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terça-feira, 8 de junho de 2021
Deixa eu te contar...
domingo, 11 de janeiro de 2015
Um passeio na história pela Praia de Iracema - Literatura de Cordel
Luís Antonio de Aragão
Apresentação
Heróis sofridos, cujas aventuras Jacaré tão bem simbolizou, assombraram o mundo, indo ao Rio de Janeiro e Argentina, tornando–se mártires e enredo de filme americano. Suas empreitadas, como as dos portugueses, tornaram–se épicas na simplicidade dos brancos lençóis desta praia. Jacaré adormeceu para sempre no fundo do oceano.
São frágeis as jangadas com suas antigas velas de algodãozinho branco, mas possuidoras de tanta ciência na sua construção e na de seus apetrechos, só para poderem ir pra onde Deus quiser...
Mas, frágil também era a praia: logo a história nos conta que foi Netuno, enfurecido, que em represália a construção de um novo cais "No mar fez um levante" e destruiu ruas e sobrados antigos do litoral de Iracema.
Assim, de verso em verso vamos sentindo as perdas quase imperceptíveis, se vistas com as lentes de hoje. Mas, quem viveu, viu. E o cordel nos conta. Enquanto as fotos antigas servem para revelar e enredar.
Mas, o sopro das mudanças trouxe também tantas coisas boas, tantos locais de encontro, típicos. Logo o Ramon, antigo restaurante destruído pelas águas, foi substituído por inúmeros locais que enriqueceram a praia, como Zero Hora, Tony's, o Lido, o Estoril e tantos outros.
Chegaram os clubes Tabajaras, Diários, Jangada e Estoril, caminhando como um prenúncio do que seria a praia para turistas, hoje tão distante daquela Vila de Pescadores.
O Estoril nos remonta a II Grande Guerra, e a uma segunda invasão: esta não das águas, mas de novos costumes. Ali, onde a água traspassava o sólido quebra-mar, numa grande depressão formava–se uma piscina onde a índia sereia, em noite de lua cheia, ia banhar–se.
É essa a Iracema das lendas. Onde nossos olhos hoje "vêem um mar de lama, cheia de pedras cortantes, de bueiros e esgotos...".
(Foto: Nos velhos tempo da Praia de Iracema. Acervo de Holanda Re)
O grande vagalhão não levou apenas Jacaré para o fundo do mar ou deixou a aventura de Tatá perdida próxima do Pólo Sul.
Tantas coisas mais foram levadas e outras tantas foram trazidas.
O Cordelista nos fala dos marcos históricos, das escolas, da folia em Iracema, dos moradores famosos, dos nomes indígenas das ruas... e dos seus ciúmes por Iracema.
Mas, há uma Iracema frente ao mar, arco retesado num gesto simbólico atirando, nossas esperanças para o futuro. Essa a bela mensagem do cordel de Luís Aragão.
Drª. Cláudia Leitão
Secretária de Cultura do Estado
O NASCER DE IRACEMA
Iracema de Alencar
Em honra ao grande escritor
Um filho de Messejana
Homem de culto valor
Que o povo inteiro proclama
É todo mundo lhe chama
Nosso maior escritor
O amor do luso e a Índia
Bem ele imortalizou
De Martim e de Iracema
Moacir se originou
Quando a guerreira esvaiu
Do Mucuripe partiu
Com seu filho emigrou
Ao gosto do mar eu falo
Grito forte na Pocema
Que já foi Praia do Peixe
Ora já foi Praia do Peixe
Mergulhando na história
De um bairro cheio de glória
Da nossa Musa Poema
Enorme de brilho intenso
Era o belo litoral
Da Barra até o Cocó
Puro e tão virginal
Parece assim Deus ter feito
Um lugar assim perfeito
No mundo celestial
Da Praia o nome crescia
Todos queriam ficar
A índia tinha um feitiço
Ninguém queria voltar
Dunas brancas que a areia faz
Vento puro e muita paz
Aqui podiam encontrar
Mais duas ruas havia
Muito além dos Tabajaras
Eram muitas residências
Bonitas e muito caras
Bem distante o mar ficava
Ao longe se caminhava
Por tantas belezas raras
A Dona Maria Júlia
Da imensidão dos coqueiros
O sol quando aparecia
Com seus raios primeiros
No areal que havia
O coqueiral reluzia
Brisa ventos brejeiros
Na vila dos pescadores
Ao clarão da luarada
Dançavam dança do coco
Com repente e embolada
E, o jangadeiro valente
Rumava pra sua gente
No clima da madrugada
E cantava toda à noite
O Marcolino e o Carneiro
Fosse claro ou noite escura
Sob a luz do candeeiro
A Via Láctea brilhava
E todo mundo escutava
O canto do jangadeiro:
"Sete dias, sete meses, sete anos
Sete padres no altar
Sete salas de quadrilha
Sete tambores a rufar
Sete pandeiros tocando
Sete rapazes namorando
Numa noite de luar".
Praia de Iracema na década de 60 - Livro Viva Fortaleza
HERÓIS JANGADEIROS E SUAS VIAGENS ESPETACULARES
Bravura de jangadeiro
É de homem destemido
Impetuoso e valente
Corajoso e aguerrido
Somente a Deus é temente
Nada há que não enfrente
Esse herói tão sofrido
No Tempo da servidão
O jangadeiro lutou
Ao transporte de escravos
Ao lado da Redentora
E a classe libertadora
Com ele se rebelou
Um prático-mor da barra
De moral e muita ação
Era Chico da Matilde
Mais tarde do mar Dragão
F. José Nascimento
O líder do movimento
Em prol da libertação
Convidado foi ao Rio
Para nos representar
E lá por Terra da Luz
Foi chamado o Ceará
A jangada nos pertence
É o símbolo cearense
Pelo mundo d’além mar
Setembro de quarenta e um
Meio século tinha ido
Do grande Dragão do Mar
Tudo já era esquecido
E um quarteto valente
De forma diferente
Se mostrou decidido
Ir ao Rio de Janeiro
Falar com o presidente
E partiram de jangada
Orgulho da nossa gente
Não seria uma aventura
E, sim uma forma pura
De mostrar o que se sente
Assim, todo o nosso estado
A decisão apoiou
Até o Doutor Pimentel
Que era o interventor
Chamou "raid" da Coragem
Pois para fazer tal viagem
Tinha que ser lutador
Chico Altino construiu
A jangada dos "sem medo".
Frei Perdigão batizou
Com o nome de São “Pedo”
Para serenar os ventos de açoites violentos
O oceano, tem segredo
Partiram de onde é hoje
O atual Paredão
Fortaleza era Iracema
Iracema era a Nação
Lenço branco se agitava
Banda de música tocava
Era tudo um coração
Parte do mastro e bolina
Com a vela já desfraldada
A bandeira brasileira
Ao vento tremulava
Vinte barcos de escolta
Circulavam sempre em volta
Da “São Pedro” abençoada
Foram 1.500 milhas
Em dois meses e um dia
Temporais e muito sol
Tanta dor e agonia
Por sobre as ondas da morte
Entregues à boa sorte,
Mas lamentos não havia
Os quatro predestinados
Emocionaram o País
Getúlio Vargas contente
A eles abraça e diz:
“Homens d ‘alma corajosa”.
Oh! Gente forte e briosa
O Brasil está feliz
“Não vimos aqui pedir”.
E, sim, reivindicar
Melhor condição de vida
Pro nosso homem do Mar
A nossa classe trabalha
Vive em barraca de palha
E isso tem que mudar".
Disseram que o motivo
Do risco de suas vidas
Foi para chamar a atenção
Que as pessoas desassistidas
Causam dor e sofrimento
E isso, nesse momento,
Há com pessoas queridas
O Rio todo aplaudia
Aos humildes de ação
Desfilou em carro aberto
Aquele grupo mais que irmão
É conto, lenda e poema
Dessa, Praia tão Suprema
Em eterna louvação
Raimundo Correia Lima
Ou simplesmente Tatá
Jerônimo André de Souza
Com dois Manoeis são de cá
Manoel Preto é Pereira
Manoel Jacaré de Meira
No céu já chegaram lá
A história ganhou o mundo
Orson Wells escutou
No ano quarenta e dois veio
Ele um filme iniciou
E em nossa Fortaleza
Sentiu muita tristeza
Com o sofrer do pescador
Por falta de condições
Voltou ao Rio para filmar
Conduzindo os jangadeiros
De retorno aquele mar
E na Barra da Tijuca
Mais de uma cena maluca
O diretor quis mostrar
O herói não é dublê
Esqueceu o escritor
Aquela raça de homens
Não é falsa como o ator
De medo só sabe o nome
Passa frio, passa fome,
Mas não perde o seu valor
E assim ficou o grupo
Esperando um vagalhão
Bem forte como no dia
Da ida à consagração
E no meio da comédia
O final foi de tragédia
Daquela triste lição
Em inglês “It’s all true”
No português “Tudo é verdade”
O título do filme diz
Da dura realidade
Jacaré morreu no fundo
Do oceano seu mundo
Foi viver na eternidade
Uma segunda viagem
Que Tatá bem comandou
Ao Rio Grande do Sul
Com Mané Preto zarpou
Juntos a Frade e Batista
Não há homem que resista
Aquilo que Deus traçou
“Nossa Senhora d’ Assunção”
Padre Pita batizou
A garbosa jangada
Que a equipe levou
Os gaúchos então viram
Os Pampas aplaudiram
O Ceará que lá chegou
Voltaram de cavalo
Nem navio ou avião
Jangadeiros a galope
E bebendo chimarrão
Homens do meu Nordeste
Quatro cabras da peste
Cada um num alazão
Outros homens de aço
O mar um dia singraram
Luiz, José, Samuel
E Jerônimo mostraram
Não vagaram ao léu
Seguindo estrelas do céu
Pra Argentina rumaram
Luiz era garoupa
Levou a vida a pescar
Tinha este nome de peixe
Sua vida era no mar
A jangada irão chamar
“De Tereza Goulart”
E a virgem há de os guardar
Portanto trinta e três léguas
Tiveram que recuar
Uma grande tempestade
Os levou noutro lugar
Perdidos na escuridão
Três dias nenhum clarão,
Ficaram sem avistar
Próximo do Pólo Sul
Tudo fica congelado
Noventa dias com fé
Um milagre era esperado
Um apito bem distante
Se ouviu da nau “Bandeirante”
O grupo foi resgatado
Foram a Buenos Aires
Diante da Casa Rosada
Argentinos curiosos
Frondisi era Presidente
A esposa de presente
Lhes deu uma barca de equipada
JANGADAS
Uma mulher bem sabia
Na Praia comerciar
Isaura Carlos de Souza
Se fazia respeitar
A mãe de Pedro Garoupa
Não precisou tirar a roupa
Para se emancipar
“Jaraqui” e “Itajubá”
Eram nomes de jangadas
De Dona Sinhá Garoupa
As duas bem alinhadas
Com as velas de algodãozinho
Mostravam todo o carinho
Por ela, tão refinada
Acervo Clóvis Acário Maciel
Pra fazer boa jangada
Com zelo na construção
A madeira é de piúba
De boa conservação
Vem do Norte do Pará
Tem que se importar de lá
Pois aqui não existe, não
Medindo trinta e seis palmos
É sempre a embarcação
Vinte e dois centímetros cada
Abertos na minha mão
Comprimento da jangada
Pequenina e apertada,
Mas grande no coração
Da família da jangada
Bem muito se fala destes
O bote de treze palmos
De vinte e nove Paquetes
Bote de casco é quarenta
Grande viagem aguenta
Merecem também lembretes
Os seis paus têm seus nomes
Sendo assim intitulados
Os dois do centro são meios
Imediatos encostados
Por “bordos” são conhecidos
Assim bem distribuídos
Memburas dois são chamados
Ostentam a Jangada bela
Sustentando o Mastro Grande
E tem o Banco de Vela
Carlinga é pequenina
Tábua dos meios e Bolinha
Vela de algodão é ela
Presa a Ligeira no Mastro
No Espeques também é
A Escolta amarrada
Se puxa com muita fé
Pra ela se encher de vento
E a Jangada em movimento
Ir pra onde Deus quiser
Os Caçadores são tornos
Tuacu pedra furada
Cuia de Vela é uma concha
A Quimanga é bem guardada
Tupinambaba com anzóis
Samburá peixes pra nós
Bicheira arrasta a pescada
Banco de governo ao Mestre
A Forquilha é bem fixada
Macho e Fêmea remo é leme
A Araçanga e pra porrada
Do anzol arame é Ipú
Búzio que chama é Atapú
Sopra o Terral a Jangada
Acervo Carlos Juaçaba
Encostado ao Paredão
Enfileirados Paquetes
Quem pesca tem tradição
Coró, Piaba, Lanceta
O Batata e a Pilombeta
Peixe também é atração
Crédito: http://www.nehscfortaleza.com/
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segunda-feira, 7 de abril de 2014
A Saga dos Jangadeiros - Uma nova aventura (Parte II)
Continuando...
Enquanto os cinco pescadores enfrentavam o mar e temporais
para chegar até a capital federal, o mesmo José Pinto Pereira, o escolhido para
assumir a Delegacia de Caça e Pesca, viaja novamente ao RJ e cerca o presidente
e seu ministro no Palácio do Catete.
Por três vezes consegue chegar até Vargas e, segundo
acentua o jornal, não consegue chegar perto de seu Ministro da Agricultura. Na
terceira vez, se misturando a um grupo de estivadores que estavam em audiência
com o presidente, travou com esse o seguinte diálogo:
Vargas, espantado, perguntou ao pescador: _“Você ainda está
por aqui?
Então, o que resolveu?” Ao que José Pinto Pereira
respondeu: _”Pois é,
Presidente, a verdade é que ainda estou esperando. Já
estive mais de dez vezes no Ministério e ainda não pude falar com o Ministro. O
meu dinheiro está se acabando e eu acho que vou me embora.”
Se, no contexto de
1941, Vargas e sua equipe receberam os jangadeiros em uma audiência pública,
ocasião em que mandou abrir os portões de sua residência oficial, o Palácio
Guanabara, em dezembro de 1951, encontrou os jangadeiros em uma audiência privada.
Do Rio de Janeiro, os jangadeiros seguem até o Rio Grande
do Sul, revelando aos jornalistas o desejo de conhecer São Borja, terra do
Presidente Vargas. Ao governador Dorneles Vargas, primo do presidente, entregam
um memorial, e seguem cumprindo uma agenda de visitas e festividades promovidas
entusiasticamente pelos gaúchos.
Em tom de desafio, Mestre Jerônimo revela, orgulhoso, a um jornalista do Rio Grande do
Sul que o próximo destino de uma jangada cearense seria os Estados Unidos da
América.
De volta ao Ceará, os tripulantes da Nossa Senhora de
Assunção se envolvem com a criação do Sindicato dos Pescadores do Ceará, uma
das ações do Estado resultante do acerto de contas por ocasião da viagem.
O
presidente substitui o titular da Delegacia de Caça e Pesca no Estado não pelo
pescador José Pinto Pereira, alvo de boatos de ter ligação com o Partido
Comunista, mas por Stênio Azevedo, um velho amigo dos pescadores, um “amigo
graúdo”, é certo, um dos apoiadores do raid de 1951.
Também acompanham a
execução do “plano completo de amparo aos pescadores e regulamentação das
respectivas profissões”, que previa, além da sindicalização, o fornecimento de
jangadas aos pescadores. O tal plano devia beneficiar Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
É certo que o elemento impulsionador dessas viagens,
ocorridas em 1941 e 1951, é o conhecimento e mesmo a certeza da via direta de
entendimento com representantes do governo brasileiro, em especial com o
próprio presidente da República.
Se Jerônimo e seus companheiros se mostram
cansados das promessas, eles ainda demonstram fôlego e confiança nessa via, e
apostam nela. Isso faz parte dos ganhos simbólicos dessas viagens que considero
de suma importância, especialmente, no fortalecimento da identidade do
jangadeiro, dando sinais de reciprocidade na ação do Estado, conferindo aos
“porta-vozes”, quatro em 1941 e cinco em 1951, uma legitimidade.
Ser recebido pelo presidente, ficar “ombro a ombro com
ele”, como disse Jacaré em 1941, não é pouca coisa.
A liderança política da jangada é transferida para o mestre
técnico da embarcação. Na primeira viagem, Jerônimo quase não se manifesta, não
usa o microfone nem uma vez, somente em algumas passagens dá algum depoimento.
Com a morte de Jacaré, como que por um compromisso moral, é ele quem lidera o
grupo, falando aos jornalistas, discursando, tratando com o governador do
Ceará, com o presidente da República, enfim...
No começo da década
de 1950, a imprensa ainda se mostra sensível à causa dos populares, se
colocando como amplificador de suas demandas.
Os jangadeiros recorrem com frequência
a essa via e as viagens não teriam sentido sem a visibilidade proporcionada
pelas matérias estampadas nas folhas de jornal de todo o país.
Na viagem de 1951, outro meio de comunicação é bastante
mobilizado, inclusive para dar informações sobre o paradeiro dos pescadores;
refiro-me ao Rádio Amador.
Os jangadeiros permanecem se valendo de uma dupla
estratégia de ação política, combinando-a e acionando-a em momentos que lhes
parecem convenientes. Falo da ação de reverência/homenagem e na ação de
contestação/protesto.
Em 1941, em virtude do contexto político, dando provas da
negociação da realidade que se opera, o tom de reverência sobressai e é o mais
acionado, não tendo consequência o abafamento da contestação.
Jacaré disse a um
jornalista do RJ que falou tudo o que queria.
De fato a repercussão política do raid de 1941 foi grande e
as denúncias sérias. A escolha do
roteiro Fortaleza-Rio Grande do Sul pode ser entendida como representativa da
ação de reverência, era uma homenagem ao velho amigo dos pescadores, que
queriam conhecer e tocar a terra do Presidente.
Nesse sentido, participaram de
um churrasco na Fazenda Itu, de propriedade do Presidente, e declararam aos
jornalistas a disposição de ir até São Borja. Mas não deixaram que suas ações,
a viagem arriscada, fossem valorizadas apenas do ponto de vista do feito
esportivo.
Em várias ocasiões, Jerônimo tomava para si a palavra e
ressaltava os fins políticos que os moviam.
A vida os obrigava a ser herói,
como revelou, mas o que queriam mesmo eram melhores condições de vida para a
classe.
Na viagem de 1941, a
rede paternalista que cercava os pescadores foi fartamente mobilizada; na de
1951, ela ficou bem mais restrita. Nada de padrinhos, foi outra lição tirada da
viagem de 1941. A viagem
de 1941 foi um momento importante no aprendizado de classe. Jacaré declarou aos
jornalistas que pensava que ia falar em nome dos pescadores do Ceará, mas, ao percorrer
o litoral brasileiro e topar com outros “irmãos de palhoça e de sofrimento”, entendeu
que falava em nome dos “Pescadores do Norte”.
Na fala de Jerônimo e dentro das condições de possibilidade
dos anos de 1950, era a “classe” que ele e seus companheiros representavam. Não
iam mais “pedir direitos” e sim “cobrar” as promessas feitas.
Com a morte do Presidente Vargas, foram silenciadas as
vozes dos “pescadores do Norte”?
A pergunta vai ficar, pelo menos por enquanto, sem
resposta. Ao invés de respondê-la, informo ao leitor que, em 1958, nas águas
desenvolvimentistas do período JK, ainda tremulava a vela de uma jangada, rumo,
não aos Estados Unidos, mas a Buenos Aires. O nome da jangada, estampada na
branca vela, não era mais a de um santo, mas sim outra homenagem aos
trabalhistas: Maria Tereza Goulart, nome da esposa do Vice-presidente João
Goulart – um “amigo do presidente Vargas”, como disse um dos tripulantes dessa
jangada, o pescador Zé de Lima*.
Berenice Abreu de Castro Neves
Fim
*O jornalista Raimundo Caruso entrevistou o pescador Zé de
Lima, que viajou juntamente com Mestre Jerônimo até Buenos Aires em 1958. Cf.
CARUSO, Raimundo C. Aventuras dos Jangadeiros do Nordeste. Florianópolis: Panan
Ed. Culturais, 2004.
quinta-feira, 27 de março de 2014
A Saga dos Jangadeiros - Uma nova aventura
"...Eu contei um fato que me causou grande impacto na
infância: a chegada à Porto Alegre de uma jangada tripulada por cinco
jangadeiros, vindos do distante Ceará, lugar que eu mal podia imaginar como
seria.
Aos olhos dos gaúchos, os veteranos e bronzeados navegantes
nordestinos chefiados pelo lendário Mestre Jerônimo, surgiram (com justiça)
como verdadeiros heróis, como se tivessem descido do espaço, vindos de outro
planeta. E durante alguns dias, só se falou deles, com justa admiração.
Mas quando, 60 anos depois, resolvi escrever sobre este
fato, fiquei surpreso com a quase total falta de informações sobre o assunto,
como se aquilo nunca tivesse acontecido!"
Passados dez anos da viagem dos jangadeiros cearenses ao Rio de
janeiro, sede do governo Federal, eis que novamente dos “verdes mares bravios”,
parte uma nova jangada, dessa vez batizada de Nossa Senhora de Assunção.
O Presidente da Republica era, mais uma vez, repetindo 1941,
Getúlio Vargas, que agora estava no poder em um regime democrático e eleito
pelo voto dos brasileiros, com expressiva votação entre os operários.
A bordo da Nossa Senhora de Assunção, o mesmo mestre Jerônimo (com
52 anos), o sexagenário Raimundo Correia Lima, o Tatá (com 62 anos), e Manuel
Pereira da Silva, o Manuel Preto (com 49 anos), antigos companheiros de Jacaré¹, que fizeram com
ele a viagem até a capital da República, a bordo da jangada São Pedro, em 1941.
Mais dois vieram juntar-se aos veteranos: eram os pescadores Manuel
Lopes Martins (59 anos) e o sobrinho de Mestre Jerônimo e mais novo do grupo,
Manuel Batista Pereira (com 30 anos), a quem o jornalista do Unitário
(14/10/1951) descreve como “moço e forte como um touro”.
Na viagem de 1941, se
Jerônimo exercia a função de mestre, isso parecia se limitar ao saber técnico
indispensável para guiar com segurança a jangada, já que os jangadeiros na
época não utilizavam qualquer aparato técnico para orientação, a exemplo da
bússola, astrolábio ou carta de navegação. Uma jangada, sendo uma embarcação a
vela, movimenta-se, principalmente, pela ação do vento, mudando a posição da
vela de acordo com o sentido dos ventos. Aliás, esse saber e o desprezo por aqueles
instrumentos eram motivos de assombro por todos que toparam com os jangadeiros
da São Pedro, ao longo da costa brasileira.
À admiração de seus contemporâneos, os pescadores respondiam com
larga risada, dizendo que os pescadores se guiavam mesmo pelas estrelas.
Em outubro de 1951, os cinco tripulantes da jangada Nossa Senhora de
Assunção, partem rumo a Porto Alegre, levando na bagagem, além dos apetrechos necessários
a tão longa e arriscada travessia, memoriais contendo a reivindicações da classe.
Mas, como disse Mestre Jerônimo a um jornalista, não iam pedir nada de novo, apenar
cobrar o cumprimento das promessas feitas.
O “CHEFE DOS PESCADORES” FICA OMBRO A OMBRO COM O “CHEFE DO ESTADO: O PACTO TRABALHISTA, GANHOS SIMBÓLICOS E AS PROMESSAS DE GANHOS MATERIAIS
A VIAGEM DE JACARÉ E DE SEUS COMPANHEIROS EM 1941.
Jacaré, desde quando assume a direção da Colônia de Pesca Z-1, da Praiade Iracema, em 1939, procura a professora da instituição revelando seu sonho de
ir até a Capital Federal falar com o presidente. O jangadeiro precisava da professora
para aprender a ler e escrever, condição, para ele, necessária para aquela
ação. Junta-se ao companheiro Tatá, mais
antigo naquela comunidade pesqueira, agrega outros companheiros, mobiliza os
“amigos graúdos”, acionando a rede paternalista que o envolvia, recorre aos
jornalistas e autoridades civis e religiosas e parte para “pedir direitos”.
Leia: A Saga de 1941.
Os pescadores da jangada São Pedro, ouviram de Getúlio Vargas
“promessa” de ganhos materiais, vislumbrados com a assinatura do decreto
incorporando-os no importante Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
Marítimos. Jacaré, matreiro e esperto como era, declarou ao jornalista cearense
Paulo Cabral, em seu retorno a Fortaleza: “aquele decreto, se for cumprido, pra
nós é um colosso”.
O decreto assinado por Vargas, como resposta às reivindicações dos
jangadeiros, se mostrou ineficaz para resultar em benefícios concretos para a
categoria. Sendo a pesca artesanal uma atividade semiautônoma, que gera uma
baixa acumulação de capital financeiro aos pescadores, e ainda em decorrência
da parcial subordinação desses trabalhadores aos proprietários dos meios de
produção, em especial a jangada, não era possível contribuir com o sistema
previdenciário e dele obter benefícios sociais.
Como parece ter vislumbrado Jacaré, aquelas promessas sinalizadas
com o decreto não foram cumpridas.
PROMESSAS E O ACERTO DE CONTAS
Em 1951, passados dez anos da viagem da São Pedro, novamente os
jangadeiros do Ceará visitam recorrentemente a redação dos jornais locais, em
especial o jornal dos Diários Associados, o Unitário, a fim de sensibilizar as
autoridades e a opinião pública para a miséria em que continuavam vivendo. Os
Diários Associados, de Assis Chateaubriand, fizeram o patrocínio jornalístico
em 1941, tanto os jornalistas e os jornais do Ceará, como aqueles de outros
estados por onde passou a São Pedro, cobrindo com farto material aquela viagem.
Mesmo antes dela, os jangadeiros já se utilizavam da imprensa como um canal de
divulgação de seus protestos e demandas, a exemplo do protesto realizado em
1939, ano em que Jacaré assume a presidência da Colônia Z-1, quando cerca de
100 jangadeiros vão aos jornais reclamar da lei municipal que fixava certos
pontos para a venda do pescado.
Em julho de 1951, Jerônimo,
a quem o jornalista se refere como alguém “sensível à miséria dos pescadores”,
procura a redação do Unitário e revela que havia ido até o Presidente Vargas
reivindicar, dentre outras coisas, a retirada do atual titular da Delegacia de
Caça e Pesca no estado, e autorização para que os pescadores pudessem, eles
próprios, fiscalizar a movimentação financeira das colônias.
Essa viagem, feita na terceira classe de um navio do Loyde, resultou
em uma “acerto”, segundo expressão do jornalista, entre o pescador e o
presidente, tendo esse último se comprometido a atender as reivindicações. Aos
pescadores, segundo o “acerto”, cabia a escolha de alguém representativo da
categoria. Em reunião, os pescadores escolheram o pescador José Pinto Pereira
para representá-los.
A demora no cumprimento dessa promessa parece ter estimulado o
veterano Jerônimo a novamente arrumar uma jangada e partir – dessa vez não
falam em “pedir direitos”, o tom é de cobrança. Mais uma vez, é acionada a
estratégia política de provocação da opinião pública e das autoridades, com uma
viagem de jangada. Veja o tom da decisão de Jerônimo:
O que queremos é que melhores condições de vida, tantas vez prometidas,
nos sejam dadas. (...) Somos obrigados a ser heróis (...) desde uma vez que nossa
vida nos obriga continuamente a ser heroicos. Nosso raid ao Rio Grande do Sul
será apenas para cobrar as promessas feitas, e essa cobrança só poderá ser
feita de corpo presente, como vamos fazer.
Mas, de “corpo presente”, a demanda já tinha sido feita em julho
desse mesmo ano. Na verdade, o que a viagem de 1941 ensinou a esses jangadeiros
era a imensa capacidade de sensibilização, pela visibilidade que confere, de
uma viagem de jangada.
Apesar de serem “outras águas” a serem singradas, me refiro tanto
os mares no trajeto ao Rio de Janeiro ou Porto Alegre, como ao ambiente
político. A embarcação era a mesma velha e rústica jangada de seis paus de
piúba e no poder um velho conhecido dos pescadores, o Presidente Getúlio
Vargas.
Diferente, também, era o tom das matérias jornalísticas que
trataram da viagem e das demandas dos jangadeiros. A euforia dos tempos do
Estado Novo foi substituída por ironias e cobranças ao presidente e à sua
política. No caso dos jangadeiros, os jornalistas enfatizavam a questão das
promessas não cumpridas. Mas, contrariando as expectativas dos jornalistas, e
mesmo demonstrando um certo cansaço, Mestre Jerônimo continua a insistir na via
do Estado para a solução dos problemas dos jangadeiros. Falando a um jornalista,
criticou o Ministro da Agricultura, mas continuou a dar mostras que a confiança
em relação ao Presidente não foi abalada:
Nada temos. O pescador do NE vive como Deus é servido, sem
amparo, sem assistência de qualquer de qualquer espécie. A jangada é sua única riqueza.
(...) O Ministro da Agricultura mandou ao NE um técnico desses ensacados, que
nada entendem do assunto, e vivem a atrapalhar os jangadeiros. O jangadeiro, no
entanto, não perdeu esperança no presidente da República.
¹Manuel Olímpio Meira, conhecido como Jacaré, morreu nas águas da Guanabara, em 19 de maio de 1942, quando filmava para o diretor americano Orson Welles as cenas da chegada da Jangada São Pedro ao Rio de Janeiro.
sexta-feira, 21 de março de 2014
A saga dos jangadeiros do Mucuripe - A chegada ao Rio e uma nova aventura...
Há 70 anos, quatro jangadeiros entraram para a história...
Em 1941, Manuel Olímpio Meira (Mais conhecido por Jacaré) e mais três jangadeiros - Mestre Jerônimo (Jerônimo André de Souza), Tatá (Raimundo Correia Lima) e Manuel Preto (Manuel Pereira da Silva) - saíram do Ceará com destino ao Rio de Janeiro.
Foram reivindicar junto ao Governo de Getúlio Vargas, melhores condições para a comunidade de pescadores de sua região, tentando fazer com que sua profissão fosse reconhecida e os pescadores pudessem obter seus direitos trabalhistas.
Foi então que a presidente da Associação de são Pedro (entidade religiosa que prestava assistência às famílias dos pescadores), empreendeu juntamente com Fernando Pinto, presidente do Jangada Clube, uma Campanha entre as autoridades e membros da sociedade local a fim de levantar fundos para a realização do sonho dos pescadores.
A campanha foi bem sucedida e ao final, eles conseguiram dinheiro para a construção da jangada e para deixar suas famílias assistidas enquanto ficassem ausentes.
A campanha foi bem sucedida e ao final, eles conseguiram dinheiro para a construção da jangada e para deixar suas famílias assistidas enquanto ficassem ausentes.
Veremos toda essa travessia através de fotos do filme de Orson Welles de 1942:
A triste despedida na partida dos jangadeiros
"Às nove horas em ponto, quando soprava um bom nordeste, empurramos a jangada pra dentro d'água. Ia começar a nossa aventura. O samburá estava cheio de coisas, a barrica cheia d'água e os nossos corações cheios de esperança. Partimos debaixo de muitas palmas e consegui ver de longe os meus bichinhos acenando. Mais de vinte jangadas, trazidas por nossos irmãos de palhoça e de sofrimento, comboiaram a gente até a ponte do Mucuripe. A igreja branquinha foi sumindo e ficou detrás do farol. Rezei pra dentro uma oração pedindo que a Padroeira tomasse conta dos nossos filhinhos, pois Deus velaria por nós. E assim começou nossa viagem ao Rio de Janeiro...".
Jacaré
E lá se foram nossos heróis...
Eles navegaram por sessenta e um dias em condições precárias, enfrentando tempestades, tubarões e calmarias, de Fortaleza ao Rio de Janeiro...
A chegada em Recife...
A chegada em Salvador...
Pedindo proteção em Salvador...
A chegada ao Rio de Janeiro - na época a capital da República - distante 1.500 milhas náuticas (Mais de 2.700 Km), navegando na jangada "São Pedro".
Em 15 de novembro a jangada São Pedro entrou nas águas da Baía de Guanabara, acompanhada por muitos barcos que formavam uma procissão...
Logo depois, a jangada foi retirada apoteoticamente da água e colocada em um caminhão sob aplausos de uma multidão que se aglomerava para ver de perto a chegada dos heróis. O cortejo seguiu pelas principais avenidas do Rio de Janeiro e na Praça Mauá um palanque estava montado para os discursos. Ao final do dia eles foram atendidos por Vargas.
Getúlio Vargas cumprimenta Jacaré.
Foto: Firmino Holanda
Dos Verdes Mares Bravios mais uma vez parte uma jangada...
"Passados dez anos da viagem dos jangadeiros cearenses ao Rio de janeiro, sede do governo Federal, eis que novamente dos “verdes mares bravios”, referidos no romance de José de Alencar, parte uma nova jangada, dessa vez batizada de Nossa Senhora de Assunção. Apesar de, nessa década, como nos informa Câmara Cascudo em Jangada e Jangadeiros, já está acontecendo a substituição da velha jangada de paus pela jangada de tábua, que acrescenta à antiga estrutura um pequeno convés, os jangadeiros ainda preferem a antiga e é uma dessas que servirá de transporte aos cinco jangadeiros. Quem a fabrica é “Quinta-Feira”, segundo informações dos pescadores, um dos melhores fabricantes de jangada do Ceará; na vela uma pintura de Nossa Senhora de Assunção, padroeira de Fortaleza, pintada pelo artista cearense Antônio Bandeira."
Berenice Abreu de Castro Neves
Depoimento
“Aquela miniatura de jangada, cheia de detalhes, que ganhei ainda
menino, de uma “tia” nordestina, casada com um amigo do meu pai, fez mais
sentido quando, maiorzinho, visitei o Museu Júlio de Castilhos e conheci, além
de uma jangada de verdade, em tamanho natural, a história fantástica de uma
viagem improvável. Aquela precária embarcação que eu via diante dos meus olhos
tinha vindo desde muito longe, navegando pelo mar e trazendo a bordo alguns
homens.
Foto: Antonio Ronek - Revista do Globo (Acervo Ricardo Chaves)
Foto: Antonio Ronek - Revista do Globo (Acervo Ricardo Chaves)
Esta semana, quase meio século depois, examinando uma antiga
Revista do Globo, encontrei o registro documental dessa aventura, que nunca
saíra da minha cabeça. Numa bela reportagem de Rubens Vidal com fotos de
Antonio Ronek, publicada em março de 1952, estava o relato da chegada, depois
de 127 dias e 4 mil quilômetros, da jangada N. S. de Assunção, trazendo de
Fortaleza (CE) quatro pescadores e um jornalista. Vinicius Lima, repórter do
jornal O Globo, que patrocinava a travessia, aproveitou o desembarque do
pescador Tatá – que, enfermo, ficou no Rio, quando a expedição fez uma escala
por lá – e juntou-se a Jerônimo, João Pereira, Manuel Preto e Manuel Frade na
segunda etapa da jornada.
Foto: Antonio Ronek - Revista do Globo (Acervo Ricardo Chaves)
Foto: Antonio Ronek - Revista do Globo (Acervo Ricardo Chaves)
Foto: Antonio Ronek - Revista do Globo (Acervo Ricardo Chaves)
O objetivo dos viajantes era chamar a atenção e protestar contra as
más condições de vida dos pescadores nordestinos. Foram recebidos como heróis
por uma multidão e, depois, pelo governador e pelo prefeito.
A jangada foi exposta à curiosidade popular no Paço Municipal e
posteriormente recolhida ao Museu – onde, após alguns anos, acabou por
desfazer-se.”
Ricardo Chaves (Almanaque Gaúcho)
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