“Fumar e chorar eram os meus únicos confortos desde que você foi embora”
Era assim que D. Elcídia Galvão se queixava em carta escrita ao marido, soldado da borracha, sobre a proibição de fumar imposta no Núcleo de Famílias do Porangabussu (atual Rodolfo Teófilo).
Os milhares de trabalhadores nordestinos recrutados para trabalhar na região amazônica na extração da borracha, em 1943, assinaram um contrato de encaminhamento. Neste, eles poderiam optar pela assistência que o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, SEMTA, oferecia para suas famílias que ficavam no nordeste. Muitas mulheres e filhos desses trabalhadores permaneceram em hospedarias improvisadas, chamadas de “Núcleos” esperando o momento em que iriam novamente reunir suas famílias, como foi o caso do Núcleo de Famílias do Porangabussu.
Longe dos maridos, entre pessoas estranhas e tendo que seguir normas específicas, estas mulheres escreveram cartas a seus esposos. Cartas contando sobre angústias sofridas, revelando saudades e desejos, pressionando o retorno dos seus maridos e com várias queixas, como é o caso da carta de D. Elcídia, a qual denuncia a proibição de fumo dentro do núcleo, feita pelo médico responsável e a perda de um de seus únicos consolos.
O Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia - Semta foi um órgão brasileiro criado em 1943, como parte dos Acordos de Washington, tinha como finalidade principal o alistamento compulsório, treinamento e transporte de nordestinos para a extração da borracha na Amazônia, com o intuito de fornecer matéria-prima para os aliados da II Guerra Mundial.
O Semta fazia parte do Departamento Nacional de Imigração (DNI), do governo de Getúlio Vargas. Era financiado por um fundo especial da Rubber Development Corporation, um fundo criado com o selamento dos Acordos de Washington.
Tinha como objetivo principal o recrutamento, encaminhamento, colocação e à assistência de trabalhadores (e famílias destes) nos seringais da região Amazônica.
Sediado no nordeste, em Fortaleza, funcionou no Palácio do Comércio a sua sede administrativa. Já os campos de alojamento ficavam no Prado (atualmente Benfica) e no Alagadiço (atualmente São Gerardo).
Já para as mulheres e famílias dos homens casados, existia um alojamento que ficava no Porangabussu, local da construção do antigo Hospital das Clínicas, hoje Hospital Universitário Walter Cantídio.
O Ceará foi escolhido como centro operacional deste serviço por diversas razões. Entre elas: A safra agrícola cearense de 1942/43 estava perdida devida a seca de 1942/43.
O governo Vargas e o governo estadual temiam manifestações em massa da população do interior cearense, como a Invasão de Flagelados na seca de 1915, ou o movimento político-social-religioso do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto da década de 30, bem como a reimplantação da trágica estratégia dos Campos de Concentração no Ceará (mais conhecidos como Os Currais do Governo) de 1932/1933.
Segundo o historiador Frederico de Castro Neves, tudo parece crer que a política de migração para o Norte foi uma estratégia governamental para desafogar os equipamentos urbanos da enorme pressão exercida pelos milhares de retirantes sem teto, sem alimento, sem saúde. Nesse aspecto, a migração se mostrava como uma forma de apaziguar os problemas causados pela seca no Nordeste, além de se constituir como outra forma de exploração da mão-de-obra retirante.
Dessa forma, para recrutar mão-de-obra e transportá-la para os seringais, a CME institui o SEMTA. Ele não estava ligado diretamente nem ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio nem ao Ministério da Agricultura, funcionou durante 12 meses, dirigido por Paulo Assis Ribeiro, engenheiro e geógrafo, e em 14 de setembro de 1943 foi substituído pelo CAETA (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia).
Experiências de migração entre o Nordeste e Norte podem ser bastante observadas mesmo antes da Segunda Guerra Mundial. Porém, o SEMTA era um serviço especial sob o formato administrativo do Estado Novo e inaugura um novo discurso de migração, a mobilização dos trabalhadores para outro front da guerra, os seringais.
Continua...
Fonte: Rodolfo Teófilo/Leila Nobre - Fortaleza: Secultfor, 2016. (Coleção Pajeú)
Nenhum comentário:
Postar um comentário