Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Campo do Prado
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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quinta-feira, 20 de junho de 2019

Jóquei Clube - O sítio que virou bairro

O bairro Jóquei Clube foi erigido no local onde existiu, por volta de 1800, o cemitério dos índios Marupiara (bons caçadores). O território, que abrigou durante muito tempo o Hipódromo Stênio Gomes da Silva, começou a ganhar ares de bairro logo após Nestor Cabral ter o seu sítio hipotecado por seu filho Laurindo.

Um alemão chamado Franz Wierzbicki, que veio embora do seu país para o Brasil após a eclosão da I Guerra Mundial, instalou-se nas vizinhanças do futuro bairro, mais precisamente no Sítio São Pedro (Parangaba), por trás do local onde existe hoje o Terminal Lagoa.

Casamento de Franz e Hedwig
(apelidada de Margarida) em

12 de maio de 1918, em Berlim.
Em 1930, tomou conhecimento da hipoteca do vizinho e resolveu assumi-la dois anos depois. O pagamento foi feito com o dinheiro que usava para pagar o aluguel da antiga moradia. Na época, começou a comprar gado holandês e a vender o leite para os amigos que trabalhavam com ele na antiga Rede de Viação Cearense (com o ofício de caldeireiro Franz conseguiu emprego nas oficinas do Urubu, da RVC e assim conseguiu sua estabilidade financeira), o que o ajudou a sacramentar o negócio.

Assim, Franz tornou-se proprietário do sítio que recebeu o nome de Sítio Glück-auf, expressão alemã que significa "Feliz regresso" ou "Minerador sortudo". Foi essa propriedade que que deu origem ao bairro.
Por ser alemão, sofreu pressão dos militares durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, acabou vendendo a área onde depois seria construído o Jockey Club Cearense.
Banner escrito pelo bisneto Guethner Gadelha Wirtzbiki sobre Franz Wirtzbiki que está exposto no Ecopoint
 Página 139, do livro 17, Locomoção, temos o Registro de Pessoal Jornaleiro, que trata dos contratados da Estrada de Ferro, no caso específico, da RVC, Rede de Viação Cearense. Importante observar que Franz Wirtzbiki foi admitido no dia 22 de Novembro de 1922 e dispensado no dia 04 de Abril de 1938. Ou seja, permaneceu quase 16 anos no emprego da RVC. Acervo pessoal de Guethner Wirtzbiki.
A criação oficial do bairro é dia 05 de outubro de 1949. É um bairro que fica da zona centro-leste de Fortaleza e faz parte da Secretaria Executiva Regional (SER III). Segundo o Censo de 2010 do IBGE, a população era de 20 mil habitantes.
Sítio Glück-Auf (Feliz Regresso), primeiro imóvel edificado no bairro do Jóquei Clube. A sua construção foi feita logo após o alemão Franz tê-lo comprado, em 31 de março de 1932, do cearense Nestor Cabral.

Fotos e informações retiradas do banner escrito pelo bisneto do alemão, Guethner Gadelha Wirtzbiki, exposto no Ecopoint.
De acordo com Guethner Gadelha Wirtzbiki (bisneto de Franz), depois de anos morando na casa, e após algumas reformas, a família vendeu o imóvel para o Dr. Manuel Suliano Filho. O terreno compreende hoje o Centro Universitário Estácio e o Condomínio Residencial Jockey. Após comprar o sítio, Dr. Suliano instalou sua clínica na casa. Com o crescimento do negócio, ele construiu na parte livre do terreno, um novo prédio, que foi o seu hospital psiquiátrico, batizado de Clínica de Saúde Mental Dr Suliano. Alienou o terreno onde estava a primeira casa (clínica) e vendeu para a Construtora Mota Machado, que derrubou a casa e construiu os blocos de apartamentos.


A Clínica de Saúde Mental Dr Suliano hoje é o Centro Universitário Estácio
No lugar da antiga casinha (clínica), hoje está o Residencial Jockey
Em 2012, o bairro Jóquei Clube completou 63 anos de criação. O embrião do bairro foi o Sítio Glük-Auf. Aos poucos, ele foi atraindo moradores para a região.

Terminal Parangaba inaugurado em 7 de agosto de 1993
Acervo Fortalbus
Hoje, o bairro Jóquei Clube tem as suas ruas todas pavimentadas, água, luz, telefonia e rede de esgoto. Está a 6 Km do bairro Centro e a 9 Km do bairro Aldeota, com acessos rápidos por grandes avenidas, como a José Bastos, João Pessoa Senador Fernandes Távora.
Tem uma topografia elevada que lhe confere tranquilidade no período invernoso, pois, mesmo após chuvas torrenciais, as águas logo escoam para regiões mais baixas.
Tem na região dois terminais de ônibus (Lagoa e Parangaba) bem como dois ramais do Metrô (VLT) que se cruzam na Parangaba ao lado do Shopping e do Terminal de mesmo nome.

Terminal Lagoa inaugurado em 1993 - Acervo Fortalbus
O sapateiro João Bosco, que mora na rua Ribeiro Leitão, 576, é um dos maiores contadores de histórias do bairro. Morador do bairro desde 1964, ele relembra que o hipódromo Jockey Club era um local movimentado no início da década de 90. Segundo ele, o famoso palhaço Tiririca montou o primeiro circo na rua onde mora. "Isso foi na década de 80. Depois ele cresceu e hoje é deputado".

O Hipódromo

Stênio Gomes da Silva, então interventor do Estado do Ceará na época, cedeu o terreno vendido pelo alemão Franz Wierzbicki, para a construção do Jockey Club Cearense.
O Jockey foi então construído em 1947, tendo a sua primeira ata de sessão preparatória de fundação em 05 de agosto, com o objetivo de desenvolver o turfe no Ceará. Sendo realizada a primeira eleição de diretoria da sociedade aos 02 de setembro do mesmo ano.

Em 07 de setembro de 1947, o Exmo Sr. Desembargador Faustino de Albuquerque, Governador do Estado do Ceará declarou oficialmente fundado e instalado o Jockey Club Cearense e legalmente empossada a sua primeira diretoria eleita tendo como presidente o Dr. Acrísio Moreira da Rocha.

A primeira corrida aconteceu em 15 de novembro de 1949. Sua sede estava localizada à Avenida Lineu Machado, 419. O projeto de arquitetura era do competente arquiteto húngaro Emílio Hinko e chamava a atenção pela suntuosidade.

Jockey Club recém inaugurado. Registro da década de 40. Arquivo Nirez
No hipódromo foram realizadas grandes corridas de cavalo, onde se reuniram milhares de fortalezenses. O Jockey Club teve momentos de glória durante muitos anos. O seu funcionamento colaborou fortemente para o crescimento e valorização da região.





Diante de um intenso processo de especulação imobiliária, a diretoria do Jockey negociou a venda da sua antiga sede. Um acordo com a Prefeitura de Fortaleza, que pretendia construir em parte do terreno o Hospital da Mulher, garantiu a venda do terreno para a Construtora Diagonal & Rossi pelo valor de R$ 22 milhões e 500 mil.

Com os recursos, a diretoria do Jockey Club iniciou a procura de um local para a nova sede e a sua devida construção. Em 2008 a sede foi negociada e houve a aquisição de um terreno no Município de Aquiraz, com o início da construção das novas instalações.



A antiga sede do clube então foi vendida e o terreno deu espaço a novos empreendimentos. Além do Hospital de Mulher, também foi construído no terreno o North Shopping Jóquei e 5 condomínios de apartamentos, chamados de Jóquei Ville, também da construtora Diagonal & Rossi.

Morre o fundador do bairro

Dona Margarida com os netos
Com a morte de Franz Wierzbicki, em 10 de outubro de 1953, e a conclusão do seu inventário, em 1955, os quatro filhos - Erika, Geraldo, Heinz e Günther - e a viúva Hedwig Grete Alma Olga Frentz, apelidada de dona Margarida, passaram a negociar os lotes. 

Toda essa narrativa faz parte do livro que está sendo escrito pelo bisneto do alemão, o escritor e cordelista Guethner Wirtzbiki, intitulado Glück-Auf (o sítio que virou bairro).

De acordo com o escritor, quando foi iniciado o serviço de terraplenagem do terreno do futuro hipódromo, os trabalhadores se depararam com várias botijas dos originais índios Marupiaras (bons caçadores), pois, de acordo com a tradição deles, os seus utensílios eram enterrados com os seus corpos. Em Fortaleza, espalhou-se a notícia de que havia sido encontrada uma espécie de tesouro. O resultado foi uma grande correria ao local.

Franz Wierzbicki
Urge ressaltar o fato notório mas pouco enfatizado de que uma das razões principais do sucesso do bairro Jóquei Clube também se deveu ao fato de ter sido ORIGINADO DE UMA FAMÍLIA. Todo início determina uma história e "família" é a "célula mater" de qualquer sociedade. 

Ah, antes que eu esqueça, Franz (apelidado de Chico Alemão) foi padrinho de casamento da escritora Raquel de Queiroz.

Dona Margarida assinando a venda do terreno para a
construção do estádio.
Em 1955, já de posse da herança do marido, dona Margarida, vende o  terreno onde seria construído o Estádio Alcides Santos, pertencente ao time do Fortaleza Esporte Clube.
Na foto, vemos a viúva assinando o documento de venda.
A inauguração contou com as presenças dos ex-dirigentes do Leão, José Raimundo Costa e Luis Rolim Filho.

Dona Margarida, teve papel importante na formação do Bairro Jóquei Clube, após a morte do seu marido. Foi ela quem doou um terreno para o Círculo Operário de Fortaleza e outro para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, além de vender muitos terrenos a particulares, o que facilitou o povoamento da região.

Hedwig, faleceu em Fortaleza, na Casa de saúde São Raimundo, no dia 21 de Maio de 1981, aos 84 anos de idade.


Ecopoint - Parque Ambiental

Em 16 de janeiro de 2001, foi fundado o Ecopoint. No local, os visitantes se deparam com uma espécie de zoológico, onde são encontradas espécies da fauna brasileira, como onça pintada, jacaré, pavão, tartaruga, macaco barrigudo, entre outras.

As suas instalações estão localizadas na esquina da Avenida Senador Fernandes Távora com a Avenida Lineu Machado, de frente para o North Shopping Jóquei.

Mudança na fachada durante os anos...


A concepção do Ecopoint contou com a participação do Instituto Homem Terra, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Zoológico Sargento Prata. A iniciativa é inédita no Ceará. Um convênio com a Prefeitura permite às escolas municipais a visitação ao local. Quase que diariamente, grupos de 40 alunos se encantam com esse pedaço da Natureza.

Hospital da Mulher

Promessa de campanha de Luizianne Lins ainda na primeira eleição para prefeita, o Hospital da Mulher, é um grande centro de excelência voltado para o atendimento no campo dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres.

As obras tiveram início em maio de 2008 e o prazo previsto seria de um ano e seis meses para a conclusão da obra, mas demorou bem mais do que se esperava. Depois de vários  anúncios de datas de entrega, que não se cumpriram, a prefeita finalmente inaugurou o hospital no dia 17 de agosto de 2012.
Hospital da Mulher - Lado pela avenida Carneiro de Mendonça. 
Mudanças durante os anos...

North Shopping Jóquei

Inaugurado em 30 de outubro de 2013, o North Shopping Jóquei, chegou ao bairro para suprir uma necessidade de mercado. Foi projetado em todos os detalhes para atender aos desejos da nova classe média fortalezense. Com base nos mais modernos conceitos da indústria, o North Shopping Jóquei é um marco para o varejo local.

 Construção do Shopping


O shopping foi criado com 60.000 m², sendo 33.000 m² já na primeira fase; 5 lojas-âncoras; 18 mega lojas; 200 lojas satélites; complexo de cinema com tecnologia 3D e Game Station; “Espaço família” com fraldário, empréstimo de carrinho de bebê e banheiro infantil; 2.000 vagas de estacionamento, sendo 1.000 vagas cobertas no sub-solo.



Para o lazer de seus visitantes, o North Shopping Jóquei conta com um cinema, operado pela Cinépolis, com cinco salas (duas com tecnologia 3D) e Game Station, com mais de 1.000 m² de jogos eletrônicos. A praça de alimentação tem mais de 5.000 m² e vista panorâmica exclusiva, com uma fachada de vidro de 242 m², levando a luz natural para o espaço que reúne 27 operações de fast food e mais de 1.500 confortáveis lugares para os consumidores. A obra foi executada pela Construtora Diagonal.

Logo após a sua inauguração, no bairro vizinho, outro empreendimento, o Shopping Parangaba também foi inaugurado. Ambos trouxeram muitos atrativos de desenvolvimento para esta região, além de proporcionarem a população acesso às grandes lojas do Brasil, cinemas, área de lazer, etc.
O Shopping Jockey tem uma belíssima arquitetura, tanto externa quanto internamente e um gigantesco estacionamento, ao ar livre e subterrâneo. 


Observação:

Importante salientar que, antes da construção do Jockey Club Cearense, já tínhamos corridas de cavalo, o nosso Jóquei Clube era o Campo do Prado, que também era estádio de futebol. O campo ficava onde hoje está o IFCE e o PV.
O Campo do Prado abrigou os principais jogos do futebol cearense até a construção do PV. Títulos eram conquistados em meio à poeira e lama.
O campo era de terra batida e, ao redor, havia a pista de corrida de cavalos. Havia ainda algumas arquibancadas de madeira e cerca de arame farpado por todos os lados.

1930. Campo do Prado, antigo jóquei. Ficava entre o IFCE e o PV. Acervo Lucas

Antigo Campo do Prado, antecessor do Estádio Presidente Vargas. Foto: Airton Fontenele

Antes do Campo do Prado, as praças da cidade eram utilizadas como campos para disputa de partidas. Além do Passeio Público, o futebol era praticado na Praça de Pelotas (atual Praça Clóvis Beviláqua, em frente à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará - UFC), Praça Castro Carreira (da Estação), Praça Capistrano de Abreu (da Lagoinha) e Praça Gustavo Barroso (Praça do Liceu). As ruas do Centro da cidade também eram utilizados como campos para jogos.

Campo do Prado surgiu em 1913, inaugurado em um jogo entre Hispéria - clube de alguns desportistas que acabara de surgir - e Stela - clube formado por alguns rapazes que estudaram na Suíça e que, mais tarde, originaria o Fortaleza Esporte Clube.

O Campo era de barro batido. Não havia gramado. Quando tinha partida importante ou então alguma temporada dos grandes clubes, vinha um carro do Corpo de Bombeiros e aguava o barro para diminuir a poeira.

Arquivo Nirez







Fontes: Ancestralidade de Guethner WirtzbikiSetydeias/ Diário do Nordeste: No Jóquei Clube, um sítio marca a história. Matéria de 09 de dezembro de 2009./ Globo Esporte/ ESC Construções/Biblioteca Nacional e pesquisas de internet.

sábado, 14 de junho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte IV)



O  Radioteatro e o Encanto das Radionovelas



As primeiras transmissões de radionovelas, no Brasil, se deram por volta de 1930. As emissoras, a exemplo do que acontecia nos jornais, passaram a retransmitir as narrativas presentes nos romances de folhetim. A primeira radionovela transmitida no Brasil foi “Em Busca da Felicidade, originalmente escrita pelo cubano Leandro Blanco com readaptação e tradução de Gilberto Martins.

Foram 284 capítulos em quase dois ano de transmissão sempre nas manhãs de segunda, quarta e sexta. A ideia de importar o texto partiu da Empresa de Propaganda Standard de Cicero Leurenroth, que via no rádio um excelente veículo para alcançar as donas de casa. Detentora da conta publicitária da Colgate-Palmolive, a agência projetou a veiculação de uma radionovela para alcançar as vendas do creme dental da industria Norte-Americana. (FERRARETTO, 200l. p. 119).


Naquele mesmo ano, a Rádio São Paulo começava a transmitir a primeira radionovela criada no Brasil: Fatalidade, escrita por Oduvaldo Viana. De acordo com Ferraretto (2001), “as tramas traziam como características um enredo simples e relativamente conservados” (p. 119). 

No Ceará, o radioteatro – precursor da radionovela - passou a ser uma das principais atrações da grade de programação, ainda nos primórdios da emissora, na década de 1930. “Com um elenco invejável, notadamente de radioatrizes, a PRE-9 marcou época com trabalhos memoráveis que jamais serão esquecidos” (LOPES, 1994, p. 131). As radionovelas incitavam a imaginação do público, propondo um lugar específico para a fantasia. Os efeitos especiais produzidos no rádio, a interpretação dos artistas, o timbre de voz, construíam um imaginário peculiar que se adaptava perfeitamente à ordem melodramática.O rádio como era uma coisa feita com carinho e com zelo, com respeito,
principalmente, ele induzia as pessoas a pensar. Você ouvia a novela e você criava o cenário, você criava o personagem. Ah, esse fulano, esse ‘galanzinho’ deve ser assim, assim e assim. Ele deve ter olhos verdes, ele deve ter cabelos loiros, deve ter um nariz muito bonito, uma boca assim, assim e assim. A sua coleguinha aí vizinha que tava ouvindo fazia uma outra imagem, ela idealizava aquele homem, que aquela voz induzia ela a pensar... Ou aquela mulher... (PEIXOTO, entrevista, 2005). 

Dentre as tramas teatrais de maior destaque, no início da década de 1940, podemos citar Arizona nos quatro cantos do mundo. A coluna Radiofônicas, de um jornal da época, destacou o sucesso da transmissão perante o público cearense:

“Arizona nos quatro cantos do mundo já tomou conta das boas graças dos
ouvintes. Aventuras sensacionais teatralizadas eis o que apresenta o novo programa das segundas e quartas-feiras ao microfone da querida emissora local.”
 (outubro de 1940). 

No Ceará, em meados da década de 1940, o consumo de livros, revistas, jornais e filmes era restrito a uma pequena parcela da população. O valor das publicações e o alto índice de analfabetismo eram fatores que impossibilitavam o acesso da maioria da população a tais bens culturais. Diante deste contexto, as radionovelas surgiram como um dos mais importantes produtos da indústria cultural. As histórias romanceadas, divididas em capítulos, eram “levadas ao ar” pela manhã, às 9 horas, e no período da noite, no chamado “horário nobre”

Arquivo Biblioteca Nacional

De acordo com Eduardo Campos (1984), a primeira novela irradiada pela Ceará Rádio Clube, ao vivo e com o seu próprio cast, foi o seriado Penumbra, de Amaral Gurgel, transmitida primeiramente na Rádio Tupi, do Rio de Janeiro (p. 14). Já a primeira radionovela cearense foi Aos Pés do Tirano, escrita por Manuelito Eduardo (Foto ao lado), em meados da década de 1940. No ano de 1944, a Ceará Rádio Clube lançou o primeiro concurso radiofônico de peças de radioteatro, sob o tema: Os Grandes Processos da História. O vencedor foi o jornalista Eduardo Campos, com o tema Processo de Maria Antonieta. O jornalista passou a compor o quadro de funcionários da emissora, no dia 04 de setembro de 1944, sendo batizado artisticamente de Manuelito Eduardo¹
Nesse período, também atuaram na PRE-9: Paulo
Cabral de Araújo, João Ramos, Heitor Costa Lima, Mozart Marinho, Aderson Brás, Luzanira Cabral (Stela Maria), José Limaverde e Silva Filho, todos como locutores (CAMPOS, 1984, p. 13).


GRANDES NOMES DA ÉPOCA DE OURO DO RÁDIO CEARENSE: KEYLA VIDIGAL, BARBOSA, NOZINHO SILVA, MIRIAM SILVEIRA, ISMY FERNANDES, GUILHERME NETO, JOÃO RAMOS , MARIA JOSÉ BRAZ, LAURA SANTOS E MARILENA ROMERO. Arquivo Radiouvintes

A Programação Esportiva

As primeiras transmissões esportivas seguiram o mesmo caráter amador
predominante nos outros formatos do início do rádio. No Ceará, a primeira partida de futebol foi transmitida pela Ceará Rádio Clube, em 1938, quatro anos depois de sua instalação. O locutor era José Cabral de Araújo, ele narrou o jogo dos estúdios da emissora, onde se comunicava por linha telefônica com o repórter Rui Costa Sousa, que falava do Campo do
Prado². Segundo Eduardo Campos “graças a esse artifício, os que estavam na cidade puderam acompanhar todo o jogo, narrado com maestria pelo locutor, que se julgava presente (no estádio)” (CAMPOS, 1984, p. 15). 

A primeira reportagem esportiva, de nível profissional, feita no Ceará, também foi levada ao ar pela Ceará Rádio Clube, o repórter era Oduvaldo Cozzi (Foto ao lado), que atuava em programas de entrevista, na PRE-9. Anos mais tarde, Odulvaldo passou a fazer parte do quadro de profissionais da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde se firmou como especialista em transmissões esportivas. As primeiras transmissões de jogos já se caracterizavam pelo estilo pessoal da narração. Cada locutor imprimia a sua marca, traço que se desenvolveu e permanece na atualidade, é o estilo de transmissão que diferencia o locutor ou a equipe. Tom de voz, velocidade, silêncio, metáforas, aliterações, interpretações tornam a equipe inconfundível.
O linguajar diferente do comunicador esportivo tem motivos vários, que vão desde a necessidade de fugir ao comum, imprimindo à expressão verbal um significado conotativo, até a incessante luta pela conquista de maior audiência. Este fato leva, inclusive, à necessidade de atrair ouvintes através de auto-afirmação capaz de criar uma terminologia às vezes inédita, que caracterize a busca da marca pessoal de cada comunicador (CAPINUSSÚ, 1988, p.15).

No final da década de 1930, Boletim Esportivo, ia ao ar ao meio-dia, pela PRE-9. O programa Boletim Esportivo trazia as novidades sobre o Foot-Ball, esporte caracterizado como elitista e praticado, exclusivamente, por homens brancos. Foi nesta década que o esporte alcançou uma grande expansão no que diz respeito à sua prática e aos seus torcedores.
Criaram-se, nos subúrbios, times de futebol formados por trabalhadores. De acordo com Rodrigo Pinto (2007, p. 04), “os trabalhadores passaram a ver que esporte, música, dança, piqueniques domingueiros eram possibilidades de lazer diante da opressão do sistema de produção ou do rígido controle patronal”. O futebol, aos poucos, passou a fazer parte da programação radiofônica, tornando-se um dos maiores atrativos do veículo. “O futebol ajudou a popularizar o então emergente veículo de massa, enquanto o rádio retirou o esporte de dentro dos estádios e o levou para o imaginário popular” (ALMEIDA E MICELLI, p. 01, 2004). 
Almeida e Micelli afirmam que o radialismo esportivo se antecipou, a qualquer outro setor radiofônico, no que diz respeito à linguagem e aos avanços técnicos. Os locutores por se verem diante da expansão do veículo e da obrigação de improvisar nas suas narrações desenvolveram técnicas narrativas para atrair os ouvintes. Palavras de origem inglesa foram adaptadas para o português (Por ser um esporte de origem inglesa, o futebol, ao chegar no Brasil, trouxe expressões como: fiels (campo), goalkeeper (goleiro), referee (juiz), dentre outras.), o ritmo veloz e emotivo passou a ser utilizado nas locuções, a criação dos bordões e o jogo com as palavras passaram a dinamizar as narrativas futebolísticas. “A nova linguagem permitiu ao ouvinte ‘visualizar’ o campo e todos os lances do jogo, contribuindo assim para transformar o futebol em espetáculo de massas e paixão.” (ALMEIDA e MICELLI, p. 02, 2004). 
O objetivo era envolver o público emocionalmente a cada partida. “A emoção faz com que o jornalismo esportivo esteja sempre numa linha tênue entre a pieguice e a razão. Costuma-se dizer que não há cobertura esportiva sem emoção, mas o jornalista não se pode deixar levar por ela” (BARBEIRO E LIMA, 2001, p. 76). 
A linguagem utilizada pelos locutores possuía em sua essência, um caráter regional; eram repetidas expressões conhecidas pelo público e diálogos que estavam presentes no cotidiano social do fortalezense. Para Jung, “uma das características do rádio é a proximidade com o ouvinte, a conversa direta com o cidadão. (...) O público se identifica com a emissora da cidade e com o radialista de plantão” (2005, p. 39). 
Essa é uma das características que aproximou o rádio do público, facilitou sua expansão para além das fronteiras sociais, e estimulou o empreendedorismo no mercado de informação.

A Primeira Concorrente e a Mudança para o Edifício Pajeú

No final da década de 1940, a Ceará Rádio Clube se viu diante de mais um desafio, a inauguração, em 09 de outubro de 1948, da sua primeira concorrente: a Rádio Iracema de Fortaleza, ZYR-7. É neste período, que o profissional do microfone começa a fase de amadurecimento profissional e se estabelece a especificação de suas funções.


As funções dentro do rádio vão-se tornando independentes, passando a fase em que o mesmo radialista, por solicitação da empresa ou de seu próprio espírito de trabalho, era levado a diversificar a sua atuação, constatando-se a presença do locutor também como radioator, organizador de programa, redator, animador de auditório, etc. (CAMPOS, entrevista, 2005).

ZYR-7 não foi uma ameaça direta à pioneira, Ceará Rádio Clube, de acordo com Marciano Lopes (1994, p. 42), “mesmo chegando para disputar ouvintes, a ‘Iracema’ não vinha como guerreira”. A emissora tinha consciência de que não seria fácil desbancar a emissora dos Associados. Com o surgimento da Rádio Iracema, a Ceará Rádio Clube tratou de “crescer, melhorar e mostrar que tinha de continuar sendo a melhor” (LOPES, 1994, p. 59). 

A emissora deixou sua antiga sede no Edifício Diogo e se transferiu, no dia 13 de maio de 1949, para o Edifício Pajeú. A Rádio Iracema, localizada no Edifício Vitória, também atraia o público com os espetáculos encenados no roof-garden, nome dado ao auditório da emissora que ficava ao ar livre. “O palco era coberto, mas a platéia ficava a céu-aberto, inclusive com mesas onde os frequentadores assistiam aos ‘shows’ tomando wisky, cerveja, refrigerante, etc.” (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 39). 

Um dos programas apresentados no palco da ZYR-7 foi o Fim de Semana na Taba, apresentado por Armando Vasconcelos. O programa era apresentado aos domingos, das 20h às 23h, e atraia a sociedade local para participar de brincadeiras e ouvir a voz da cantora cearense Aíla Maria. Sempre com o auditório lotado, o 
programa era anunciado como “o da elite”. Era exigido paletó e gravata para todos os frequentadores. Também tinha o “slogan” de “programa milionário do rádio cearense”. Para honrar esse título, o programa distribuía prêmios de valor em suas muitas promoções e concursos. Certa vez, o prêmio era uma viagem, via aérea, para Paris (França) com uma ajuda de custo de
10 mil francos, afora a passagem (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 40). 

Fim de Semana na Taba foi considerado como o primeiro e único programa de gala
do rádio cearense. A elite local se reunia aos domingos para uma verdadeira parada de
elegância no auditório da Rádio Iracema. As mulheres compareciam com roupas luxuosas
para competirem com as estrelas do rádio local, que se apresentavam com figurinos dentro do que havia de mais atual na moda parisiense. Com a sua popularização, o rádio, que antes se restringia a pequenos grupos, chegou aos cantos mais remotos do território cearense. Aqueles que antes se mantinham alheios aos acontecimentos do próprio Estado passaram a ter conhecimento do que acontecia do outro lado do mundo. Aos poucos ia se estabelecendo uma relação familiar entre o público e o novo meio, que alcançaria na década de 1950 sua chamada “época de ouro”. Diante do impedimento da ida aos auditórios das emissoras, as
camadas populares começaram a se reunir em eventos domésticos e sociais, nos quais se faziam festas dançantes ao redor dos aparelhos de rádio.

Continua...

¹ Manuel Eduardo Pinheiros - Eduardo Campos, nasceu em Guaiúba, então distrito de Pacatuba, no dia 11 de janeiro de 1923, filho de Jonas Acióli Pinheiro e Maria Dolores Eduardo Pinheiro.

Órfão de pai, aos 4 meses, foi entregue aos cuidados dos tios João Pereira Campos e Isabel Eduardo Campos (Irmã de Maria Dolores).

Até 7 anos de idade viveu ao sopé da Serra da Aratanha, em Pacatuba. Pelos 8 anos, em companhia dos pais adotivos, foi morar na Rua do Imperador, 90, em Fortaleza (1930), circunstância que o inspirou, já adulto, ao resgate da memória desses idos, quando a sala de visita das casas ia parar virtualmente nas calçadas, os vizinhos aí reunidos depois do jantar.

Eduardo Campos jamais se distanciaria da moldura ecológica da Serra, nem da paisagem rural desse território geográfico, com ares de sertão.

O curriculum vitae expressa o desempenho como escritor, em seus momentos mais significativos, assim como a listagem dos livros publicados, sessenta ao todo, o resultado de prolífica atividade criativa, que se impôs do teatro ao conto, alcançando a história, o folclore e os estudos de culinária.

² Campo do Prado


Antigo Campo do Prado, antecessor do Estádio Presidente Vargas 
Arquivo Pessoal: Airton Fontenele


Único estádio na época, que ficava localizado na área onde hoje se encontram as instalações do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará CEFET, atual IFCE e o Estádio Presidente Vargas.


Continua...

Leia também:

Parte I
Parte II

Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.). 

Fotos: Assis LimaAirton FonteneleRadiouvintes, Arquivo pessoal e Biblioteca Nacional.


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