, sinônimo de progresso e modernização que nas palavras de Raimundo Menezes até “os mais letrados achavam que aquilo era um enorme surto de progresso para a nossa capital, que marchava, a passos largos, na retaguarda das grandes cidades do país” [...]. (MENEZES apud, SILVA E FILHO, 2004, p.90).

Chama-se atenção para o fato de a iluminação a gás ter sido de grande importância para iluminar os principais logradouros da cidade, principalmente o Passeio Público, considerado a mais elegante área de lazer urbano do período. 

A influência do passeio público pode ser percebida no romance A Normalista de Adolfo Caminha, o autor faz algumas menções do logradouro e numa delas ele afirma:

Toda uma geração nascente, ávida de emoções, cansada d’uma vida sedentária e monótona, ia espairecer no Passeio Público aos domingos e quintas-feiras, gratuitamente, sem ter que pagar dez tostões por uma entrada, como no teatro e no circo. [...]. 

Apenas quem não tivesse dois vinténs estava proibido de sentar-se, porque nesses dias, as cadeiras eram alugadas, havia assinaturas baratas. (CAMINHA, 1997, p.89).

Passeio Público em 1893. Vemos os membros de uma expedição científica britânica da Royal Astronomical Society. Acervo Carlos Augusto

O autor Sebastião Ponte também faz menção a esta particularidade do passeio, quando afirma que este era uma:

Atração imperdível às quintas e domingos, o Passeio lotava-se de gente elegante para mostrar as últimas modas chegadas do dernierbateau (último navio) vindo da Europa. A banda municipal embalava os namoros, os flertes e o borboletear de um lado para o outro dos passantes.(PONTE, 2007,p. 170).

Foto de 1908 do Passeio Público - Avenida Caio Prado.

A propósito, tamanha era a influência do Passeio Público no lazer da cidade, que logo cedo se tornou um dos mais conhecidos cartões postais de Fortaleza.

Foi no Passeio que se desenvolveram atividades como o footing (passeio a pé), o meeting (encontro entre pessoas) e flert (flerte, paquera), aliás não só estas atividades mas também as atividades esportivas tinham prática assegurada nas dependências do logradouro, especialmente a patinação (graças à construção de uma pista adequada, o skating- rink) e corridas de bicicletas. 

Pista de patinação construída no Passeio Público durante a administração do Major Tibúrcio Cavalcante.

No entanto, apesar de o Passeio Público representar o ponto de encontro da sociedade de Fortaleza e local para prática de suas atividades de lazer, o logradouro deixava claro que havia ali uma separação entre classes. O Passeio possuía três planos, sendo que o primeiro plano, o mais embelezado ficou como palco para deleite das elites, enquanto o segundo e o terceiro (menos aformoseados) foram ocupados, respectivamente pelas camadas médias e populares. 

Estamos em 1962/1964, vendo-se o 2º plano do Passeio Público ainda não ocupado pelo Quartel da 10ª RM. Acervo Iphan

Ao fundo vemos o anexo da Sefaz em construção-Iphan

Embora destinado ao lazer, o Passeio mantinha normas que disciplinavam seus frequentadores, como a exigência de belos trajes e boas maneiras. Sua própria constituição espacial significa um permanente exercício de discriminação simbólica, pois as diferentes classes sociais ocupavam planos separados no jardim. 

Esta divisão do Passeio se dava por meio das alamedas, denominadas avenidas, eram elas: Caio Prado, Carapinima e Mororó. A primeira, Avenida Caio Prado, ficava de frente para o mar, era o lado das elites, já a Avenida Carapinima ficava de frente para a Santa Casa enquanto que ultima era mais próxima do calçamento da Rua João Moreira.

Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

No romance A Normalista o autor chama a atenção para esta divisão das avenidas em alguns trechos do livro e também descreve um pouco do cotidiano das três. Um destes trechos diz o seguinte em relação a Avenida Caio Prado:

A avenida Caio Prado tinha o aspecto fantástico d’um terraço oriental onde passeassem princesas e odaliscas sob um céu de prata polido, com sua filas de combustores azuis, encarnados e verdes, com suas esfinges... Senhoras de braço dado, em toillettes garridas, iam e vinham no macadame, arrastando os pés, ao compasso da música, conversando alto, entrechocando-se, numa promiscuidade interessante de cores, que tinham reflexos vivos ao luar. D’um lado ed’outro da avenida estendiam-se duas alas de cadeiras ocupadas por gente de ambos os sexos, na maior parte curiosos que assistiam tranquilamente ao vaivém continuo dos passeantes. (CAMINHA, 1997, p.86).

Quanto a Avenida Carapinima o autor faz a seguinte descrição:

E dirigiram-se para a avenida Carapinima, ensombrada pelos castanheiros, que formavam uma como abobada compacta de ramagens através da qual o luar coava-se aqui e ali, pelas clareiras.

Puseram-se por ali a esperar, em pé defronte dos gnomos de louça, à beira dos reservatórios d’água onde cruzavam gansos e marrequinhas vadias que grasnavam alegremente inundadas de luar ou, caminhando devagar, iam contando os minutos, enquanto a música, no coreto, executava trechos alegres de operetas em voga. (CAMINHA, 1997, p.88).

Passeio Público - Avenida Mororó. Álbum Vistas do Ceará em 1908.

Já a última alameda, denominada Avenida Mororó o autor confirma que esta era destinada as camadas mais populares:

Na Mororó, mais larga que as outras, havia uma promiscuidade franca de raparigas de todas as classes: criadinhas morenas e rechonchudas, com os seus vestidos brancos de ver a Deus, de avental, conduzindo crianças, filhas de famílias pobres em trajes domingueiros, muito alegres na sua encantadora obscuridade; mulheres de vida livre sacudindo os quadris descarnados, com ademanes característicos, perseguidas por uma troça de sujeitos pulhas que se punham a lhes dizer gracinhas insulsas. (CAMINHA, 1997, p. 88).

Passeio Público - Avenida Padre Mororó em 1925.

Enfim, apesar de toda esta segregação de classes o Passeio foi durante muito tempo o logradouro referencia do lazer e sociabilidade de todas as classes até os anos 30, até que começou a sofrer concorrência de outras atrações como o cinema, os clubes e os banhos de mar. Mas é impossível deixar de reconhecer a importância que este logradouro teve por muitos anos na capital e que este foi símbolo da Belle Époque, construído exclusivamente para representar este período.

Continua...


Veja a Parte I AQUI

Parte III


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo

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