Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Forte de Schoonemborch
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Estação Pioneira

Forte ao Lado da 10ª. Região Militar.
No terreno onde seria estabelecida a cidade de Fortaleza, no século XVI, ainda existia domínio indígena até que os holandeses conseguiram em meio a massacres se estabelecerem. Matias Beck (comandante Flamengo) ergueu o Forte de Shoonemboorch, com a finalidade de se defender dos nativos aliados aos portugueses, às margens do Riacho Pajeú no monte Marajaituba (hoje 10ª Região Militar). Pois bem, ao oeste do Forte, no mesmo nível, estava o Morro Croatá, que serviu de base militar no século XVII, e que posteriormente, em 1859, por ordem da Corte fora construído um observatório astronômico. 



Com o apelido de “Comissão Borboletas”, esses cientistas enviados pelo Imperador D. Pedro II, tinham como missão estudar a causa das constantes secas. Ao lado desse observatório ficava o Campo da Amélia, que inaugurado em 29 de junho de 1830, homenageou a II Imperatriz do Brasil, D. Amélia Leuchtthemberg. Foram plantados neste campo vários juazeiros e, um bonito gramado divido em quadras. Conta-se que foi de onde surgiu a redundante frase: “Não pise na grama”


Registro Mais Antigo da Estação Ferroviária Central. 1880. Sua Matriz estava Bastante Danificada. Vemos Quintais de residências pela antiga Rua da Cadeia, atual General Sampaio e parte do Campo da Amélia.

Registro antigo da Estrada de Ferro de Baturité em 1879.
Trata-se da Casa de Locomoção que no inicio do Século XX
transformou-se na Residência do Fiscal. Em 1922, após
reforma abrigaria a Diretoria da Estrada de Ferro.
O assentamento da pedra fundamental para o início da construção da Estação Central ocorreu no final da tarde de 20 de janeiro de 1872, estando presente o Comendador João Wilkens de Matos, Presidente da Província, e também o seu antecessor, Conselheiro Barão de Taquari, Corpo Legislativo, autoridades civis e militares, funcionários públicos, Clero, Nobreza e Populares. O engenheiro Jerônimo Luis Ribeiro, nomeado pela diretoria da Estrada de Ferro de Baturité, foi contratado por empreitada para os serviços do trecho Fortaleza a Pacatuba, incluindo um ramal que, saindo da Estação iria para o Porto e a Alfândega (Praia de Iracema). Como reforço o Dr. Luis Ribeiro indicou o também engenheiro inglês Edmund Compton, que estava trabalhando no Maranhão para também tecnicamente assistir o início das obras. 


Intenso Movimento de Carroças na Estação Central. 1902. Os Automóveis só apareceriam a partir de 1909.

O terreno total da Empresa era de 2.238 m² e desta área 91 m² destinou-se para a edificação do vasto salão para atendimento aos passageiros. No beco onde seria a atual Avenida Tristão Gonçalves (Centro de Fortaleza) a Câmara de Vereadores, tinha autorizado as obras de alargamento em 40 palmos, destinando tal serviço à passagem da Via Férrea, cuja estaca havia sido batida em 1871. Com a abertura da estrada foram aparecendo casebres e consequentemente passou na época a chamar-se Rua do Trilho de Ferro. A colocação da Empresa em terreno no Morro do Croatá, foi como mandou a tradição “Num ponto que também fosse vista para o mar, como era o forte, o hospital da misericórdia e a cadeia pública. Assim a estação obrigaria o navegante bem de longe aproximar-se com respeito”. (Compilado de João Nogueira, do livro Fortaleza Velha, 1954). 
As primeiras Locomotivas
Esse é o primitivo Ramal da Marítima. O Porto do Ceará ainda era no Poço das Dragas. Em 1906, seria inaugurada a Ponte metálica. Os navios só começaram a fundear na Enseada do Mucuripe a partir de 1948.
As primeiras locomotivas que chegaram a Fortaleza vieram no Vapor Jerfalcon e foram desembarcadas no trapiche do Poço das Dragas (antigo Porto de Fortaleza), aos 13 de março de 1873. Foram duas unidades, fabricadas pela The Hunslet Engine Co. Ltd, cuja sede era na desenvolvida cidade de Leeds, na Inglaterra. O prédio da estação ainda estava em obras quando recebeu as máquinas à vapor que, sendo arrastadas por tração animal com a afixação de trilhos portáteis, fora transformado num show de apresentação, ao desfilarem pelas ruas da Praia (Pessoa Anta), da Ponte (Alberto Nepomuceno), Travessa das Flores (Castro e Silva) até a Praça da Estação


Chafariz na Lagoinha, posto de abastecimento de locomotivas em 1892. Ao longe debaixo do Cajueiro na beira da linha era a “Parada Chico Manuel”.

O diretor administrativo da Estrada de Ferro de Baturité, o aracatiense Dr. Liberato de Castro Carreira contratou José da Rocha e Silva, que aqui chegou em abril de 1873. Esse engenheiro mecânico formado no Arsenal de Marinha da Corte, ajustou o equipamento e, aos 3 de agosto do mesmo 73, com a Locomotiva “A Fortaleza” rodou cinco vezes, da Estação Central até a Parada Chico Manoel¹, no cruzamento com a rua das Trincheiras (Atual Liberato Barroso). O trecho entre a Capital Fortaleza e o distrito de Arronches (Parangaba) teve prosseguimento em sua construção e prolongamento. Os serviços ficaram prontos aos 14 de setembro de 1873, quando com restrições uma locomotiva com alguns vagões de serviço pela primeira vez chegaram a Parangaba. 


Foto Colhida do Telhado do Chalé onde vemos as velhas Oficinas desativadas. Operários ainda trabalhando no desmonte em 1929. A Praia Formosa ainda era distante...


Observemos essa imagem colhida na mesma época no início da Rua General Sampaio (Antiga Rua da Cadeia), onde contemplamos os trilhos do Ramal da Alfândega.
Inauguração da Estação
No dia 30 de novembro de 1873, foi grande a expectativa, quando o maquinista José da Rocha e Silva e o foguista Henrique Pedro estacionaram a primeira composição no pátio da Estação Fortaleza, transpirando ainda odor de tinta fresca. Os discursos foram eloquentes e com aplausos os mais efusivos, cortaram a fita simbólica. As instalações foram visitadas e, com todas as honrarias a Diretoria da EFB foi cumprimentada pelo paraibano, mas que já era Presidente de nossa Província, Sr Francisco Teixeira Sá e sua comitiva. 
Após uma revista de curiosidade na máquina à vapor, todos se dirigiram aos carros de passageiros . A locomotiva Hunslet nº 1 que havia recebido o nome de “A Fortaleza”, já bem alimentada bufando pelas válvulas, esperou o apoteótico momento da partida. Os três carros de passageiros ficaram lotados com autoridades, convidados especiais, diretoria e funcionários da Estrada de Ferro. Foram dispensados da viagem inaugural, somente os servidores estritamente necessários para a operação e segurança do trecho. A movimentação fora intensa. O Sr. Francisco Cândido Lins, agente da Estação Central em contagem regressiva, não tirou o olho do relógio; O Eloy Alves Ribeiro verificou a acomodação dos passageiros, enquanto o Marcelino Leite deu a última olhada nos rodeiros e sistemas de freios.


Saída da Estação Central. Início da Rua Trilho de Ferro (atual Tristão Gonçalves). Registro de 1913.
Enfim quando o dia declinou exatamente às 17 h, o sino tocou; O Mestre Rocha puxou uma corrente; A locomotiva silvou; A tração da máquina esticou os engates; Os carros se movimentaram, e lá se foi o trem dobrando na Rua Trilho de Ferro em rumo ao Arronches. O Ceará entrou nos trilhos. Fortaleza passou a contar com seu primeiro transporte de massas. A velocidade do comboio era de 26 quilômetros por hora, podendo em tangentes atingir a 32.


Por detrás da casinha em um nível mais baixo passava a linha férrea. Capela de S. Benedito (Hoje Clarindo de Queiroz). Foto de 1906.

Para os passageiros percorrerem o percurso (Central - Arronches), 9.1 Km, o preço era de apenas 1$000(mil réis), equivalente a R$1,00 (Um real), isso ida e volta; seriam 50 centavos por viagem. O trem no trajeto primitivo obedecia as seguintes paradas: Chico Manuel (Liberato Barroso); Capela São Benedito (Clarindo de Queiroz); Sítio Amaral (13 de Maio /Início da José Bastos); Damas ( Couto Fernandes) e Arronches.


¹Ficou conhecida como Parada Chico Manuel, pois ficava por trás da Casa do Coronel Francisco Manuel Alves. Tratava-se de uns batentes de madeira que serviam de subida e descida de passageiros dos trens.



Crédito: O Ceará que entrou nos trilhos - Francisco de Assis Silva de Lima (2015)

terça-feira, 2 de abril de 2019

A expansão urbana de Fortaleza: O desinteresse da cidade pelo mar

Do ponto de vista histórico, Fortaleza teve seu crescimento urbano voltado em direção ao sertão. A faixa litorânea fortalezense passa dessa forma alguns séculos sendo ignorada pelos seus citadinos. O mar, ponto de início da colonização cearense, vem configurar-­se nos primórdios do crescimento da cidade, como um local fora de Fortaleza. Este curioso fato de rejeição do fortalezense ao mar deu-­se principalmente pela origem daqueles que chegaram. Fortaleza, até 1799 (ano do desmembramento do Ceará da Província de Pernambuco), era uma vila sem importância econômica. Destacavam-­se naquela época as vilas de Aracati, Icó, Sobral, Crato, Camocim, Acaraú e Quixeramobim. Isso se dava pelo motivo da principal atividade econômica da província ser a pecuária, com a exportação de carne, couro e animais de tração para a zona ­da ­mata nordestina. 



A Zona ­da ­mata começava a se dedicar ao cultivo da cana ­de açúcar, cabendo ao Ceará a venda dos produtos pecuários para a região. Dessa forma, é dado início a movimentação econômica interna no território cearense. Fortaleza vem crescer justamente a partir da elite oriunda do interior da província. Dessa forma, o mar passa a se configurar por muitos anos como um local esquecido, ausente de qualquer tipo de interesse do homem. Se utilizando das plantas históricas de Fortaleza, esta pesquisa vem analisar a expansão urbana da cidade, verificando as mudanças de olhares do fortalezense em relação ao mar e observando a tomada da ocupação do litoral. 



Analisando a consolidação de Fortaleza enquanto capital, Dantas (2002) afirma que a cidade nascera voltada para o sertão, contradizendo sua natureza litorânea, dado as relações no campo cultural e econômico da sociedade com o interior do Estado, configurando-­se dessa forma como uma cidade litorâneo ­interiorana. O litoral passa a ser vislumbrado pela sociedade fortalezense quando em busca de uma vida político ­econômica mais independente, a cidade apresenta-­se como ponto de exportação dos produtos produzidos no Ceará, notadamente o charque e o algodão, através do Porto, implantado em fins do século XVIII, nas intermediações da Praia do Peixe, atual Praia deIracema
A oferta de mercadorias para o exterior já era presente desde meados do século XVII nas principais cidades brasileiras, uma vez que vendiam seus produtos para a Europa e outras capitanias. 

A vila encontrava-se ainda sem infraestrutura básica para o surgimento da economia de exportação vigente em outras capitais. A ausência de um porto em Fortaleza, capaz de exportar os produtos produzidos no Ceará, levava o crescimento de outras localidades, portuárias, como Aracati e Acaraú, passando a colocar o Ceará na rota de exportação do algodão. Essa precariedade infraestrutural de Fortaleza é percebida a partir da análise da Primeira Planta da Cidade de Fortaleza, rascunhada em 1726 por Manuel Francês que apresenta a Fortaleza do início do século XVIII. Desenhada pelo capitão-­mor daquele período, a planta surge com o objetivo de apresentar à Coroa Portuguesa o domínio lusitano sobre a região. O brasão português sobre o forte e as dez cruzes espalhadas pelo desenho, com o objetivo de reforçar a dominação católica no local, vem como uma tentativa de mostrar características que favorecessem a elevação da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção à categoria de cidade. Percebem-­se nessa planta as poucas edificações presentes em Fortaleza, que contava com algumas dezenas de casas ainda não arruadas, o forte (ainda de madeira), uma igreja e um mercado. Nota-­se a provável inexistência do sobrado localizado a leste do riacho Pajeú, dado pelo fato de não haver nenhum relato que afirme a existência do mesmo e por ser um local apático à ocupação fortalezense da época. Essa construção serviria apenas como uma alusão ao crescimento de Fortaleza, proposto pelo capitão-­mor ao reinado português. 


O desinteresse pelo litoral já era percebido, dado pelas poucas edificações na área. Com a construção das linhas de vapores, que percorriam várias cidades do interior com destino à capital, surge as relações econômicas e sociais do sertão com Fortaleza. Outro fator favorecedor dessa ligação foi a construção do porto nas proximidades da Prainha (atual Praia de Iracema). Nesse sentido, Fortaleza toma um novo rumo. 


Na segunda metade do século XIX, Fortaleza toma de Aracati, responsável até então pela exportação dos produtos cearenses, o comando das relações comerciais de boa parte do Vale do Jaguaribe e Sertão Central, devido o estabelecimento das linhas de vapores diretamente para a capital. A planta da cidade de Fortaleza de 1850, organizada por Antônio Simões Ferreira de Farias, e há muito perdida, reencontrada nos dias atuais por José Liberal de Castro, vem reforçar a expansão da cidade para longe do litoral. A área litorânea mostrava uma ocupação irregular, quase espontânea, indicado no desenho de modo um tanto confuso, fato que teria motivado a contratação de Farias para organizar uma outra planta, unicamente referida aquela parte da cidade (CASTRO, 2005). 
Nota-­se também que o riacho Pajeú continuava a constituir uma barreira física à expansão para o leste, embora já estivesse aberta a rua do Norte (atual GovernadorSampaio), delineada por Paulet no começo do século. A rua Governador Sampaio passava a servir naquela época como eixo direto de um futuro crescimento de Fortaleza para o leste. 

Observando a planta de Simões percebe-se também um caminho cruzando o riacho próximo a foz. Essa estrada que vem ligar o litoral oeste do riacho Pajeú ao litoral a leste do mesmo vem a ser a estrada do Meireles (Mucuripe). Essa estrada, um simples caminho arenoso, atuais Rufino de Alencar e Monsenhor Tabosa, encontrava-­se com uma capela (Conceição da Prainha), cujas obras, iniciadas uma década antes, ainda estavam por completar. Desse ponto, a estrada continuava para o leste, atingindo o Meireles, de onde prosseguiu até o Mucuripe, desviando-­se das dunas (CASTRO, 2005). 


No detalhamento da planta de 1850, onde se destaca a Prainha, nota-­se a predominância da paisagem natural, composta por dunas e lagoas interdunares, tendo como sinal de ocupação a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, o quartel da Fortaleza, a Tesouraria provincial e a Alfândega (capitania dos portos). 

O fato de a cidade instalar-­se no litoral permanecia sem contar muito na formação do imaginário social dos seus habitantes. Segundo Gustavo Barroso, o imaginário interiorano continuava a se legitimar por toda Fortaleza, até mesmo aqueles imóveis localizados à beira-mar, faziam referência a presença do homem do sertão e de seus utensílios.

As zonas de praia em Fortaleza caracterizam-­se nesse período como área de escoamento dos esgotos da cidade, vindo a ser ocupada somente em fins do século XIX, com o surgimento das favelas, devido ao aumento do contingente de imigrante pobres do sertão. 



Com Fortaleza apontando como centro político-econômico do Estado, ela passa a despertar o interesse da elite cearense para a fixação de moradia. A urbanização de Fortaleza é também favorecida pela vinda dessa elite, pois com ela surge a necessidade de melhorias infraestruturais e de serviços na capital. 

Percebe-­se o incremento de equipamentos urbanos em Fortaleza, como a construção de um novo cemitério, a criação da Academia Francesa, a iluminação a gás carbono, entre outros. Surge também a Planta Topográfica de Fortaleza e Subúrbios, de autoria do engenheiro Adolfo Herbster. Integrante da diretoria de obras de Pernambuco, Herbster é cedido ao Governo Provincial do Ceará em 1855, sendo contratado pela municipalidade fortalezense. Dois anos depois, sendo solicitado para a elaboração de plantas da cidade. O urbanista traça um plano urbanístico de desenvolvimento para a cidade, dado pela necessidade de expansão àquela época, devida o aumento de sua população, que passa de uma população estimada em 1500 habitantes em 1800, para 16000 habitantes em 1863 e a 21872 em 1872. 


A referida planta possui um traçado xadrez com grandes boulervards, imitando o modelo parisiense implantado pelo Barão de Haussman, e já idealizado para as ruas da capital cearense cinquenta anos antes de Herbster, por Silva Paulet
Além de retratar a cidade, Herbster propôs sua expansão, elaborando cintas de avenidas, circulando o espaço urbano habitado, configurados através dos boulervards do Imperador, Duque de Caxias (logo prolongada para leste), e da Conceição (atual Avenida Dom Manuel), que comporia as vias de acesso à cidade, estabelecendo um modelo secção de vias urbanas em voga até os dias atuais. Dessa forma, percebe-­se que Herbster desprezou o arruamento proposto por Simões de Farias em 1850, evitando cortar o Pajeú em trechos centrais, já ocupados por residências. 


A proposta de expansão de Fortaleza por Herbster fez-se, portanto, pela continuação da Avenida Duque de Caxias, atual Avenida Heráclito Graça. Essa solução visava contornar o riacho cruzando pela Avenida Dom Manuel e suas paralelas, em trechos já distantes da foz. 

Essa nova proposta de expansão da cidade para o sul e para o leste, reforçava o desinteresse de fixação de moradia na faixa de praia pela classe abastada. Nesse período, algumas das mais importantes edificações da cidade foram se instalando próximo ao Forte de Nossa Senhora da Assunção. O Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia, a Penitenciária e a Estação da Estrada de Ferro terminaram por formar uma barreira entre a cidade e o mar, afirmando o desinteresse de uma possível urbanização do litoral. O acesso à praia tornava-­se mais difícil, já que somente o Passeio Público tinha suas vistas voltadas para o mar. É importante ressaltar que mesmo com o Passeio Público estando voltado em direção ao mar, isso não leva a crer numa possível tomada de consciência da sociedade para o mar, já que o andar em que se encontrava mais próximo da praia era reservado aos pobres e miseráveis (o Passeio Público possuía três andares representados pelas classes sociais da época). 




O desinteresse dado pela faixa praiana fortalezense resultava na distribuição de serviços insalubres instalados próximos à zona costeira, como o velho Paiol da Pólvora, o Gasômetro, dos tempos da iluminação a gás (1867), a Santa Casa de Misericórdia, bem como o depósito de lixo da cidade. O espaço entre o mar e essas edificações, passou a ser ocupado pelo comércio de exportação, próximo ao desembarcadouro e o Arraial Moura Brasil, formado pela população sertaneja foragida da seca. 



Nesse contexto, é criado o Código de Posturas, vindo em confluência com as preocupações de ordem higienistas e urbanísticas que tinham por objetivo salvaguardar o decoro, a moral e os bons costumes dados à explosão demográfica decorrente do êxodo rural naquele período. Essa legislação reforçava o desinteresse pela zona de praia, ao afirmar, por exemplo, a regulamentação de que os dejetos fecais não poderiam ser despejados nas ruas, mas sim na Praia do Porto das Jangadas, denominação antiga da Praia de Iracema

Tornava-se evidente o desinteresse do litoral por parte da elite da cidade, de natureza interiorana. Mesmo com os discursos médicos afirmando dispor o litoral fortalezense de excelentes condições climáticas para o tratamento de doenças respiratórias, os abastados ainda não se voltavam para o mar.



Fontes: A cidade e o mar: considerações sobre a memória das relações entre Fortaleza e o ambiente litorâneo - Fábio de Oliveira Matos. 
DANTAS, Eustógio Wanderley. Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza. Fortaleza: Museu do Ceará/Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2002. 
BARROSO, Gustavo. Terra do sol: natureza e costumes do Norte. Rio de Janeiro: Benjamim Aguila, 1912.  
LINHARES, Paulo. Cidade de água e sal: por uma antropologia do litoral do Nordeste sem cana e sem açúcar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1992.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Fortaleza - A Paisagem e as Transformações


Gravura da futura cidade de Fortaleza em 1811

A Fortaleza de São Tiago foi erguida às margens do Rio Ceará pelo português Pero Coelho de Souza, que aportou na região em 1603. O fortim que acalentou o impulso de fixar-se nesta terra tão aprazível, que os portugueses houveram por bem apelidar Nova Lisboa, deu descendência a mais imponentes e estratégicas instalações à margem do Rio Ceará, às quais se chamou Forte de São Sebastião.

Em 1637 o Forte de Martin Soares Moreno é dominado pelos holandeses, graças uma ação conjunta com os índios do Ceará, e transforma-se base mais norte do Brasil Holandês. O forte foi reformado e 1644 é destruído pelos nativos indígenas.

Forte de São Sebastião na Barra do Ceará

Entre 1649 - 1654 os holandeses liderados por Mathias Beck assumem o território e erigem, na Colina Marajataiba, o Forte Schoonemborch e abre uma estrada que ligava o Forte e a Serra da Taquara. Com a saída de Beck das terras cearenses, o forte é rebatizado com a designação católica de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, ao retomarem o poder os portugueses, mormente Álvaro de Azevedo Barreto, que reassumem o controle no promontório do qual se divisava, ao lado esquerdo, o Rio Pajeú e, em frente, o oceano.
Posição que podia assegurar a defesa e a colonização daquela vasta e desolada área, pelas armas, por um lado, e por outro pela religião. Afastados os invasores, o ambiente ventilado também muito ajudou à fixação das gentes. A fartura dos recursos naturais e a beleza da paisagem contribuíram da mesma forma.
  
A grande planície onde se estabeleceu a Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção tem ligeira inclinação para o Norte e criva-se de lagoas rasas e drenadas, na parte central, pelo pequeno (50 km) Rio Cocó e, lateralmente, pelos tributários da vertente oriental do Rio Ceará e da ocidental do Rio Pacoti. Oficializada município por D. Pedro I aos 17 de março de 1823, chamou-se a partir daí Fortaleza de Nova Bragança.
  
Planta de Silva Paulet

Detiveram-se sobre o traçado de Fortaleza, empreendedores como o Governador Sampaio e o engenheiro Silva Paulet, o prefeito Boticário Ferreira e o engenheiro Adolfo Herbster — cuja última contribuição à urbe foi sua Planta de 1888, pomposamente denominada Planta da Cidade da Fortaleza, Capital da Província do Ceará.

Planta de 1888 de Adolfo Herbster

Nos primeiros haustos do século XX, com a participação dos senadores Alencar e Pompeu, o Plano Sousa Bandeira — adotado pela comissão que planejava a concretização de um porto 
marítimo para a cidade — já recomendava que se intensificasse o plantio de grandes parcelas de grama nos morros do Mucuripe, “em toda a extensão da área entre o farol e o Rio Cocó” (LOPES, 1978).

Fotografia da Avenida Aberto Nepomuceno no princípio do século. A Fortaleza

de Nossa Senhora de Assunção ao fundo e a direita. (No detalhe ampliado)


Essas medidas atendiam à ideia da imprescindibilidade de dar-se curso aos trabalhos de fixação de dunas, já que sua mobilidade não interessava ao projeto de dotar a cidade de uma conexão marítima com o mundo. Para o que nos importa, a transformação efetiva da capital já dependia de alterações promovidas na região da Praia do Futuro — tal e qual agora. 

Possivelmente a fotografia mais antiga da cidade de Fortaleza. Se pode ver a linha do trem que ia ao porto. No circulo os baluartes da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Foto Ofipro

O antigo porto situava-se na região central, próximo ao monumento do Cristo Redentor e à Catedral da Sé, hoje próximo ao Poço da Draga e ao portentoso complexo arquitetônico do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, desenhado pelos arquitetos Delberg Ponce de Leon e Fausto Nilo à década de 90. 
De há muito se cogitava construir um quebra-mar sobre os recifes daquele porto e sobre a praia, e de cais ou molhes para acostagem dos navios, bem como o aprofundamento do canal da Barreta. Talvez fosse até preciso destruir parte dos recifes, para aumentar a velocidade das correntes e evitar o assoreamento no porto.

 
Poço da Draga

Antigo porto de Fortaleza

Em 1875, Sir John Hawkshaw propôs a construção de um quebra-mar de 670 metros de comprimento no antigo porto, ligado ao litoral por uma ponte de acesso. Porém, devido às grandes dificuldades para obtenção da pedra necessária às obras, a construção do quebra-mar foi iniciada somente em 1887. A iniciativa foi ainda prejudicada pelo acúmulo de areia, trazida pelos ventos à bacia abrigada pelo quebra-mar. Em 1897, essas obras foram, enfim, suspensas, quando o quebra-mar já alcançava 432 metros.
Com o fracasso do Plano Hawkshaw, as condições de embarque e desembarque naquele porto não mais satisfaziam nem viajantes e nem ao comércio. Retomando o problema em 1908, a comissão chefiada pelo engenheiro Manoel Carneiro de Souza Bandeira procedeu a minuciosa e completa pesquisa, tanto no antigo porto como na Enseada do Mucuripe, realizando levantamentos topo hidrográficos e estudando o regime dos ventos, das marés, das correntes e dos movimentos da areia. 



Data de 1910 a publicação do relatório em que Souza Bandeira apresentava os resultados de todos os trabalhos realizados no Ceará e o estudo elaborado para desenvolver um projeto de melhoria do porto.
Também nessa época, o engenheiro Lucas Bicalho, que dirigia a Inspetoria de Portos, decidiu implementar um outro plano, menos dispendioso, semelhante ao Plano Hawkshaw, que atendesse à condição de oferecer uma suficiente extensão de cais, com até 8 metros de profundidade. O projeto organizado por Bicalho foi aprovado em 1920 e a firma Norton Griffiths assinou o contrato de execução das obras no ano seguinte. Os trabalhos progrediram em 1922 e 1923, mas foram suspensos logo depois, por motivos administrativos diversos.

Viaduto Lucas Bicalho em 1923 - Arquivo Assis Lima


Foto da década de 20. Vemos o Viaduto Lucas Bicalho, conhecido por Ponte dos Ingleses e vários navios. Arquivo Assis de Lima


Somente em 20 de dezembro de 1933 foi outorgada ao Governo do Estado a concessão de uso 
da área por 60 anos, através do Decreto nº 23.606, em contrato registrado no Tribunal de Contas da União.

Em 7 de julho de 1938, o Decreto n.º 504 modificou o Decreto n.º 23.606 e transferiu a localização da construção do porto para a Enseada do Mucuripe. O canteiro de obras para a implantação da infra-estrutura do primeiro trecho de cais instalou-se em 1939. Enquanto isso, a Companhia Nacional de Construções Civis e Hidráulicas - CivilHidro garantiu a incorporação de 426 m de cais acostável às obras do Porto de Fortaleza.


Obras no porto do Mucuripe - Foto Assis de Lima




Obras no porto do Mucuripe - Foto Assis de Lima


Em 1952, foram construídos parte do primeiro trecho do cais de 6 metros e os armazéns A-1 e A-2 no Mucuripe. Em 1963, atracou o primeiro navio — o Vapor Bahia — no novo Porto de Fortaleza. No decorrer de 1964, deu-se a construção do armazém A-3, bem como foram iniciados os trabalhos de construção da estação de passageiros, do muro de

fechamento e do cais com 8 metros de profundidade.

Em 1968, foram inaugurados o armazém A-4, o prolongamento do cais de 10 metros de profundidade e a Estação de Passageiros. O cais pesqueiro foi inaugurado em 1980. 

Em 28 de janeiro de 1982, o píer petroleiro do porto e, em 1984, o armazém A-5. Hoje o Porto do Mucuripe atende a graneleiros e petroleiros, bem como recebe cargas diversas e um parque de
estocagem de contêineres surgiu no contíguo bairro Serviluz, trazendo consigo um grande movimento das carretas que os transportam. 

À parte o(s) porto(s), o derradeiro plano de Fortaleza foi elaborado em setembro de 1932, na gestão do prefeito Tibúrcio Cavalcanti, que, por razões financeiras, não o pôs em ação. O plano recebeu acréscimos da equipe da administração seguinte, de Raimundo Girão (1933-34), porém apenas no início da década de 40 o então prefeito Raimundo de Alencar Araripe restauraria a Comissão do Plano da Cidade — que tentaria, finalmente, efetivá-lo.


Crédito: Marco Antônio Krichanã da Silva


NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: