sábado, 26 de outubro de 2024

Boneca Eva - Do fundo do baú III

A Boneca Eva em 1985

Sucesso nos anos 80, a boneca Eva reproduzia o interior do corpo humano.
De bruços, com a cabeça repousada sobre os braços, calça jeans justíssima e longas madeixas louras, ela atraía multidões por onde passava.
Rodou por várias cidades do país (Eu lembro da Eva no estacionamento do Shopping Iguatemi e na Praça Cristo Redentor, de frente para a Igreja da Prainha) e onde quer que fosse, sua chegada era triunfal. Ninguém reclamava de enfrentar filas demoradas para vê-la nem mesmo debaixo de sol escaldante.

Eva era a aula mais divertida de biologia que qualquer criança poderia ter. Com 45 metros, tinha uma porta perto dos pés por onde as pessoas entravam direto para um corredor escuro para conhecer seus ossos, músculos e órgãos. O ponto alto era o bebê que ela carregava na barriga, já prestes a nascer. De um gravadorzinho — nem sempre acionado no momento certo do passeio —, vinham as explicações sobre os sistemas reprodutor e digestivo. Era uma intrigante experiência caminhar dentro de um corpo cheio de cores e luzes de LED.

A Boneca Eva no Estacionamento do Shopping Iguatemi, em 1984.
Acervo pessoal de Ivan Gondim

A boneca Eva era propriedade de Carlos Souza, um empresário do ramo do entretenimento que chegou a viajar com a boneca pelo Brasil por quase uma década.
A boneca foi um investimento um tanto quanto ousado que envolveu 60 homens trabalhando dia e noite durante nove meses seguidos para a sua construção.

— Não sei de ninguém com mais de 30 anos que não conheça a Eva. Ela marcou uma época — afirma o escultor Fernando Quincas de Almeida, de 63 anos, que trabalhou no projeto da boneca gigante, sucesso na década de 1980.

Com outros negócios mais importantes e mais lucrativos (ringue de patinação, por exemplo), Carlos largou a gigante no quintal de uma de suas casas por seis anos até vendê-la ao empresário Rodolfo Acri, que pagou R$ 120 mil pela carcaça da Eva.


— Quando soube da história, nem pensei duas vezes: corri até lá e comprei o que restava dela — lembra Rodolfo.

O preço foi uma bagatela perto do que custou a construção do brinquedo em 1984: Cr$ 500 milhões, valor que atualizado hoje pelo IPCA, índice do IBGE, seria de R$ 1,2 milhão.
 
— O problema foi tirar a Eva daquele lugar. Quando vi que teria que cortar o corpo dela para colocar em três carretas, cheguei a desanimar. Fiquei com medo de ter me metido na maior furada — diz Rodolfo.

O brinquedo foi dividido em 50 pedaços e subiu a serra rumo a Nova Friburgo, onde o empresário é dono do teleférico.
Antes de chegar lá no alto, Eva deu mais trabalho. Rodolfo chamou um conhecido que fazia alegorias de carnaval numa escola de samba no Rio para reformá-la, mas não gostou nada quando viu que os contornos estavam ficando avantajados demais (“Parecia uma passista. Não era o que eu queria”). Um artesão local então foi escalado para a função, que terminou um ano depois.

O empresário Rodolfo Acri posa na boca de Eva

— Ele usou materiais como vergalhão e fibra de vidro e reconstruiu toda a parte interna usando fotos como referência — conta Fátima Acri, filha de Rodolfo e a voz da nova Eva. — Nunca esqueci o dente dela com cárie. Estar aqui é reviver a minha infância.

“Olá, bem-vindo, meu nome é Eva” é a frase de apresentação ouvida logo no começo da visitação, exatamente como anos atrás. Fátima, que é formada em Direito e nunca tinha feito locução antes, treinou repetidas vezes antes de gravar a fala da boneca. 

No espaço onde fica o teleférico, uma das atrações mais famosa da cidade, logo se arrumou um espaço para a boneca Eva. Ela destoava, sim, da paisagem, mas logo passou a receber excursões das escolas da região.

Eva original dos anos 80.
Eva repaginada já funcionando em Nova Friburgo - Crédito da foto


Antes da fase de ostracismo, a boneca repousou no Playcenter, parque de diversões que ficava em São Paulo, durante cinco anos seguidos, até o início de 1989. A residência fixa na capital paulista levanta hipóteses de que Eva não era única e tinha pelo menos uma réplica.

— Exato. Eram duas Evas — revela o antigo proprietário, Carlos Souza.

É isso! Enquanto uma delas “mora” na serra fluminense, os boatos sobre o destino da boneca número dois se propagaram na internet. Há quem garanta que ela foi levada de navio para Portugal, foi atração de um zoológico e acabou virando sucata. Milhas e milhas distante da Europa, Alicia, cara e corpinho idênticos ao da Eva original, é destaque num parque em Guadalajara, no México.


Leia também:

Crédito: O Globo