Absolvição de Marica Lessa
Maria Francisca de Paula Lessa (Marica Lessa), conhecida no romance como Dona Guidinha do Poço, era uma rica senhora que detinha sob seus poderes grandes fazendas no município de Quixeramobim, no século passado. Era casada com o Coronel Domingos Vítor de Abreu Vasconcelos (...) a primeira pessoa a inaugurar a cadeia pública do munícípio. Segundo alguns autores, o prédio tinha sido construído por ela.
Graça Braga levanta a tese contrária aos resultados das investigações sobre a tragédia, de que Dona Marica Lessa não haveria mandado matar o marido.
Graça Braga lança seu terceiro romance, “Absolvição de Marica Lessa”, onde vislumbra a possibilidade de reverter um crime histórico que movimentou o Sertão Central cearense a 150 anos. Nascida em Quixeramobim, a escritora conta que sempre foi fascinada pela história de sua conterrânea, uma latifundiária condenada a 30 anos sob a acusação de ser mandante do assassinato do ex-marido.
FICÇÃO LIBERTÁRIA
Pode sim a ficção transformar a realidade. Os exemplos são muitos, no terreno da literatura, do teatro, do cinema. Em geral, a intenção dos recriadores é desvendar alguns aspectos mais simpáticos da biografia de seus assuntos. Com a escritora Graça Braga, não foi diferente. Conhecendo a história da sua conterrânea desde os treze anos, a escritora tratou de dar-lhe um alento que ela teve, após ser acusada e condenada por um crime. Uma história que manchou o passado da pequena Quixeramobim, há 150 anos. Tempo em que seu filho mais ilustre, Antonio Conselheiro, era apenas um afilhado da personagem redimensionada por Graça Braga no romance histórico “Absolvição de Marica Lessa” (...)
Para recontar a história dos dias mais terríveis da vida de Maria Francisca de Paula Lessa, mais conhecida como Marica Lessa, Graça Braga percorreu algumas dimensões do tempo e do espaço. Foram sete anos de pesquisa, entre jornais, referências bibliográficas e depoimento orais, recuperados na própria Quixeramobim. Mas o interesse pelo assunto foi despertado ainda em sua adolescência, quando a escritora percebeu a possibilidade de proporcionar uma nova chance à latifundiária, invejada e abandonada por quase todos os seus conterrâneos, como uma vítima da ignorância e do machismo de uma sociedade.
Herdeira do Capitão-mor José dos Santos Lessa, Marica foi educada com os brios de uma formação rigorosa. Generosa com os muitos retirantes que se deslocavam pelo Sertão Central, Marica era invejada por sua discrição e suas maneiras finas. Segundo Graça Braga, a tragédia de sua vida tem início em 1827, quando ela é desposada por um aventureiro, o Coronel Domingos Vítor de Abreu Vasconcelos. O casamento de interesse logo trouxe decepções e o desquite, pedido pelo próprio “coronel”, sob a falsa alegação de adultério.
Com metade dos bens herdados por Marica, Domingos Vítor vivia esbaldando os recursos obtidos graças à sua conquista, também gastos para sustentar os luxos de sobrinhos, vindo de Pernambuco e que diziam ser um parricida fugitivo. As coisas estavam nesse estado, até que um afilhado de Marica, Manoel Ferreira do Nascimento, conhecido apenas como Corumbé, assassinou o novo latifundiário. Diante do temor de ser enforcado, sua única reação era repetir o nome da madrinha, na esperança de que fosse salvo por ela.
Coadunado com a polícia, Antonio da Silva Pereira, o sobrinho do Coronel, acabou propagando que Marica era a mandante do crime atiçando na população a ira contra a senhora que não tinha mais ninguém que lhe valesse os interesses. Apenas uns poucos empregados e amigos, ousaram transgredir o clima de acusação que levou a latifundiária a ser conduzida, de maneira humilhante, de sua fazenda à cadeia pública, construída com seus próprios recursos. Entre os que se mantiveram fiéis a Marica Lessa estava o futuro beato que construiria o Arraial de Canudos, Antonio Mendes Maciel, seu afilhado.
Condenada antes de seu inquérito, Marica Lessa mantinha uma atitude de placidez, diante das acusações que lhe foram feitas sem qualquer critério, “Não se sabe qual a razão de tanto silêncio. Na realidade, Marica era uma mulher forte do sertão que possuía os seus meios de defesa com um sentimento de orgulho e integridade” descreve Graça.
Sua obra não é a primeira a narrar as desventuras de Marica Lessa. Bem antes, Manoel de Oliveira Paiva inspirara-se em sua história, oficial, para produzir “Dona Guidinha do Poço”, lançada apenas em 1952. Agora, Graça Braga redimensiona o episódio, livrando Marica de sua condenação a 30 anos e seu desterro final, como mendiga pelas ruas de Fortaleza. “Em momento algum, prova-se que ela foi a mandante do crime. Mas esse era a lógica da sociedade machista de Quixeramobim”, diz.
Graça Braga conta que aprofundou sua pesquisa inclusive nos estudos jurídicos. “Durante seis meses assisti a vários julgamentos”, conta a escritora que coloca-se como a advogada de defesa de Marica, absolvendo-a, finalmente, de todas as suas seculares acusações. O romance foi escrito entre 97 e 99, concluído sete anos de pesquisa. É às vésperas do século XXI que a “Princesa dos Poetas Cearenses”, membro da Academia Feminina de Letras Municipais do Estado do Ceará, liberta a latifundiária, através das armas de “uma perspectiva feminina e ficcional”.
MEDO E CONDENAÇÃO
“Uma voz unânime surgia do meio da multidão gritando pelo nome Corumbé. O rapaz, ao presenciar a ferocidade daquela gente correndo ao seu encalço, procurou livrar-se da multidão, descendo a ladeira do Rio Quixeramobim. Corumbé imaginava ser ele um afilhado muito querido da Senhora, e sentindo o desespero na hora da acusação, queria chamar o nome de sua madrinha, pois não seria preso devido à grande influência político-econômica que ela detinha. E nesse cerco irremediável prenderam-no. Como era de hábito na vila, acontecia tudo assim muito rápido, a justiça era feita com as próprias mãos para atender as conveniências dos poderosos. (...) O rapazola (...) deixou para sempre a dúvida imensurável. Ficou o chuleado das palavras mal cozidas que levou a fazendeira Marica Lessa ao banimento e ao escárnio de um povo que coseu a sua própria condenação”.
A Absolvição de Marica Lessa
Esse livro é o romance de estréia da já laureada poetisa e jornalista Graça Braga. Em 20 de setembro de 1853, acontecia na Vila do Campo Maior, em Quixeramobim, um dos crimes de maior repercussão na história do nosso estado, chegando inclusive a incomodar autoridades da Corte Brasileira, inclusive o Imperador Pedro II.
Graça Braga através da pesquisa e da inventividade revisitou esse fato e escreveu Absolvição de Marica Lessa. O crime já havia sido inspirador para o romance “Dona Guidinha do Poço”, escrito por Oliveira Paiva e publicado apenas após a morte do autor.
Graça Braga levanta a tese contrária aos resultados das investigações sobre a tragédia, de que Dona Marica Lessa não haveria mandado matar seu marido. Há uma teoria de que Manoel Ferreira do Nascimento, vulgo Corumbé, seria o verdadeiro autor do crime, motivado por um desentendimento banal entre a vítima e o assassinato quando ainda criança.
Baseada nestes fatos, principalmente em documentos antigos, relatos orais e nos autos do júri da época, com perspicácia e intuição feminina, Graça Braga vislumbra a possibilidade de inocência de Maria Francisca de Paula Lessa.
No prefácio da obra está dito: “... a polêmica esta lançada, embora não seja pensamento da autora contradizer ou mesmo se opor a Oliveira Paiva. Os críticos literários, os juristas e, de uma maneira geral a população, que façam a análise dos acontecimentos e julguem a ré, ou melhor, a suposta co-autora do crime e lancem seus veredictos.”
O histórico líder messiânico de Canudos, Antonio Conselheiro, que era natural de Quixeramobim, foi afilhado de Marica Lessa. Ele, assim como a seca avassaladora do sertão também estão contidos no romance. Ali o leitor saberá como foi o julgamento, três anos após o crime; a viagem para Fortaleza, e por fim o júri simulado em 1999, em que a ré foi absolvida.
Somente o leitor pode julgar a história e Marica Lessa.