Bonde em meados do século XX, elétrico, linha Outeiro.
Desafios da concorrência
Sobralense, o capitão Josias chegou à Light disposto a sanear as contas.
Sua primeira medida foi tomar conhecimento exato da situação financeira,
analisando o parecer dos doutores Pedro Avelar e Renato Freire, do Conselho Regional do Trabalho. Sua primeira impressão foi de que, “se a escrita da Light [estivesse] certa, o aumento [das tarifas seria] uma bomba atômica”. Como sempre, seria necessário majorar as tarifas ou conseguir empréstimo para pagar os trabalhadores e a adaptação das caldeiras da Usina de Força e Luz para a queima de óleo. Em todo o caso, o capitão Josias conseguiu recorrer da decisão da Justiça do Trabalho, retomando a sugestão que Mr. Brown elaborara no calor da crise. Para isso, usou o estratagema usual da companhia: não era contra o aumento de salários. Apenas solicitara ao Governo que lhe desse condições de cedê-lo...
O aumento das tarifas veio em 5 de julho, autorizado pelo Governo Federal e somente deu para solver a folha de pagamento. Mas, de certa forma,ele trazia um recurso que permitiria a sobrevivência da Light até a substituição das
caldeiras, uma vez que vinculava o preço da energia elétrica à variação dos
preços da lenha.
Foi uma importante conquista do capitão Josias, pois, desde a instalação da
Usina do Passeio Público, a geração de luz consumia mais e mais as florestas próximas da Capital. Em 1946, o preço da lenha estava muito alto e drenava recursos da companhia, deixando-a “acossada por dificuldades de toda a espécie:
falta de transporte, escassez de água do Pajeú, umedecimento das achas de
madeiras nos invernos (sic) rigorosos”.
Assim, a solução do avanço tecnológico do óleo diesel se mostrava cada vez mais consensual para os fortalezenses. Ao comentar o fracasso financeiro
da Light, o presidente da Fênix Caixeiral lamentou, tempos depois:
Segundo o capitão Josias, em julho de 1946 a Light tinha 52 bondes, dos quais apenas 14 estavam em funcionamento. Com o dinheiro auferido na nova tarifa, a companhia poderia recuperar 13 deles até o fim do mês e consertar toda a frota até o fim do ano.
No começo de agosto já havia 25 bondes circulando e um certo boato de que viriam novos aumentos, elevando o preço do bonde em Cr$ 0,10. A história
mereceu comentários do seu Batista, que continuava no primeiro escalão da
companhia:
E digo mais: a cobrança de passagens a Cr$ 0,40 não será suficiente mesmo para fazer face às despesas trazidas pela manutenção do serviço de bondes, que ocupa um verdadeiro exército de homens e desde há anos deixa largos prejuízos. Parece incrível? Se pudéssemos, por exemplo, manter as atividades livres dos ônibus, poderia ser que fizéssemos desaparecer o prejuízo. Mas não se verifica: enquanto o ônibus ou a caminhonete viaja apenas quando lotado, sem obedecer a horários, [com] o círculo de 6 às 20 horas, ou seja, nos momentos de grande movimento, os bondes são obrigados a entrar funcionamento pela madrugada e circular até meia noite, viajando, em largas horas, com 3 ou 4 passageiros. Não há compensação do serviço.
Além das dificuldades do pós-guerra, surgiam agora os ônibus como obstáculos para a Light. Para seu Batista, era necessário proteger a companhia inglesa da concorrência dos automotores. Era preciso, ao menos, “regularizar” os ônibus e obrigá-los a operar em condições de igualdade com os bondes.
Esquecia-se o ex-gerente de que a frouxidão do controle público sobre o tráfego de ônibus e caminhonetes era a outra face do contrato de privilégios do Governo com a Light. Era, assim, o reflexo do entendimento onde os ônibus eram alternativas suplementares da insuficiência do serviço de tramways.
Em 1946, seu Batista esquecia-se também da grande e cara estrutura que
a Light dispunha frente às domésticas empresas de ônibus que atuavam na
cidade. E esquecia-se, finalmente, do compromisso em enviar, a cada ano, um
grande valor de dividendos aos acionistas ingleses. Tanto que, quando o capitão Josias desmentiu o boato do novo aumento da tarifa, tratou de esclarecer que a ideia fora sugerida numa conversa informal com o interventor do Estado. Se a elevação acontecesse, seria para “ocorrer aos pagamentos dos dividendos das ações da empresa em Londres, o que [poderia ser] feito oportunamente, aos poucos, logo que a Light [entrasse] em melhor situação econômica”.
Mesmo sem o aumento, as declarações repercutiram muito mal. Choveram
reclamações das classes produtivas sobre o pouco caso da companhia inglesa
com os sofridos passageiros de bondes. Mais ainda porque, no final de setembro de 1946, o capitão Josias articulava transmitir 51% das ações da Light ao governo brasileiro, mesmo depois de retumbantes indícios sobre a iminente falência da empresa.
A Fênix Caixeiral e a Federação das Associações de Comércio e Indústrias
do Ceará manifestaram-se contra a gestão do capitão Josias, publicando o mesmo rosário de críticas: não era admissível penalizar a população do Ceará para salvar uma empresa estrangeira que só fez distribuir seus lucros – fartos até a gestão de Mr. Scott – aos acionistas. A culpa da situação era a má gestão, que privilegiava a remessa de dinheiro ao exterior ao invés de colocar dinheiro na rede de carris e força. A Light não cumpria os acordos com o Governo, o que contribuía ainda mais com a obsolescência do maquinário:
Suas linhas jamais foram ampliadas; seus bondes jamais foram
melhorados nem aumentados em número de acordo com o crescimento
da população da cidade e seus trilhos, seus maniquinismos, as
instalações de sua usina, todo o seu antiquado material, enfim, nunca
deixou de ser isso o que acaba de ser dito, de público, pelo interventor.
Deficiente e imprestável.
Sobralense, o capitão Josias chegou à Light disposto a sanear as contas.
Sua primeira medida foi tomar conhecimento exato da situação financeira,
analisando o parecer dos doutores Pedro Avelar e Renato Freire, do Conselho Regional do Trabalho. Sua primeira impressão foi de que, “se a escrita da Light [estivesse] certa, o aumento [das tarifas seria] uma bomba atômica”. Como sempre, seria necessário majorar as tarifas ou conseguir empréstimo para pagar os trabalhadores e a adaptação das caldeiras da Usina de Força e Luz para a queima de óleo. Em todo o caso, o capitão Josias conseguiu recorrer da decisão da Justiça do Trabalho, retomando a sugestão que Mr. Brown elaborara no calor da crise. Para isso, usou o estratagema usual da companhia: não era contra o aumento de salários. Apenas solicitara ao Governo que lhe desse condições de cedê-lo...
O aumento das tarifas veio em 5 de julho, autorizado pelo Governo Federal e somente deu para solver a folha de pagamento. Mas, de certa forma,ele trazia um recurso que permitiria a sobrevivência da Light até a substituição das
caldeiras, uma vez que vinculava o preço da energia elétrica à variação dos
preços da lenha.
Foi uma importante conquista do capitão Josias, pois, desde a instalação da
Usina do Passeio Público, a geração de luz consumia mais e mais as florestas próximas da Capital. Em 1946, o preço da lenha estava muito alto e drenava recursos da companhia, deixando-a “acossada por dificuldades de toda a espécie:
falta de transporte, escassez de água do Pajeú, umedecimento das achas de
madeiras nos invernos (sic) rigorosos”.
Ceará Tramway, Light and Power Co. - Ponto de partida dos bondes.
Assim, a solução do avanço tecnológico do óleo diesel se mostrava cada vez mais consensual para os fortalezenses. Ao comentar o fracasso financeiro
da Light, o presidente da Fênix Caixeiral lamentou, tempos depois:
Tivessem sido instaladas as caldeiras de queimar óleo ao invés de lenha, bem assim tomadas outras providências [de ordem técnica] além de não ter sido destruída nossa floresta e provocado, consequentemente o aumento no preço da lenha...
Ou seja, a conta da Light parecia recair sobre os ombros da população,
tanto do ponto de vista do aumento de preços – protegido pelo monopólio – como da injeção e deslocamento de recursos públicos para a companhia. Mas a elevação de tarifas era providência incômoda ao governo, pois redundava em
grandes manifestações de descontentamento popular. À sociedade prenhe da
retomada das eleições, valia oferecer alguma compensação.
E, mais uma vez, choviam promessas de melhorias no transporte público.
Ou seja, a conta da Light parecia recair sobre os ombros da população,
tanto do ponto de vista do aumento de preços – protegido pelo monopólio – como da injeção e deslocamento de recursos públicos para a companhia. Mas a elevação de tarifas era providência incômoda ao governo, pois redundava em
grandes manifestações de descontentamento popular. À sociedade prenhe da
retomada das eleições, valia oferecer alguma compensação.
E, mais uma vez, choviam promessas de melhorias no transporte público.
Década de 40 - Cepimar
Segundo o capitão Josias, em julho de 1946 a Light tinha 52 bondes, dos quais apenas 14 estavam em funcionamento. Com o dinheiro auferido na nova tarifa, a companhia poderia recuperar 13 deles até o fim do mês e consertar toda a frota até o fim do ano.
No começo de agosto já havia 25 bondes circulando e um certo boato de que viriam novos aumentos, elevando o preço do bonde em Cr$ 0,10. A história
mereceu comentários do seu Batista, que continuava no primeiro escalão da
companhia:
E digo mais: a cobrança de passagens a Cr$ 0,40 não será suficiente mesmo para fazer face às despesas trazidas pela manutenção do serviço de bondes, que ocupa um verdadeiro exército de homens e desde há anos deixa largos prejuízos. Parece incrível? Se pudéssemos, por exemplo, manter as atividades livres dos ônibus, poderia ser que fizéssemos desaparecer o prejuízo. Mas não se verifica: enquanto o ônibus ou a caminhonete viaja apenas quando lotado, sem obedecer a horários, [com] o círculo de 6 às 20 horas, ou seja, nos momentos de grande movimento, os bondes são obrigados a entrar funcionamento pela madrugada e circular até meia noite, viajando, em largas horas, com 3 ou 4 passageiros. Não há compensação do serviço.
Além das dificuldades do pós-guerra, surgiam agora os ônibus como obstáculos para a Light. Para seu Batista, era necessário proteger a companhia inglesa da concorrência dos automotores. Era preciso, ao menos, “regularizar” os ônibus e obrigá-los a operar em condições de igualdade com os bondes.
Esquecia-se o ex-gerente de que a frouxidão do controle público sobre o tráfego de ônibus e caminhonetes era a outra face do contrato de privilégios do Governo com a Light. Era, assim, o reflexo do entendimento onde os ônibus eram alternativas suplementares da insuficiência do serviço de tramways.
Em 1946, seu Batista esquecia-se também da grande e cara estrutura que
a Light dispunha frente às domésticas empresas de ônibus que atuavam na
cidade. E esquecia-se, finalmente, do compromisso em enviar, a cada ano, um
grande valor de dividendos aos acionistas ingleses. Tanto que, quando o capitão Josias desmentiu o boato do novo aumento da tarifa, tratou de esclarecer que a ideia fora sugerida numa conversa informal com o interventor do Estado. Se a elevação acontecesse, seria para “ocorrer aos pagamentos dos dividendos das ações da empresa em Londres, o que [poderia ser] feito oportunamente, aos poucos, logo que a Light [entrasse] em melhor situação econômica”.
Mesmo sem o aumento, as declarações repercutiram muito mal. Choveram
reclamações das classes produtivas sobre o pouco caso da companhia inglesa
com os sofridos passageiros de bondes. Mais ainda porque, no final de setembro de 1946, o capitão Josias articulava transmitir 51% das ações da Light ao governo brasileiro, mesmo depois de retumbantes indícios sobre a iminente falência da empresa.
A Fênix Caixeiral e a Federação das Associações de Comércio e Indústrias
do Ceará manifestaram-se contra a gestão do capitão Josias, publicando o mesmo rosário de críticas: não era admissível penalizar a população do Ceará para salvar uma empresa estrangeira que só fez distribuir seus lucros – fartos até a gestão de Mr. Scott – aos acionistas. A culpa da situação era a má gestão, que privilegiava a remessa de dinheiro ao exterior ao invés de colocar dinheiro na rede de carris e força. A Light não cumpria os acordos com o Governo, o que contribuía ainda mais com a obsolescência do maquinário:
Suas linhas jamais foram ampliadas; seus bondes jamais foram
melhorados nem aumentados em número de acordo com o crescimento
da população da cidade e seus trilhos, seus maniquinismos, as
instalações de sua usina, todo o seu antiquado material, enfim, nunca
deixou de ser isso o que acaba de ser dito, de público, pelo interventor.
Deficiente e imprestável.
Continua...
Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960
Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960