Desde a infância, Justiniano de Serpa teve a vida marcada pela miséria e luta pela sobrevivência. Nascido em Aquiraz, começou bem cedo a ajudar o pai no trabalho diário, tangendo animais de carga para abastecimentos dos mercados de Fortaleza e Cascavel. Enquanto seguias pelas trilhas montado em jumento, procurava sempre estudar a cartilha, onde aprendeu a ler. Desta forma, ao transferir-se para a capital do Estado, já tinha alguma instrução, adquirida a duras penas.
O filho de Manuel da Costa Marçal começou a desenvolver suas aptidões na imprensa local, demonstrando vocação para ofício. Seguindo a maioria dos que desejavam aprimorar-se no conhecimento acadêmico matriculou-se na Faculdade de Direito de Recife, onde se bacharelou em 1888. Na época, Justiniano de Serpa já tinha sido eleito deputado do Ceará pelo partido conservador, em mais de uma legislatura, no período de 1882 a 1889. A sua fama foi resultado da participação no movimento abolicionista e depois republicano, quando a sociedade cearense não mais permitia a exploração violenta dos negros.
Em 1886, decidiu-se afastar-se da política local, transferindo-se para Manaus, prosseguindo as atividades jornalísticas nas publicações “Rio Negro” e “Federação”. Professor de Liceu, diretor da biblioteca da Amazonas, Procurador da República, Justiniano de Serpa demostrou a mesma disposição para o trabalho em terra estranha. Dois anos depois, passou a morar em Belém. Nesta cidade, continuou no magistério e na advocacia. Vice-diretor da Faculdade de Direito do Pará, foi eleito deputado federal em 1906, tendo mandado renovado até 1919. Neste ano foi indicado para substituir, no governo do Ceará, João Tomé.
Justiniano de Serpa, como deputado federal pelo Pará, projetou-se ainda mais. Desta vez, em termos nacionais. Isto devido ao trabalho como jurista, desenvolvido quando presidia a Comissão dos 21, responsável pela elaboração do Código civil Brasileiro, baseando no projeto de Clóvis Beviláqua. No contato diário como políticos e governantes, acumulou amizades que ajudaram a ascensão ao governo cearense. Parsifal Barroso, no livro “Uma história político do Ceará. – 1889-1954”(edições BNB, 1984), lembra a ajuda recebida:
- Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e Epitácio Pessoa se tornaram seus grandes e veros admiradores a esse tempo, e quando o admirável paraibano foi alçado à Presidência da República, a permanente crise da política cearense facilitou a preferência do nome do jurista Justiniano de Serpa, para sucessão do presidente João Tomé de Sabóia e Silva.
Parsifal Barroso diz que Justiniano de Serpa era orador influente, que através do improviso conquistava a admiração pública: “Ao longo de sua vida, respeitado governador cearense demonstrou crescentemente se dotado de extraordinário poder de vontade, fator principal de suas vitórias político-partidárias, pois teve de enfrentar uma forte oposição, chefiada pelo admirável homem público que foi o Senador Manoel do Nascimento Fernandes Távora”. Observa que ao assumir o governador do Ceará, em 12 de julho de 1920, encontrou o Estado sofrendo ainda das conseqüências da seca o ano anterior, apesar dos efeitos terem sido atenuados pela primeira vez, graças à obras federais determinadas por Epitácio Pessoa.
-Há uma particularidade – ressalta Parsifal Barroso – que marca o governo Serpa, através de uma série de atentados e crimes políticos, ocorridos notadamente em Lavras, Aurora, Juazeiro, Milagres, Tauá e Quixeramobim. Parece-me que essas perturbações de ordem pública não devem ser atribuídas à franqueza político-administrativas do Presidente Justiniano de Serpa, mas podem ser decorrentes de anteriores dissidência entre famílias adversárias, que logo se aproveitaram do novo alto nível do governo, procurando medir forças ao virem à tona seus antigos ódios. As reminiscências do coronelismo político no Ceará, não obstante o esforço de seus governantes, sempre se manifestaram com relativa facilidade, e o Presidente Justiniano de Serpa foi uma vítima do próprio desconhecimentos dessas virulentas manifestações do patriarcalismo rural.
Afirma ainda que ele “desenvolveu esforços para aproximar as duas facções do antigo Partido Conservador – acionista e marretas -, e soube conclamar e dirigir o situacionismo cearense, face a sucessão presidencial, tudo fazendo para a vitória alcançada pelos candidatos Arthur da Silva Bernardes e Urbano Santos da Costa Araújo, como sucessores do notável presidente Epitácio Pessoa”. Garante também que Justiniano de Serpa até foi lembrado para a vice-presidência da República, pois Bernardes queria contemplar em sua chapa um nome nordestino. No entanto outras forças políticas optaram por Urbano Santos.
Parsifal Barroso refere-se finalmente à “honradez do Presidente configurada na pobreza final de sua benemérita vida”. Depois de sua morte, conta que a família ficou em estado de penúria, e as contas dos médicos que o trataram somente vieram a ser resgatadas pelo seu sucessor, o Presidente Ildefonso Albano. O governador Serpa, não há que negar, abriu um hiato promissor na história política do Ceará, através de várias iniciativas inovadoras e modernizadoras. Pena é que Justiniano somente tenha podido servir ao Ceará, já no fim de sua laboriosa vida, mas ainda assim muito fez pela gente cearense”.
Raimundo Girão, em “pequena história do Ceará”, qualifica de governo-marco o de Justiniano, “verdadeiro primado da inteligência e das renovações democráticas”. E demonstra com exemplos tal opinião: “A reforma da Constituição Estadual, com a proibição das reeleições remuneradas – são bem o traço do espírito liberal do governante inspirador direto daquela reforma, estratificada na nova Carta de 4 de novembro de 1921. Complementando-a promulgou a Lei de organização judiciária e os Códigos de Processo Civil e Processo Criminal”. E continua:
- A constituição pública é outro índice da sua visão arejada , pondo rigorosamente, acima das conveniências dos partidos, os interesses do ensino primário. Chamou para reorganizá-lo um técnico alheio a essas conveniências, o paulista professor Manuel Bergstrom Lourenço Filho, que resolveu, de todo, velhos hábitos para instituir uma ordem de coisas menos formalísticas e literárias, antes mais prática e coerente”
- Culto e talentoso – afirma Girão – o Dr. Serpa aproximou os intelectuais ao seu redor mecênico. No Palácio do Governo, oferecendo-lhes a estimulação imprescindível que permitiu o reflorescer da Academia Cearense de Letras, então letárgica e muito desfalcada de seus membros. Foi ele que oficializou a Bandeira do Ceará, com o Dec. N.º 1.971. de 25 de agosto de 1922, valendo-se de uma ideia de comerciante João Tibúrcio Albano, que imaginara o pavilhão cearense aproveitando as linhas do nacional.
Patrono da Academia N.º 22, AC de Letras, Justiniano (quem foi também seu fundador, 1894) publicou diversos trabalhos, entre os quais “Oscilações” (poesia, 1883) “O nosso meio Literário”(1896) e questões de Direito e Legislação”(1920). Na Poesia, quase sempre condoreira, ele não obteve o mesmo sucesso de sua atuação parlamentar e governamental. Sânzio de Azevedo, em “Literatura Cearense” (Academia Cearense de Letras, 1976), assim manifesta sua opinião:
-Justiniano de Serpa, se não poder ser considerado um poeta de fôlego de vôo alto ( ele mesmo renegaria sua obra poética), era excelente orador, o que em matéria de poesia condoreira, quase equivalia à mesma coisa, já que o objetivo primordial era atingir à eloquência a fim de arrebatar os auditórios.
O poema “Bravos, por exemplo foi dedicado especialmente à sociedade das Cearenses Libertadoras, entidade que se batia pela libertação dos escravos, reunindo nomes do porte de Maria Tomásia. Este trabalho poético foi declamado em praça pública, sob aplausos e delírio do povo.
Em 12 de junho de 1923, devido a problemas com a saúde, transferi o governador Ildefonso Albano, primeiro vice-presidente do Estado. No Rio de Janeiro, depois de muito padecer, Justiniano de Serpa morreu em 1º de agosto de 1923. Em homenagem foi erguido um busto em bronze na praça Figueira de Melo. E a Escola Normal recebeu o nome do homem de origem simples que atingiu o mais alto posto do Estado vencendo os obstáculos da miséria e as tradição política da famílias cearenses.