O matador e a finada
Bebeto nunca possuiu emprego ou trabalhou. Até o dia do casamento, viveu a expensas do pai. Depois do casório, a mulher, funcionária pública, assumiu a manutenção da casa e da mesada para os divertimentos mundanos do marido. Dinheiro em sua carteira não repousava. Saia mais rápido do que entrava. E o bonachão sempre arranjava jeito de obter reforço de caixa. Pedia empréstimos, nunca saldados, aos conhecidos. De quando em vez, conseguia surrupiar as economias paternais. Era o perfeito cafajeste.
A cada biênio, sorria-lhe o período eleitoral. Visitava os comitês dos partidos e dos candidatos. Ladino, nunca saia de mãos abanando. Além de camisetas, bonés, canetas e outros brindes publicitários dos fichas de todos os tipos, diziam os colegas que conseguia um algo mais incentivador de voto. Uma motivação maior que fortalecia o órgão mais sensível do ser humano, no dizer de um financista ex-ministro, o bolso.
Findas as andanças diárias, confessava aos amigos de cervejadas sua dor de consciência por não poder votar em todos os aspirantes aos cargos legislativos e executivos. Dava-lhe extrema pena não os ver eleitos.
Só não se apiedava dos "
mãos-de-vaca", insensíveis, incapazes de propiciar um momento de alegria aos que os procuravam para oferecer apoio. Mesmo que este apoio fosse, exclusivamente, a lábia animadora para a campanha do desejoso em ser uma das futuras "
excelências". Bebeto jamais se guiou por provérbios. Talvez não visse um dia da caça e o outro do caçador.
Naquela manhã, buscou um candidato à deputação e, contristado, comunicou-lhe a morte da mãe, solicitando ajuda para a compra da urna mortuária. Atendido, ao sair, foi reconhecido por um cabo eleitoral, que informou da burla ao chefe. Este, furioso, descobriu o endereço da falsa morta, telefonou para a agência funerária de um correligionário, reuniu alguns apoiadores e mandou entregar-lhe, em nome do filho, um enorme caixão de defunto. O fuzuê, de tão grande, contou com ambulância e polícia. Hoje,
dona Maroca é conhecida por Finada e
Bebeto por Matador.
Postes e votos
Vários historiadores defendem ser cíclica a história e o cotidiano leva ao fortalecimento do princípio. No período antecedente às antepenúltimas eleições municipais, a mídia divulgou declarações de políticos afirmando que o presidente da República, por sua popularidade, elegeria quem e o quê desejasse. Até mesmo um poste.
Como não foi aplicada a
Teoria de Garrincha, isto é, não houve combinação com a outra parte - os eleitores - muitos deram com os burros n´água. Seus postes continuam postes. Os índices apontados nas pesquisas não foram transferidos, escafederam-se.
Em nossa Capital, anos sessenta e setenta do século passado, ao contrário do desejado na atualidade, foram os postes que elegeram os políticos. Isto mesmo, o ontem contrariou o desejo dos tempos atuais.
Mente brilhante
Um sempre lembrado ex-vereador e ex-diretor do
Departamento de Iluminação da
Prefeitura de Fortaleza, órgão então responsável pela instalação de energia elétrica, aliou-se a um ex-deputado estadual, não menos famoso, e produziram uma inédita e luminosa ideia elétrico-eleitoreira.
Como, à época, nos subúrbios a maioria das ruas não dispunha de energia elétrica, pouco antes das eleições escolheram várias artérias de bairros periféricos, reuniram os moradores e garantiram que todos teriam o desejado serviço público em seus lares.
Quase às vésperas dos pleitos, caminhões da municipalidade, carregados com os antigos postes de madeira, destinavam-se às ruas dos votantes e deitavam ao chão dois postes em cada quadra. Muitas alegrias e comemorações realizaram-se por conta do futuro benefício. Os postes estavam ali. Eram a garantia, pensava o eleitorado. Os candidatos divulgavam atraso nas obras por conta da burocracia, entretanto, juravam que logo após a eleição todos teriam a desejada luz nas casas e nas ruas. Tudo ficava na promessa e os postes eram recolhidos ao depósito municipal após elegerem e reelegerem a ambos, com votações de áreas sempre diferentes. A lembrança restada da tramóia foi o apelido dado ao deputado, devido à posição dos postes, que eram de madeira, deitados ao chão:
"O Homem do Pau Deitado".
Político e corrupto
Há dias, encontrei o professor Abrantes. Calmoso na fala e gestos, praticante e pregador da filosofia aristotélica. Da ética, em especial. O devotamento ao sábio de Estagira e ao pai deste, Nicômaco, médico e preceptor de
Alexandre, o Grande, levou-o a dar ao filho o nome de Aristômaco.
Abraçou-me e expressou satisfação pelo reencontro. Quis demonstrar viver felicidade. Porém, era traído pelo semblante de padecedor encafifado. Pressenti. Tempo não durou a engabelação. Desinquieto, o inopino fez-se aparecer. Deu-me conta da aposentadoria e do banzo acometido devido à distância da lousa e do giz. Tentou cura tarefando como escritor. Nem bem surgiram as aparências de sanado o atropelo, outro, mais cismático, embatucou. Descreveu-me o intrigante acontecimento que o fazia desmilinguir-se. No meado do livro que escrevia,
"A última esperança da vitória da ética", abordando acontecimentos nacionais, fatos pasmosos sucederam-se.
A criação
Ao abordar os temas política e corrupção, deu vida a um personagem cometedor das inúmeras ilegalidades.
Zeca Romeu. Daí, o começo das desinfelicidades. Teclado o nome do indigitado, o computador travou. De todo. Nenhum saberente mexedor consertou. Técnico chamado. Quase uma manhã, problema solucionado.
O escrevinhador prosseguiu. Ao narrar às tramoias inicias de Romeu, retravo total.
Inexplicável! - dito do informata.
"Alguém teria acessado e, querendo ou não, ´deu pau na máquina´". Ninguém de casa faria isso, asseverou o mestre. Mesmo assim, aquiesceu na colocação de senha protetora do arquivo. Criptografia automática também instalada. Segurança completa.
Nem findou a história das malas de dinheiro do personagem e replicou-se a travagem. Desta feita, com danificação do
HD.
Perda completa das centenas de páginas digitadas. Trabalheira extenuante e pesquisas de meio ano para tudo dar em nada.
De momento, nova esperança. Aristômaco lembrou-se de haver salvo o arquivo, em pendriver, quando do derradeiro defeito do CP. Alegrias mil. Ligado o instrumentinho em seu notebook e aberto, lia-se em negrito:
"Deletado tudo! Não insista! Zeca Romeu, personagem vingativo!".
Geraldo Duarte
Geraldo Duarte, amigo e colaborador do blog,
é advogado, administrador e dicionarista