Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Centro Cultural Dragão do Mar
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segunda-feira, 1 de julho de 2019

Boate Mystical - Rua José Avelino

Fim dos anos 90, começo de um novo milênio, e a capital cearense ganhava na época uma boate irreverente, com shows de rock, teatro de sombras, apresentações de modelos com cobras vivas, festas inesquecíveis como “Baile de Máscaras” e “Culto a Baco”…

Localizada na Rua José Avelino, 62, próximo ao Dragão do Mar, a excêntrica Boate Mystical (filial da Mystical de Belém do Pará¹) envolvia misticismo e muita música tecno. As festas temáticas tinham bebidas exóticas e atrações cheias de sensualidade. 

A antiga propaganda da boate na televisão era bastante conhecida dos fortalezenses, citando o famoso "Esperma do Morcego", uma bebida vendida na boate. 
O ambiente da Mystical era marcado por sua decoração, toda ela criada pelo proprietário, André Luís Portela Darcier Lobato, o “Kaveira”, e sua equipe, onde o foco da atenção era a dualidade existente entre as forças do universo, com destaque para o bem e o mal.

A boate era dividida em dois ambientes térreos: nas paredes e teto do "Céu" haviam desenhos fluorescentes de figuras e símbolos "de cima"; no "Inferno", os desenhos pareciam ter saído da visita de Dante Alighieri ao inferno, relatada em sua obra "A Divina Comédia".

Acervo Igor Studart
Fachada na época da boate e em 2016
Na verdade, tudo não passava de uma grande brincadeira, muito bem detalhada no site oficial da boate, hoje fora do ar: 

"...Buscamos representar os tormentos atrozes do inferno, que destinam-se a causar terríveis sofrimentos, e transformamos esse mundo de trevas na melhor casa de diversões de Fortaleza, onde imperam a alegria e o sadio entretenimento.
Atrás da Bar Girl que atende "no céu", de vez em quando a luz acende e pode-se ver através da "vitrine" um banheiro com privada e tudo. E, nele, uma mulher toma banho só de calcinha, touca e máscara cobrindo-lhe todo o rosto. Junta gente pra ver. Eles acabam de descobrir o "Banheiro do Voyeur".



Propaganda que passava na TV União

Ontem e hoje
As Jaulas eram outro destaque do ambiente da Mystical. Suspensas no espaço, elas eram os locais preferidos das pessoas que gostavam de se exibir enquanto dançavam.
Todos os fins de semana, no ambiente da Boate Mystical, o bem triunfava sobre o mal, na forma de alegria e descontração. 
A Casa era temática, ímpar, cujo tema principal eram os ícones do misticismo. Era toda ornamentada por pinturas e esculturas de deuses, semi-deuses e divindades de diversos cultos e religiões.

Além dos dois grandes salões: Céu e Inferno, já citados, a boate agregava ainda uma interessante variedade de ambientes como o Limbo das Pegações, um corredor escuro, com as paredes cravejadas de buracos, onde os frequentadores podiam exercitar o sentido do tato. Na parte superior, ficava localizado o Cinema, onde aconteciam sessões ininterrupta de filmes bizarros, capazes de deixar o cineasta Pedro Almodovar de queixo caído.


Para que os frequentadores pudessem relaxar após desfrutarem da pista de dança, havia a "Galáxia", com duas grandes camas, alguns sofás e os tubos do voyeur, através dos quais podiam ser observados casais namorando.
A Capela era o ambiente em que ficava o confessionário, destinado a receber as confissões dos pecados dos frequentadores, onde costumeiramente aparecia o Reverendo Kaveira, para ouvir as confissões e conceder as absolvições.
A Masmorra era uma câmara medieval de tortura, equipada com os mais terríveis instrumentos da Idade das Trevas, muito apreciada pelos admiradores do Marquês de Sade².


O Sarcófago possuía um caixão de casal, magnificamente decorado em tons de lilás, que adicionava mais um ingrediente sinistro ao ambiente mórbido da boite.
O ambiente do Necrotério era dominado por uma legítima mesa de autópsias, por onde já passaram mais de cem mil "cadáveres". Para a cena ficar o mais real possível, nem a indispensável torneirinha para lavar os "corpos", foi esquecida.

Além da Capela e do Consultório Exotérico, destacava-se o Palco, onde aconteciam as surpreendentes performances dos talentosos atores da casa.


A Mystical foi um projeto de entretenimento noturno de André Dacier Lobato, o Kaveira, que aliava música, teatro, cinema e fetiche. Criada originalmente em Belém no início da década de 90, a boate ficou por vários anos promovendo uma revolução comportamental, foi palco de várias festas temáticas e até hoje é lembrada pelos comerciais de TV que viraram “jargão”

Logo na entrada um minotauro recebia os convidados que entravam na casa e passavam a conhecer a capela, o sarcófago, a masmorra, o necrotério, o limbo das pegações, o corredor lambix e consultório espiritual. "O local era um mergulho no imaginário, nas fantasias dos frequentadores, que realizavam seus maiores desejos e presenciavam experiências únicas”, relembra Kaveira. Quem entrava na Boate Mystical pela primeira vez sentia o baque. 



Necrotério
No site oficial da boate, era possível ter uma ideia do que  esperar ao visitar a casa:

"Primeiro a gente fica estático, surpreso, vacilante na escuridão quase absoluta. A mente tenta reagir e sai em busca de um referencial para um indispensável passeio pela casa. O ambiente da Boate Mystical é escuro e chocante. Ao som vibrante do Techno, o laser atravessa a névoa que se espalha por toda a casa. Nas paredes e no teto, pinturas de figuras mitológicas, de uma nitidez impressionante. Entre elas, Terseu espia os pagãos que se divertem na pista de dança. Em uma vida passada, Kaveira foi Dante, ou jamais teria conseguido idealizar, construir e decorar a Mystical. Ninguém conseguiria recriar com tanta fidelidade os círculos do inferno de "A Divina Comédia", senão a reencarnação viva do viajante das trevas. Numa das escadas que levam ao andar superior, Anubis orienta os frequentadores que buscam o repouso no sarcófago. Tendo Cérbero a seus pés, Zeus, o deus maior de todos os gregos, abençoa as noites pagãs da Boate Mystical."


Em 2005, a boate estreou o espetáculo Lucíferos - Sagrado ou Profano?, com a Companhia de Teatro Raízes
O trabalho - uma performance teatral coreográfica - girava em torno de três personagens distintos: Lucíferus, Cristo e Lujoma, uma espécie de profeta maluco, como fazia questão de lembrar o diretor e co-autor do trabalho, John White. Além disso, a animação da noite ficou por conta do Dj Mascarado. 




Os anfitriões da Mystical eram Élida Braz e André Lobato "Kaveira", que na época eram namorados e estavam juntos há dez anos. André é um experiente empresário da noite: é ator e diretor, além de ser Bacharel em Direito e formado em Geografia pela Universidade Federal do Pará. Inteligente e dono de invejável currículo, Kaveira descobriu que não podia passar o resto da vida numa sala de aulas ou nas barras de algum tribunal. Sua paixão pela arte o conquistou para a noite, onde brilhou como ator, e onde era o centro das atenções, no papel de anfitrião da Boate Mystical. 


Apoiado numa plataforma liberada, André "Kaveira" candidatou-se e foi eleito Vereador pelo município de Belém do Pará. Cumpriu integralmente o mandato de janeiro de 1996 a dezembro de 2000 quando, decepcionado, abandonou a política com a frase que bem definiu as câmaras municipais de todo esse Brasil: "Esta casa é a quintessência do inferno, onde se realizam negociatas capazes de surpreender o mais velhaco dos demônios". 

Élida Braz

Se o Kaveira era o cérebro, Élida Braz era o coração da Mystical. Sensível e romântica, ela é escritora e poetiza, autora de versos capazes de tocar profundamente corações e mentes. Tendo já exposto poemas e contos em vários redutos da cultura nacional de norte a sul do país. Atriz, ela já pisou com sucesso nos melhores palcos da vida, que vão da descontraída Mystical, ao Teatro da Paz, em Belém do Pará, um dos templos mais sagrados da dramaturgia brasileira. No cinema, Élida integrou o movimento "Cinema Novo Paraense", estrelando os filmes "Lendas Amazônicas", "Cobra Grande" (convidado para o Festival de Cinema de Vitória) e "O Boto" (que representou o canal GNT no New York Film Festival), exibidos nas telonas do Brasil, Inglaterra e França
Na Mystical, Élida brindava os frequentadores como atriz principal dos pocket shows que tornavam o palco da Boate o centro das atenções das noites cearenses. 

Programação de uma semana na Mystical
Matéria antiga do Diário do Nordeste sobre o
fechamento da boate em uma operação policial.
Após 5 anos, a boate itinerante Mystical deixava a capital alencarina...

Em março de 2010, Kaveira e Élida retornaram à cidade para rever amigos e conferir novos projetos na terra do sol. Muito se especulou se seria o retorno da controvertida casa noturna à capital cearense. 

“Não sei se será agora, mas temos um imenso carinho pelos cinco anos que estivemos presentes no Ceará, e pretendemos voltar sempre”, afirmou na época André Lobato, o Kaveira, que mantém a Mystical em Belém do Pará, somente para festas fechadas.

Em 27 de junho de 2014, de acordo com o Blog Cine Negócios, o filho do ex-vereador e promotor de eventos, André Lobato Filho, pedia ajuda ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) para localizar o pai e sua mulher, Élida Braz, que teriam desaparecido na fronteira entre os EUA e o México. De acordo com o filho, Kaveira e Élida gravavam um documentário quando teriam sido assaltados. O Itamaraty dizia ter sido informado do desaparecimento pelo consulado-geral do Brasil na Cidade do México, e que havia entrado em contato com a polícia para localizar o casal. 

Após quase uma semana, sem dar notícias aos familiares e amigos, Élida Braz e o ex- vereador utilizaram uma conta em uma rede social para informar o que teria acontecido com eles na fronteira dos Estados Unidos com o México. 
Segundo postagem no Facebook, Élida contou, sem detalhes, que o casal estava bem de saúde, e que ambos foram vítimas de uma emboscada por parte de coiotes, quadrilha que atua na região da fronteira com o México com os Estados Unidos. Na postagem, Élida conta que, depois do ocorrido, o casal estaria relaxando na Nicarágua.

Foto: Magno Torres
Foto: Magno Torres
Foto: Magno Torres
Com o fechamento da Boate Mystical, André Kaveira virou cineasta e atualmente mora no Rio de Janeiro. Em maio de 2019, André, agora separado de Élida, esteve novamente na Terra do Sol, desta vez para lançar uma nova Dj e relembrar os tempos da sua boate na festa Uma Noite Mystical, que aconteceu dia 1º de junho, na recém-inaugurada Boate Club Viva, na Praia de Iracema (Rua Dragão do Mar 198 - ao lado do Órbita).



¹A Mystical Belém


A Boate Mystical foi fundada em 1999, em Belém do Pará, em um galpão antigo da zona portuária. Tinha como diferencial as apresentações teatrais que aconteciam em um grande palco que ficava no final da boate. No ano 2000, a boate é consumida pelo fogo.

O incêndio da Mystical, foi o mais grave registrado na cidade em muitos anos e resultou numa vítima fatal. André “Kaveira” Lobato, proprietário da boate, lembra que o incêndio se deveu a uma performance feita pelo partner de um artista que se apresentava na ocasião. “Sem nos comunicarem, amarraram palha de aço em fios de algodão, acenderam e começaram a rodar com a tentativa desastrada de causar um efeito pirotécnico. Os pedaços em chamas começaram a se soltar e grudar nas panadas, cortinas das coxias, cenários e no teto, que tinha o isolamento acústico feito todo com espumas, único método acústico conhecido na época”.
Seguranças tentaram apagar o fogo com extintores em vão. “No momento, haviam milhares de pessoas na boate. Orientamos os presentes a saírem imediatamente do local. Todas as saídas de emergência foram abertas e a evacuação foi feita. Em três minutos, a boate estava vazia”, lembra.
Mas um homem que estava de passagem por Belém a trabalho perdeu sua vida carbonizado. “Entramos na boate várias vezes para ver se não tinha mais ninguém, mas ele não foi localizado, pois estava dormindo bêbado atrás de um sofá no mezanino”, rememora o empresário. Kaveira respondeu judicialmente durante dez anos um processo de homicídio culposo e foi absolvido no final. 


²Marquês de Sade, o homem que deu origem à palavra “sadismo” e passou um terço de sua vida preso. Dizem que suas experiências sexuais eram um tanto incomuns.




Leia também:




Fontes: Antigo Site da boate (Hoje Fora do ar), Conceituado.com/ Diário do Pará/ Diário do Nordeste/Divirta-Ce 

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura - 20 Anos


A construção do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura foi uma iniciativa da Secretaria de Cultura do Governo Estadual na gestão de Ciro Gomes (1991-1994). 
A Carta Convite para seleção do escritório responsável estabelecia que o projeto deveria buscar a reordenação física e revitalização de parte do setor urbano compreendido entre a avenida Leste Oeste (Praça Cristo Redentor), Rua Boris, Rua Almirante Jaceguai e Avenida Almirante Barroso, com área aproximadamente de 16.500 m² tendo como foco de irradiação  programática o 'Centro de Cultura do Estado do Ceará' e como consequência contextual o uso de áreas livres com atividades de lazer (Carta Convite, 1993). 

No centro da praça, vemos o Café Avião
Ainda estabelecia que os projetos deveriam conter os seguintes equipamentos: ponte cultural (sic), auditório para shows e conferências, salão de exposição com áreas de administração, manutenção e montagem, sala de vídeo, cafeteria, salão de cinema e oficinas de artes.



Uma concorrência pública envolveu cinco escritórios de arquitetura da cidade e o projeto selecionado foi concebido pelos arquitetos cearenses Delberg Ponce de Leon e Fausto Nilo. O complexo ocupa atualmente uma área de 30 mil m², sendo 13 mil de área construída. O Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura começou a funcionar, em caráter experimental, em 28 de agosto de 1998; e foi inaugurado oficialmente em 28 de abril de 1999. Segundo a Secretaria de Cultura do Estado, o espaçoé um centro cultural de alta modernidade, que além de trazer ao Ceará eventos artísticos de nível internacional, abre espaço para as manifestações culturais do nosso povo, democratizando o acesso ao lazer e à arte.





O programa do Centro Dragão do Mar pode ser dividido em três partes. No primeiro bloco, está localizado o acesso principal do edifício, a partir da avenida Presidente Castelo Branco. Em seu pavimento superior, foram instalados o Memorial da Cultura Cearense e o Museu de Arte Contemporânea, além de outros espaços ligados à cultura: livraria, áreas livres de exposição e informações. O acervo do Museu de Arte Contemporânea é composto por obras de  Antônio Bandeira e Raimundo Cela, consagrados pintores cearenses, que integram uma exposição permanente. No pavimento superior, encontra-se um espaço destinado a oficinas de arte. Este primeiro bloco é marcado por uma colunata branca e pés-direitos bem altos. Também se liga com a Praça Verde – também conhecida como  Ágora - onde acontecem periodicamente apresentações culturais.



O segundo bloco é formado pela passarela metálica que liga os volumes localizados nos extremos do terreno. A passarela cruza a rua José Avelino e se liga ao solo por meio de escadas. Ali também se encontra um café que funciona como espaço de permanência e encontro dos visitantes do complexo. Para a construção desta “rua aérea” foi necessária a demolição de alguns edifícios. O último bloco é o mais próximo da praia e seu acesso pode ser realizado pela avenida Pessoa Anta. Neste espaço, encontra-se a maioria dos equipamentos culturais: teatro, cinemas, planetário, auditório e anfiteatro. O acesso a estes três últimos localiza-se no pavimento superior que pode ser realizada por uma grande rampa e escadas. O Planetário Rubens de Azevedo oferece dois tipos de programa, com um total de três sessões diárias.


Diário do Nordeste



O projeto incorporou à quadra original a antiga Praça Almirante Saldanha que também recebe eventos culturais abertos ao público, entre elas feirinhas populares, apresentações de dança e música. Seu paisagismo, com poucas árvores e bastante árido, contribui para contemplação do complexo, mas dificulta a permanência das pessoas no período diurno. O antigo Café Avião também foi incorporado ao complexo e hoje é um dos grandes pontos de encontro da região. 



Esta implantação dos equipamentos no terreno permitiu o surgimento de muitas áreas livres e de circulação pública. Estas áreas enfatizam a relação entre o interior e o exterior e uma contemplação do entorno. Segundo o arquiteto Fausto Nilo, “Tudo isto ali foi trabalhado com esta visão [de circulação]. E se comunica com o espaço público de maneira a realizar um edifício de escala urbana que é muito difícil de trabalhar com este tipo de coisa. É uma edificação, mas a transição entre ele e a cidade é gradativa, democrática e super aberta. Porque no fundo ele é uma rua aérea que você se conecta com o chão”.


Registro de 25 dias antes da inauguração em
caráter experimental. Diário do Nordeste
Em diversos espaços do Dragão do Mar é possível vislumbrar os galpões da antiga área portuária e o centro histórico de Fortaleza e esta relação de diálogo entre o edifício novo e os existentes sugere uma contemplação entre eles. Segundo Fausto Nilo:


“Você percebe que tem um ângulo lá no planetário que você vê os  pináculos da igreja, aquela coluna de Trajano que tem na praça superposta aos nossos pináculos, tem uma hora que você sai do café e vê a igreja da Sé. Tudo aquilo é o cinema planejado que se contou com os edifícios pré-existentes dentro de papéis coadjuvantes daquilo tudo.


Diário do Nordeste


A despeito destas informações, o Centro Cultural não parece integrar-se com os edifícios culturais localizados em sua vizinhança. Sua programação cultural não menciona a existência do Seminário da Prainha – complexo religioso que abriga diversos cursos de línguas, artes e teologia – nem do Teatro São José, entre outros. A Biblioteca Pública Menezes Pimentel, apesar de vizinha imediata do Dragão, somente uma discreta passarela de concreto – construída posteriormente - permite a ligação entre os dois edifícios. Sua implantação também não faz nenhuma referência espacial àqueles marcos da história cultural da cidade, nem os respeita como entorno, uma vez que sua escala contrasta diretamente com a volumetria original dos edifícios do bairro. Os arquitetos responsáveis pelo projeto afirmam que o desenho do Dragão do Mar reflete muito da arquitetura tradicional cearense. 




“Ali tem elementos característicos do Ceará, que contribuem para a formação de padrões locais de condições de vida ao ar livre: espaços de transição que não são fechados nem abertos; um clima de varanda; os elementos de ordem mais formal, decorativos, que se assemelham ao popular, como aqueles triângulos ou quadradinhos, tipo vazados 

(Fausto Nilo em declaração ao  jornal O Povo, 30/07/99).


“Nós (Fausto Nilo e Delberg Ponce) nos calcamos, entre construções típicas do interior que o pouco que temos de herança de arquitetura cearense, construções de engenhos, de rapadura, construções de casas de fazenda, oitões, alvenarias. O trabalho do sol com o prédio como se fazia da luz da antiguidade, mediterrânea, na Argélia, como se faz no interior do Ceará, em algumas regiões ensolaradas. Quer dizer, você trabalhar com este arco do sol e da arquitetura em várias horas do dia, réstias etc. E a noite, fazer uma metáfora com isto, com artifício. Então, de noite, você ilumina para combinar esse dia e noite do edifício e a luz. E tudo isso, também sempre dizendo isso: “olhe, nós somos de outro  período e aqui estão os velhinhos, e nós estamos juntos formando uma terceira situação.



A maior referência à arquitetura cearense parece estar mesmo nas vastas áreas de circulação – com ventilação abundante – que remete às varandas nordestinas. Esta ventilação garante um ambiente natural associada nos pés-direitos altos na maioria dos ambientes. Aparelhos de ar-condicionado foram utilizados somente onde era tecnicamente necessário: museus, cinemas, teatro, planetário e outros espaços fechados.


O arquiteto Fausto Nilo defende que sua ideia inicial era realizar uma conexão entre o Centro Dragão do Mar com outras áreas da Praia de Iracema. Isto se daria a partir de um boulevard a ser implantado na avenida Almirante Tamandaré, em continuidade ao eixo do edifício do Dragão do Mar, até a Ponte dos Ingleses. Ainda segundo ele, a Secretaria de Cultura optou por construir apenas os dois pontos extremos, sem realizar sua conexão. O projeto também se destaca pelo contraste que estabelece com seu entorno imediato. Críticos do projeto defendem que o prédio desrespeita a memória do lugar, pois o complexo cultural inseriu-se em quadras onde anteriormente existiam galpões e sobrados relacionados à atividade portuária original da área. 

Muitos destes sobrados são remanescentes do século XIX e encontravam-se bastante descaracterizados.  As duas quadras onde o Centro Cultural foi implantado foram adquiridas pelo Governo do Estado. Ali existiam oficinas mecânicas, depósitos de materiais de construção e alguns barracões. Segundo o arquiteto Fausto Nilo, nenhum deles com importância histórica ou arquitetônica. Nas outras quadras, os edifícios mais importantes e melhor conservados foram mantidos e integrados ao complexo.


Transformação física de seu entorno


 Na época da foto antiga, funcionava no prédio a
Superintendência de Obras do Estado do Ceará
(SOEC),  hoje extinta.
Até a inauguração do Dragão do Mar, a área entre a Prainha e a Praia de Iracema esteve em estado de abandono e degradação, a despeito de seu papel na evolução urbana de Fortaleza. A Carta de Veneza, em 1964, já afirmava em seu artigo 1º que:


“A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural”

(IPHAN, 1995: 109).



Mas a importância da região como referência histórica de Fortaleza, não foi trabalhada durante muitos anos. Somente ao final da obra do centro cultural, foi publicado seu processo de pré-tombamento a nível estadual. Não foi possível localizar este documento nem mesmo no Departamento de Patrimônio Cultural (DEPAC) da Secretaria de Cultural do Governo do Estado




Entretanto, o Jornal O Povo publicou o edital de notificação em 1º de dezembro de 1997:



“Artigo 14, inciso IV, e 16, inciso VII da Constituição do Estado do Ceará Lei n.9109, de 30 de julho de 1968, considerando necessário a requalificação da área de entorno onde está sendo implantado o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, formado pelas edificações relacionadas o anexo deste edital, FAZ SABER aos proprietários dos respectivos imóveis que esses se encontram em processo de tombamento”.



O arquiteto Francisco Veloso, à frente do DEPAC na época do anúncio, afirmou que, devido à pressão dos proprietários de imóveis, o tombamento da região não foi concluído. Mas se resolveu investir na sua recuperação.




Leia também:




Fonte: Intervenções na cidade existente - Um estudo sobre o Centro Dragão do Mar e a Praia de Iracema/2003 -  Sabrina Studart Fontenele Costa / Arquivo Nirez


NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: