Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Carnaval da Saudade
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Carnaval na Fortaleza de outrora


O carnaval de Fortaleza teve início no final do século XIX, com o carnaval de rua, mas foi proibido por um período, em 1905, pelo intendente Guilherme Rocha. Nos desfiles da época eram comuns pessoas fantasiadas de Papangus e dominós¹. Havia também os caboclos remanescentes dos indígenas de Porangaba (atual Parangaba).
Nas décadas de 1910 e 1920, as marchinhas alegravam os enormes salões dos clubes da capital cearense.
Na década de 1930, o carnaval de rua começou a se tornar mais popular, quando blocos foram formados por músicos, comerciários e trabalhadores, denominados "brincantes", com a orquestra na retaguarda. Na frente  ficava sempre um baliza, que fazia acrobacias com bastão. Mais tarde sugiram os blocos que dançavam ao som de samba, sendo o primeiro o PROVA DE FOGO, seguido da Escola de Samba Lauro Maia (Mais tarde Escola de Samba Luiz Assunção). Por falar em bloco, não podemos esquecer do Cordão das Cola-Colas, o Maracatu AZ de ouro, Enverga mas não quebra, Bloco Zombando da lua, Os enviados de Alá, Maracatu Estrela Brilhante, Maracatu AZ de Espada, Nação Fortaleza, Leão Coroado, Rei de Paus, Vozes da África e tantos outros.


De volta aos clubes sociais, estes simbolizavam o refinamento na convivência social, a beleza na alegria de viver. Na Fortaleza de outrora nasceu até uma rivalidade entre o Clube Iracema e o Clube Cearense, competindo na ostentação dos desfiles carnavalescos e na decoração de seus enormes salões.



Com o tempo, novos clubes surgiram e deixaram de ser frequentado apenas pela elite, ficando cada vez mais populares e acessíveis. Com uma maior quantidade de clubes, era comum o folião cearense ir brincar o carnaval em um clube diferente a cada dia. A programação do carnaval era agitada. No sábado "magro" (que antecedia o carnaval), a folia era no Náutico. Na sexta de carnaval, a festa ficava por conta do Iate clube. No sábado de carnaval, conhecido como "sábado gordo", a festa era no Ideal. No domingo, muitos iam curtir no Líbano. Já a segunda era reservada ao Country Clube, ficando a terça para encerramento no Náutico Atlético Cearense.





Para recordar os nostálgicos carnavais no clube Iracema, Ideal, Iate, AABB, Diários, Líbano, Massapeense, Jangada Clube, Comercial Clube, BNB, Maguari, Clube de Regatas e tantos outros, é que o Náutico promove anualmente o seu tradicional CARNAVAL DA SAUDADE
Então vista sua fantasia e caia na folia!!!






Os dominós usavam uma batina com capuz enfeitada de guizos de cores diversas. 
Os guizos são pequenos objetos oco de metal ou feito de um pequeno fruto seco, aproximadamente esférico, no seu interior possui uma ou mais bolinhas maciças (podem ser as próprias sementes do fruto) que, ao ser agitado produz um som, como de chocalho.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Marchinhas - O som dos eternos carnavais


Carnaval da Saudade - Arquivo João Otávio Lobo Neto

Das ingênuas e criativas marchinhas dos anos 30, 40, 50 e 60 às ruidosas músicas da “axé-music”, muitas águas rolaram no Carnaval. A alegria do desfile de de rua e o glamour dos bailes carnavalescos dos clubes elegantes de Fortaleza, nas décadas de 50 e 60, fazem parte apenas da lembrança dos mais nostálgicos. São tempos praticamente esquecidos, que só despertam, na maioria das vezes, o interesse de alguns pesquisadores de nossa história. Os jovens - que hoje se agitam com as “bandas” de barulhentos trios elétricos que ressoam em altos decibéis melodias com letras “sem pé nem cabeça” - nem imaginam como era divertido os carnavais dos confetes e serpentinas, dos pierrots e das colombinas apaixonados.

Lauro Maia e Luiz Assunção foram os pioneiros no cancioneiro carnavalesco do Ceará. Suas canções animaram foliões das escolas e blocos, como o “Cordão das Coca-Colas”, “Prova de Fogo”, “Alfaiates Veteranos”, “Garotos do Frevo”, “Zombando da Lua”, “Escola de Samba Lauro Maia” (depois rebatizada de Escola Luiz Assunção). As músicas de Lauro Maia se consagraram nas vozes de Orlando Silva e dos grupos “4 Azes & 1 Coringa” e “Vocalistas Tropicais” e se tornaram sucessos nacionais.

Carmem Miranda, Lamartine Babo, Emilinha Borba, Virginia Lane, Orlando Silva, Francisco Alves, Ary Barroso, João de Barro, Mário Lago, Dalva de Oliveira, Jackson do Pandeiro, entre outros nomes da MPB que emprestaram seus talentos a famosos “hits” da música carnavalesca: “Daqui Não Saio”, “Alá-Lá-Ô”, “Cidade Maravilhosa”, “As Pastorinhas”, “O Teu Cabelo Não Nega”, “Taí”, “Saca-Rolha”, “Mamãe, Eu Quero”, “Bandeira Branca”, “Pierrot Apaixonado”. Essas marchinhas se eternizaram ao longo dos tempos e continuam até hoje integrando o repertório musical de bailes que sobrevivem ao modismo das micaretas. Exemplo disso é o Carvanal da Saudade, um autêntico revival dos carnavais que ficaram apenas na lembrança...
     Marcos Saudade

Bloco Zombando da Lua - Arquivo Nirez

Qual a importância de Lauro Maia e Luiz Assunção na música cearense e nacional?

     Os dois são importantes, dentro das características de cada um. Lauro Maia, nascido e criado no Benfica, certamente levou mais longe o nome do Ceará porque aproveitou o sucesso de suas composições através de nomes como Orlando Silva, 4 Azes & 1 Coringa, Ciro Monteiro e Vocalistas Tropicais, entre outros. Ao fixar residência no Rio, participou ativamente do Movimento Artístico na década de 1940, sendo inclusive o responsável pelo surgimento do Baião, ao apresentar Luiz Gonzaga a seu cunhado Humberto Teixeira. Luiz Assunção foi um maranhense que se tornou cearense devido a sua grande identificação com a vida da cidade, ele inclusive foi homenageado quando Lauro Maia foi morar no Rio, puseram o nome dele na Escola de Samba Lauro Maia e um grande número de pessoas que conhece a história de nosso carnaval lembra com muita saudade dos grandes desfiles e da música maravilhosa que soava na orquestra da Escola de Samba Luiz Assunção.

     Que contribuição deram ao carnaval cearense?

     Uma contribuição enorme. Antes deles não havia compositores populares criando músicas para as agremiações. Foi Lauro Maia quem iniciou esse ciclo criativo em nossa história carnavalesca. Tanto ele como Luiz Assunção têm até hoje músicas lembradas e que foram compostas para o carnaval de rua, para a Escola de Samba Lauro Maia, depois Luiz Assunção, para a Escola de Samba (hoje Bloco) Prova de Fogo e outros blocos, como O Que Fóe, Galinha, do genial Doutor Bié. O Lauro inclusive foi o primeiro compositor a utilizar o ritmo do nosso Maracatu fora do carnaval, na música Orixá, que tinha versos de Jorge Aires.

     Como foi resgatar a vida e obra de Lauro Maia em livro e disco?

     Sinceramente, este foi um dos projetos mais importantes de toda a minha vida. Primeiro, pela grandiosidade da biografia do Lauro, depois pela beleza e atualidade de sua música e também pela parceria com o pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez. Outra coisa importante deste trabalho foi contar com a participação de todos os artistas que interpretaram músicas de Lauro Maia, é realmente um presente ter Teti, Ednardo, Rodger, Lúcio Ricardo, Fagner, Evaldo Gouveia, Falcão, Ayla Maria, Fernando Néri, César Barreto, David Duarte, Aparecida Silvino... É um disco que me agrada sempre, eu escuto cada vez com mais prazer. Tem um time de músicos de primeira e é todo mundo daqui mesmo.

     O que poderia ser feito para resgatar o carnaval de Fortaleza?

      Deveria haver um maior incentivo por parte da Prefeitura de Fortaleza. Afinal estamos falando de uma festa pública, inserida no calendário de eventos da cidade. Para o nosso carnaval de rua se tornar atrativo do ponto de vista do investimento privado, precisa haver um trabalho muito forte junto às agremiações, é preciso chamar os artistas para participar compondo, cantando, tocando, desenhando, somando com o imenso mundo de gente que trabalha há tantos anos pelo carnaval e tem muito amor pelo que faz. O nosso trabalho à frente da Federação de Blocos Carnavalescos tem sido recuperar a dignidade do carnaval de rua, reinseri-lo na rota dos grandes eventos.

Calé Alencar
Maracatu Az de Ouro em 1950 - Arquivo Nirez

Quais foram os mais expressivos compositores cearenses de músicas carnavalescas?

     Os mais expressivos compositores de músicas carnavalescas no Ceará foram Euclides Silva Novo, Mozart Brandão, Caetano Acioly, Luiz Assunção, Paulo Neves, Lauro Maia, Irapuan Lima, Mário Filho, Edigar de Alencar, Waldemar Gomes e Milton Santos.

     Que marchinhas mais famosas marcaram os bailes carnavalescos do passado?

     As marchinhas foram importantes no cenário carnavalesco cearense, mas também os sambas figuraram como sucesso.Tivemos "Tabajara", marcha (Silva Novo - Caetano Acioly) 1930; "Adeus, Praia de Iracema", samba (Luiz Assunção) 1954; "Falta de luz", marcha (Irapuan Lima - Mário Filho) 1955; "Dona Fredegunda", marcha (Mário Filho - Milton Santos) 1958; "Meu bem", samba (J. Guimarães - Milton Santos) 1958; etc.

     Que blocos e escolas brilhavam nos carnavais de rua de Fortaleza do passado?

     Os blocos que brilharam no passado foram "Maracatu Ás de Ouro", "Maracatu Rei de Espadas", "Garotos do Frevo", "Escola de Samba Lauro Maia", "Zombando da Lua", "Escola de Samba Luiz Assunção", "Cordão das Coca-Colas", "Alfaiates Veteranos", "Prova de Fogo", etc.

     Como avalia as festas carnavalescas da atualidade?

     O carnaval teve várias fases, a primeira apesar de ser chamada de carnaval era o ENTRUDO, que reinou até início do século XX, onde se dançava valsas vienenses entre outras coisas; a segunda foi a fase de ouro das marchinhas, dos grandes compositores e intérpretes, das grandes músicas e letras e que durou até meados da década de 60; e a atual fase, dividida entre o espetáculo turístico já superado das escolas de samba do Rio de Janeiro e a música atual de maio-de-ano lançada pela Bahia que descaracterizou o carnaval tornando-o muito mais de fora de época que de próprio período. Já não existem músicas feitas para a festa porque a festa já não existe.

Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez)
Escola de Samba Luiz Assunção em 1969
Foto da Exposição Luiz Assunção - Samba de Carnaval

Quais foram as fases marcantes da produção musical feita para o carnaval?

     As décadas de 30,40 e 50. Principalmente a de 30, apropriadamente chamada de “Fase de Ouro”. A partir da cartelização da economia mundial e a consequente dolarização econômica dos países dependentes da América do Norte, como o próprio México (seu vizinho), o Brasil, Argentina, França, Itália, Portugal e os demais que compõem o Terceiro Mundo, o regionalismo foi para o “bebeléu”. Entregar-se de corpo e alma às coisas e costumes da América do Norte passou a ser sinônimo de progresso. O nacionalismo passou a ser pichado como retrógrado, coisa do passado, etc... Tudo aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial (1945).

     Quais os mais famosos “hits” carnavalescos?

     Dos anos 30: “Prá Você Gostar de Mim” (Taí), marcha-canção de Joubert de Carvalho, gravada por Carmem Miranda em 1930; “O Teu Cabelo Não Nega”, adaptação de Lamartine Babo, gravada por Castro Barbosa, em 1932; “Linda Morena”, de Lamartine Babo , de 1933, “Cidade Maravilhosa”, de André Filho, gravada por Aurora Miranda (irmã de Carmem Miranda), em 1935; “Pierrot Apaixondo”, de Heitor dos Prazeres e Noel Rosa, 1936; “Mamãe, Eu Quero”, de Jararaca, 1937; “As Pastorinhas”, João de Barro e Noel Rosa, de 1936 e regravada por Sílvio Caldas para o carnaval de 1938; “A Jardineira”, de Benedito Lacerda e de Humberto Porto, gravada por Orlando Silva em 1939. 
Dos anos 40: “Dama das Camélias”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, gravado por Francisco Alves em 1940; “Alá-Lá-Ô”, de Antônio Nássara e Haroldo Lobo, gravada por Carlos Galhardo, em 1941; “Aí, Que Saudades da Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago, 1942; “Nós, Os Carecas”, de Roberto Roberti e Arlindo Jr. gravada por Anjos dos Inferno, 1942; “Está Chegando a Hora”, de Henricão e Rubens Campos, gravado por Carmem Costa, 1942; “Atire a Primeira Pedra”, de Ataulfo Alves e Mário Lago, gravado por Orlando Silva, em 1944; “Cordão dos Puxa-Sacos”, gravado pelos Anjos do Inferno, em 1946; “A Marcha do Balanceio”, de Lauro Maia e Humberto Teixeira, 1946; “É Com Esse Que Vou”, de Pedro Caetano, gravado por 4 Azes e 1 Coringa, 1948; “Chiquita Bacana”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, gravada por Emilinha Borba, 1949; “General da Banda”, de Sátiro de Melo, José Alcides e Tancredo Silva, gravada por Blecaute. 
Dos anos 50: “Daqui não saio”, de Paquito e Romeu Gentil, gravada pelos Vocalistas Tropicais, 1950 -“Serpetina”, de Haroldo Lobo e David Nasser, gravada por Nelson Gonçalves, em 1950;“Tomara que choro”, de Paquito e Romeu Gentil, pelos Vocalistas Tropicais e Emilinha Borba, em 1951; “Lata D’Água”, de Luiz Antonio e Jota Júnior, gravado por Marlene, em 1952; 

Foto da Exposição Luiz Assunção - Samba de Carnaval
Centro Dragão o Mar de Arte e cultura

Sassaricando”, de Luiz Antonio e Zé Mário, gravada por Virginia Lane; “Saca-Rôlha, de Zé da Silda.; “Maria Escandalosa”, de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, 1955; “Vai, Com Jeito Vai”, de João de Barro, gravada por Emilinha Borba, 1957;“Boi da Cara Preta”, de Paquito/Romeu Gentil/Jackson do Pandeiro, 1959.
Dos anos 60: “Me Dá um Dinheiro Aí” , gravada por Moacior Franco, 1960; “Indio Quer Apito”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, em 1961;“A Lua é dos Namorados”, gravada por Ângela Maria, 1961.“Cabeleira do Zezé”, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal. 1964; “Máscara Negra”, de Hildelbrando Pereira Mattos e Zé Ketti, 1967; “Bandeira Branca”, de Max Nunes e Laércio Alves, gravada por Dalva de Oliveira, 1970.

Christiano Câmara



Crédito: Diário do Nordeste

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Das antigas - O carnaval da chiquita bacana



Até o  Theatro José de Alencar já caiu na folia!


No Brasil, quando se fala em Carnaval, lembra-se logo de três Estados: Rio, Bahia e Pernambuco. Mesmo sem ter esta tradição carnavalesca e incorporado a festa de outras regiões, o Ceará também tem sua história de folia. Sobretudo nas décadas de 30, 40 e 50, Fortaleza foi palco de desfiles de blocos e corsos de automóveis, além de bailes sofisticados em clubes da capital.

Turma do Círculo Militar no Carnaval do Náutico em 1972 - Foto Rodrigo Gurgel
Arquivo Totonho Laprovitera

     De acordo com o memorialista Nirez, na década de 30, o ponto principal de festejos era a Praça do Ferreira. Em 1935, foi criado o mais antigo bloco de Fortaleza: o “Prova de Fogo”. Nos anos 40, surgiram os bailes noturnos na avenida Senador Pompeu. O Theatro José de Alencar também abriu as portas para os foliões durante uns cinco anos. Mas a rapaziada acabava quebrando muitas cadeiras e, por conta disso, toda a alegria acabou suspensa naquele local.

     Depois, a concentração passou para o Passeio Público, percorrendo as ruas Major Facundo e Senador Pompeu, uma das mais festejadas nos anos 50. Como era uma rua residencial, os proprietários das casas colocavam as cadeiras nas calçadas para apreciar o espetáculo. O resto das pessoas se aglomeravam em pé, jogando confetes, serpentinas e lança-perfume.

Baile de Carnaval do Ideal Clube na década de 30/40 - Acervo Marcelo Bonavides de Castro

     Era bem comum os homens se vestirem de mulher e caírem na folia, como no “Cordão das Coca-Colas”, que fazia referência às cearenses que se encantaram com os americanos presentes no Estado, na época da II Guerra. O bloco dos sujos também ficou marcante. Na opinião do memorialista Marciano Lopes, era “uma democracia”. Todos se misturavam e dançavam juntos.

     O jornalista José Augusto Lopes aponta que a rapaziada ficava ansiosa para ver o “caminhão das prostitutas”, lá das “Pensões Alegres”. Aquelas mulheres da vida, mas de alto nível, desfilavam com fantasias bem ornamentadas. Brincadeiras de mau-gosto com elas? Que nada. As jovens eram aplaudidas. Havia muito respeito, destaca o jornalista. No corso de automóveis, os carnavalescos também esbanjavam luxo nas fantasias.

     Naquela alegria toda, também era oportuno fazer referências aos políticos da época. Mas tudo de forma bem sutil, sem agredir a moral de ninguém. Até existia uma portaria policial, proibindo sátiras aos políticos e ao clero. Mas os foliões sabiam brincar com o tema, chegando a tirar risos mesmo do presidente Getúlio Vargas, segundo aponta Marciano Lopes.

Inocência dos antigos carnavais - Livro Ah, Fortaleza!

     José Augusto lembra de um episódio engraçado. O governador do Ceará na época, Faustino Albuquerque de Souza, batizou uma vaca, de seu sítio em Pacatuba, com o nome de “Chiquita Bacana”, a famosa canção interpretada por Emilinha Borba. Um dia, ele tirou uma foto de pijama ao lado de sua vaca.

     Como era um adversário político da Rádio Iracema, acrescenta Nirez, a rádio fez uma paródia da música, na voz de Zé Lisboa. José Augusto Lopes conta que os foliões se vestiam de pijama ou colocavam uma máscara de vaca na cabeça e cantavam: “Chiquita Bacana / lá de Pacatuba/ dá leite para o Faustino e que leite cutuba (...) / Presidencialista/ foi o seu destino/ bezerro não encosta / quem manda é o Faustino”...

     “Havia uma sátira aos preconceitos”, afirma o jornalista, que também lembra dos foliões fantasiados com um barrigão e uma faixa: “Amar foi minha ruína”, título de um filme da época.No livro “A Subversão Pelo Riso: O Carnaval Carioca da Belle Époque ao Tempo de Vargas”, a escritora Rachel Soihet fez toda uma pesquisa sobre a festa mais popular do Brasil. A tese central do livro é justamente a resistência das manifestações carnavalescas às investidas da classe dominante em domesticá-las.

Concentração na Praça do Ferreira, todos esperando o Corso carnavalesco.

     Cheios de entusiasmo e irreverência, os blocos desfilavam pelas ruas, aplaudidos pela população festeira. A Rádio Clube e a Rádio Iracema, as únicas do Estado na época, conforme aponta Nirez, colocavam palanques para julgarem os blocos. O mais aplaudido pelo povo era o vitorioso.

     Quando a concentração carnavalesca passou para a avenida Aguanambi, em 1963, começou o declínio da festa em Fortaleza, de acordo com José Augusto Lopes. Na tentativa de sistematizar muito os blocos e transformá-los em escolas de samba parecidas com as do Rio de Janeiro, o carnaval na capital foi definhando.

     “Na época, eu escrevia no jornal, advertindo o que iria acontecer. Mas ninguém me considerou. O resultado é que o carnaval cearense acabou”, diz Nirez. “Organizaram demais e tirou a espontaneidade”, acrescenta Marciano Lopes.

Carnaval da Saudade do Náutico Atlético Cearense em 1970
Arquivo João Otávio Lobo Neto

     O mesmo pesquisador destaca que um dos motivos da fuga para o interior era o alto custo das festas nos clubes. Como muita gente não tinha condições financeiras de acompanhar os bailes, então, partiam para outras cidades do Estado. Aproveitando o fato, as prefeituras locais começaram a investir nas festas carnavalescas.

     Marciano Lopes também ressalta que o Ceará nunca teve uma tradição de Carnaval. “O que houve foi um arremedo de carnaval”, diz. Isso porque não há no Estado uma presença da cultura negra, como existe no Rio, na Bahia e em Pernambuco. “O cearense não tem ginga, não tem o espírito do folião que veio da cultura negra. O cearense é mais frio, mais mecânico. Fui duas vezes a este carnaval fora de época. São semblantes tristes. Não há vibração. Estão ali porque é um modismo”, afirma o memorialista. José Augusto Lopes acredita que o último carnaval do Brasil ainda é o de Pernambuco. Já os dois memorialistas acham que não existe mais nenhum. “A Bahia desvirtuou o carnaval de todo o Nordeste. O Carnaval foi um círculo que acabou”, destaca Marciano Lopes.


Reportagem de Helena Vasconcelos (Diário do Nordeste)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Náutico e o Carnaval da Saudade - 46 Anos


O Carnaval da Saudade é o grande presente do Náutico Atlético Cearense ao folião alencarino e todos que visitam Fortaleza no Reinado de Momo*. É a alegria maior da cidade. A folia saudável. O (re) encontro de gerações. A segurança garantida e a animação da inconfundível orquestra carnavalesca “Brasas 6”.

Sucesso absoluto do IV Baile da Saudade - Arquivo Ivan Gondim

IV Baile da Saudade - Arquivo Ivan Gondim

"Idealizado por mim com a valiosa colaboração do companheiro de Diretoria Hariberto Xavier Onofre, o Carnaval da Saudade foi realizado pela primeira vez em 17 de fevereiro de 1968. Grande sucesso que, no decorrer dos anos, ganhou a aceitação da sociedade cearense, embora seja uma primazia da família “alviverde”.

Uma festa realmente surpreendente, sob todos os aspectos, considerando-se o grande número de sócios participantes, a preservação cultural do cancioneiro popular, a beleza da decoração e, finalmente, o desempenho da orquestra executando um roteiro musical de grande animação, contagiando todas as idades.

... Sinto-me feliz e realizado, certo de que nossa ideia e o nosso trabalho dedicados desinteressadamente ao Náutico... desde a saudosa Praia Formosa, não foi em vão, continua válido e prosperando."

Palavras de Helano Studart Montenegro – Criador do Carnaval da Saudade

I Carnaval da Saudade - 1968

"Quando o nosso querido e ilustre sócio, Helano Studart Montenegro, idealizou, planejou e juntamente com a diretoria de 1968 realizaram em 17 de fevereiro o primeiro Carnaval da Saudade, a grandiosidade do evento foi definido pelo próprio idealizador, como: “Uma festa realmente surpreendente, sob todos os aspectos, considerando-se o grande número de sócios participantes, a preservação cultural do cancioneiro popular”... Acrescento que a aprovação e participação dos eventos subsequentes extrapolaram aos nautiquinos contaminando a sociedade cearense e inclusive com a participação de foliões de outros estados"  João Otávio Lobo Neto

Em 17 de fevereiro de 1968, sábado magro, acontece o I Carnaval da Saudade, no Náutico Atlético Cearense, com o tema "De Zé Pereira a Zé Keti", com roteiro musical elaborado pelo pesquisador Christiano Câmara.

É hora de juntar a turma, combinar a fantasia, separar o confete e serpetina, fazer um bloco e se preparar para a diversão que toma conta dos salões do Náutico Atlético Cearense. Com a ideia de preservar os antigos carnavais, o clube realiza hoje o seu tradicional Carnaval da Saudade.

II Carnaval da Saudade - 1969
Arquivo João Otávio Lobo Neto

Capa do roteiro de músicas - Arquivo João Otávio Lobo Neto

“É uma festa animada, com amigos fazendo blocos, levando estandartes, num clima de brincadeira saudável e familiar”, garante Joaquim Guedes Neto.

O Carnaval da Saudade, que já faz parte da história da cidade, teve sua primeira edição em 1968, conquistou a sociedade cearense, que passou a se reunir no Náutico para uma espécie de Abertura Oficial do Carnaval a cada ano. 

Capa do livreto do III Carnaval da Saudade: Nirez
Arquivo João Otávio Lobo Neto

Carnaval da Saudade de 1970 - Arquivo João Otávio Lobo Neto

Cheio de tradição e história, o Carnaval da Saudade vem mantendo a proposta de relembrar o som e o clima dos antigos carnavais. Por isso o repertório é formado por marchinhas, frevo, samba, marcha-rancho e outros ritmos que marcaram os salões. 

Capa do roteiro de músicas do IV Carnaval da Saudade - 1971
Arquivo Diário do Nordeste

E quando se fala em tradição, é tradição mesmo. Ideias que foram dando certo ao longo dos anos, foram virando marcas registradas da festa. Uma das mais conhecidas é um livrinho que é distribuído a todos os foliões contendo a ordem e as letras de todas as canções que vão ser tocadas na noite.

Arquivo Diário do Nordeste

Arquivo Diário do Nordeste

Alguns desses livrinhos. Carnaval da saudade de 1976-1979
 Arquivo João Otávio Lobo Neto

"Sempre tem um bebo pedindo pra tocar alguma música. Com o livrinho, ele já sabe quando vai tocar a que ele quer”, explica Ary Araripe (ex-presidente do clube)
Outra marca é que a banda começa com o Zé Pereira (considerada uma das primeiras canções carnavalescas do Brasil) e encerra com Está Chegando a Hora (Rubens Campos).

Animado Carnaval da saudade do Náutico - Arquivo João Otávio Lobo Neto

O maestro Zé Maria, da Orquestra Brasas Seis, é músico autodidata e lapidou seu conhecimento no curso de Música da Universidade Estadual do Ceará, o tecladista de 70 anos está há 13 no Baile da Saudade e não pensa em largar sua banda. “Cansa, mas nós... já estamos acostumados. Nosso descanso é na hora das músicas mais lentas”.

Brasas Seis - acervo Keit Luna

Cansaço, inclusive, é uma palavra que também não faz parte do dicionário dos foliões do Náutico. O advogado Adriano Garcia, por exemplo, tem 80 anos e frequenta a festa desde sua primeira edição. “A animação é a mesma nesses anos todos. Hoje, vou com meus filhos netos e bisnetos”. Ele ainda conta que, antigamente, fazia parte da brincadeira deixar o baile já de manhã cedo para ir tomar banho de mar com fantasia e tudo. Embora essa parte não tenha resistido ao tempo e às mudanças da Beira Mar, hoje ele espera o dia amanhecer para aproveitar a carneirada oferecida pelo Náutico para os brincantes mais resistentes.

Carnaval da Saudade de 2005

"A marcha Zé Pereira de 1870, apresentada pelo sapateiro português da Rua São José ao também ruidoso número francês do antigo Alcazar, Francisco Correia Vasques arranjou uma cena cômica que intitulou de Zé Pereira Carnavalesco e montou-a então pela Companhia Jacinto Heller. Era um pequeno ato com a pretensão única de comicidade, sem qualquer outro destaque que não o de apresentar a melodia excitante para a qual o cômico brasileiro escrevera uns versos que, no ano seguinte com a designação de "poesia" seria incluída com o titulo de Viva o Zé Pereira na coletânea Lira de Apolo, como consta da publicação da Biblioteca Nacional - Rio Musical - crônica de uma cidade (1965)" João Otávio Lobo Neto

XL Carnaval da saudade - 2007
Acervo Clóvis Acário Maciel

O Carnaval da Saudade, foi o legado mais importante que restou dos grandiosos bailes que aconteciam no clube antigamente. A tradicional Festa das Crianças, que possui mais de 50 anos, também é oriunda dos primeiros bailes carnavalescos. 

Em 12 de fevereiro de 1977, na festa Carnaval da Saudade, o Rei Momo Francisco José Torres de Sá e Benevides (Titico I e Único) é coroado juntamente com a Rainha do Carnaval de 1977, Heloísa Helena, recebendo das mãos do prefeito em exercício Manuel Sandoval Fernandes Bastos (Sandoval Bastos), a chave da Cidade.

No Carnaval da Saudade de 14 de fevereiro de 2004, são coroados o Rei Momo e a Rainha do Carnaval para 2004, Renato Fagundes Diógens Viana e Amanda Lopes Veloso.

XLI Carnaval da Saudade - 2008
Arquivo Diário do Nordeste

Chegando à sua 46ª edição, o Carnaval da Saudade do Náutico é um dos eventos mais tradicionais do Carnaval de Fortaleza. Com eleição de Rei Momo e Rainha do Carnaval e o repertório tradicional dos grandes bailes, a festa atrai pessoas de todas as idades, sempre no sábado magro, ou seja, um dia antes do Carnaval.

Luizianne Lins curtindo o carnaval da saudade do Náutico - João Otávio Lobo Neto

Saiba mais

A festa foi idealizada em 1968 pelo sócio do Clube, Helano Studart Montenegro, que junto à diretoria realizou em 17 de fevereiro, o primeiro carnaval.

Apaixonado por carnaval desde a infância, Helano Montenegro, na década de 1960 já sentia falta de antigos carnavais. Até que sugeriu ao então presidente do clube, Ary Araripe, que promovesse um carnaval da saudade. "A festa cresceu ano a ano, deixando a casa sempre lotada. É a expressão mais significativa de que o nosso trabalho continua sendo reconhecido", destaca Araripe.

Carnaval do Náutico na década de 50. Nessa época, ainda não existia o Carnaval da Saudade. Arquivo Blanchard Girão

Os dois fazem questão de destacar o papel do colecionador e historiador Cristiano Câmara nessa história de sucesso. Por vários anos, era ele quem escolhia o repertório e o repassava para as bandas. "Cristiano tinha um acervo muito rico", lembra Montenegro, que também idealizou o primeiro folheto, com as letras de músicas, outra marca registrada do evento.

“O Carnaval da Saudade iniciou com a finalidade de preservar os antigos carnavais, e até hoje só tocamos músicas antigas, marchas ranchos, samba enredo, As Pastorinhas, Mamãe eu quero. Nós estamos no ápice do nosso carnaval." 
A festa comporta cerca de 5.000 pessoas e contempla dois setores (um mais perto do palco) Setor A e o outro um pouco mais longe, Setor B.
A maioria dos foliões usa fantasias, faz blocos, cria as próprias roupas. “Eles se preparam mesmo para a festa". 
São cerca de 800 mesas espalhadas pelo grande salão e a orquestra Brasa Seis animando à noite. Cada mesa recebe um livreto com as canções que vão embalar o Carnaval da Saudade. “É uma festa belíssima em que toda a sociedade cearense se encontra. E assim, há anos que não temos confusão nem briga, as pessoas vão com espírito de carnaval mesmo. Tem jovens de 25 até senhores de 90 anos. Os mais antigos vão para reviver antigos carnavais, os mais novos vão para conhecer o carnaval antigo”, garante Joaquim Guedes Neto.

Carnaval da Saudade - João Otávio Lobo Neto 

Carnaval da Saudade - João Otávio Lobo Neto

*Antes o Rei Momo e os Cronistas Carnavalescos apresentavam-se nos clubes e no Corso acompanhados de casais fantasiados de “Romeu e Julieta”, “Sansão e Dalila”, “Tristão e Isolda”, variando a cada ano.

O primeiro Rei Momo de Fortaleza, Ponce de Leon, e a primeira crônica carnavalesca. Publicada no jornal Tribuna do Ceará, de 19/01/1978. Acervo Fernando Antº Lima Cruz

Remota a década de 40 a indicação do Rei Momo do Carnaval do Ceará: Ponce de Leon, que foi deposto por haver sido flagrado comprando pão, em pleno Carnaval, na Padaria Palmeira, ato difamante para um Monarca da Folia... Foi substituído por Luizão I e Único (Maguari). Dispensava corneta real, e apresentava-se no Corso e clubes com o jargão: “Eu cheguei, cachorrão!” Célebre, ganhou concurso de “Melhor Rei Momo do Brasil”, no Rio de Janeiro.

Côrte do Rei Momo Luizão - Arquivo Nirez

Vários monarcas foram oriundos do rádio ou jornal: Cirão I e Único (Ciro Saraiva – Correio do Ceará; Fernando Mendes (O estado); Irapuan Lima (Rádio Iracema); Jadir Jucá (Rádio Dragão do Mar - por sinal casou com a Rainha, a modelo Lucráia Garcia); Bezerrão (“Rádio Dragão do Mar”). Este foi deposto em Sobral, por não esperar pela Rainha, trocá-la por uma “mulher de cabaré” e com ela ingressar na festa do tradicional Derbi Clube Sobralense. Um escândalo para a sociedade. Foi substituído na Segunda-Feira Gorda por Catunda Pinho (Catundão I e Único - Rádio Verdes Mares). Jurandir Mitoso (PRE – 9), magérrimo, foi Príncipe Regente por falta de um “rei gordo”...
Também foram reis: Marcelo (Clube de Regatas Barra do Ceará), Paulão I e Único (filho do deputado Paulo BenevidesPresidente da Assembléia Legislativa); Javeh (alfaiate da sociedade). Uns ficaram tão populares que se elegeram vereador à Câmara Municipal de Fortaleza: Narcílio Andrade e Martins Nogueira.
De tudo isto, o mais importante é que ainda hoje permanece a magia dos Monarcas da Folia, e o Náutico, com o Carnaval da Saudade, faz parte desta história!


Fontes: O Povo, O Estado do Ceará, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo e Diário do Nordeste

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