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domingo, 6 de junho de 2010

Início do cinema cearense


1937 - No Cine Moderno, durante a projeção restrita do Filme Lampeão


A PRESENÇA DE ADHEMAR ALBUQUERQUE E BENJAMIN ABRAHÃO

Não há muitas fontes sobre aqueles que ousaram realizar os primeiros filmes. Em nossas pesquisas nas fontes primárias, muitas delas destruídas pelo trágico incêndio na Biblioteca Pública do Estado do Ceará, encontramos, entretanto, a notícia sobre o primeiro filme feito no Ceará.

No dia 1º de abril de 1910, o Cinema Rio Branco, exibia o documentário "A Procissão dos Passos", com o destaque na publicidade para o fato de ser este "o 1º filme rodado no Ceará". Além dessa informação, não temos nenhum outro esclarecimento. Desconhecemos quem o teria feito, se algum conterrâneo ou algum cineasta visitante que aqui tenha aportado. Um segundo filme produzido em nossa terra, igualmente sem os créditos de seus realizadores, foi o "Ceará Jornal", exibido no Cinema Riche, no dia 26 de fevereiro de 1919.

Não há dúvidas, entretanto, quanto ao pioneirismo na produção documental, de qualidade técnica, do cearense Adhemar Bezerra de Albuquerque, nascido em Fortaleza, em 19 de julho de 1892, e falecido, aos 83 anos de idade, no dia 17 de julho de 1975. Paralelo à sua atividade artística, foi funcionário por 40 anos do Bank of London. Aqui constituiu família, casando-se com Lasthenia Campos de Albuquerque, tendo o casal nove filhos: Francisco Afonso, Antonio Afonso, Paulo Afonso, Pedro Afonso, Suzana, Lastenia, Maria Lucíola, Marta e Luis Afonso.

Sua criatividade artística teria uma manifestação inicial no campo da fotografia e do cinema, com destaque para a criação da Aba Film, empreendimento definitivo no ramo de fotografia, e que alcança até hoje, sob a direção de seu filho, Antônio Albuquerque, o melhor padrão de qualidade.

Adhemar Albuquerque

Tem-se o ano de 1924 como a data de lançamento de seus primeiros filmes, documentários em 35 milímetros, de aspectos e acontecimentos da Fortaleza e cidades interioranas. De fato a imprensa local registra com louvor o esforço de Adhemar Albuquerque, comentando o filme "Temporada Maranhense de Foot-Ball no Ceará" (1924, 2 atos, realização de Adhemar Albuquerque, com o seguinte conteúdo: Fases dos jogos: Ceará 4 x 2 Maranhenses; Maranhenses 2 x 0 América; Maranhenses 2 x 1 Fortaleza; Guarany 4 x 0 Maranhenses), por ele lançado no Cinema Moderno, no dia 15 de outubro de 1924. Sobre essa estréia, publicou o "Correio do Ceará" (16.10.1924):

UM "FILM" CEARENSE

"O "Cine Moderno", exhibiu, na noite de hontem, um "film" cearense, esmeradamente confeccionado, producto exclusivo do esforço louvável, da intelligencia artística e do bom gosto do nosso patrício, o sr. Adhemar Albuquerque.

Trata-se de uma interessante cinta cinematographica, dividida em 2 partes, da temporada maranhense de "foot-ball", no Ceará, contendo phases dos jogos que se realizaram, flagrantes das archibancadas e do movimento de "torcedores" e gentis "torcedoras" para o "field" da "A.D.C.", no Alagadiço, onde se feriram as pugnas. Há ainda outros aspectos do desembarque dos desportistas visitantes, dos "teams", captains, juizes e auxiliares na temporada.

As photographias são de todo escellentes. O "film" é nitido, circumstanciado e de passagens bem apanhadas.

É digno de nota ter sido tal "film" todo e inteiramente confeccionado nesta capital por aquelle nosso conterraneo que se torna, assim, merecedor de encomios.

A cinta ainda será exhibida no proximo domingo, nos cinemas "Moderno" e "Majestic".


A produção do pioneiro Adhemar Albuquerque passa a ser uma constante nas décadas de 20 e 30, tendo na fase inicial da produção silenciosa, como o maior destaque para "O Juazeiro do Padre Cícero e Aspectos do Ceará" (1925, documentário, 5 partes), cujo lançamento ocorreu no Cinema Moderno, a 8 de dezembro de 1925, com reapresentação no mesmo cinema a 11 de fevereiro de 1927. A publicidade dizia: "Um filme que mostra os costumes do nosso povo, cenas de nossa terra... O Juazeiro- Vistas da Cidade - Dias de feira - O movimento das ruas - O Padre Cícero - Os devotos - A multidão - A excursão Presidencial - Paisagens - Trechos da Viagem - O açude de Cedro - Fortaleza - Panorama da Cidade - A chegada do Padre Macêdo - Ponte de desembarque - Crato - Barbalha - Quixadá, etc."

Ainda, nos primeiros anos da produção de Adhemar Albuquerque, identificamos os seguintes lançamentos: "A Festa no Iracema" (1926, Aba Film, curiosos aspectos das danças na noite de 31 de dezembro) - exibido no Moderno a 16.5.1926; "A Indústria de Sal no Ceará" (1926, Aba Film, 1 ato) - exibido no Moderno a 16.5.26; "A Visita do Dr. Washington Luís ao Ceará" (1926, Aba Film, 2 atos; "completas reportagens cinematográficas da "Aba Film", desde a chegada do vapor "Pará", a estadia e visitas de sua Excia., até ser recebido em Paraíba") -Moderno, 12 10.26; "A Parada Militar de 7 de Setembro" (1926, Aba Film, 1 ato; "23º Batalhão de Caçadores, Polícia Estadual, Colégio Militar, Tiro de Guerra nº 38, Liceu do Ceará, Colégios: Cearense, Castelo, São Luiz, etc.") - Moderno 12.10.26; "Inauguração dos Filtros no Açude do Acarape do Meio para Abastecimento d'água em Fortaleza" (1927, Aba Film, 1 ato, natural) - Moderno, 1.1.28; "O Banquete Oferecido pela Colônia Cearense, no Rio, ao Dr. Matos Peixoto" (1 ato) e "A Visita de S.Excia. Dr. Matos Peixoto ao cais do Porto, no Rio" (1 ato) - exibidos também no Cinema Moderno, a 18.7.28.

Os filmes brasileiros e as produções cearenses despertam ainda mais a atenção do nosso público, quando ocorre a transição do cinema silencioso para o sonoro. A população de Fortaleza é tomada de vivo entusiasmo quando o Moderno, exibe a 29 de novembro de 1931, o filme sonoro "Cousas Nossas" (1931, Byington & Cia., São Paulo, produtor Alberto Byinton Jr., dirção Wallace Downey, fotografia Rudolph Lustig e Adalberto Kemeny, som Moacir Fenelon, com Procópio Ferreira. Paraguaçu, Batista Jr., Jaime Redondo, Arnaldo Pescuma, Jararaca e Ratinho, Estefânia de Macêdo, e outros). No ano seguinte ao lançamento desse grande êxito de bilheteria e de crítica que foi "Cousas Nossas", aparece no "Correio do Ceará" (31/03/1933) a seguinte apreciação sobre as realizações brasileiras e da Aba Film, em particular, com algumas expressivas sugestões:

FILMS BRASILEIROS

"Todas as vezes que um dos nossos cinemas exhibe um film brasileiro, nota-se pronunciada curiosidade por parte do publico. E mais ainda quando este film foi feito aqui e por gente nossa.

Há dias o "Cine Moderno" exhibiu uma producção genuinamente cearense, focalisando as installações da grande "Fábrica de Tecidos São José".

A "Aba Film", que ora inicia uma serie de filmagens de aspectos cearenses, é uma iniciativa que vae obtendo os primeiros successos. Embora os seus films não possuam a nitidez precisa tal a dos americanos, defeito este que de futuro há de ser sanado, contudo ella nos faz prever um futuro promissor a esta industria nova, ainda até hoje cultivada por simples amadores.

São Paulo, Rio e Pernambuco nos teem enviado, vez por outra, alguns films mediocres, e desses, "Cousas Nossas" e "Campeão de Foot-Ball", duas producções que lograram sucessos, atestam que o genero comico merece as preferencias dos productores principiantes e que ainda não dispõem de recursos technicos aperfeiçoados.

A curiosidade do publico em ver um film nacional é o índice da preferencia que aos mesmos será dada.

Os amadores da filmagem, deveriam pleitear do governo viagens de instrucção technica.

E uma vez habilitados, em conjunto com technicos estrangeiros, puderiam desenvolver uma industria cuja amplitude não se pode prever." 


Dessa nova fase de produção de Adhemar Albuquerque, recuperamos alguns dos seus lançamentos no Ceará: "Getúlio Vargas no Ceará" (1933, Aba Film, 1 ato; recepção, festa, visitas) -Majestic, 4.11.1933; "Um Dia no Colégio Militar" (1933, Aba Film, 3 atos, "minuciosos e interessantes") - Moderno, 22.9.33; "O Carnaval no Iracema"(1934, Aba Film, 1 ato; carnaval de 1934 no Clube Iracema) -Moderno, 7.3.34; "Aba Film 16 - com Os Funerais do Padre Cícero, e vasta reportagem de nossa terra" (1934, Aba Film) - exibido no Moderno, 15.10.34; "O Dia da Criança" (1936, Aba Film, short, 1 ato) - Majestic, 20.12.36; "Baile das Embaixadas do Club dos Diários" (1936, Aba Film, short, 250 metros; "filmado em pleno Carnaval de 1936. Direção de Paurílio Barroso) -Moderno, 14.4.36; "A Lavoura Mecânica no Ceará" (1935, Aba Film) - Moderno, 6.6.1937, filme lançado no Rio de Janeiro, no Cinema Rex, em agosto de 1935; "Irrigações no Ceará" (1935, Aba Film) - Moderno, 29.6.37, filme lançado no Rio de Janeiro, no Cinema Glória, em setembro de 1935; "Irrigação do Vale do Jaguaribe" (1935, Aba Film) -Majestic, 12.10.1937, filme lançado no Cinema Broadway, do Rio de Janeiro, em julho de 1935; "Ceará Hoje" (1935, Aba Filme) - Moderno, 22.10.37, filme exibido no Pathé-Palácio, do Rio de Janeiro, em agosto de 1935; "Fortaleza Jornal nº 1" (1936, Aba Film), Moderno, 13.10.37, lançado no Rio de Janeiro, no Palácio, em junho de 1936, e "O Ministro Waldemar Falcão em Fortaleza" (1938, Aba Film, short) - exibido no Moderno 6.4.38.


No ano de 1935, dentre outros documentários que a câmara de Adhemar Albuquerque recolheu para distribuição nacional, temos as seguintes estreias no Rio de Janeiro: "Jangadas dos Verdes Mares" - lançado no Palácio-Theatro; "Indústria de Sal no Ceará", exibido no Glória; "Carnaubeira", lançado no Palácio-Theatro; "Açudes do Ceará", exibido no Pathé-Palácio; e "As Construções do Nordeste", exibido no Alhambra.

O episódio mais expressivo nessa trajetória como produtor cinematográfico ocorreria quando aqui aportou, procedente de Recife, o emigrante Benjamin Abrahão, nascido em Zahelh, Líbano, de onde procedeu durante a Grande Guerra. Sobrevivendo como mascate, negociando desde tecido a gêneros alimentícios regionais, desloca-se inicialmente da capital pernambucana para Juazeiro, promissora localidade do interior do Ceará que crescia em torno da figura carismática do Padre Cícero Romão Batista.

Benjamin Abrahão

Na convivência com o Padre Cícero, por seus dotes de cultura, dele tornou-se secretário internacional, presenciando a histórica visita a Juazeiro, em 4 de março de 1926, do famoso cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que se fazia acompanhar de 49 membros de seu bando. Tratava-se de uma tentativa de negociação para atrair Lampião aos serviços do governo federal contra a Coluna Prestes, movimento revolucionário que penetrava no Nordeste sob a liderança de Luís Carlos Prestes. Lampião reverenciava o mito religioso que era Padre Cícero, respeitou a cidade e sua população, acolhendo ainda o título de Capitão que lhe era concedido oficialmente, mas retornou às suas lides de homem sem lei em luta permanente contra a polícia regional. Nessa oportunidade o mascate Benjamin Abrahão fizera seus primeiros contatos com o líder bandoleiro e por ele passou a nutrir uma visão simpática, interpretando-o como produto de uma revolta contra a violência policial com humilhação e assassinato dos seus familiares.

A associação entre Adhemar Albuquerque e Benjamin Abrahão dar-se-ia em 1936, o primeiro fornecendo uma câmara cinematográfica de 35 milímetros Nizo Kiamo, com lente Zeiss, uma máquina fotográfica Interview établisements André Debrie, cinco rolos de 100 pés, de filmes Gevaert Belgium, e material fotográfico. Benjamin recebeu na Aba-Film o treinamento necessário para sua nova tarefa e deveria revelar seus filmes nos equipamentos de revelação de procedência francesa que compunham o prestigiado estúdio cearense.

Afora filmagens em Juazeiro, e com o Padre Cícero, a grande realização de Benjamim Abrahão viria ser o documentário sobre sua vivência com Lampião, consagrado como o Rei do Cangaço, sua mulher Maria Déa tornada famosa como Maria Bonita, e todos os companheiros do temível bando. Isto ocorreu em maio de 1936, na fazenda Bom Nome, no interior de Alagoas, após um difícil processo de rastreamento e negociação, com apoio de pessoas que tinham acesso ao Capitão Virgulino. Verificado o resultado do seu trabalho, nos laboratório da Aba Film, retornou em outubro; com o apoio de Adhemar Albuquerque e mais recursos, desejando documentar sua convivência com o mais sanguinário e temível bando que assolou os Estados do Nordeste, saqueando e matando, deixando uma história de extremo terror e crueldade, enfrentando as não menos temíveis volantes policiais que viviam em seu encalço. Um trabalho realmente notável, pelas minúcias documentais de um capítulo de nossa história e pela captação dos diversos aspectos do ambiente que conduzia ao fenômeno da violência.

O jornal "O Povo", de 29 de fevereiro de 1936, dava grande projeção à conquista da Aba Film, com ampla cobertura de primeira página, e fotos em que Benjamin Abrahão aparece com Lampião, Maria Bonita e o bando, com a seguinte matéria: "Sensacional Vitória da "Aba-Filme" - Uma das Mais Importantes Reportagens Fotográficas dos últimos Tempos - Lampião  sua Mulher e seus Sequazes filmados em pleno Sertão".

O regresso de Benjamin Abrahão é matéria de primeira página em "O Povo", edição de 12 de janeiro de 1937, com as seguintes manchetes: O Filme de Lampeão - Regressou a Fortaleza o Ex-Secretário do Padre Cícero - Uma Entrevista a O POVO sobre os seus Encontros com o famoso Cangaceiro. Como o Sr. Benjamin Abrahão conseguiu apanhar o Grupo - A Mulher de Virgulino Ferreira - As Precauções do Bandido - Outras Notas." Dessa extensa reportagem recolhemos um pequeno relato, que exemplifica os riscos do mascate-cineasta:

Causou grande sensação entre os nossos leitores a reportagem fotográfica sobre o grupo de Lampião  publicada há poucos dias pelo O POVO, de par com a notícia, veiculada em primeira mão, segundo a qual estava em preparos, na Aba-Film, uma película cinematográfica em torno do temível cangaceiro e seus asseclas.

Ontem à tarde chegou ao nosso conhecimento que o ex-secretário do padre Cícero, viajando no "horário" da RVC deveria desembarcar nesta Capital à noite. Efetivamente, cerca de 20 horas, a nossa reportagem foi encontrá-lo na Central, acertando com o mesmo uma entrevista para hoje.

O sr. Benjamin Abrãao é um rapaz forte, de origem síria, possuindo, porém, palestra fácil e agradável em nossa língua.

Abordado pelo nosso companheiro, disse-nos, de início, que, embora se encontrasse no Juazeiro quando Lampião ali esteve, em 1924, não travou conhecimento com o bandido naquela época.

Desta maneira, partindo à sua procura, em 1935, com a ideia de filmá-lo, não levava qualquer credencial para Lampião.

Tendo seguido desta capital a trem, o sr. Benjamim Abrahão penetrou na Paraíba, de onde seguiu para Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, em cujos sertões se encontrava Virgulino Ferreira.

Depois de onze meses de tentativas para abortá-lo durante os quais sempre andou a pé e a cavalo, numa região extensíssima, visitando inúmeras localidades, conseguiu afinal o seu instinto, graças a um golpe de sorte.

O caso é que, estando, como de habito, pelas "caatingas", a ver se dava com o grupo, encontrou-se com dois cangaceiros, Juriti e Marreca, devidamente armados e municiados, os quais o abordaram imediatamente, apontando-lhe os fuzis.

Lampião e seus sequazes já sabiam que o nosso entrevistado, andava a sua procura, com o objetivo de fotografá-lo. Mas desconfiavam da "história", supondo que se tratasse de algum enviado da polícia.

Nestas condições, quando os dois bandidos deram com o mesmo, o identificaram de pronto e trataram de levá-lo à presença do chefe, que estava acampado a meia légua de distancia.

Frente a Frente com Lampião


Foto de Benjamin - Aba Film

O grupo de Lampião mantem invariavelmente um sentinela, a duzentos metros distantes do ponto onde se localiza.

Desta maneira, antes de chegar à presença de Virgulino  teve o sr. Benjamin Abrahão de prestar suas homenagens ao bandido "Sabonete", depois do que foi conduzido até o acampamento.

Ao vê-lo, a primeira pergunta de Lampião foi a seguinte: -Como é que você chegou aqui com vida, cabra velho?!
O sr. Benjamin deu as explicações cabíveis no momento e disse-lhe de seus propósitos.

Depois de inteiramente revistado e de haver constatado o bandoleiro que eram pacíficas as intenções do rapaz, tanto assim que em matéria de arma só conduzia um facão para cortar mato - o sr. Abrahão, começou a granjear familiaridade entre o grupo, com o qual esteve cerca de cinco dias, observando-lhe os hábitos e apanhando diversos flagrantes fotográficos.

Filme montado na Aba Filme, mas de imediato envolvido por restrições e ameaças oficiais, este teria uma exibição privada no Cine Moderno, para o Chefe de Polícia, Capitão Cordeiro Neto, e outras autoridades, de cuja sessão ficou um registro fotográfico, que recolhemos do arquivo do coronel Edynardo Weyne, um dos presentes a essa sessão. A data dessa exibição é duvidosa, mas temos uma referência a 2 de julho de 1938.

A decisão de apreender o filme, com todas as suas cópias, partiu da administração federal, na pessoa do dr. Lourival Fontes, diretor do Departamento Nacional de Propaganda, o braço de censura do governo ditatorial. A notícia era dada pelo "Correio do Ceará", a 7 de abril de 1937:

'LAMPEÃO' NO CINEMA MAIS UM FILME APPREHENDIDO PELO DEPARTAMENTO DE PROPAGANDA


Lampião ao lado de Maria Bonita e seu bando

"Rio, 8 (via aérea). Ainda recentemente, o Departamento de Propaganda teve occasião de tomar enérgicas providencias contra a fabrica de filmes "Nero", de Paris, que exhibia na Europa uma pellicula offensiva ao Brasil.

Como é do conhecimento publico, foi prohibida a exhibição de qualquer filme daquella empresa. Agora, surge um novo caso, quasi analogo.Trata-se de uma empresa nacional que está exhibindo um filme de "Lampeão", em Fortaleza.

Immediatamente, o director do Departamento de Propaganda tomou providencias, passando o seguinte telegramma:

"Secretário Segurança Publica Estado do Ceará Fortaleza. Tendo chegado ao conhecimento do Departamento Nacional de Propaganda, estar sendo annunciado ou exhibido na capital ou cidades desse Estado, um filme sobre Lampeão, de propriedade de "Aba Filme", com sede á rua Major Facundo, solicito vos digneis providenciar no sentido de ser apprehendido immediatamente o referido filme, com todas suas copias, e respectivo negativo, e remettel-os a esta repartição, devendo ser evitado seja o mesmo negociado com terceiros e enviado para fora do paiz. Attenciosos cumprimentos. Lourival Fontes, director do Departamento Nacional de Propaganda do Ministério da Justiça."


Benjamin Abrahão, 1936. Acervo Aba Film, Fortaleza

O destino seria impiedoso com o filme da Aba Film, apreendido para que não fosse visto pelo grande público e passasse uma imagem simpática de Virgulino Ferreira, Maria Bonita e seu bando fora da lei, bem como com o seu realizador e personagens. O realizador Benjamin Abrahão seria encontrado morto, com quarenta e duas facadas, no dia 10 de maio de 1938, na localidade de Águas Belas, em Serra Pelada, Pernambuco. Em 28 de julho do mesmo ano, vítima de uma emboscada em Angico, interior de Alagoas, Lampião, Maria Bonita e nove membros do bando são mortos, e suas cabeças cortadas são exibidas em festejos macabros, para depois ficarem expostas em museu em Salvador.

O filme condenado e apreendido ficaria, por décadas, desconhecido do público. Adhemar Albuquerque teria mantido clandestinamente uma cópia em seu poder, a qual foi negociada nos anos 50, com outras produções do acervo da Aba Film, para distribuidores paulistas. Em 1957, o filme de Benjamin Abrahão, produzido por Adhemar Albuquerque, recuperado por Alexandre Wulfes e Al Ghiu, era lançado no Rio de Janeiro e São Paulo, como documentário de apenas quinze minutos de duração. Pude assisti-lo na Cinelândia, no Rio de Janeiro, e constatei que o público era atraído mais por ele que pelo filme a que precedia.

Adhemar Bezerra de Albuquerque foi efetivamente o inconteste criador da primeira e mais bem sucedida tentativa de produzir filmes no Ceará. Por duas décadas cobriu com seus documentários a vida de Fortaleza e aspectos da cidades do interior do Ceará, filmando os eventos no campo político, social, religioso e econômico. Instituindo a Aba Film ocupou espaço nos serviços fotográficos de qualidade artística e técnica. No período final de sua existência, dedicou-se à pintura, paisagens e figuras populares, que expôs notadamente em galerias e museus de São Paulo.


1937


[Obs: As citações e transcrições, que aparecem neste texto, conservam a grafia e as regras gramaticais da época em que foram originalmente escritas ou publicadas.] ____________________________________________________

O ÁRABE BENJAMIN ABRAHÃO X LAMPIÃO

O libanês que domou Lampião:
Benjamin Abrahão Botto, que já havia sido secretário particular do Padre Cícero, parte para sua maior aventura: capturar imagens do homem mais procurado no Nordeste.


Lampião e Maria Bonita e parte do seu bando com o fotógrafo da Aba Film, Abrahão

Quarenta e duas facadas decretaram o final, no dia 9 de maio de 1938, da cinematográfica vida do libanês nascido no lugarejo chamado Zahelh e que deixou o seu país natal durante a I Guerra Mundial. Benjamin Abrahão Botto veio parar no Brasil, mais precisamente em Pernambuco, muito longe dos Estados Unidos que seria o destino preferencial na sua rota de fuga. Ele estabeleceu-se no Recife como mascate, vendendo inicialmente tecidos. Depois, ampliou suas ofertas para produtos vindos do Sertão, como rapadura, farinha e carne-de-sol.

No início dos anos 20, empreendeu sua primeira aventura pelo interior, chegando até Juazeiro do Norte, no Ceará, onde se tornou secretário particular do Padre Cícero, considerado "santo" pelos romeiros que afluíam de todos os lugares do Nordeste. O médico e historiador Napoleão Tavares Neves ressalta que "Abrahão ganhou a simpatia do religioso com uma mentira. Ao ver aquele homem diferente no meio da multidão, Padre Cícero, beirando os 80 anos de idade, teria se emocionado ao saber que o estrangeiro de fala enrolada nascera em Belém, na Palestina, o lugar de nascimento de Jesus Cristo".
Foi ao lado do Padre Cícero que Benjamin Abrahão conheceu, no início de março de 1926, o homem que mudaria o seu destino. LAMPIÃO, o rei dos cangaceiros, tinha ido a Juazeiro do Norte para receber uma patente de Capitão e depois lutar contra a Coluna Prestes.
Os caminhos do libanês e do pernambucano de Serra Talhada se cruzariam novamente em 1936, quando Benjamin Abrahão, com uma carta de apresentação do Padre Cícero (falecido dois anos antes) e equipamentos obtidos na Aba Film, sediada em Fortaleza, parte em busca do bandido mais famoso do Nordeste com um objetivo: registrá-lo em celulóide.

O CAPITÃO VIRGULINO FERREIRA É IGNORANTE, MAS INTELIGÊNCIA NÃO LHE FALTA :

Armado com uma câmera de corda Nizo Kiamo, de 35 milímetros e lente Zeiss, cinco rolos de filme e mais uma câmera fotográfica Interview Établissements André Debrie, o libanês seguiu o rastro do bando de Lampião. Todo esse material, lhe foi entregue pelo Sr. ADEMAR BEZERRA ALBUQUERQUE, proprietário da ABA-FILME.
Graças aos contatos do "CORONEL AUDÁLIO TENÓRIO", chefe político de Águas Belas/PE, ele obteve a permissão de se aproximar dos cangaceiros na Fazenda Bom Nome, em Alagoas.
Desconfiado, LAMPIÃO ordena que Abrahão fique na frente do equipamento para o primeiro take (foto), para se certificar de que não era uma armadilha.


Cel. AUDÁLIO TENÓRIO

Com todos os filmes recheados de cenas do bando, Abrahão parte para Fortaleza.
Depois de revelado, o material entusiasma Adhemar Albuquerque, que cede mais material para nova sessão de filmagens na caatinga.
Depois de mais cenas da vida cotidiana dos cangaceiros, era hora de divulgar a novidade.
Em 27 de dezembro de 1936, o Diário de Pernambuco é o primeiro jornal do Brasil a publicar a façanha do libanês.
Na entrevista, recheada de fotos de LAMPIÃO, Maria Bonita e outros cangaceiros, Abrahão descreve como se encontrou com o homem que a polícia de sete estados não conseguia prender ou matar por quase duas décadas.

"Fiz tudo para ver se escapulia alguma frase indiscreta. O capitão é ignorante, mas inteligência não lhe falta", afirmou Abrahão ao Diário.

A ÚNICA SESSÃO DE CINEMA DA SAGA CANGACEIRA :



O CINE MODERNO, em Fortaleza, abrigou, no dia 2 de julho de 1938, a única exibição pública do filme de Benjamin Abrahão. Na plateia, o chefe de Polícia, Cordeiro Neto, jornalistas e convidados para uma sessão privada. As cenas na tela causaram revolta.
Como o GOVERNO VARGAS iria admitir que um bandido pudesse ser retratado como o rei da caatinga, dando ordens ao seu bando, costurando, lendo e rezando o ofício?
O material acabou apreendido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e só foi redescoberto em 1957.
A ferrugem das latas, o mofo e a poeira destruíram mais de 90% do material coletado pelo libanês nos seus dois encontros com Lampião. Restaram apenas cerca de 11 minutos de imagens. Nelas, os temíveis cangaceiros aparecem sorrindo, encarando a câmera, simulando combates, dançando e despreocupados com a repressão oficial.
Benjamin Abrahão já não podia mais defender sua obra. Dois meses antes da exibição de Lampião  o Rei do Cangaço, ele foi assassinado em ITAÍBA- Águas Belas/PE, no interior de Pernambuco, crime atribuído a um sapateiro deficiente físico enciumado pela traição da mulher com o estrangeiro. Mas muitos já estavam incomodados com as cobranças de Abrahão da ajuda financeira prometida para a realização do filme.


Créditos: Ary Bezerra Leite, Diário de Pernambuco, Blog Lampião Aceso , Youtube e pesquisas na internet

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