Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Greve dos portuários
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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sindicato dos Portuários - Meu baú de memórias - Patrícia Borges


O baú de memórias da Patrícia, veio lotado de fotos de diferentes momentos dos portuários. 
A atual sede foi inaugurada em 1971, e está localizado até hoje no mesmo endereço: Avenida Vicente de Castro, 6920 - Mucuripe. Mas algumas fotos são bem mais antigas, bem antes da inauguração dessa nova sede. 









Auditório da nova sede - Evento Noturno


Auditório da nova sede


Auditório - Evento diurno






Auditório




Auditório


Auditório



Continua...

É bom lembrar que a antiga sede ficava na Praia de Iracema e o Sindicato dos Portuários foi fundado em 1941.


Quem souber algo a respeito dos eventos, reconhecer alguém nas fotos ou alguma autoridade, escreva nos comentários, assim, juntos vamos desvendando essa história, ok?

E se você também tem fotos relíquias e gostaria de vê-las aqui no Fortaleza Nobre, basta enviar para fortalezanobre@gmail.com 


Leia também: A Greve dos Portuários



terça-feira, 11 de setembro de 2012

A fatídica manhã de 03 de janeiro de 1904 II


O quartel do Batalhão de Segurança


Para o Presidente, Pedro Borges, os grevistas agiram de forma agressiva contra o Batalhão de Segurança, destacando, no relatório de 1904, que os manifestantes dispararam tiros e pedradas contra os representantes da ordem, sob a liderança e presença marcante de três catraieiros: Cairára, Capivara e Luiz Bexigoso.

A injunção da autoridade fôra desrepeitada. Ao approximar-se a força, foi recebida a pedradas, a cacete e balas de revolver. O catraeiro Cairára se jactou perante testemunhas de haver disparado todos os tiros de seu revolver contra praças da força estadoal: Luiz Bexigoso, outro grevista, disparou três tiros; Capivara, que era o cabo de ordens dos insufladores da greve, munido egualmente de revolver, fez uso de sua arma.

O tratamento dedicado aos que se reuniram no galpão do Porto de Fortaleza na fatídica manhã do domingo, 03 de janeiro, foi agressivo. Essa atitude está presente
nos escritos dos memorialistas não muito simpáticos à oligarquia acciolina. Afirmam,
pelo contrário, que os trabalhadores estavam realizando uma manifestação pacífica e
foram surpreendidos com a chegada abrupta de soldados do Batalhão de Segurança e
da Marinha enviados para repreender os manifestantes que estavam causando desordem.  
Diferente da versão de Pedro Borges para o episódio da praia, Raimundo de Menezes afirma que a manifestação ganhou clima de hostilidade com a atitude do Comandante, que levou os catraieiros a reagir, os quaisaglomerados, em represália,
se opuseram à saída do bote virando-o, tomando à força os remos, e quebrando-os”.

O desfecho foi sangrento em consequência da resistência dos grevistas que, armados,
não queriam aceitar o descarregamento e desembarque das pessoas que se encontravam retidas no vapor “Maranhão”.
Os catraeiros, armados de facas, cacetetes e achas de lenha, irritados ao extremo, tentaram impedir, de qualquer forma, o desembarque. E a fuzilaria irrompeu violenta, usando das suas armas os praças da polícia, sem dó nem piedade para fazer tombar, ingloriamente, pobres marítimos, brasileiros como eles!
O memorialista Rodolfo Teófilo, mesmo não estando presente em Fortaleza no dia do episódio da praia, também abordou a repressão sofrida pelos catraieiros e reprovou a atitude do Governo:

Desceu a força militar e encontrou os catraieiros em atitude hostil e numerosa massa de curiosos que assistia o movimento. O galpão da recebedoria do estado achava-se cheio de gente inerme.
Os Catraieiros logo que avistaram a força romperam nos maiores insultos e houve um delles que chegou em frente do Commandante e disse-lhe os maiores impropérios. O sr. Cabral da Silveira não reagiu, mas o ajudante de ordens do Presidente do Estado, moço de gênio violento, não se conteve e assumindo o commando deu ordem para atacar os grevistas. Os soldados quase todos matadores, assassinos, mandados vir do sul do estado durante o primeiro governo do Sr. Accioly, de nada mais precisaram para carregarem sobre o povo matando a torto e a direita.

As palavras de Rodolfo Teófilo nos alerta para o questionamento sobre as versão dos memorialistas, os quais, às vezes, expõem um olhar preconceituoso e estigmatizado sobre os trabalhadores da época, relacionando-os a “pessoas hostis” e ignorantes”, talvez pelo fato de serem trabalhadores braçais, ou colocando-os também como culpados pelo ocorrido, devido às atitudes “desrespeitosas” diante da determinação do Comandante.
Portanto, faz-se pertinente, tomando alguns cuidados, a citação de Maurice Halbwachs, ao tratar da “memória coletiva”:

Toda memória se estrutura em identidades de grupos: recordamos a nossa infância como membros da família, o nosso bairro como membros da comunidade local, a nossa vida profissional em função a comunidade da fábrica do escritório e/ou de um partido político ou de um sindicato e assim por diante; que estas recordações são essencialmente memórias de grupos que a memória do indivíduo só existe na medida em que esse indivíduo é um produto provavelmente único e determinada intersecção de grupos.
  
Dessa maneira, ao utilizarmos as versões dos memorialistas Raimundo de Menezes e Rodolfo Teófilo, entendemos que as recordações pessoais são o resultado dos acontecimentos sociais e políticos da época. 
Ao final do dia 03 de janeiro e, nos dias seguintes foram registradas sete mortes e, aproximadamente, 30 feridos, os quais ficaram amontoados, largados pelos corredores da Santa Casa de Misericórdia.


No Noticiário do jornal O Unitário, na matéria “Nomes das vitimas do dia 03”, no dia 09 de janeiro foi divulgada a lista com o número de feridos.

Feridos na Santa Casa de Misericórdia:

1. Manoel Luiz Anselmo, cearense, casado 2 filho
2.João Francisco da Silva,35 annos, cearense, casado, 6 filhos.
3.Waldevino Nery do Santiago, solteiro, 20 annos.
4.Antonio Batista Nogueira, 21 annos, solteiro.
5.José Saldanha Souza; casado, 1 filho.
6. Luiz Barreira, solteiro.
7. José Pedro de Menezes, cearense, 24 annos, casado.
8. Antonio Belleza da Silva, 20 anos, cearense.
9. Antonio Rodrigues Carneiro. 35 annos, cearense, casado.
10. Francisco Baptista, 43 annos, casado, cearense.
11. Agostinho Franklin de Lima, cearense, casado, 1 filho.
12. Joaquim Correia, solteiro, 15 annos.
13. Bruno Figueiredo, 21 annos, solteiro, estudante.
14. Luiz Monteiro dos Santos, cearense, casado, 3 filhos.
15. Francisco Lourenço, casado, 21 annos.
16. Francisco Cariolano da Silva, solteiro, 22 annos.
17. José Deandro dos Santos, casado, 3 filhos.
18. Antonio Rodrigues da Silva, 32 annos, casado.
19. Francisco Firmino Alves, viúvo, 53 annos, Macau.
20. Manoel Francisco do Nascimento casado, 26 annos, Rio Grande do
Norte.
21. Ludgerio Joaquim dos Santos, solteiro, 24 annos, cearense.
22. Francisco Antonio, solteiro, 21 annos, cearense.
23. Mariano Faustino Rodrigues, cearense, casado, 1 filho.
24. Joaquim de Souza Morim, solteiro, 10 annos, cearense.
25. Luiz Monteiro dos Santos Filho, cearense, 1 filho.
26. Antonio Medeiros, solteiro, 20 annos, cearense.
27. Joaquim Xavier Correia, 18 annos, solteiro, cearense.
28. Francisco Antonio, solteiro.
29. Cabo Francisco Antonio de Souza Morim, solteiro, 19 annos.
30. Cabo Marianno Faustino Vira, casado.

Nas páginas do Jornal O Unitário, foram dedicadas edições quase inteiras ao episódio da praia, desde o editorial até o último texto da página quatro. Na edição número 98, do dia 16 de fevereiro, João Brígido destacou as condições precárias em que se encontravam as vítimas do dia 03 de janeiro e a acusação de desvio das doações aos seus familiares:       

A Santa Casa se tornou um açougue, onde morrião sangrando muitos Paes de familia, fez-se um montão de pernas e braços cortados, durante muitos dias a um ilustre clinico ouvimos falar disto com assombro.
(...) Um real não deo do seo bolço às viúvas e orphãos e quando o peteca do sr. Lampreia lhe mandou por bajulação, 610$ com destino às victimas do grande crime, S. Exc. Os desviou do seo destino, fasendo com elles uma barretada á administração da Santa Casa...

Das sete vítimas fatais do massacre, apenas Luiz Monteiro dos Santos foi identificada como catraieiro, segundo as listas divulgadas no jornal  O Unitário no decorrer do mês de janeiro de 1904:

1.Adelino Marques Dias, solteiro, 22 anos, portuguez.
2.João Mendes da Silva, casado, cearense com 10 filhos.
3.Napoleão Alcantarino, solteiro, 21 annos, cearense.
4.João Coimbra, 75 annos, solteiro, cearense.
5.Uma criança
6.José Rodrigues da Silva, casado, 3 filhos.
7.Luiz Monteiro dos Santos Filho, catraeiro, casado, uma filha.

Ao analisar o Jornal  O Unitário, podemos destacar que esses números referentes aos catraieiros foram modificados no decorrer dos dias e, também, a ênfase nos indivíduos que sofreram lesões graves como amputações, devido à agressiva ação do Batalhão de Polícia, como o caso de João Mendes da Silva, conhecido como João Cabano, catraieiro matriculado, mas que na lista não consta como tal. 
Os jornais citavam entre as vítimas do acontecimento da praia, o catraieiro José Leandro dos Santos que teve o braço direito amputado, por causa dos ferimentos.

Também são relatados outros casos de óbito, como a morte posterior, no dia 15 de janeiro, do catraieiro Luiz Monteiro dos Santos, de 23 anos, casado com Idulberge. Para os jornais oposicionistas, Monteiro era “homem valido, trabalhador e honrado, que trazia farta a sua casa sem fazer mal a alguem...”.

Ou seja, estes jornais buscavam ressaltar a ação injusta do Governo, diante de um “homem correto”.
Os jornais oposicionistas destacaram em várias edições, além da ação repressiva do Governo, o descaso diante das vítimas e dos seus familiares, de modo a dar maior visibilidade à questão da greve, intensificando as críticas à oligarquia acciolina. Mas as lutas dos catraieiros não estavam restritas à questão do Recrutamento e da greve, pois também existia tensão no cotidiano de trabalho, principalmente, em relação aos contratadores.





“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais

A fatídica manhã de 03 de janeiro de 1904



(...) Três de janeiro é a expressão do golgotha que verteu o sangue cearense e registra o momento em que o espírito do povo revoltado contra o ludibrio e o morticinio, ergue-se toma proporções gingantescas e prepara-se para a luta.
Era preciso morrer-se naquelle dia, ainda, para despertarmos hoje ao toque do clarim que annuncia a necessidade da reparação do supplicio, a queda do Tyrano, o desaggravo da affronta feita aos nossos irmãos que baixaram com nossas lagrimas, e daquelles que as muletas para attestar a illucidez do Sr. Pedro Borges...


(UNITÁRIO, Fortaleza. Sentença, 14 de janeiro de 1904, nº 84. p.4)
                                      
O dia 03 de janeiro de 1904 foi marcado pela manifestação dos trabalhadores do Porto da cidade de Fortaleza, os quais questionavam o processo de alistamento e sorteio para o serviço da Armada da Marinha Brasileira, dia que ficou lembrado pelo sangue derramado dos grevistas.

Após ter sido realizado o sorteio, no dia 27 de dezembro, incluindo catraieiros e pescadores, foram realizados os pedidos de habeas-corpus pelos advogados que faziam parte do grupo oposicionista, ou seja, eram membros das famílias que possuíam notoriedade política, mas não estavam contentes com o domínio da Oligarquia Acciolina, como: João Brígido (foto ao lado)Agapito Jorge dos Santos, Valdemiro Cavalcante, Hermenegildo Firmeza, dentre outros, com a justificativa de que o alistamento e o sorteio foram realizados arbitrariamente, não respeitando os critérios de idade e de funções no Porto.
  
As insatisfações dos opositores decorriam do domínio de Nogueira  Acciolyque estava no controle da política Estadual desde 1896, diante do prestígio de seu 
sogro, o Senador Pompeu.

A política no Estado do Ceará passava por um período de turbulência diante dos acertos políticos do então Presidente da República, Campos Sales (foto ao lado), que objetivava manter no controle governamental do País as oligarquias ligadas ao poder Federal de maneira a obter uma relação política mutualista. 

Com o apoio da “Política dos Governadores”, colocada em prática por Campos Sales, ele objetivava somar força entre o poder central do País e os Estados. 
Dessa feita, Nogueira Accioly conquistou notoriedade na política nacional e mantevese à frente do Estado à custa do nepotismo e de fraudes em eleições. Em meio aos privilégios concedidos aos apaniguados da oligarquia, alguns grupos políticos, antes ligados a Nogueira Accioly, romperam os laços com o oligarca e passaram a fazer oposição ao seu poderio.
Porém, mesmo no período em que apoiava Nogueira Accioly, João Brígido estava insatisfeito com a maneira pela qual, os cargos públicos eram divididos, como também com a concentração da riqueza no Estado, privilegiando somente à família Accioly e a um pequeno grupo de políticos, mais próximos do oligarca.
João Brígido distanciou-se de Acciolly em janeiro de 1904, com o apoio dado aos catraieiros e com às críticas publicadas no jornal  O Unitário, passando a questionar a oligarquia vigente, juntamente com o jornal situacionista,  A Repúblicarompendo definitivamente relações políticas e passando a ser opositor.  
Em meio às disputas políticas com a oligarquia Acciolina, os oposicionistas adotaram a causa dos catraieiros, possivelmente devido à relação existente entre estes e os contratadores de mão-de-obra portuária. Assim, concederam apoio à decisão de paralisação dos trabalhos, que deram início ao movimento grevista.


Segundo o trecho abaixo do Relatório do Presidente do Estado, Pedro Borges (foto ao lado), é possível visualizar o tipo de tratamento recebido pelos manifestantes: 

Effectivamente, pela manhã cedo do dia 03 de janeiro, quando se achava ancorado ao porto o vapor “Maranhão”, procedente do norte, abarrotado de passageiros com destino a esse Estado, a praia. No local ordinário, achavase quase deserta. Os escaleres fluctuavam esparsos sobre as vagas, os catraeiros e os homens habituados ao serviço do mar, formavam pequenos grupos, de observação na linha da praia, o serviço de transporte completamente paralysado denunciava a existência da greve. (...) Mantendo a atitude pacifica, a força descansou as armas, confiando que os grevistas, melhor avisados cessassem as hostilidades ao serviço Federal iniciado para o desembarque dos passageiros... Muitas pêssoas do povo, que haviam aderido a sua causa confraternisaram publicamente com elles no galpão da Recebedoria, excitando os ânimos (sic.).

O primeiro fato, que nos chama atenção no texto acima, é que Pedro Augusto Borges admitiu oficialmente a existência da greve e demonstra na sua fala a visão de que os grevistas eram homens grosseiros que estavam com os ânimos exaltados, tendo o Governo a obrigação de manter a ordem diante de tal situação. 
Para amenizar a tensão existente, o Capitão do Porto, Lopes da Cruz, propôs uma reunião na manhã do dia 03 de janeiro de 1904, a qual contaria com a participação dos grevistas, cujo objetivo era negociar a situação vigente. No entanto, deve ser ressaltado que, para o poder governamental, a questão dos trabalhadores durante o período aqui analisado era um “caso de polícia”. 
Segundo Cláudio Batalha, a política nacional vigente, as manifestações e greves eram ações que quebravam a harmonia e a organização da sociedade, sendo, dessa maneira, necessária a utilização da repressão para restabelecimento da ordem. 
Com esse intuito, eram efetuadas prisões arbitrárias, empastelamento de jornais, invasões das casas dos manifestantes, etc.

Na manhã do dia 03 de janeiro, mesmo com a manifestação, o Comandante do Porto tentou obrigar os grevistas a descarregar o navio e transportar os passageiros impedidos do desembarque, porém, os mesmos se negaram a tal feito. Então, Luis Lopes da Cruz, também apelidado por João Brígido, la Croix, resolveu, com o apoio de Augusto Borges, repreendê-los.
Para o Governo, os trabalhadores agiram de maneira “pensada e premeditada”, pois no dia 02 de janeiro já corriam notícias que, na manhã seguinte, os homens matriculados na Capitania dos Portos se negariam a realizar o serviço de embarque e desembarque de mercadorias e passageiros.


Porto de Santos

O movimento grevista contou com a organização e a participação efetiva dos trabalhadores e contratadores, devido aos interesses lucrativos dos mesmos, além do que os trabalhadores não aceitavam passivamente as mudanças impostas pelo Governo.

Raimundo de Menezes assim descreveu com riqueza de informações os momentos que antecederam o episódio da praia:

O dia 3 despertava borrascoso. Era domingo. Chegara, manhãzinha cedo o paquete “Maranhão”. 
Notava-se no ponto de desembarque um corre-corre desudado e gente... 
corre - corre fora do habitual. Agitado vaivém de populares e de homens do mar.
Às sete horas exatamente explodiu o movimento grevista. Aderiram, desde logo, catraieiros e demais empregados no tráfego marítimo. Os  poucos indiferentes tiveram de abandonar o trabalho, forçados pelos paredistas.

Interessante perceber no texto citado, o quanto a greve fugia ao cotidiano da cidade, tendo sua causa questionada. Também é importante analisar detidamente a passagem que trata a respeito dos trabalhadores indiferentes à manifestação e afirma que foram forçados pelos grevistas a deixarem seus postos de trabalho, como a descrição anterior de Raimundo de Menezes e o Relatório do Presidente do Estado, do ano de 1904: 

“Fora assentado, como ponto fundamental da greve ou seu objectivo 
irreductivel, que a nenhum catraeiro seria permitido trabalhar, ainda mesmo áquelles 
que inspirado em melhor conselho, se recusassem a fazer parte della”.

A partir desses relatos, podemos ter uma noção da força e da organização do movimento grevista, que contou com a participação significativa dos trabalhadores do Porto, os quais foram acusados de desrespeitar a autoridade do Governo e causar desordem na cidade.

Continua...



“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Greve dos portuários - A Construção da trama II


Durante a Primeira República, as condições econômicas da classe operária eram precárias, marcadas por várias reivindicações e experiências de trabalho, fossem dos trabalhadores têxteis, domésticos, artesãos, portuários etc, em consequência dos salários pagos de maneira diferenciada nos Estados do Brasil e que variavam de acordo com as funções exercidas. Os ofícios tidos como mais qualificados, por causa da mesma oferta da mão-de-obra, eram mais bem pagos.

Antigo Porto de Fortaleza - Arquivo Nirez

Os trabalhadores marítimos, portuários e ferroviários estavam inseridos em um problema público, devido à importância dos mesmos para a economia, visto que eram fundamentais para o escoamento de mercadorias pelo País. Dessa maneira, o Governo do Ceará foi diversas vezes forçado a negociar com esses trabalhadores, o que fugia à regra do contexto vigente.
Um fator determinante para a articulação do movimento portuário era o fato de que os trabalhadores utilizavam intensamente da força física pois necessitavam de músculos desenvolvidos. Essa peculiaridade gerava uma característica selecionadora e, portanto, reduzia o acúmulo de trabalhadores masculinos a um “exército de reserva”, dificultando, mesmo no momento de greve, a substituição da mão-de-obra. Essas características eram determinantes nas condições de vida dos trabalhadores, levando-se em consideração a jornada de trabalho e a ausência de leis para proteger o empregado dos abusos dos patrões. Entre o final do século XIX e primeiros anos do século XX surgiram os sindicatos operários de cunho mais combativo, voltados para a contestação da jornada de trabalho, as condições de trabalho, os salários e as formas de pagamentos. Assim, foi destacável a articulação e participação dos trabalhadores ligados ao mar, durante o período analisado, no tocante às reivindicações, manifestações e greves, posto que os catraieiros do porto de Fortaleza estavam inseridos nesse contexto.
Esse período é marcado pela articulação de movimentos operários e pela repressão do poder público, sendo importante ressaltar a organização da classe operária brasileira, quando do surgimento das primeiras Sociedades de Socorros Mútuos, que objetivavam o auxílio material para os membros de uma mesma categoria e a busca de interesses comuns. 

Além desse aspecto propício, os trabalhadores do setor de serviços ainda tinham a favor das suas lutas o fato de fazer parte essencial do setor econômico agro-exportador. Com essas bases, o movimento gradativamente foi se fortalecendo e se firmou durante a década de 20. 
O fato é que os trabalhadores Portuários e Marítimos, segundo colocam Cláudio Batalha e Boris Fausto, faziam parte de um setor de serviços vital para a organização da cidade e, sabedores de sua importância econômica, suas reivindicações ganharam fôlego no fim do século XIX e primeiros anos do século XX, influenciados pelas ideias políticas que estavam surgindo no movimento operário urbano desse momento, como o trabalhismo carioca, o anarquismo, o anarco-comunismo e o socialismo.
A primeira corrente ideológica surgida nesse período, segundo Boris Faustofoi o “trabalhismo carioca”, que tinha como ponto fundamental a tentativa de negociar melhores condições de trabalho e o suprimento de necessidades imediatas negociadas com os patrões (reivindicações mínimas).

Trapiche que serviu de porto para Fortaleza - Arquivo Nirez

Claudio Batalha criticou os termos “trabalhismo carioca” e denominou esta corrente de “Sindicalismo Reformista”. Este movimento dos trabalhadores visava a organização duradoura, com bases financeiras bem articuladas, para praticar o “mutualismo”. Segundo esse autor, para os reformistas, a greve era um meio de obter ganhos e, por vezes, aceitavam o apoio de advogados políticos para intermediar as negociações com os patrões.

A articulação dos trabalhadores reformistas com os políticos era uma atitude que tinha como objetivo conseguir espaço e êxito em meio às reivindicações. Este é um ponto fundamental para pensar a aproximação entre o movimento reformista e a greve dos catraieiros no Porto de Fortaleza, em 1904, pois estes trabalhadores tiveram o apoio dos advogados que faziam parte dos grupos opositores ao governo do Estado desejando obter notoriedade e, principalmente, somar forças para lutar contra o processo arbitrário de sorteio para a Armada da Marinha.  

Mesmo com a ação das ideologias anteriormente citadas, o “trabalhismo carioca” ou “movimento reformista” pode ser melhor identificado entre ostrabalhadores do Porto de Fortaleza, posto que uma das principais reivindicações vigentes, entre marítimos e portuários, era a ação imediata para liberação do processo de sorteio. E, principalmente, por que reforça a ideia de um movimento trabalhista que estava interessado em pequenas reivindicações ou objetivos mais imediatos.
No decorrer dos anos, o trabalhismo foi aos poucos sufocado pelos avanços do anarquismo, não somente na Capital da República como também em São Paulo, onde o movimento operário teve a forte presença das idéias anarquistas, notadamente entre os trabalhadores do Porto de Santos.

Antigo Porto de Fortaleza - M.Filho

O “Centro das Classes Operárias” foi um importante movimento organizado por socialistas e formado, essencialmente, pelos marítimos no Rio de Janeiro, assim  como a greve ocorrida em 1903 contra a Companhia Lloyd Brasileira, a qual contou com a participação de 800 homens que se negaram a trabalhar durante 8 dias, visando obter a demissão de um dos seus diretores no Rio de Janeiro.
Com esse movimento, os trabalhadores dos Portos Brasileiros estavam reagindo à Lei Federal de Sorteio para a Armada da Marinha e às questões referentes à organização precária do trabalho.
Em Fortaleza, os sorteados alegavam não servir à Armada da Marinha, porque eram “arrimos de família”, além de muitos deles não estarem dentro dos limites da idade exigida pela Lei. Somado a esses motivos estava o desejo de não deixar de praticar a atividade de trabalho.

O jornal O Unitário, do dia 14 de janeiro de 1904, divulgou um extenso artigo escrito por Manoel Armindo Cordeiro criticando o processo através do qual o sorteio foi colocado em prática. Segundo o mesmo, o art. 72, § 24, da Constituição Federal, que tratava sobre o procedimento de sorteio, foi colocado em prática de maneira incorreta, pois jamais foram considerados navios componentes da Marinha Mercante os botes, saveiros, catraias, jangadas, etc.

Dessa feita, os artigos e críticas realizadas pelo O Unitário e Jornal do Ceará à Oligarquia Acciolina alegaram que a prática colocada em ação no Estado do Ceará foi arbitrária, fortalecendo e legitimando as exigências dos grevistas.
Com a paralisação dos catraieiros, os navios que chegaram ao Porto não foram descarregados, gerando insatisfação do Presidente do Estado do Ceará, Pedro Augusto Borges, visto que o Porto era o principal ponto de entrada e saída de mercadorias. A partir dessa insatisfação, na manhã do dia 03 de janeiro de 1904 a greve dos catraieiros tem seu ápice.  

Parte I


“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais

domingo, 9 de setembro de 2012

Greve dos portuários - A Construção da trama


Os momentos que antecederam à greve

Para compreendermos a greve dos catraieiros, ocorrida no Porto de Fortaleza, faz-se necessário analisar o cenário político. Precisamos perceber os lances da trama que contou com a participação, não somente dos trabalhadores, mas também dos contratadores, comerciantes e membros do grupo político oposicionista a Nogueira Accioly


Durante o quatriênio de 1900 a 1904, o Governo do 
Ceará estava nas mãos de Pedro Augusto Borges, aliado de Nogueira Accioly que administrou o Estado de maneira a reforçar o poderio da Oligarquia Acciolina. Mas, devido a problemas administrativos, devido aos avanços dos grupos opositores, a greve dos trabalhadores catraieiros e a aliança firmada entre estes, através dos serviços dos advogados aos trabalhadores sorteados e a visibilidade da greve dos catraieiros, através dos jornais tornaram a administração de Pedro Borges conturbada.
Além desses personagens, ressaltaremos a importância da Lei Federal de Alistamento, visto que, à maneira pela qual foi colocada em prática na cidade, serviu como ponto fundamental para a eclosão da greve. O “cenário” foi ganhando forma com o sorteio realizado no dia 26 de dezembro de 1903, em Fortaleza, e a consequente insatisfação dos trabalhadores catraieiros, acrescentada ao apoio dos patrões e políticos que deram a coloração do desenho, quadro este, posteriormente pintado com o sangue dos próprios trabalhadores, os quais estavam presentes à manifestação reivindicatória da manhã de domingo, no galpão do Porto.
Dessa maneira, podemos destacar a função da experiência nesses processos de construção, manutenção ou, até mesmo, de transformação dos costumes, através da vivência dos trabalhadores, nesse “quadro” constantemente modificado e pintado com diferentes cores, a partir das ações que constituem o seu dia-a-dia.

Durante o ano de 1903 foram assinados pelo Presidente da República do Brasil, Rodrigues Alves, os Decretos nº 4901 e nº 4983, referentes ao processo de sorteio dos matriculados para a Armada da Marinha, com o objetivo de preencher os espaços vagos no contingente.
O Decreto de nº 4901 expunha as instruções e a regulamentação para que os Sorteados, com idade de 16 a 30 anos, exceto maquinistas e pilotos, fossem inscritas por ordem alfabética em um livro especial, denominado Livro de Sorteio.  
O referido Decreto estabelecia as regras pela qual o sorteio seria realizado, tais como: os papéis com os nomes dos matriculados deveriam ter o mesmo tamanho e cor; o sorteio contaria com a participação de uma comissão composta pelo Capitão do Porto, o Presidente da Comissão, e dois oficiais da Marinha; após o Sorteio, o Capitão dos Portos lançaria edital para convocar os sorteados, que deveriam ter três anos na ativa e/ou dois na reserva do serviço militar.
Este Decreto reforçava a Lei de Alistamento Militar de 1875 que, no Artigo 87, § 4º expunha os critérios de alistamento, como: a prioridade do sorteio para marinheiros e aprendizes marinheiros e para o pessoal da Marinha Mercante. Os trabalhadores do Porto, como pescadores, estivadores e catraieiros somente seriam alistados em último caso.


Antigo Porto de Fortaleza - Praia de Iracema

A Lei de Recrutamento Militar de 1874, que determinava o recrutamento forçado para o serviço militar, foi modificada em 1875, quando foi criado o Sistema de Sorteio Universal

O alistamento causou repulsa a qualquer tipo de recrutamento que vigorou durante esse período.  Essas leis foram promulgadas num período em que a sociedade nordestina organizava constantes manifestações contestatórias às condições de pobreza dos trabalhadores das camadas subalternas da população.
Hamilton Monteiro afirma que o aumento abusivo da cobrança de impostos, a nova 
Lei de Recrutamento, mais severa, e o sistema métrico decimal, geraram diversas 
manifestações nas províncias do Nordeste, como a denominada “Quebra-Quilos”. (MONTEIRO, Hamilton de Matos.  Nordeste insurgente (1851-1890). 2º ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.  
pp. 51-52.)

Além da crescente crise econômica agravada pela seca de 1877-79, os trabalhadores foram influenciados pela ideia de que teriam a liberdade cerceada com a Lei de Recrutamento, nº 2.556, de 26 de setembro de 1874, pois seriam convocados a contragosto.
Os boatos foram difundidos pelos grandes fazendeiros que não viam com bons olhos a lei, pois esta ameaçava diretamente a oferta da mão-de-obra e colocava em risco seus lucros, o que gerou os episódios de “rasgar listas”, ocasião em que as listas dos sorteados para o serviço Militar eram rasgadas pelas pessoas insatisfeitas com o processo de sorteio.  
Ainda no final do século XIX, várias manifestações ocorreram no Brasil durante os primeiros anos da República, como a greve ocorrida em 1895 no Rio de Janeiro, analisada por Maria Cecília Velasco, a qual informa que o Coronel Francisco Alves Pessoa Leal tinha a função de organizar a Sociedade União dos Trabalhadores da Estiva, com o objetivo principal de reivindicar melhores salários e desvencilhar as dificuldades do trabalho. Esse recuo no tempo se faz pertinente, visto que a mobilização dos estivadores e trabalhadores do Porto, desde 1895, já passava por um processo de articulação do movimento dos operários portuários. E, mesmo com a derrota do movimento liderado pelo Coronel Leal, foi lançada a semente do movimento desses trabalhadores no Brasil.

Como, em outubro de 1897, os trabalhadores do Porto de Santos aderiram à Greve que contava com a participação de várias categorias, nas Docas, os trabalhadores carregadores de café reivindicaram melhores condições salariais, chegando a 15 dias de agitação.

A resistência dos catraieiros ao alistamento arbitrário para a Armada da Marinha pode ter tido ligação com a cultura nordestina de repulsa ao recrutamento militar de 1874. Daí a pertinência de recuo no tempo para tentarmos compreender o porquê dos catraieiros terem reagido à ideia do alistamento e sorteio, posto que, assim como a determinação do recrutamento, o alistamento e sorteio foram vistos como meios utilizados pelo Governo Accioly para retirar dos homens pobres a possibilidade de escolha do tipo de trabalho que 
realizavam. 


Antigo porto de Fortaleza na Praia de Iracema - Arquivo Nirez


O Decreto nº 4983, de 30 de setembro de 1903, estabeleceu o contingente de pessoal a ser listado para cada Estado, tendo o Ceará recrutado 50, dentre os 750 matriculados. Seguindo as determinações do Governo Federal, o chefe da Capitania do Porto de Fortaleza, Capitão Lopes Silveira da Cruz, convocou, para o dia 27 de dezembro desse mesmo ano, a realização do sorteio. Nos dias se que seguiram ao sorteio, o jornal O Unitário anunciou que: “As commissões da Sociedade União dos Foguistas, Centro Geral dos Folguistas as Sociedades dos Arraes e Patrões e Club dos Officiaes da Marinha Mercante Brazileira, encarregadas de elaborar o protesto contra o sorteio para a Armada”, convocou uma reunião para tratar sobre a questão do sorteio. Dessa feita, os artigos do jornal O Unitário, a partir de 26 de dezembro de 1903, passaram a mobilizar forças para questionar o processo de alistamento e sorteio. 
Assim, o processo de Sorteio colocado em prática no Porto de Fortaleza, contou com o alistamento dos trabalhadores do mar e dos catraieiros, contrariando dessa maneira, a Lei Federal anteriormente citada. A partir da aplicação desses Decretos e da Lei temos como pano de fundo, a repressão imposta aos trabalhadores. 
Em 1903, os trabalhadores de alguns portos, como o do Rio de Janeiro e de Santos, já possuíam uma organização tal, que ansiavam quebrar as amarras que os prendia ao controle dos empreiteiros ou contratadores, para se relacionarem diretamente com o mercado. Dessa feita, deve-se ressaltar que a mão-de-obra nos portos do Brasil era avulsa. Muito embora dela fizessem parte alguns trabalhadores fixos que, não possuíssem relações empregatícias com o Porto, estavam ligados aos contratadores e às empresas de navegação.

No mês de agosto de 1903, ocorreu, no Porto do Rio de Janeiro, um movimento que mobilizou os trabalhadores ligados à Paredeque não os deixou subir nas lanchas para realizar o desembarque de café dos navios.
A partir desse período, o movimento do Porto do Rio de Janeiro e de diversas partes do Brasil alcançou maior notoriedade e, gradativamente, ganhou espaço no teatro das disputas 
dos trabalhadores da época. 

Em Fortaleza, o jornal O Unitário divulgou telegramas, nos quais constavam notícias sobre as mobilizações que estavam ocorrendo em diversas partes do Brasil e de forma mais veemente no Rio de Janeiro, de maneira a reforçar a “causa justa” dos trabalhadores do Porto de Fortaleza, segundo a seguinte nota: 

- Em conseqüência da execução do sorteio para o serviço da armada no dia 30, o pessoal da Marinha Mercante declarou-se em greve, sendo suspenso o trafego dos barcos de Petrópolis e Nitheroy é assim paralysado todo o serviço do mar.
- O vapor S. Salvador não seguirá para o norte, por falta de foguistas.
-Diversos Navios estão despachados, mas sem poderem sahir, em consequência da Parede.
- O vapor S. Salvador parte hoje para o norte, com pessoal tirado d’armada.

Em Fortaleza a mobilização dos catraieiros ocorreu fundamentada no objetivo de fugir ao processo de Alistamento e Sorteio para a Armada da Marinha, foi exatamente no contexto de luta desses trabalhadores, notícia divulgada pelo jornal A nação destacando a vitória do movimento grevista dos trabalhadores do Porto do Rio, que conseguiram negociar melhores condições de pagamento e de trabalho com o Governo e os contratadores.
Os catraieiros perceberam que era um momento propício para realizar suas reivindicações, sendo a obrigatoriedade do alistamento a principal bandeira de luta, visto que os jornais ligados à oposição não abordaram outras exigências, provavelmente, porque tinham relações próximas aos comerciantes e contratadores, responsáveis pela mão-de-obra avulsa do Porto.

Continua...

*Local do Porto onde os trabalhadores se reuniam para a contratação do serviço de frete pelos contratadores.




“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais

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