Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Cine Majestic
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
Mostrando postagens com marcador Cine Majestic. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cine Majestic. Mostrar todas as postagens

domingo, 24 de julho de 2016

Os espaços de lazer na Fortaleza de outrora - Parte II



Em 1910, Fortaleza contou, pela primeira vez, com uma grande casa de espetáculo, o Theatro José de Alencar. As negociações para a construção do Theatro José de Alencar foram mediadas em 1908 pela filial cearense da casa Boris Frères, de Paris. Aliás, esta casa costumava intermediar as negociações financeiras de toda a cidade com a França, inclusive as do Estado. Assim, o Theatro José de Alencar teve sua estrutura metálica fabricada na Escócia pela firma Walter MacFarlane & Co. Embora a administração da oligarquia Accioly, como era conhecida por estar desde 1896 no poder, já não gozasse de prestígio e popularidade, o teatro foi um ponto de convergência entre os partidários e opositores do
governo. Vinha corroborar os ideais de modernidade, dos bons costumes e representação de
poder como aponta Carlos Câmara no jornal A República, de 21 de janeiro de 1910:  


“Vai Fortaleza possuir um theatro, uma casa de espetáculos vasta e confortável, que não a
envergonhará aos olhos do estrangeiro. [...] O Theatro é um elemento de civilização e
progresso”
.


 

A inauguração do Theatro José de Alencar foi comentário de muitos impressos do período. Otacílio de Azevedo, por exemplo, que esteve no dia da inauguração, abordou em seu livro de memórias, as sensações daquela noite:

A primeira vez que transpus as portas do Teatro José de Alencar foi na noite de 17 de setembro de 1910 – era a sua inauguração artística, pela célebre Companhia de Operetas Leopoldo Fróes e Lucila Pérez. [...] Três meses antes, a 17 de junho, a casa de espetáculos havia sido entregue ao público da província pelo presidente Acióli, através de um longo discurso proferido por Júlio César da Fonseca, um dos maiores oradores da época. Realizou-se umconcerto pela Banda de Música do Corpo de Segurança do Estado, sob as
batutas dos maestros Luis Maris Smido e Henrique Jorge. [...] No centro da Praça, um enorme e belo coreto, onde a Banda da Polícia Militar executava todas as quintas-feiras belas partituras dentre as quais se destacava a valsa mais querida de todos – “A Norma”.



 Fortaleza e a era do cinema

Curiosamente, não foi encontrada nenhuma nota em jornal, revista ou livro de crônicas da época que anunciassem uma apresentação de música popular. Apareciam, como se observa na citação, apenas apresentações operísticas, de bandas militares ou de orquestras.
Os artistas, por mais que gostassem das diversões noturnas mais ecléticas, demonstravam
deslumbramento para com os divertimentos nos teatros. Ramos Cotôco e Paula Ramos, por exemplo, não só frequentavam ininterruptamente esses locais, como participaram da sua
construção estética, pintando o teto do palco principal e o do foyer.
O cinematógrafo foi outro espaço de entretenimento que “abrigou” um público bastante heterogêneo, sendo, muitas vezes, alvo da crítica das elites. O primeiro cinematógrafo foi instalado em Fortaleza no ano de 1907, por Vitor de Maio, o mesmo que inaugurou no Rio de Janeiro em 1884 o primeiro cinema brasileiro. Ele foi montado na rua Cel. Guilherme Rocha, nos fundos da Maison Art-Nouveau. Em 1909, outros seguiram os seus passos. Henrique Mesiano, que inaugurou o cinema Rio Branco, e Júlio Pinto, que fundou o Cassino Cearense.


Cinema Rio Branco na rua Barão do Rio Branco. A placa do cinema foi percebida pelo pesquisador Nirez -  Fortaleza e a era do cinema

 Fortaleza e a era do cinema

As instalações do Cassino Cearense eram mais modestas se comparadas às do Cinema Rio Branco. No começo, o Cassino Cearense possuía orquestra, na sala de espera inclusive, mas depois passou a ter apenas uma pianista na sala de projeções. Essa presença de instrumentistas e/ou cantores no cinema se explica pelo fato de que os filmes, nesse período, eram mudos. Apesar da presença de camadas abastadas nos cinemas, no início das instalações das salas, os
indivíduos iam apenas ver esses filmes pelo dever social, ou seja, por acharem que essa
prática simbolizava um elo com a modernidade. Havia dificuldade desses cinemas sobreviverem na capital devido à falta de espectadores.


 Majestic - Fortaleza e a era do cinema


Em 1917, um cinema-teatro foi inaugurado em Fortaleza. O Majestic Palace foi descrito pelo memorialista Otacílio de Azevedo como a maior expressão do fino gosto que atraía a fina flor da sociedade. Entre essa “fina flor”, encontravam-se no dia da inauguração seus amigos boêmios Ramos Cotôco, José de Paula Ramos e Antônio Rodrigues. A presença desses indivíduos ligados à boemia na casa de espetáculo é um alerta sobre a importância de se conhecer a fundo as estratégias, sobretudo de Ramos Cotôco, de mediar e condensar suas
experiências nas modinhas que produzia. Ainda, segundo Azevedo, a estreia dos espetáculos
foi feita por músicos profissionais, um deles vindo de fora, como se pode observar abaixo:
 

Da segunda porta do belíssimo cenário, surge Fátima Míris, vestida como japonesa e, após entrar rapidamente na primeira porta, voltou a sair, desta vez na forma de um pastor. Era inacreditável tudo aquilo. [...] Ao levantar-se o pano, no segundo intervalo, a violinista deslumbrantemente trajada apareceu, imitando um dueto com tamanha habilidade e perfeição que o maestro Henrique Jorge, subindo ao palco, ajoelhou-se e beijou-se as mãos.
[...] ficaram todos boquiabertos e assombrados diante da excelsa intérprete de Paganini. [...] Ao cair o pano, em meio à maior chuva de aplausos, gritavam a todos a uma só voz: “bis, bis”, ao que ela entendeu.


Os clubes também contribuíram para a institucionalização das diversões. No fim do século XIX, eles foram tomando o lugar dos bailes que ocorriam nos sobrados e palacetes da capital. A narrativa de Raimundo Girão adverte que, aos olhos dos estrangeiros, aos poucos os clubes se tornaram vulgarizados. Fortaleza foi denominada por eles como “A cidade dos clubes”. No
entanto, acredita-se que esse comentário foi uma forma pejorativa de encarar os habitantes
como indivíduos dispostos ao gosto por “coisas efêmeras”.




O Clube Cearense, que surgiu no ano de 1867, e estava localizado num sobrado residencial da Rua Senador Pompeu, de propriedade de D. Manuela Vieira, foi, segundo Girão, um clube bastante seleto, que comportava os indivíduos mais “ilustres” da sociedade.
Nesse tempo, era predominante a atuação de estrangeiros na Capital, notadamente ingleses,
franceses e portugueses, afeitos às “exigências” das grandes cidades europeias e, por essa
razão, frequentadores assíduos do clube. Essa seleção social fez surgir uma reação de grupos
intelectuais que se sentiam agredidos por não terem a entrada permitida no clube, surgindo
assim, no ano de 1880, o Clube Iracema. Essa agremiação era composta, em sua maioria, por moços do comércio, um número pequeno de estrangeiros, empregados públicos. Esses indivíduos que pertenciam à agremiação do Clube Iracema, embora tivessem sofrido preconceito de classe, não deixaram de fazer o mesmo recebendo apenas “todos os dignos da cadeia social da cidade”.  Um dos comentários feitos por Girão em defesa do Clube Cearense é revelador:


Não há aristocracia dos bailes do Clube Cearense, nem essa grandeza de nobiliarquia, nem as deslumbrantes toilettes do clássico noblesse oblige, mas em compensação há vida, mocidade e prazer, que fazem do baile, não um agrupamento convencional de etiquetas e exposição de tipo e trajes, mas uma assembléia jovial, familiar, alegre, buliçosa, ativa, forte e robusta, que
enche os pulmões de prazer e desenvolve-se, marcha, evolui, por meio dessa higiene moral que faz das sociedades o fator da civilização, do progresso e da grandeza da humanidade.


 
As confraternizações no Clube Cearense eram pensadas para ter funções além da de entreter. Percebemos que as diversões, como os concertos, recitais e sessões literárias, tinham a finalidade de educar e, ao mesmo tempo, moralizar os espectadores. A família nuclear deveria ser mantida a todo custo, ou, do contrário, não se era visto com “bons olhos” pelos outros pertencentes à agremiação. Quando o Clube Cearense fechou suas portas, coube ao Clube Iracema manter esses ideais de valorização da família e dos “bons costumes”, com a finalidade de “civilizar” os habitantes da capital. O Clube Iracema aumentou a sua fama após inúmeras apresentações de companhias internacionais, entre elas as italianas, além da presença do compositor Alberto Nepomuceno, que, por ter completado seus estudos musicais na Europa e possuir certo renome, passou a ser um símbolo de indivíduo civilizado:

Ficou afamado, tido e havido com o primeiro grande concerto presenciado pelos fortalezenses aquele tão bem descrito pelo cronista Pery e no qual (1884) tomaram parte amadores prata-de-casa e artistas da Companhia Lírico-Cômica Italiana, de Luigi Milone, que representava no Teatro São Luis: Salões literalmente cheios, uma miríade de olhos divinos constelando um  jardim de rosas sob as cintilações dos candelabros num giorno fantástico, ideal, celeste. [...] O jovem maestro Ciro Ciarlini e o grande orquestrante Joaquim Franco ao piano arrebataram, como arrebataram com as suas gargantas privilegiadas a prima-dona Sidônia Springer, na Serenata de Braga, e os barítonos Cesare Baracchi e Dominici, cantando este a Balo in maschera, romanza de Verdi. Dos nossos, deram desempenho maravilhoso Celina Rolim e a irmã Branca Rolim, “as jóias queridas do calor de Iracema”, as senhoras Maria Abreu Albano e Maria Amélia Teófilo, e o diletante José Marçal, grande vocações artísticas que era. [...]E o renome do Clube Iracema, nos domínios da ate, cresceu com o fulgor que lhe vieram dar, com as suas admiráveis interpretações, virtuosos do valor de Alberto Nepomuceno, Henrique Jorge, Moreira Sá, Frederico do Nascimento, Galiani Vincenzo Cernicchero, Artur Napoleão, Adrés Dalmau, Ladário Teixeira [...]

 
Com o passar do tempo, outras agremiações nasceram como, por exemplo, A Fênix Caixeiral (1894), o Reform Club (1886), entre outras. Algumas dessas agremiações eram modestas e se fixaram em locais distantes da área central da cidade. Outro grande clube em Fortaleza, que só abriu em 1913, levou o nome de Clube dos Diários por seus fundadores
João Garcia Árêas, Francisco da Costa Freire, Martiniano Silva, José Mendonça Nogueira, João Mar-Do-well Guerreiro Lopes, César Cals de Oliveira e Henrique Jorge.




No fim do século XIX, outros pontos de encontro foram instalados na cidade de Fortaleza. Os cafés afrancesados e os bares eram frequentados por um público bem distinto, entre eles estavam presentes intelectuais, boêmios, caixeiros, políticos, estudantes, entre outros. Estes locais aguçavam debates fervorosos sobre assuntos do dia a dia, críticas políticas ou, até mesmo, mexericos sociais. Os cafés locais eram inspirados nos de Paris. Café de La Paix, o Café de La Regence eram representações do gáudio e glamour e, por isso, serviram de
modelo para a construção dos quatro cafés instalados na Praça do Ferreira: O Café Iracema, Café Elegante, Café do Comércio e Café Java, este último, lugar de encontro dos intelectuais da Padaria Espiritual. Seu proprietário era conhecido como Mané Coco, um homem espirituoso, que adorava frequentar circos e teatros.


O Café Riche teve vida curta mais intensa. Curiosamente intensa, porque essa intensidade não significava movimento comercial de receita para os proprietários. Funcionava na esquina mais famosa da cidade, em plena Praça do Ferreira, na Rua Guilherme Rocha, antes Municipal e 24 de Janeiro. Na hora do almoço, a parte do Café Riche que era bar enchia-se dos fregueses que trabalhavam no comércio. Já à tarde, os frequentadores eram mais estudantes, artistas e literários. Os cafés eram espaços de sociabilidade mais democráticos do
que os clubes e os salões da elite, consequência da não necessidade de consumir para sentar
nas cadeiras do estabelecimento.



As discussões nesses cafés geravam frutos, pois, segundo Azevedo, muitas agremiações, revistas e jornais foram fundados nas rodas de conversas nos bares e cafés da cidade. O Café Java, por exemplo, era sede de discussões políticas fervorosas. Entre seus frequentadores estavam Amâncio Cavalcante, Leonardo Mota, Eurico Pinto, Gérson Faria, William Peter Bernard, Ramos Cotôco, Chamarion, Carlos Severo, Gilberto Câmara, Quintino Cunha, o Rocinha, da farmácia, o Pilombeta, muitos deles boêmios.
Enfim, percebe-se que a circulação de artistas e uma parcela menor de intelectuais nos variados espaços da cidade foi imprescindível na tentativa de diminuir o controle sobre as diversões públicas. O “lugar da música” foi relativamente controlado por indivíduos preocupados com o progresso da capital, pois havia o lugar para tocar as fanfarras militares
(em coretos de praças), o lugar das orquestras (em teatros e clubes), o lugar dos pianistas (em
cinemas e bailes suntuosos), entre outros. Porém, a improvisação, marca de grupos que se esforçavam para manter vivas suas manifestações culturais, resignificavam dia a dia o “lugar
da música”, fazendo-as em bodegas, quiosques, residências e, principalmente, no meio da rua.


Alguns escritores advertiram que os lugares de música podem ser bem inusitados e que as pessoas podem transitá-los de acordo com suas necessidades. Oliveira Paiva em seu romance de ficção A afilhada, por exemplo, percebe que, na sociedade de que fazia parte,
havia, embora em número muito reduzido, homens que garantiam a circulação das práticas
musicais. Embora fosse um personagem criado pelo autor no século XIX, Coutinho era fruto
da sociedade fortalezense, que serviu como modelo para o romance:


Desta vez ia falar o alferes Coutinho, quartel-mestre do batalhão, um moreno, de costeletas, cabelo penteado em pastilhas, certo ar arrogante de pelintra acostumado a todas as festas, desde os sambas do Outeiro aos bailes do Clube Iracema, magricela, olhos cavados. Nas horas d’ ócio dava-se ao luxo de fabricar sonetos do gênero piegas dos últimos trovadores de salão.
[...] Arrastava ao piano as valsas em moda e dizia-se exímio tocador de flauta. [...] Convidado a toda parte, não perdia ocasião de exibir-se na poesia ou na música. Tinha fama de primeiro recitador do Ceará. Ninguém como ele sabia marcar uma quadrilha, todo enfezado, sempre de lenço na mão, metido invariavelmente na sua farda de alferes com um colete branco.





Crédito: Ana Luiza Rios Martins - Entre o piano e o violão: A modinha e a cultura popular em Fortaleza (1888-1920). /Biblioteca Nacional 

domingo, 22 de março de 2015

Pega Pinto do Mundico


O Mundico¹ do Pega Pinto - Agradecimento a Amanda Freitas

Na Fortaleza dos anos 60o refrigerante preferido dos habitantes da cidade era o refresco (ou aluá?) Pega Pinto.


(Foto ao lado: Gervásio tomando o Pega Pinto vendido a R$1,00)

"Trata-se de uma raiz que chegou a ser colhida entre os túmulos do Cemitério São João Batista para poder garantir o consumo. Na Praça do Ferreira, o comerciante Mundico abriu uma lanchonete - ou merendeira? - de apenas uma porta, bem pequena, que tinha como principal produto o Pega-Pinto, delicioso diurético que era servido com tapioca ou pedaço de bolo.




O Pega Pinto do Mundico ficava logo após o cine Moderno na rua Major Facundo.

Depois dos filmes nos cines Moderno, Majestic, São Luiz ou Diogo, a rapaziada lotava o Pega-Pinto do Mundico, que concorria com o caldo de cana da Leão do Sul

O progresso expulsou o Mundico da rua Major Facundo para a Duque de Caxias, perto da Praça do Carmo. Fui embora de Fortaleza e não tive mais notícia da garapeira famosa."  Gervásio de Paula


O aluá está de volta a Fortaleza?

Conforme Gervásio de Paula, o pega-pinto é vendido, atualmente, na lanchonete Azteca, no térreo do edifício da ACI, esquina das ruas Liberato com Perboyre Silva.


 ¹Luís Gonzaga da Silva, o Mundico, foi um comerciante popular do Centro da cidade, famoso pelo “Pega-Pinto”, bebida com chá de raíz (um chá medicinal, porém, ele vendia junto com cachaça, se o cliente desejasse... rsrs) que curava males nos rins, dizem. 

A comercialização começou por volta de 1935, na Praça do Ferreira, ao lado do Cine Moderno, onde permaneceu por mais de três décadas, indo depois para a Duque de Caxias. Após 7 anos, foi para a Clarindo de Queiroz, em frente aos Merceeiros. Exatamente o estabelecimento da foto ao lado, publicada pelo jornal Correio do Ceará

Mundico faleceu em 1977, aos 63 anos, no Hospital Cura Dar's. Por ironia do destino, faleceu de problemas renais. 

Acervo Lucas.



Crédito: Blog do jornalista Wilson Ibiapina, Conversa Piaba.


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Severiano Ribeiro e a cidade: Estátua, ingressos caros e público insatisfeito



Foto de 1903 da Praça Marquês de Herval, vendo-se a Igreja do Patrocínio. Acervo Clóvis Acário 

No ano de 1928, a ACI - Associação Cearense de Imprensa, promoveu a construção de uma estátua, na Praça Marquês de Herval, em homenagem ao escritor José de Alencar, no centenário de seu nascimento:

"Em sessão extraordinária, realizada sabbado ultimo, a Associação Cearense de Imprensa, deliberou promover uma grande subscripção publica, destinada á erecção, em Fortaleza, a 1º de maio de 1929, e uma estatua de José de Alencar, commemorativa do centenário de seu nascimento..."¹

O intuito da Associação Cearense de Imprensa era angariar recursos financeiros com o apoio de órgãos e instituições importantes em Fortaleza. Foi proposta à Empresa Luiz Severiano Ribeiro e a outras empresas de diversão (cinema, teatro), a adoção de um imposto especial de 10% sobre as respectivas entradas. 



Monumento José de Alencar - Acervo Clóvis Acário

No entanto, tal imposto não foi aceito por Severiano Ribeiro, que sugeria outra forma de colaboração de sua parte:

O monumento a José de Alencar 

"o offerecimento do sr. Severiano Ribeiro Consultado pela Associação de Imprensa sobre se concordaria em crear um imposto especial nos cinemas, de sua propriedade, para auxilio á erecção de um monumento a José de Alencar, o sr. Luiz Severiano Ribeiro manifestou-se  enthusiasta da idéa da homenagem ao nosso maior escriptor, mas achava que a medida da adopção de uma taxa, não era acceitavel por vários motivos, dentre os quaes se salientava o onus que acarretaria directamente, para sua empreza, pois o publico forçosamente se retrahiria, com essa nova taxação nas entradas dos cinemas. A seu ver o cinema deve ser uma diversão eminentemente popular, ao alcance de todos, e não um passatempo que, por seu preço, se nivele ao Theatro, como o entendem alguns emprezários do paiz, sobretudo do Rio. Ali como em Recife, em Fortaleza, ou em outras capitaes onde possue casas daquelle genero, sempre se oppõe, terminantemente, á elevação do preço das entradas, já não tanto pela diminuição da renda, como, sobretudo, pela da frequencia. Um preço elevado, muitas vezes, compensa o descrescimo de espectadores. Mas o Cinema foge á sua finalidade, que não somente dar lucro aos que o exploram, mas principalmente, divertir o público, para que foi feito, e do qual deve ser sempre, a recreação por excellencia.  
Assim o imposto alvitrado não podia ser acceito.
Outros meios porém, havia, de a sua empreza concorrer para o exito da bellissima causa em que todos os cearenses estão empenhados. Seus cinemas ahi estavam, á disposição da Associação Cearense de Imprensa, que nelles podia realizar, uma vez por mez, festivaes, beneficios, etc. ou, mesmo sessões cinematographicas, cujos productos, d’duzida uma pequena percentagem para o pagamento do aluguel dos films exhibidos, reverteriam em favor da creação da estatua de José de Alencar."

Na década de 1920, a relevância do cinema e da Empresa Luiz Severiano Ribeiro os condicionou a participar de tão importante evento na cidade. O empresário Luiz Severiano Ribeiro aceita tal convite pois certamente sua participação neste acontecimento seria importante para a imagem de sua empresa perante o meio social fortalezense, uma vez que a construção do monumento a José de Alencar envolvia os mais importantes membros da sociedade local. 
No entanto, sua colaboração ocorreria desde que não ficasse comprometida sua prática comercial, ou mais precisamente, o seu lucro, seus rendimentos. De acordo com Luiz Severiano Ribeiro, o cinema deveria ser uma diversão voltada para um amplo público, não se restringindo o acesso às salas apenas a quem pudesse pagar mais. Ele não nega a finalidade lucrativa do cinema, mas alega que não poderia aceitar o imposto de 10%. O que Luiz Severiano Ribeiro não queria de modo algum era aumentar o preço dos ingressos pois tal
questão já era alvo de reclamação por parte dos frequentadores, que achavam excessivo o ingresso cobrado, que sem a taxa já chegava a até 3$300. 
Em termos comparativos, o teatro possuía entradas mais dispendiosas do que o cinema, chegando os ingressos mais caros do Teatro José de Alencar ao valor de 20$000 (Frisa).

Contudo, este era o único grande teatro da cidade e possuía frequentação restrita ao público que pudesse desembolsar tal quantia, como a elite comercial e intelectual, em consonância com as práticas elitizadas em voga, que exigiam a frequentação de espaços de distinção como o Teatro José de Alencar. A proposta de Luiz Severiano Ribeiro era a de que não houvesse a taxação de 10%, mas uma vez por mês, suas salas de exibição cinematográfica estariam disponíveis para a Associação Cearense de Imprensa, desde que a mesma pagasse o aluguel dos filmes exibidos. 
Pelo visto, para que a colaboração ocorresse, Severiano Ribeiro precisava lucrar de algum modo, então, para o aluguel dos filmes exibidos seria cobrada, “uma pequena percentagem”. E chegou a ocorrer, no Cine Moderno, uma exibição cinematográfica com tal intuito:  

MODERNO – Amanhã – 
Na “Soirée da Moda” a obra imortal de José de Alencar filmado no Brasil pela 
PARAMOUNT” 12 actos O GUARANY em beneficio da construção da estátua 
de José de Alencar.

Cartaz do filme O Guarany - Acervo Veja SP

A “Soirée da Moda” era a sessão noturna do Cine Moderno, que era a sala de exibição cinematográfica mais requintada e elegante de Fortaleza. O filme exibido era uma produção nacional, do ano de 1926, filmada por Vittorio Capellaro / Paramount Pictures
Será que o cinema teria sido incluído nas instituições colaboradoras no final do século XIX quando tal atividade era feita de forma itinerante e para um público diferente do atual, no caso o público da década de 1920, considerado “distinto”? Ao que parece, a importância do cinema nesta década de 1920 lhe deu essa condição de ser incluído entre as “nobres” instituições colaboradoras, uma vez que as salas de cinema pertencentes à Empresa Luiz Severiano Ribeiro eram frequentadas por uma elite composta por comerciantes, profissionais liberais e intelectuais, o que já é um significativo indicador da relevância do cinema na cidade de Fortaleza, neste período, para estes membros da sociedade local. 
Ao longo deste capítulo, mostramos as relações sociais que Luiz Severiano Ribeiro foi tecendo ao longo dos primeiros anos de sua trajetória comercial, onde a presença de Alfredo Salgado foi extremamente significativa nesta rede de sociabilidade composta por membros da “alta sociedade”, como por exemplo, a elite comercial, que era frequentadora das salas de exibição cinematográfica da Empresa Luiz Severiano Ribeiro. 

O convite da Associação Cearense de Imprensa a Luiz Severiano Ribeiro é algo significativo para percebermos a sala de exibição cinematográfica como integrante de redes da cidade.
Em Porto Alegre, na década de 1920, também houve um caso de cobrança de taxas dos cinemas. Na capital gaúcha, tal cobrança não era em beneficio da construção de alguma estátua, mas também não foi bem recebida pelos envolvidos na atividade cinematográfica:

Durante a década de 20, o cinema também foi motivo de grandes discussões políticas devido ao Imposto de Caridade, que taxava os espetáculos artísticos da cidade, provocando vários conflitos entre os intendentes José Montaury, Otávio Rocha e Alberto Bins, os exibidores e os distribuidores, que culminou com uma greve das salas de cinema, no início de 1929. A taxação era de 10% sobre a renda bruta das entradas, o que provocou a ira dos proprietários de cinemas.

Ao que parece, o uso das salas de exibição cinematográfica pelo poder público, tanto em Fortaleza quanto em outras capitais brasileiras, como Porto Alegre, poderia ser algo conflituoso caso os interesses comerciais dos proprietários destas salas fosse comprometido. 
A utilização das salas de exibição cinematográfica da Empresa Luiz Severiano Ribeiro era feita por outras instituições, certamente devendo ser também cobrado o uso destes espaços. Neste mesmo ano de 1928, em outra propaganda, agora do Cine - Theatro Majestic Palace, era anunciada a exibição de uma peça teatral:

Peccados da Mocidade”  hoje no Majestic 

"Subirá á scena hoje, no Majestic, a chistosa comedia musicada de Carlos Camara: Peccados da Mocidade, que tantos applausos há alcançado em todas as suas representações. O producto desse espetáculo será applicado na construcção da fachada do teatrinho do Grêmio Dramatico Familiar, no Boulevard Visconde 
do Rio Branco."

O objetivo desta exibição teatral era angariar fundos para o Grêmio Dramático Familiar, instituição fundada a 14 de julho de 1918, pelo teatrólogo cearense Carlos Câmara (foto ao lado). Provavelmente, tal exibição, assim como a do filme O GUARANY, no Cine Moderno, deve ter sido paga.  
Quando Luiz Severiano Ribeiro se pronunciou sobre o apoio à construção da estátua de José de Alencar, ao não aceitar o imposto definido pela Associação Cearense de Imprensa, uma das argumentações apresentadas por ele, como vimos há pouco, foi a de que: “A seu ver o cinema deve ser uma diversão eminentemente popular, ao alcance de todos, e não um passatempo que, por seu preço, se nivele ao Theatro...”

Ele alegava que se opunha à elevação do valor dos ingressos do cinema pois tal prática diminuiria a renda em suas salas e a frequência do público. No entanto, ao longo da década de 1920, as reclamações sobre os altos preços dos ingressos do cinema são constantemente feitas por frequentadores dos Cines Moderno e Majestic, nos jornais e revistas de Fortaleza:

"SODOMA e GOMORRA... O cinema reproduz, fielmente, aspectos da vida real antiga e moderna e (cousa muito curiosa) quando o fabricante de films omitte uma circumstancia, um detalhe qualquer, a firma que os projecta, na téla, corrige a falha e preenche os vazios, de modo a integralizar o quadro, em sua inteira verdade. 
SODOMA E GOMORRA – o nome vale por si uma explicação do film – desvendou, em 1925, aos olhos da população de Fortaleza, o que foi a vida dos habitantes daquellas cidades lendarias. 
Os excessos de toda a ordem ali appareceram em tintas vivas e fortes, impressionando a um público aparvalhado e...explorado. 
O que deixou de surgir na fita, dentro da sala de projecção, não passou despercebido á empresa Luis Severiano Ribeiro, tanto assim que, ao público, se lhe deparou ainda na bilheteria do Moderno e do Majestic: - a orgia do preço (3$300). 
Antes de penetrarem no cinema, os espectadores já haviam comprehendido não apenas Sodoma e Gomorra, mas até Ninive e Babylonia, pagando como pagou os pesados tributos para a riqueza de Balthazar e Sardanapalo
A empresa que não providencia sobre a deficiencia tecnica de seus apparelhos, sobre os eclypses de suas projecções, contra as rupturas de seus films, a empresa que transforma seus salões em sala de fumar, não tem o direito de abusar desse modo do público que assegurou e mantém a sua prosperidade. 
A continuar dessa forma, não se admire se um dia o Sr. Ribeiro de lêr nas taboletas da bilheteria os seus frequentes 3$300 transformados em MANE, TECEL, FARES."

Cena de Sodoma e Gomorra

O filme Sodoma e Gomorra era uma produção austríaca de 14 partes e dividido em duas épocas, com uma  metragem de 2.100 metros correspondente à primeira época e outra de 1.800 metros referente à segunda época.

Esta era uma fita bastante longa e o aumento da duração dos filmes, ao que parece, incidia no 
valor do ingresso. Nos anos de 1920, os filmes já possuíam uma longa duração ao contrário das primeiras exibições cinematográficas, que eram constituídas por fitas curtas de 15 a 350 metros. Se compararmos o preço do cinema com o do teatro, na década de 1920, os espetáculos teatrais possuíam ingressos mais caros que o das sessões cinematográficas: 

• Frisa - 20$000 
• Camarote - 15$000 
• Balcão - 3$000 
• Cadeira de 1ª  - 3$000 
• Cadeira de 2ª  - 2$000 
• Galeria – 1$000 
• Geral – 1$000 


No artigo Sodoma e Gomorra a reclamação do alto preço dos ingressos é reforçada por uma série de argumentos, como a deficiência técnica dos aparelhos, comprometendo a qualidade da projeção, e o ato de fumar durante as sessões.  

Continua...

¹O Ceará, terça-feira, 10 de janeiro de 1928
A estátua foi inaugurada no ano de 1929, centenário de nascimento de José de Alencar, pelo então prefeito Álvaro Weyne. No documento Monumentos do Estado do Ceará, escrito em 1932, o intelectual Eusébio de Souza afirma: A iniciativa dessa justa e expressiva homenagem ao imortal autor de Iracema coube à Associação de Imprensa do Ceará, por proposta de seu presidente dr. Gilberto Câmara, com a mais decisiva e honrosa cooperação do Governo do Estado e todas as classes da sociedade cearense e com o aplauso das elites  mentais do país inteiro. Deve-se ao dr. Gilberto Câmara a parte mais saliente da agigantada e patriótica idéia. Foi um dia de festa para a cidade de Fortaleza, o 1º de maio de1929, da inauguração desse monumento, sendo a mesma honrada, além das autoridades superiores do estado, com a presença do sr. Dr. Juvenal Lamartine, governador do vizinho estado do Rio Grande do Norte. A grande estátua de José de Alencar (...) toda em granito branco de Itaquéra, com formosos motivos decorativos indígenas e dois baixos relevos extraídos do “O guarani” e de “Iracema” – constitui um dos maiores e mais belos monumentos do norte do Brasil. SOUZA, Eusébio de. Monumentos do Estado do Ceará: referência histórico - descritiva. Fortaleza: Secretaria de Cultura do Estado do Ceará/ Museu do Ceará, 2006, p.56-58. 



x_3b98da9d
Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A parceria entre Severiano Ribeiro e Alfredo Salgado - Parte II


Em dois de julho de 1911, foi inaugurada a sala do Cine-Theatro Polytheama. Pertencia ao supracitado José de Oliveira Rola (foto ao lado) e a seu irmão Joaquim de Oliveira Rola, ambos proprietários da Empresa Rola & Irmãos. No ano de 1922, o Cine-Theatro Polytheama é adquirido por Luiz Severiano Ribeiro, tornando-se apenas sala de cinema. No dia vinte de novembro de 1938, esta sala deixa de funcionar, para que com a sua demolição e de prédios vizinhos fosse construído o Cine São Luiz(¹), que veio a ser inaugurado em 1958.

Um dos mais audaciosos concorrentes de Luiz Severiano Ribeiro chamava-se  Henrique Mesiano. Nascido a 15 de março de 1887, Henrique Mesiano era filho de italianos e entrou no ramo de exibição cinematográfica no ano de 1912, ao assumir o Cine Rio Branco, que era de propriedade da extinta Empresa Muratori & Cia”, da qual fazia parte. 

Com o truste(²) de 1916, Henrique Mesiano tem de fechar o 
Cine Rio Branco, voltando à atividade em 1917, quando, além da reabertura desta sala, mais duas, de sua propriedade, são inauguradas, o Cinema da Estação e o Cine Tiro Cearense, que, apesar da iniciativa empreendedora de Henrique Mesiano, duram pouco tempo. O Cine Rio Branco é fechado em 21 de fevereiro de 1919, por meio de um contrato. 


Henrique Mesiano

Luiz Severiano Ribeiro consolidava-se como um poderoso concorrente. O contrato firmado com Henrique Mesiano afastava-o  por dez anos da atividade cinematográfica, em troca de uma renda fixa mensal.(³)
  
Com os Cines Riche, Polytheama e Majestic-Palace, Luiz Severiano Ribeiro irá consolidar em Fortaleza seus empreendimentos na área cinematográfica. Os seus concorrentes foram superados por meio de contratos de fechamento, foi assim com a família Júlio Pinto, com José de Oliveira Rola e com Henrique Mesiano

Cine Moderno em 1937

Na década de 1920, o Cine Riche é fechado em 11 de novembro de 1921 e o Cine Moderno é inaugurado em 7 de setembro de 1921 (O Cine Riche é fechado com a inauguração do Cine Moderno pois este era melhor estruturado). Além disso, a 19 de março de 1922, ocorre a reinauguração do Polytheama.
Com os Cines Majestic-Palace, Moderno e Polytheama, de propriedade de Severiano Ribeiro, só restavam alguns cinemas ligados à associações religiosas e leigas. Dos cinemas pioneiros, os que permaneceram nos anos de 1920 foram os seguintes: o Cine Polytheama, adquirido em 1922 por Luiz Severiano Ribeiro; o Cine São José, do Circulo de Operários e Trabalhadores Católicos e o Cine - Theatro Majestic Palace. 
Nesta década, dos cinemas que foram inaugurados, apenas o Cine Moderno e o Cine Polytheama (reinaugurado) eram de propriedade de Severiano Ribeiro. No entanto, os demais cinemas recebiam os filmes de uma única empresa distribuidora, exatamente a de 
Luiz Severiano Ribeiro. Os anos de 1920 são a década de Luiz Severiano Ribeiro, decênio em que este monopoliza a distribuição dos filmes em Fortaleza. Se, por um lado, ele havia eliminado os concorrentes do centro, como Júlio Pinto, José de Oliveira Rola e Henrique Mesiano, por outro lado, se beneficiava com a existência dos cinemas mantidos por associações religiosas e os de bairro(4), pois estes adquiriam os rolos de filme diretamente de sua empresa.

Com a Primeira Guerra Mundial, o mercado cinematográfico exibidor e distribuidor brasileiro irá sofrer grandes mudanças. É justamente neste momento que Severiano Ribeiro passa a atuar na atividade cinematográfica com domínio na distribuição de filmes. O cinema europeu, em virtude da guerra, entrou em decadência com a redução do seu mercado externo. Tal situação favoreceu a ascensão da indústria cinematográfica norte-americana. No Brasil, em 1915, são instaladas subsidiárias da Universal e da Fox. No ano seguinte, a Paramount abre uma filial no Rio de Janeiro e posteriormente a MGM, a United e a First Nacional também marcam presença no mercado brasileiro. Aproveitando-se da dificuldade de exportação no mercado europeu, as produtoras/distribuidoras dos Estados Unidos passaram a trazer os melhores filmes europeus, comprometendo, desse modo, a atuação dos produtores e importadores brasileiros que adquiriam os filmes diretamente no 
mercado europeu antes da guerra, sem a presença de intermediários. As distribuidoras norte-americanas inovaram também nas técnicas de distribuição cinematográfica ao 
utilizar, por exemplo, o recurso da “linha de exibição”, que consistia em um filme dessas distribuidoras seguir uma linha de salas de exibição com o seu lançamento sendo realizado exclusivamente em uma única sala, preferencialmente a que possuísse ingressos mais caros.

Na capital cearense, sendo a Empresa Luiz Severiano Ribeiro a única distribuidora cinematográfica local, o método da “linha de exibição” realizado pelas distribuidoras norte-americanas passa a ser adotado nos cinemas de Fortaleza. Se pautando na relação centro – periferia, capital – interior, utilizada na forma de distribuição feita pelas distribuidoras dos Estados Unidos, a Empresa Luiz Severiano Ribeiro definiu os cines Majestic e Moderno como as salas “lançadoras” da cidade. Desta feita, somente após o lançamento dos grandes filmes nestas duas salas, estes poderiam ser exibidos nas demais. 
Antes do monopólio de Severiano Ribeiro, vários grupos faziam a distribuição, como por exemplo, a firma J.R.Staffa, do Rio de Janeiro, que distribuía as fitas para o Cinema Júlio Pinto. No Cine Rio Branco, Henrique Mesiano mantinha contrato de exclusividade com a dinamarquesa Nordisk Film e a francesa Pathé Fréres. O Cine - Theatro Polytheama, quando de propriedade da Empresa Rola & Irmão, possuía contrato com as produtoras norte-americanas. Tal contrato foi feito no ano de 1912 com a firma Angelino Staurile & Ca., do Rio de Janeiro, e possibilitava que a Empresa Rola & Irmão fosse a única no Estado do Ceará a receber as fitas das fábricas Vitagraph e Biograph,  dos Estados Unidos. Em 1913, chega à Fortaleza a Companhia Cinematographica Brasileira que possuía sede na cidade de São Paulo e um capital de 4.000.000$000 (quatro milhões de réis). A citada empresa, criada em 1911 e pertencente a Francisco Serrador, veio para fazer contratos com os proprietários das salas de exibição cinematográfica locais, visando realizar lançamentos simultâneos de grandes filmes. No Cine Rio Branco, por exemplo, foi  exibido o filme italiano Quo Vadis?, enquanto nos cinemas Júlio Pinto e Polytheama foi apresentado o 
também italiano Branco contra Negro.
O próprio Severiano Ribeiro, quando ainda não era um grande exibidor cinematográfico e detentor do monopólio distribuidor, recorria à firmas distribuidoras como a J. R. Staffa, detentora do filme exibido na inauguração do Cine Riche, em 23 de dezembro de 1915(5).

Cine Polytheama e Majestic ao lado da Praça do Ferreira
  
No período de 1905 à 1915, temos no Brasil a presença do representante exclusivo de empresas brasileiras ou os representantes das produtoras – distribuidoras estrangeiras já citadas. Estes homens eram imigrantes europeus como Paschoal Segreto, Francisco Serrador e Jacomo Staffa, responsáveis pela importação tanto de películas quanto de equipamentos cinematográficos. Com o término da Primeira Guerra Mundial, a importação de produtos procedentes da Europa ficou comprometida, possibilitando a ocupação do mercado cinematográfico brasileiro pelas produtoras e distribuidoras norte - americanas. 
O mencionado Jacomo Staffa chegou a comprar com os próprios recursos financeiros filmes estrangeiros em Paris. Posteriormente, ele adquire o direito de exclusividade na revenda dos filmes das produtoras Itália e Film D’art. Além disso, em 1910, ele obtém a exclusividade com a produtora dinamarquesa Nordisk, que era uma das mais importantes empresas cinematográficas deste período quando a supremacia norte-americana ainda não era tão intensa. Este exibidor se fez presente em várias cidades brasileiras, com escritórios em São Paulo, Porto Alegre e Recife, chegando a estabelecer em Nova York e em Paris 
escritórios para aquisição de fitas.

Interior do Cine Majestic Palace

Quando Jacomo R. Staffa falece, Luiz Severiano Ribeiro estava expandindo sua atuação no mercado 
cinematográfico do Rio de Janeiro. Na década de 1920, Severiano Ribeiro comanda o mercado exibidor e 
distribuidor cinematográfico local e parte para outras cidades, com destaque para o Rio de Janeiro, a 
Capital Federal. Nesta década, os grupos distribuidores, como o de J. R. Staffa, são substituídos por um 
distribuidor exclusivo em Fortaleza, a Empresa Luiz Severiano Ribeiro. 

Ao se mudar para o Rio de Janeiro, em 1926, ele conseguiu ratificar o monopólio distribuidor local. 
Como a capital federal tinha em Francisco Serrador, o artífice da Cinelândia,  o 
grande monopolizador dos cinemas de qualidade, atuando de forma autônoma e 
independente, Luiz Severiano Ribeiro ganha pouco a pouco credibilidade e 

ingressa na associação da Metro-Goldwyn, First National e Empresas 
Cinematográficas Reunidas, criando em 1926 uma nova e poderosa frente para a 
distribuição de filmes no Brasil. Batalhador tenaz, estabelece-se a seguir como 
agente locador de películas trazidas ao Brasil pela Agência Paramount (que 
representava à época a Metro – Goldwyn e a First National) e a Cinematográfica 
Brasileira. É um dos fundadores, em 1926, da sociedade cooperativa de 
exibidores denominada “Circuito Nacional de Exibidores”. No mesmo ano, 
estabelece um acordo com as firmas exibidoras Ponce, Pontes & Cia. e Noriz  & 
Frota, tornando-se a seguir único proprietário do circuito a elas pertencentes. Já 
era então reconhecido pelo controle dos cinemas do Norte do Brasil, quando em 
agosto de 1926, adquiriu no Rio o controle acionário de inúmeros cinemas, 
dentre eles, o Atlântico e Ideal, e fazia sociedade com o Íris, de J. Cruz, Jr


A aposta na distribuição como importante elemento impulsionador do desenvolvimento e êxito da 
atividade cinematográfica foi priorizada também por Severiano Ribeiro. Na capital cearense, nos anos de 
1920, ele exerceu o domínio na distribuição, ampliando tal prática para outras cidades do Brasil até tornar-se um dos maiores nomes do cinema brasileiro, concentrando suas atividades na cidade do Rio de Janeiro, 
de onde comandava seus negócios. 

Por meio de acordos com empresas estrangeiras, em especial norte-americanas, Severiano Ribeiro adquiria 
o direito de exibir filmes destas produtoras. Ao pagar aos fornecedores norte-americanos, ele obtinha 
exclusividade de exibição, possibilitando que os filmes fossem lançados no Cine-Theatro Majestic 
Palace, no Cine Moderno e no Cine Polytheama, para posteriormente serem exibidos nos outros cinemas, 
no caso, os de bairro e os ligados à associações religiosas.  Quanto mais salas de exibição cinematográfica 
tivessem nos bairros e no interior do Estado, melhor para Severiano Ribeiro, pois ele estava aumentado 
seus rendimentos e ampliando seu domínio sobre o mercado cinematográfico. Tal tática era utilizada tanto 
no mercado local quanto em outras cidades do Brasil. 



Barrinhas e Divisórias

¹ A demora no término da construção do Cine São Luiz fez com que a população o incluísse nas “sinfonias inacabadas” de Fortaleza, no caso, as obras do Porto do Mucuripe (1938-1951) e a construção da Catedral (1939-1982). 

² Com relação ao truste de 1916, temos poucas informações. Mas ao que parece foi uma forma de Severiano Ribeiro centralizar em suas mãos gradativamente o controle da exibição cinematográfica local.  Algumas salas ficaram fechadas como foi o caso do Cine Rio Branco, recebendo uma parte do lucro obtido pelas salas em funcionamento. Os cinemas que permaneceram funcionando foram o Polytheama de José Rola e o Riche de Severiano Ribeiro. Para maiores informações ver: LEITE, Ary Bezerra. Op. Cit., pp. 282-285. De acordo com o Mini Aurélio Século XXI, truste se define por “ acordo ou combinação entre empresas, em geral com o objetivo de restringir a concorrência e 
controlar os preços”. 


³ Na década de 1930, Henrique Mesiano voltou à atividade de exibição cinematográfica na capital cearense, após ter ficado toda a década de 1920 impedido de exibir filmes devido ao contrato firmado com Severiano Ribeiro. Não possuindo mais sua própria sala de exibição cinematográfica, Henrique Mesiano chegou a utilizar o Teatro José de Alencar: “Cinema no Theatro José de Alencar - O conhecido cinematografista Sr. Henrique Mesiano acaba de obter mediante aluguel o Theatro José de Alencar e ali exibirá o grandioso filme ‘Itália’, película natural sobre a vida italiana, suas cidades, panoramas e monumentos. Aguardemos com ansiedade o enunciado filme que certamente fará sucesso em Fortaleza.” O Povo, 28 de janeiro de 1932.

4 Foram inaugurados neste período, além do Cine Moderno, os seguintes cinemas: Cine-Theatro Pio Xem 1922; o Cine Beira Mar, em 1924; o Cine -Theatro Centro Artístico Cearense, em 1926; o Cinema União de Moços Católicos, em 1927; o Cine Grêmio Dramático Familiar, em 1928; o Recreio-Iracema também denominado Cine Recreio, no ano de 1928; o Cinema Paroquial, em 1930; o Cine Merceeiros e o Cine Phenix, ambos em 1930.

O filme exibido na inauguração do Cine Riche foi 'O jockey da Morte', da Vay – Film, de Milão,com argumento, direção e interpretação de Alfred Lind.

x_3b98da9d
Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva  e Arquivo Nirez

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: