Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Muriçoca
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sábado, 17 de julho de 2010

Todas as ferramentas de Crispim

O centenário do Theatro José de Alencar deve tributos a um sem número de fortalezenses: servidores, platéia e contribuintes em geral. A história desses indivíduos está por trás da construção coletiva que esse equipamento cultural representa – esta é apenas mais uma delas

Por Yuri Leonardo Silva e Janaina Bezerra Pinto

"Não dá pra trabalhar no Theatro José de Alencar nessa condição, dona Silêda!" – esclareceu Seu Crispim. Já haviam se passado cinco minutos de conversa em que o marceneiro-eletricista-pedreiro-pintor-cenotécnico explicava para a Silêda Franklin, até hoje diretora administrativa do TJA, o motivo de todo constrangimento: um furo na sola do sapato.

Francisco Crispim de Oliveira foi o faz tudo mais aprumado de que se tem notícia no hoje centenário Theatro. Trabalhava a pano passado, de cinto, sapato e meia. A camisa abotoada de mangas compridas era tal qual uma segunda pele. Mesmo em face do trabalho braçal mais exaustivo, Crispim não abria mão da aparência impecável. “A elegância personificada”, nas palavras de Silêda.

Perceba que a disputa de homem mais cheiroso e bem vestido era arrolada também pelos lendários Seu Muriçoca, o porteiro, e Trepinha, o palhaço – carismáticos os dois e já conhecidos do público assíduo.

A fineza do quebra-galho, porém, estava também nos modos e no carinho declarado pela primeira casa de espetáculos pública de Fortaleza. Funcionário da Secretaria de Cultura do Estado, desde 1971, foi relocado para o Theatro durante a quinta e maior reforma da Casa, vinte anos depois.

Iniciada em 1989, a intervenção construiu um centro técnico e incorporou a estrutura da antiga Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Ceará – o Cena, frequentado por centenas de estudantes dia após dia. Com o acréscimo de três palcos, além de salas para ensaios e para a chamada residência artística, o José de Alencar transformou-se em um centro cultural.

Os amantes da Casa foram também agraciados com um sistema de ar-condicionado e com o aprimoramento da acústica do palco principal. Mas o significado daquelas paredes imponentes está além do monumento nacional tombado em 1964. As escadarias que dão acesso às altas e pesadas portas são testemunhas centenárias dos idos do século passado.

Bem ali, futuros nomes de rua sorriram das galhofas de figuras anônimas. Madrugadas adentro, os funcionários do Teatro se deixaram ficar um pouco mais no trabalho, escolhendo qual bar os receberia sóbrios para depois devolvê-los cambaleantes à calmaria das ruas.
Já no início da década de 1990, burburinhos sobre atos violentos tornavam-se a cada dia mais frequentes, e o comércio ambulante já tomava os espaços públicos, mas não sejamos avexados, que essa história teve um começo.

A testemunha de ferro e vidro

Um século antes, surgia em Fortaleza a Companhia Cearina, formada por idealistas inconformados com a inexistência de um grande teatro na Capital – já beneficiada com o progresso das estradas de ferro e com as novidades trazidas pelos navios que atracavam no porto.

Em paralelo, grupos amadorísticos de teatro pululavam na província de Fortaleza bem antes de o estado corresponder às necessidades da população de aproveitar o tempo livre. As horas de folga eram consumidas em tardes no Passeio Público, na fruição de bandas de música - fardadas ou das companhias de comércio, que perambulavam pelas ruas do Centro; além da programação de festas religiosas, clubes e bailes realizados nas casas de famílias da sociedade.

Mesmo com estas atividades preenchendo a “agenda cultural”, um desejo permanecia inalcançado pelos citadinos e era reverberado pela Companhia: a casa de espetáculos oficial do Estado, que deveria ser edificada à beira da Praça do Patrocínio – atual Praça José de Alencar.
À época, o grupo se desfez como uma tentativa frustrada, mas a história lhe dá os créditos pelo olhar visionário. Em 17 de junho de 1910, o Theatro José de Alencar já nasceu gigante, chegou como filho esperado da elite fortalezense.
O templo de ferro esverdeado e vidro multicolorido surgiu como um luxo, cresceu nos corações como um orgulho da terra e firmou-se como um abrigo de artistas ao longo das décadas da nossa história.

Entanto, acima de todos os títulos, o TJA foi testemunha das reinvenções do Centro. Viu insurgir a oposição à oligarquia Acciolina no mesmo Passeio Público que executou os Confederados do Equador. Presenciou os olhares cansados de quem vinha do Inhamuns arrastado pela fome, mas, sobretudo, pela esperança de encontrar abrigo entre as riquezas do algodão.

Sentiu crescerem os muros da cidade e as barreiras interpessoais. Presenciou os transeuntes mudarem de trajes, largarem mão dos chapéus, relaxarem nos botões abertos das camisas - as calçadas servindo de cama, de ponto de venda, de lata de lixo.

As pessoas deixaram de desejar morar no Centro. E, mesmo a Igreja do Patrocínio, patrimônio tombado pelo Estado, sem ter para onde ir, fincou cercas em torno de si para se resguardar da própria gente.

O Theatro viu tudo. Crispim e Teresinha eram meninote e mocinha quando damas e cavalheiros passeavam em seda francesa e linho irlandês pela Praça do Ferreira. Ainda brincavam nas ruas barrentas de Maranguape, ignorados do Centro das Coca-Colas - as moças prendadas e de família, namoradeiras dos soldados estadunidenses aportados em meado de 1940 na capital cearense dos 200 mil habitantes.

Mas algo nos modos e nas feições desse marceneiro e dessa caixeira-viajante, ele falecido e ela envelhecida, aproxima os dois e não está muito distante do refinamento fortalezense dos tempos da Segunda Guerra Mundial. O destino talvez já estivesse traçado para que se reencontrassem na década de 1980, no Centro do sol renitente espelhado em asfalto.

Os anos e a vida talhariam o jovem franzino em cavalheiro pobre e polido. Ao longo de conversas e experiências, o rapazote lograria a maestria de carpinteiros, eletricistas, pintores e tantos outros profissionais anônimos que permeavam o bairro. Perderia a mocidade, deixaria esvair pouco a pouco a saúde em maços de cigarro, doses de whisky e garrafas de cerveja. Encomendaria roupas feitas por alfaiates do bairro Parque Araxá, e conquistaria o coração de Maria Moura de Oliveira, a primeira mulher.

Através de um homem de poder, a cidade o agraciaria com a chave da casa de um marechal: Humberto de Alencar Castello Branco. Alguém, cujo cargo ninguém sabe ao certo, “botou uma pessoa pra cuidar do lugar porque a casa vivia fechada”, recorda a filha Edna de Oliveira, que décadas atrás se mudaria com o resto da família para o Centro.

O casal não viveu junto ali mais de dois anos: um derrame cerebral deixaria o pai viúvo. Consolos da dor e do desamparo, as tertúlias e os bares acolhiam o homem das várias profissões após as horas de trabalho. As pretendentes apareciam aos montes, mas a família era categórica: “eu queria uma mulher que cuidasse do meu pai”, relembra Edna.

Durante nossa prospecção por impressões do faz-tudo, tivemos o deleite de vivenciar uma reunião da velha guarda de funcionários do TJA sob o Palco Principal. Todos sentados nos velhos sofás negros do porão, às gargalhadas e atropelando as falas uns dos outros.

“Ele gostava de uma cervejinha danada!” apontou Francisco Brasil, enfático. “Mas não aprontava confusão com ninguém!”, retrucou Mauro Coutinho. Às vezes, chegava pra trabalhar com a “cara amassada”, ao que os amigos emendavam: “Tu num pode beber, Crispim!”

Por essa época, a comerciante Teresinha Silvério voltou do Norte do país, aonde foi ganhar a vida com a venda de confecções, e reencontrou o conterrâneo de Maranguape a procura de um rabo de saia que lhe engomasse as camisas. Do alto dos saltos Luís XV e com o lápis dos olhos irretocável, ela aceitou viver junto dele nos porões da General Bezerril, no 38.

PORTAS ABERTAS AO GRANDE PÚBLICO

O Centro de homens e mulheres rotos, das calçadas tomadas pela sobrevivência e dos prédios abandonados. Este é o cenário onde se redesenha o centenário Theatro. Sobrevivente de outros ares, mutante enraizado naquelas paragens, ele precisou subverter-se para resistir.

Passou de mimo das elites à praça do povo.
Desde 1999, abriu as portas ao grande público e viu reflorescer o jardim de Burle Marx. Mantendo a postura de proximidade com os inúmeros frequentadores anônimos do Centro, ao longo do ano do centenário, estão previstos cortejos com artistas de rua, brincantes e manifestações de festas e folguedos populares representativos da cultura cearense.

MEU AMADO FANTASMA

Já ia alta a madrugada de quinta-feira e Tereza não conseguia dormir. Faltava-lhe um pedaço, àquela hora entretido em um bingo qualquer e regado a várias doses de Dreher. Ela podia apostar, depois de tanto tempo de convívio, que a voz de Altemar Dutra embalava os jogos do companheiro. Levantou-se, ajeitou os cabelos à penteadeira, calçou os saltos e subiu altiva os lances de escada que a apartavam da rua.

Encontrou Francisco esquecido das horas. Nos dedos gastos, mais um cigarro. “Eu vou tirar você desse lugar/ eu vou levar você pra ficar comigo!” - gritava a vitrola. A mulher subiu o batente desbotado, repousando a mão direita sobre o ombro do marido. “Fia!”, ele arriscou, no tom de voz dos meninos travessos que escondem a baladeira detrás de si. “Bora pra casa, Crispim!” De braços dados, afinal, traçaram o caminho de volta.
A mesma cena se repetiu muitas vezes no passado e ainda faz saudade nos relatos da velha senhora. Viva lembrança nos sonhos das noites frias, quando ela imagina sentar-se no colo do esguio e agora fantasmagórico boêmio.
Das memórias, restou a imagem do homem que ano após ano pintava a fachada da casa do ex-presidente brasileiro. Não era o dono do sobrado, nem somente o pintor. Não tinha riquezas materiais, mas não era pobre. Crispim é representante legítimo da nobreza dos porões do Centro. No Theatro, ainda reina cheiroso e elegante, longe das vistas voltadas para o palco, próximo do apreço dos companheiros de trabalho.

Na própria casa, dividia espaço com os restos mortais de dias áureos: a morada do futuro marechal, depois o órgão administrativo, em seguida a pinacoteca e, por fim, a sede cearense da Associação dos Diplomados das Escolas Superiores de Guerra. Restaram apenas salas e corredores abandonados da casa de múltiplas identidades. O arquivo morto, há muitos anos, ocupa o sobrado onde Crispim e a família se ajeitavam no longo vão, abaixo das imensas toras de Carnaúba, sobre onde marchavam os generais.


Crédito: Jornal O Estado

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Muriçoca - Figura lendária do Theatro José de Alencar



José Cassiano da Silva, figura lendária e popular do Theatro José de Alencar, por muito tempo o mais antigo funcionário do teatro. Contra-regra, depois porteiro, cativava todo mundo com seu jeito simples, espontâneo e despojado.

Em plena forma e muita alegria de viver, José Cassiano da Silva - mais conhecido como Muriçoca - é o porteiro oficial do Theatro José de Alencar há mais de 37 anos. De origem humilde, já exerceu diversas atividades: lidou com a terra no sertão e foi até sapateiro. Hoje, além de trabalhar no TJA, continua fazendo também a cobrança para a Associação dos Merceeiros, cargo que já exercia na época em que conheceu a trupe do teatro dos gráficos, da qual pertenciam o diretor Domingos Gusmão e sua esposa, a atriz Estelita que lhe deu o apelido de Muriçoca. Quanto à terceira idade, Muriçoca não costuma sequer pensar no assunto. Ele se considera uma pessoa muito feliz. ''A gente é que procura ser feliz. Tem muita gente por aí que fica com raiva facilmente, parece que não gosta da vida. Só espero coisa boa na terceira idade porque coisa ruim ficou para trás''

OPovo

Pouca gente sabe, mas a primeira vez que Muriçoca adentrou pelo portão principal do Theatro José de Alencar não foi para trabalhar na portaria. O episódio aconteceu 30 anos antes. Na época, Muriçoca era apenas José Cassiano, um jovem soldado voluntário disposto a lutar na revoluçao de 1932, em São Paulo: "0 teatro se transformou num quartel improvisado, muita gente compareceu e a viagem acabou não acontecendo". Em pouco tempo a frustração deu lugar ao encantamento. Natural do Crato, ele considera o Centro o bairro mais simpático de Fortaleza. O momento mais emocionante de sua vida foi no TJA. Durante a Semana Santa de 1937, ele assistiu a apresentação da peça sacra "0 Gólgota". Durante a cena de luta, a lança perfurou o peito de Jesus. E enquanto o sangue jorrava em cima do palco, Muriçoca chorava na platéia, mesmo sabendo que tudo não passava de encenação. "Vixe Maria, furaram o nosso Senhor!", recordou o porteiro. O apelido Muriçoca surgiu quando ele ainda era contra-regra do TJA e aparecia a todo instante em um lugar diferente: "Esse rapaz é que nem Muriçoca aparece em todo canto...", gritou uma diretora durante os ensaios. Pegou!

Colocarei agora trechos da entrevista dada por Muriçoca - Concedida a Francisco Salvino Lôbo. Essa entrevista está dividida em 9 fitas e pertece ao Museu da Imagem e do Som:

Casa do entrevistado - Rua Adanías de Lima, 348 - Morro do Ouro (Fort. Ce)

Salvino – A gente vai começar pela infância do senhor lá no Crato. Onde o senhor nasceu? O nome dos pais?

Muriçoca – Eu sou filho de pessoas pobres, meus pais, tá ai nesse comércio e eles ficaram órfãos de pai e mãe e foram criados nas casas dos outros, então meu pai é filho de Porteira de Fora e a minha mãe é filha do município de Crato, do Riacho Seco, no sítio do pessoal, aqueles Teles, Fidelmon Teles, Pinheiro, aquele general Raimundo Pinheiro Teles. Você ouviu falar dele? Pois eu nasci naquele canavial. Foi passando-se o tempo e tal, a gente trabalhando na roça. Comecei a trabalhar com cinco ano de idade, em 1919. Em 1919, meu pai plantou um arroz, em um cerco e mandou que eu fosse botar sentido os passarinho e ao mesmo tempo ele disse: José você vai tirar o feixe de capim pro animal. Que lá tem um bananeiral, tinha muito capim de planta, a gente chama de pinga. Ai fui tirar o capim, negócio de 3:00 hora da tarde, 4:00 hora, fui tirar o capim. Quando desci o riacho, quando eu cheguei com o capim em cima, subi, tem aquela subida, batente, ai coloquei o capim em cima, tinha na cabeça, tinha ali assim uma distancia de uns dez metros, a nuvem de passarinho levantou. Vixe Maria! Agora sim. Mas sabe o que foi que eu fiz? Peguei o arroz, ele tava virado as avessa, eu fui cobrindo a casca do arroz. Cobri todinha. Tudo bem. Cinco, seis horas, os passarinho foram dormir, eu fui pra casa. O velho tinha ido pra rua, vender uma carga de venda, na cidade, em Crato. Quando vem a chuva, o arroz nasceu, mas onde o passarinho comeu num nasceu um pé. O velho foi olhar, chegou em casa, o véi era daqueles ignorante, era novo, eu chamo véi, mas era rapaz novo, era homem novo, em 1919, eu tava com cinco ano de idade. Quando me pegou pelo braço, meteu a peia, ai eu pulando, parecia um macaco, o mijo correndo. Ai minha mãe saiu de dentro, disse: o que é isso, Cassiano? Quer matar o menino, o que o menino fez? Esse cabrito sem vergonha deixou o passarinho comer o arroz todo. Ai se agarraram. Até que ele deixou, me soltou. Ela foi cuidar das minhas costa com água de sal. Chicote era de relho cru. Fiquei todo encalombado.
Num precisa se afobar desse jeito, dá no menino, tá todo arrebentado. Passou. Ele continuou pastorar o arroz, ai foi trabalhando e veio o inverno. Ai fumo trabalhando na roça, plantando cana, chegou a época do mês de abril, ai fumo pra plantação de cana. Eu tenho uma irmã, então tavam trabalhando plantando cana e tinha a minha irmã, que a gente saia de lá ia compra uma cachaça na Baixa, um sítio que tinha lá detrás da Baixa, comprava aquele tonel de cachaça, duas, três, pra vender naquelas festazinha, na beira de estrada, minha mãe fazia sempre um bolo de mandioca, de milho.

MURIÇOCA E O ALISTAMENTO MILITAR

Muriçoca- Aí eu me alistei quando cheguei, ele...

Salvino- Aí o rapaz do alistamento perguntou né, a idade.

Muriçoca- Três de setembro de 1913, ai me alistou, na hora que terminou, me deu três mil reis naquela época, eu fiquei todo cheio de vida, já sabia que os outros tavam recebendo, e eu naquele dia num recebi, porque se eu tivesse me alistado no outro dia, tinha sido mais três mil reis a mais, naquele dia eu perdi os três mil reis, aí fui pra casa, quando cheguei em casa a mãe ficou alegre, e chorando porque eu tinha me alistado pra ir pra guerra. Eu digo: não mãe, ninguém vai morrer não, se morrer ninguém nasce pra semente. Aí dei o dinheiro logo a ela, pra ela compra alguma coisa, um feijão, todo dia a gente tinha dinheiro, recebia os três mil reis, aí saía, comprava cigarro, quando, passou uns seis a sete dias, pra gente embarcar, aí eles deram a gente, eu tenho falado tanto, mas as vezes me esqueço do total x, parece que uns nove mil réis, é um negócio assim viu, eu sei que eu deixei uma parte de dinheiro em casa, e fui com outra, agora eu vim com o mesmo dinheiro, aí quando eu sai ela disse, meu pai, minha mãe: num precisa levar mais? Não, precisa não, nós temo. Aí viemo, ai vai chegar coisa boa, quando o trem desembarcou foi aquele choro, aquele pessoal chorando, que a gente ia tudo pra guerra, a família da gente e os conhecido, cidade pequena né, que naquele a chegada do trem e saída era assim, ninguém perdia uma saída do trem, e a chegada, era muito difícil, perder, só se não pudesse deixar aquilo ali, mas você ia assistir a chegada e a saída, e aí fui embora, apitando aquela maria fumaça, quando chega num certo ponto, o trem saía as duas e vinte da tarde, nessa hora mais ou menos mais tarde o pessoal: a galinha, coisa e tal, a galinha muito boa e tal. Então uns comprava, pagava, outros num queria, um camarada, colega meu Xavier e Zé Ferreira, aí Zé Ferreira mais danado: deixa ver. A primeira partida, a segunda, quando foi a da terceira ele disse assim: deixa ver ai menino. Ai: deixa eu ver o dinheiro logo. Tá aqui o dinheiro rapaz. Ficou puxando assim o (?), aí entregou o prato, quando entregou o prato: Ei, me dê o meu dinheiro. Ele botou a comida no chapéu, jogou o prato de ágata: Nós vamo pra São Paulo defender vocês. Não, mas meu dinheirinho o que vou fazer, o que é que vou dizer a mulher? As vezes tinha aquelas pessoa de melhor situação, fazia aquelas comida, pra botar aquelas menino, aquelas mocinhas, pra ir vender, ganhar um tostãosinho, dois, aquele negócio, e o desgraçado vem desse jeito ainda faz isso né, aí eu vi o outro fazer: vou fazer também, aí meti o pau, comecei a fazer, ai foi o resto da tarde, o outro dia quando amanheceu o dia, de nove horas pra dez horas, começavam a vender aquelas galinha, (?) até aqui pelo, no Otávio Bonfim, a gente fazia assim, fiz muito isso, acho que tou pagando certas coisa... ai quando chegamos aqui, descemo aí na estação e tocamo ali, eu num sei, eu tou achando, eu sei que tinha umas planta ali, eu tou achando eles tão fraco assim, de 1932, já tá plantado, 32 pra 98 é uma porção de ano né.

O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Salvino – Os campos de concentração. Aí depois disso o inverno melhorou, como foi a família, a partir daí? (...) Sabe o que eu queria perguntar o senhor? Por mais que a gente é menino, a gente brinca de muita coisinha, a gente brinca até com sabugo que a gente acha. Qual era os seus brinquedos, quando era menino?

Muriçoca- Eu vejo esses menino, tudinho diz: ai que todo mundo, dia de pai, é dia da mãe, e dia de tudo e natal (...) Bom, você agora me tocou num assunto, que fez eu me lembrar das muitas coisas, que eu vejo todo menino hoje quando é natal, dia de festa, dia de ano, todo mundo quer carrinho, quer uma coisa e quer outra. Naquela época, os menino, a gente brincava muito era com aqueles ossos, os corredor de boi, naquele tempo o pessoal matava aquele boi, batia aqui no corredor e num cortava nem nada, soltava ai, batia aquela graxa, aquela gordura como chama o caboco mesmo, e acabar salgava lá e o cachorro iam roer, então a gente fazia, brincava daqueles touros, aqueles grande, era os touro, as mais magra, era as vaca, tinha os bezerrinhos, era a brincadeira daquele tempo, então tinha também aqueles (?), tinha aqueles mucunã, tinha aquelas (?), a gente tirava, fazia era o boi a vaca, jatobá, só dessas coisa né, era os brinquedo daquele tempo e as meninas era sabugo de milho, fazia aqueles negócio, era aquelas bonequinha, aquelas coisas, os pobres que num podia comprar nada né, os rico ainda comprava, tinha aquelas bonequinhas de louça, que os ricos comprava, hoje é tudo, rapaz, é bicicleta, é revolver, é metralhadora, é tudo, aquele negócio, essa rua aqui hoje, rapaz, é cheio de bicicleta, de motocicleta e o pessoal diz que o tempo tá ruim, por isso que eu fico com raiva, eu fico revoltado com isso. Tempo ruim, eu mesmo cheguei nessa rua aqui, dia 8 de março de 1938, eu entrei nessa rua, quem era que via, tinha um camarada que fazia uns tamborete ali na rua da Saudade, uma oficina que fazia aqueles tamboretes redondo, aquelas tábuas comprada no mercado, pra vender no mercado, aquelas mesinhas quadradas, ou então redonda, com aqueles tamborete pra vender, os tamborete era as mobília, hoje o sujeito é sofá de todo jeito, coisa e tal, quando o bicho tá furado nem manda mais consertar, joga é no mato, toca fogo e eu fico olhando isso, ainda diz que o tempo é ruim, nessa época agora é a época que o povo mais como galinha, que é era difícil sujeito comer galinha, apesar de num ser galinha de granja, mas nessa temporada que eu entrei aqui, tinha o pessoal que viajava de trem, comprava aquelas galinha no interior, galinha caipira mesmo, a caipira que passou pra capital, chama galinha pé duro, então, tinha um senhor ali por nome Fernando, que era um bagageiro e o Cangulo também, que era guarda-freio, (?) maquinista, aqui morava muita gente (?) tinha pressa, tinha só que pular o muro, tava dentro do serviço, então, eles trazia as coisa, as coisa de casa, chegava, num passava nem ali no portão, era só jogando no portão e o pessoal pegando, (?) maquinista, (?), só aquele pessoal, eu trabalhando de sapateiro aqui, na trezentos e vinte e oito ali, isso na época de quarenta, 4 de outubro de 1940, mudei pra essa terra em 28.

Salvino – O que eram os magarefes?

Muriçoca – É o pessoal que corta carne, os açougueiros; pessoal que trabalha em carne, açougue, são os magarefe.

Salvino – O senhor falou da legião, que legião era essa?

Muriçoca – A Legião Cearense de Trabalho, foi uma organização que houve naquela época que o comandante diretor era o Tenente Severino Sombra, e tinha aqueles dois movimento, era a Ação Integralista Brasileira e a Legião Cearense do Trabalho.

Salvino – Elas eram ligadas uma a outra?

Muriçoca – Não. Eram inimiga, eram contra. O integralismo, era parte do Hitler da Alemanha e eu como solteiro, esse padre Antônio Gomes, que eu falei, eu ia trabalhar de manhã todo bonito, e ele me convidava pra eu deixar de ser legionário pra ingressar na Ação Integralista Brasileira, que um rapaz novo, forte, ia estudar no ginásio e mais tarde eu me tornaria um oficial do exercito brasileiro e era outro homem, ai eu respondia: “padre Antônio, não, eu quero ficar mesmo como Legião Cearense do Trabalho, sou operário pobre.”

Salvino- Você tava se mudando pra casa do cunhado.

Muriçoca- Mudamo pra lá quando surgiu na época os entegralistas.

Salvino- O senhor da padaria e o ministro era entegralista também ou não?

Muriçoca- Se era eu num sabia não, num tinha conhecimento não, nunca ouvi nem falar esse negócio de política. Tinha um amigo meu, era rapazote, trabalhando em olaria, carregando tijolo, essas coisa de jumento e tal, o Edmundo, ele foi também aprender arte de sapateiro etc. depois veio pra cá pra Fortaleza, sentou praça na polícia, e quando surgiu o movimento dos entegralista, aquela revolução, Plínio Salgado, aquele movimento todinho e os comunistas...

Muriçoca- Aí ela se atuou, pegou lá um mestre e fizeram aquela prece em mim e rezaram. Nessa noite eu já fui dormir. Ela mandou fazer um caldo pra mim, passei o dia melhor, fui melhorando e fiquei continuando. No outro dia ela veio em casa, depois eu já fiquei indo na casa dela. Ela morava pertinho, tem a saída ali, quando chegar onde tem aquela subida que você entra pra lá, tem uma rua, que hoje tá tudo modificado mas era uma casinha beira-e-bica, calçada alta, ela morava ali: “o senhor vai lá pra casa, pode ir?” Eu digo: “vou.” Aí eu sai me arrastando. Nesse tempo eu trabalhava de sapateiro, tinha uma calça de mescla cortada, suja de tinta, cola, grude e tudo, de limpar as mão. Ela disse: “você vai onze hora, que é o tempo que o João vem da estação.” O marido dela era carreteiro e trabalhava na estação, pegava aqueles volume, que tinha um trem chegando de Baturité, disse: “João tá aqui pra prestar atenção na casa.” Era uma parada, ninguém podia fazer esse negócio não, que a polícia batia em cima. Eu fui pra lá, e coincidiu que nesse dia, era um dia 7 de setembro, (...) ela tinha vindo da parada, eu tava sentado na calçada alta, casa dela é calçada alta, com as perna dependurada, ela com um pano amarrado na cabeça, quando foi me avistando: “vixe Maria, que é isso!” Logo na minha porta. Ela era uma preta velha, num era dessas dos cabelo muito enrolado, mas também num era muito solto não, era dos cabelo meio duro. Aí eu disse: “é dona Amélia, eu tou aqui, mas se a senhora acha que num tá dando certo, eu vou-me embora.” Ela disse: “não, pode ficar, eu num tou dizendo isso com o senhor não, seu Zé Cassiano, ave Maria, num se incomode com isso não.”

Muriçoca - Ator

Salvino- Nessa peça qual foi seu papel? Quando você entrou em cena?

Muriçoca- Eu num tô lembrado qual foi a peça, eu sei que eu fiz um detetive, parece que foi essa que ele botou “Muriçoca em Cena” fazendo detetive, mas num tô lembrado qual foi a peça, essa eu num decorei. Aí lá vem o convite pra gente..., quer dizer, já fizemo Maranhão, aí esse convite já foi em Recife, aí num fumo mais em Recife porque pouco tempo foi debandado, todo mundo preso. Aí ficamo no Theatro José de Alencar fazendo umas peçazinha e tal. Aí foi o tempo que o Gusmão adoeceu, ele era diabético, num se tratava e bebia, comia a toa, morreu magrinho, Domingos Gusmão de Mendes, um grande escritor, escrevia bem no Jornal Diário do Povo. Eu tinha uns jornais desse aí mas eu perdi muita coisa. Quando eu entrei no Theatro eu comecei a juntar aquelas papeletas, aqueles reclame, aquelas propaganda, e quando seu Afonso se aposentou ele disse: “Tá aqui Muriçoca, você gosta dessas coisas e eu vou me aposentar, num vou precisar mais disso, tu guarda, fica pra ti essa lembrança, tu gosta disso.” Aí guardei o que eu vinha juntado e o que o seu Afonso me deu, coisa antiga, aquelas peças antigas que veio do Procópio Ferreira, vários artistas, cantores, Vicente Celestino, eu guardei lá.

Os pais

Muriçoca- (…) Eles foram criados órfãos de pai e mãe, que eu já contei, mas numa fazenda da família Teles, o sítio por nome de Riacho Seco no município do Crato. Lá eles cresceram e foram indo, se namoraram. Tinha uma velha por nome Genoveva, na casa, assim eles me contaram depois, era a governanta da casa, era toda a confiança da família, a casa era numa fazenda, num sítio e ela tomava de conta de todo mundo. Então ela notou que eles estavam se namorando, aí perguntou a meu pai e a minha mãe, aí ele disse: “é, eu estou, quero me casar com ela.” “Pois é, então, vou dizer seu Odorico e a dona Mandú.” Que era os donos da casa. “Tá certo.” Aí ela contou a história a eles, eles disseram: “tá tudo bem.” Ai, tava na época da moagem, quando terminou a moagem, que acabou aquele serviço, aí ele foi, pediu pra vir ganhar um dinheirozim, porque lá, naqueles tempos, naqueles anos passados, quando terminava aquele serviço, eles saíam no interior, ali por Ingazeira, Aurora, Missão Velha, Cedro, trabalhando naquele roçado, quebrando milho, apanhando algodão. Então foi e saiu, trabalhando aqui, acolá, até que veio chegando, chegando... Agora, num me recordo bem se nessa época o trem... parece que só vinha até Baturité ou era Senador Pompeu, mas parece que era até Baturité, é tanto que o nome da estrada de ferro antiga é estrada de ferro Baturité, hoje passaram pra Reviação Cearense, depois passou pra Refesa e CBPU (SIC).

Encontro com Daniel Filho (Ator e diretor)

Muriçoca - Daniel Filho, era o diretor do filme, que eu me orgulho muito de ter tido lá um personagem num filme dirigido por Daniel Filho, ele gostava muito do Theatro, quando chegou lá tava a Iramiza Serra, aí ele perguntou: “quem é aquele rapaz acolá?” Ela disse: “é o Muriçoca.” Ele disse: “eu queria falar com ele.” Ela disse: “Muriçoca, o Daniel tá lhe chamando!” Naquela época ela era diretora do Theatro. Ai ele disse: “rapaz, é possível você trabalhar com a gente num filme?”

Memórias do campo de concentração

"Alguns desses guardas eram, inclusive, ex-concentrados, que devido ao “bom comportamento” ou outro motivo que desconheço, conseguia esta promoção. Meu tio, o seu Muriçoca, o qual acho que você conheceu, pois era muito popular em Fortaleza, por ser o porteiro do Teatro José de Alencar; foi guarda do Campo de Concentração do Crato. Esperto como era, além de ter um carisma inconfundível, titio com sua magreza aguda conseguiu driblar as autoridades. Fugindo da seca, ele se alistou para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Ao retornar para o Ceará, mais especificamente para o Crato, ele tratou logo de vestir sua elegante farda. Impressionado a todos, pois um homem fardado naquela época passava a idéia de respeito e autoridade. E, assim, conseguiu ser guarda em vez de concentrado. Que saudades dele! Que Nosso Senhor Jesus Cristo cuide bem de titio Muriçoca!"

(Personagem fictício criado para narrar à história real dos Campos de Concentração, tendo como base o livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”, da professora do Departamento de História da UFC, Kênia Sousa Rios.)


Jornal OPovo - 22 de Dezembro de 2003

Morre funcionário mais antigo do TJA

O tradicional porteiro do Theatro José de Alencar, José Cassiano da Silva, mais conhecido como Muriçoca, faleceu na madrugada de ontem vítima de uma infecção

Uma despedida simples, calorosa, emocionante. Assim como foi o homenageado, José Cassiano da Silva, 90, o seu Muriçoca, figura tradicional do Theatro José de Alencar (TJA) e o mais antigo funcionário. Ele faleceu na madrugada de domingo, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção. O corpo foi velado na sede da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), no Meireles, no início da tarde de ontem, com a presença de parentes, amigos, funcionários do TJA, artistas e políticos. Mas o acolhimento não podia deixar de ser no próprio Theatro, onde ele foi funcionário por quase quatro décadas.

Ao som do saxofonista Elismário, que interpretava composições de Vila-Lobos, gente amiga pôde prestar a homenagem, com a presença da diretora do TJA, Eliza Gunther. Gente que não era tão próxima de Muriçoca também compareceu. Com a instalação de uma feira de ambulantes na porta do Theatro, além da reforma da Praça José de Alencar, o movimento foi intenso.

Para o diretor de Theatro, Haroldo Serra, Muriçoca vai chegar ao céu com a intensão de fazer um acordo com São Pedro, que fica na portaria e recebe quem está chegando. O posto deve ser dividido agora com o novato, educado e vestido com um paletó. ''Meu pai era uma pessoa muito boa, muito querida. Fez muitas amizades na vida'', constata o único filho, Valdizar da Silva, 67.

O corpo de Muriçoca foi enterrado no fim da tarde de ontem em um túmulo da família. O cemitério São João Batista, localizado no Centro, fica em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, Dona Lindu, 88 anos. ''Não deixei minha mãe ir até o Theatro, era emoção demais'', conta Valdizar. Ele acrescenta que o pai vinha sentindo problemas no estômago há algum tempo, além de complicações em uma cirurgia que fez na próstata. O quadro de saúde foi se agravando e levou a uma infecção. Ele tinha duas netas.

''Não tenho palavras para homenagear meu irmão, o melhor irmão do mundo. Se pudesse sair gritando, diria bem alto: muito obrigada'', disse a irmã caçula de Muriçoca, Francisquinha Cassiano. Além dela, são mais quatro irmão vivos. Para o deputado estadual Chico Lopes, presente ao enterro, a cultura cearense perdeu um ativista popular. ''Muriçoca estava lá, nos carnavais da Praça do Ferreira, Guilherme Rocha... O Theatro José de Alencar perde uma figura. Mas a vida tem dessas coisas'', considerou o deputado.

''Era uma figura ímpar. A frase que ele mais gostava era 'seja bem vindo e sinta-se em casa'. Tinha amizades boas no meio artístico, junto a comunidade, entre os políticos. Tinha um quê de alma boa, apesar de ser humano e também ter defeitos. Não reclamava da vida mesmo doente e continuava trabalhando. Continua uma lenda, uma história, a partir do nome dele'', declarou o diretor teatral e ex-administrador do TJA, Fernando Piancó. Na despedida do Theatro, muitos aplausos para o eterno porteiro Muriçoca.


Portal da História do Ceará:

2003 - dezembro - 21 - Morre na madrugada, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção, aos 90 anos de idade, José Cassiano da Silva (Muriçoca), figura popular, elegante, usando gravata borboleta, um dos mais conhecidos e queridos personagens que passaram pelo Teatro José de Alencar - TJA.
Recebeu o apelido após comentário sobre o inseto em 1961.
Em 1932, quando se alistou para servir nas Forças Provisórias, durante a Revolução de 30, veio do Crato para Fortaleza e teve o teatro como primeira casa na Capital, que funcionava como quartel na época.
Foi cobrador da Sociedade dos Merceeiros; em 1965 ele passou a atuar no TJA, como contra-regra, por influência do diretor de teatro Domingo Gusmão de Lima.
Em 1973 foi nomeado funcionário do teatro.
Depois deixou de ser contra-regra e passou a recepcionista de espectadores e visitantes.
Seu corpo foi velado no Palácio da Abolição.
Seu cortejo passou pelo Teatro José de Alencar, onde houve uma homenagem e de lá seu corpo seguiu para o Cemitério São João Batista, localizado no Centro, em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, onde foi sepultado no final da tarde.



Créditos: OPovo, Ceará Cultural, Portal da História do Ceará, MIS e pesquisas na internet

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Seca e campos de concentração em Fortaleza



Uma realidade sub-humana, que fazia da morte uma rotina diária. E que fazia da fome e das epidemias...companheiras permanentes. Uma catástrofe provocada pela insensatez.

Campo de concentração

CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NO CEARÁ

No Estado do Ceará
A exemplo do alemão
Houve por aqui também
Campo de concentração
Lá era pra matar judeu
Aqui o povo do sertão.

Na seca de trinta e dois
Criamos uns sete currais
Para evitar que famintos
Criassem problemas sociais
E pudessem invadir
Na capital seus mananciais.

Currais foram construídos
Em Senador Pompeu, Ipu,
Quixeramobim e Crato,
Fortaleza e Cariús.
Fortaleza teve dois
Otávio Bonfim, Pirambu.

Pessoas foram confinadas
Como bando de animais.
Tinha a cabeça raspada
Sacos de açúcar, jornais
Era o que lhes serviam
Como vestes mais usuais

Sem nome, ou identidade,
Chamados por numerais.
Desta maneira estavam
Registrados nos anais.
Só se comia farinha,
Rapadura nos currais.

Toda essa gente foi presa
Sem ter crime praticado
E para isto bastava
Somente estar esfomeado.
Pedir prato de comido
Que seria logo enjaulado.

E controlados por senhas,
Pelas forças policiais.
Quem entrava não saía,
Senão pros seus funerais.
Sessenta mil lá morreram.
Nos registros oficiais.

Para aqueles locais, todas
Pessoas foram atraídas.
Com promessas que seriam
por médicos assistidas,
Que teriam segurança
E fartura de comidas

Experiência que houve
Somente aqui no Ceará.
Que se iniciou em quinze
Naquela seca de torrar
Depois disso os alemães
Trataram de aperfeiçoar.

Alguns campos projetados
Para abrigar duas mil pessoas
Dezoito mil chegou alojar.
Presos por vilões e viloas,
Felizes os governantes
Ainda cantavam suas loas.

Em Ipu todos os dias
Morriam de sete a oito.
A maioria era de fome
E até por ser afoito,
Nas tentativas de fugas,
Pro que não havia acoito.

Nas décadas posteriores,
Pra mudar essa imagem,
governos criaram albergues
para evitar sacanagem,
mesmo assim pouco funcionou
pois sempre há malandragem.

E o povo nordestino
ainda de pires na mão,
espera de todos governos
pro problema solução.
Agora estamos na briga
pela tal transposição.

Ceará de Terra da Luz
É chamado no Brasil.
Foi nosso primeiro estado
Que escravatura aboliu
Pra isso não foi necessário
Nem mesmo usar um fuzil.

Mas a geração atual
Tem que redimir o erro
De governantes passados.
Não permitir o desterro
De seus filhos pra terra alheia
e muitos acham o enterro.


HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO
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Em 1915, uma seca severa fez com que os sertanejos se dirigissem para as grandes cidades, desta feita o Governo do Ceará, optou por criar o primeiro "campo de concentração, no Alagadiço, hoje Otávio Bonfim, ao oeste da cidade de Fortaleza, lá foram "abrigadas" mais de 8 mil almas a quem eram fornecidas alimentação sob a vigília constante de soldados. Mais uma vez (sim, essa infelizmente não foi a primeira e não seria a última seca que tivemos) foi estimulada a migração para a Amazônia e o campo (curral humano) foi desativado em novembro do mesmo ano.



Decididamente aqueles não seriam anos bons para os cearenses. Depois das duas guerras de 1912 e 1914, seu Jader e sua família iriam assistir em 1915 a pior seca de todos os tempos. Um pressentimento ruim tomava conta de todo mundo. Toda população dependia de alguma forma da agricultura e a agricultura dependia das chuvas. Os comerciantes ficavam sem ter para quem vender, além disso ainda estavam sujeitos a saques dos flagelados, ou o que era mais comum, acabavam tendo que dividir o pouco que tinham com parentes e agregados mais necessitados. O ambiente ficava pesado e só restava rezar, e rezar muito para que as chuvas aparecessem.

Só duas classes de gente lucrava (e ainda lucra) com as secas: os políticos porque receberiam mais verbas "para ajudar aos flagelados" e grandes donos de terras que aproveitavam para adquirir mais terras e o gado magro dos pobres retirantes.
O preço de tudo subia e o seu Jader já sentia no bolso como pesava cuidar da família, que em breve voltaria a aumentar.



Dona Dica passou a dar aulas na escola da cidade. Ela era professora formada pela antiga Escola Normal. Naquela época havia pouquíssimas professoras diplomadas. Era sempre uma honra para o Grupo Municipal ter uma professora formada dando aulas. Ao dar aulas D. Dica colocava mais algum dinheiro em casa.
O dia de São José já havia passado fazia duas semanas e nada de chuva. Em Fortaleza começavam a chegar os primeiros retirantes vindos do interior. As pessoas sem ter o que comer e o que beber vinham para a capital em busca de algum trabalho ou mesmo ajuda.



Dois meses depois começavam a chegar do escritório central da EFB em Fortaleza passagens de trem para serem distribuídas entre os retirantes.
A estação do seu Jader fervilhava de gente. As passagens só davam para uns poucos. A maioria acabava tendo que vir a pé para capital para não morrer de fome e sede.
O governo federal estava prestes a autorizar a retomada da construção da EFB para dar ocupação a uma parte dos retirantes.
A miséria campeava infrene e terrífica em toda extensão do território cearense, e não havia lar que não tivesse sido assaltado pelo abutre da fome, com as suas garras aduncas e afiadas. A cidade de lguatú, mais que as demais situadas a margem da via-férrea, regorgitava de famintos d'este e dos estados vizinhos acossados também pelo excepcional flagelo, reduzidos a penúria extrema - sem pão e sem abrigo.

"A miséria, consubstanciada nos trapos esquálidos e na cachexia profunda dos infelizes retirantes, emergia de todos os pontos da cidade. Era que em seu seio - praças, ruas e cercanias - achavam-se acantonadas cerca de 15.000 indigentes, todos a expensas exclusivamente da caridade particular já esgotada, aguardando, anciosos e com impaciência inquietadora de quem aspira com vehemência ver o término de seus sofrimentos, o início dos trabalhos do prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité. A varíola, em virtude da grande aglomeração de emigrantes e falta absoluta de hygiene entre elles, não se fez esperar; manifestou-se ameaçadora em diversos abarracamentos, sendo, porém, logo debellada, graças ao emprego de medidas enérgicas tomadas por este districto, - mandando isolar os pestosos e desenvolver com actividade a vacinação." ( Relatório da Inspectoria Federal das Estradas em:Benedito Genésio Ferreira - A estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930 – Ed. NUDOC/UFC, 1989)

"Muita gente morreu de fome e doença naquela seca. Não só nas várias cidades do interior, mas principalmente Fortaleza foi invadida por retirantes.
O quadro de angústias e misérias que se presenciavam na própria capital, ampliava-se e reproduzia-se em todo o interior do Estado, como se fosse um cinema ambulante, a exhibir em scenas successivas, as mesmas fitas macabras!"
( Relatório da Inspectoria Federal das Estradas em:Benedito Genésio Ferreira - A estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930 – Ed. NUDOC/UFC, 1989)



O governo acuado desenvolveu alguns métodos para cuidar dos retirantes da seca. Um deles era mandá-los para a Amazônia onde havia prosperidade com a exploração da borracha. Neste ano estima-se que 30.000 retirantes migraram para a Amazônia.

"Cenas de desespero e impotência ante a prepotência governamental eram rotineiras no porto de Fortaleza. (...) Os comandantes dos navios onde viajavam os nordestinos (nos porões) da terceira classe, tinham ordem de proibir o embarque de doentes. (...) Inúmeras famílias foram desfeitas quando do embarque, pois ao ser detectado qualquer doente, o comandante mandava imediatamente desembarcá-lo. Assim muitas mães e pais foram separados a força dos filhos." (Vida e Morte no Sertão - Marco Antonio Villa - Ed. Ática, 2000).



O outro método para lidar com os retirantes foi a construção de campos de concentração. No romance O Quinze, da escritora cearense Raquel de Queiroz, é possível ler descrições detalhadas de um destes campos de concentração. A personagem principal do romance Conceição ajudava na distribuição de comida e roupas no campo. O romance chama-se O Quinze por tratar justamente da seca de 1915.

O povo cearense tem o hábito de rir da própria desgraça. Em Fortaleza, um bode trazido pelos retirantes desta seca virou personagem histórico porque vivia passeando sozinho pelas ruas como se fosse mais um habitante da cidade. Era muito conhecido das crianças da época. Seu nome era bode "ioiô". Ao morrer o bode foi empalhado e pode ser visto no Museu Histórico do Ceará.



Bode Ioiô - Encontra-se hoje no Museu do Ceará

Um amplo programa de criação de campos de concentração, em que os retirantes fossem induzidos a entrar e proibidos de sair, foi implementado com total apoio da Interventoria Federal no Ceará. A fim de prevenir a "afluência tumultuária" de retirantes famintos a Fortaleza, cinco campos localizavam-se nas proximidades das principais vias de acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas e se viam à mercê da caridade pública ou privada. Dois campos menores situavam-se em locais estratégicos de Fortaleza, conectados às estações de trem que traziam os famintos, impedindo que eles circulassem livremente pelos espaços da capital. Uma vez dentro do campo, o retirante era obrigado não só a permanecer nele durante todo o período considerado de seca, mas deveria submeter-se a condições de moradia, relacionamento, trabalho e comportamento regulados pelas normas irredutíveis ditadas pelos dirigentes indicados pelo interventor – prefeitos nomeados e engenheiros do IFOCS. Os campos, portanto, pretendiam impedir a mobilidade física e política dos retirantes através da concessão de rações diárias e de assistência médica. O controle dessa imensa população – o maior campo, na cidade do Crato, chegou a abrigar quase 60 mil pessoas – representou um gigantesco esforço de organização, que tinha seu contraponto nas ações violentas das multidões de retirantes que ameaçavam tomar em suas mãos a resolução de suas aflições.

Ao mesmo tempo, novos campos de concentração foram organizados na capital, procurando evitar o trânsito indesejado dos retirantes pelas ruas da cidade. Em outubro, os campos foram unificados no campo do Alagadiço, sob a direção das irmãs Marianas, do Dispensário dos Pobres. Uma comissão de senhoras, liderada pela sr.ª Anita Gentil Barbosa, administrava os serviços, procurando oferecer socorro para as crianças, vestuário e assistência hospitalar, tendo conseguido um "generoso auxílio do comércio" e prometendo prestar contas do dinheiro arrecadado, "uma vez findos os seus trabalhos". O campo, também chamado de "albergue", no entanto, não era "rigorosamente o que desejavam realizar as autoridades do Ministério do Trabalho", com dois mil retirantes se amontoando "sob a sombra de árvores frondosas, encontrando-se, por conseguinte, expostos á chuva", em condições higiênicas precárias.



Os campos de concentração no Ceará — ou mais conhecidos como os currais do governo — foram locais de apoio e alojamento para as vítimas das secas de 1915 e 1932.
Os períodos de estiagem que fazem parte do clima do Nordeste brasileiro despertaram (e despertam) a atenção dos governantes desde a época do Império de D. Pedro II. E, por sua vez, estes reagiram com planos e projetos nas áreas de engenharia, social e política, tentando assim amenizar as conseqüências das secas tanto para as populações diretamente afetadas (os flagelados), bem como as classes políticas locais.

A criação do Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), em 1909 por Nilo Peçanha é uma das respostas governamentais ao fenômeno da seca.

Os campos de concentração no Ceará ou os "currais do governo", foram reações governamentais executadas nas secas de 1915 e 1932 no estado do Ceará.

No campo de concentração do Alagadiço, estima-se um ajuntamento de 8 mil pessoas, cuidadas com alguma comida e sob a vigília de soldados. A razão para o uso desta estratégia foi os temores de invasões e saques dos flagelados da seca em Fortaleza — isso já acontecera na seca de 1877, quando sertanejos famintos invadiram a capital cearense, atemorizando a população urbana. Esse campo foi desfeito e as vítimas foram dispersadas em 18 de dezembro do mesmo ano. Durante essa seca, muitos cearenses também migraram para a Amazônia.


Retirantes da seca de 1915 na Ponte Metálica de Fortaleza aguardando embarque.

Acervo Nilson Cruz



Campos de concentração foram restritos ao Ceará

Os registros mais confiáveis sobre os "currais do governo", como os confinamentos eram denominados pelos flagelados, são encontrados no livro 'Campos de concentração no Ceará' (Edição Outras Histórias / Museu do Ceará, 2000, 120 páginas), de Kênia Rios. Segundo a autora, não existem referências de que a experiência tenha sido repetida em outros estados. O primeiro campo, conforme Rios, surgiu em 1915, instalado no bairro alagadiço. Mais tarde, na seca de 1932, os campos foram ressuscitados como política do governo federal.

"Do ponto de vista oficial, os campos aparecem como medida de assistência aos flagelados que não tinham trabalho nas frentes de serviço", diz a autora. Mas a realidade, segundo ela, era outra. "Os famintos eram atraídos com a promessa de comida, assistência médica e segurança. Lá não encontravam a estrutura prometida e não podiam sair do campo, sendo mantidos presos. Tudo para evitar que Fortaleza fosse invadida por famintos", comenta Rios.



A capital foi a única cidade a receber dois 'currais', um no Otávio Bonfim e outro no Pirambu, este conhecido como Campo do Urubu. O maior campo do Estado estava instalado em Buriti, distrito do Crato. 'Pelos registros oficiais, passaram por lá 65 mil pessoas em 1932', informa. Ela diz que alguns campos, projetados para receber duas mil pessoas, chegavam a manter até 18 mil flagelados de uma só vez. A fome e a insalubridade dos campos levaram, inevitavelmente, a milhares de mortes. "Os livros de óbitos das igrejas mostram que 90% das mortes registradas naquele período aconteciam nos campos de concentração."

No 'curral' de Ipu, segundo Rios, a média era de sete a oito mortes por dia. Depois de 1932, a experiência dos campos foi abandonada no Ceará. "Houve muita polêmica em torno desta experiência. Também tinha o estigma dos campos de concentração nazistas. Por isso, nos anos 40, 50 e 60, o governo adotou outra prática, criando abrigos que foram batizados de albergues, onde os flagelados tinham mais apoio e liberdade."

Délio Rocha
Repórter

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A segregação dos miseráveis era lei, mas chegou um momento em que o flagelo em massa era tão chocante, com uma média de 150 mortes diárias, que o governo do Estado ordenou, em 18 de dezembro de 1915, como contam os arquivos dos jornais da época, a dispersão dos flagelados, ou “molambudos”, como eram também conhecidos.

Segundo o historiador Marco Antônio Villa, autor de Vida e Morte no Sertão, durante a seca de 1915 teriam morrido pelo menos 100 mil nordestinos. Outros 250 mil migrantes para escapar da “velha do chapelão” – como a fome era conhecida no imaginário do semi-árido.

O medo das autoridades diante dos flagelados da seca tinha um antecedente. Em 1877, uma leva de cerca de 110 mil famintos saiu dos sertões e tomou as ruas de Fortaleza, assombrando os moradores que viviam a ilusão, importada de Paris, de urbanismo e civilidade. No livro A Fome, o mais consistente relato sobre o cenário de 1877 nas ruas da capital, o cientista e escritor Rodolfo Teófilo assim descreveu o que viu: “A peste e a fome matam mais de 400 por dia! O que te afirmo é que, durante o tempo em que estive parado em uma esquina, vi passar 20 cadáveres: e como seguem para a vala! Faz horror! Os que têm rede, vão nela, suja, rota, como se acha; os que não têm, são amarrados de pés e mãos em um comprido pau e assim são levados para a sepultura. E as crianças que morrem nos abarracamentos, como são conduzidas! Pela manhã os encarregados de sepultá-las vão recolhendo-as em um grande saco; e, ensacados os cadáveres, é atado aquele sudário de grossa estopa a um pau e conduzido para a sepultura”.


Memórias do horror

O ano da graça de 1915, relatado na ficção de Rachel de Queiroz, sertaneja da fazenda Não me Deixes, no município de Quixadá (CE), seria apenas o ensaio da segregação estatal dos miseráveis. Em 1932 é que o modelo de isolamento iria vingar para valer. Na “seca de quinze” – como era chamada a estiagem – ainda não existia sequer a famosa “indústria da seca”, como se convencionou chamar a ajuda do poder federal às oligarquias nordestinas – diante das ameaças de saques e violência das legiões de famintos, os grandes proprietários de terra sempre chantagearam o governo federal, principalmente a partir dos anos de 1930, alocando recursos para a região que na maioria das vezes acabavam se revertendo em benefícios das próprias elites.


“De longe eu sentia o cheiro de podridão, chegava a tapar as ventas. Era tão forte o fedor que é como se eu o sentisse hoje, mesmo eu estando com a memória fraquinha, fraquinha”, diz Manuel Conceição Rodrigues de Sá, 87 anos, um rapaz de 15 anos durante a seca braba de 1932. Hoje, ele mora no subúrbio de Juazeiro do Norte, no Ceará, terra do Padre Cícero, personagem que já era celebrado como santo naquele tempo, pelas levas de famintos que buscavam por sua bênção. Manuel morava, então, no município de Serra Talhada, em Pernambuco. Trabalhava como tropeiro – tocava burros com carregamento de cachaça dos engenhos da região do Cariri, no sul do Ceará, para municípios de Pernambuco e da Paraíba. “Era num sítio ali perto do Crato, só vi uma vez de perto o campo de concentração, nunca mais tive coragem de passar junto. Pense num desmantelo! Gente apodrecendo de verdade, pareciam uns urubus quando o governo mandava comida”, afirma o ex-mascate.

O cearense do Cariri Miguel Arraes de Alencar, nascido em dezembro de 1917, na cidade do Araripe, governador de Pernambuco por três mandatos, guarda também lembranças do campo de concentração do Crato, onde morou sua família. “A seca braba de 32 é muito forte em minha memória. Um dia, quando ia estudar, me deparei com três homens presos. Eram flagelados do curral da concentração. Foram presos como desordeiros, só porque ficaram revoltados com as injustiças na distribuição de comida por lá”, afirmou Arraes em 2002. “É uma lembrança que guardo para sempre, as histórias vindas de lá eram um horror danado.”



Antiga vila operária construída em 1919 em Senador Pompeu, para a construção de um açude  foram utilizados depois como campo de concentração.
Pelo campo de concentração do Crato passaram cerca de 65 mil pessoas durante aquela estiagem. Ali, o governo prometia comida, água, assistência médica e oferta de trabalho. Pouco disso, no entanto, acontecia. Não havia água tratada, nem comida para todos e muita gente morria de fome ou doença e era sepultada ali mesmo. O campo se tornou um foco de tudo o que é infecção. Em alguns dias, o número de mortes de famintos alcançava a marca de 200. Há registros de pelo menos outros cinco currais no estado do Ceará, localizados em Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús, Ipu, Quixadá e o último nos arredores de Fortaleza, como derradeira tentativa de evitar que os famintos convivessem com a população da capital.



Os 12 casarões da antiga vila -erguidos em 1919 para abrigar operários e engenheiros ingleses que trabalhavam na construção de um açude na região foram depois utilizados como sede do campo de concentração.

“Eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber do governo comida e assistência médica. Dali não podia sair sem autorização dos inspetores do campo. Havia guardas vigiando constantemente o movimento dois concentrados. Ali ficavam retidos milhões de retirantes a morrer de fome e doenças”, diz a historiadora Kênia Rios, da PUC-SP. As estatísticas oficiais, que não conseguiam abarcar todos os alistados nos “currais”, dão conta de 73.918 “molambudos” nas seis áreas de confinamento – 6.507 em Ipu; 1.800 em Fortaleza; 4.542 em Quixeramobim  16.221 em Senado Pompeu; 28.648 em Cariús e 16.200 no Crato, conforme uma das melhores fontes sobre o assunto, o livro Campos de Concentração no CearáIsolamento e Poder na Seca de 1932, de Kênia Rios.

Um sobrevivente da segregação é Antônio Siqueira da Silva, de 90 anos, que tinha 18 anos quando foi “jogado” com a família – pai, mãe e mais 12 irmãos – no “curral dos flagelados” do Crato. A família havia mudado do município de Quebrangulo, terra do escritor Graciliano Ramos, para Juazeiro do Norte, cidade hoje emendada ao Crato, em 1930. “A gente veio por causa dos milagres do meu padim Ciço. Só se falava nas obras do “meu padim” por esse mundão todo afora. Ai meu pai pegou a penca de menino, botou em cima dos burros, e chegamos aqui em Juazeiro, pois lá nas Alagoas não tinha mais como viver que preste”, diz Silva, em depoimento para o projeto Nova Geografia da Fome, do Centro Cultural Banco do Nordeste. “Chegando aqui o meu padim nos botou lá no sítio do beato Zé Lourenço, onde tinha muita fartura. O mundo todo sem nada para comer e o beato lá dando de comer a todo mundo, até irrigação já tinha.”

Ruínas de casarões que na seca de 1932 foi transformado em campo de concentração de flagelados para que não invadissem Fortaleza, muitos morreram de fome e com cólera.

Seguidor do padre Cícero, Lourenço (1872 – 1946), nascido na Paraíba, chegou a abrigar cerca de mil pessoas no começo dos anos de 1930. Conhecida como o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, a comunidade foi destruída e bombardeada – a primeira vez que as Forças Armadas usaram aviões para um massacre no Brasil – em 1937, por ordem do ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra, durante o governo de Getúlio Vargas. O poder central, insuflado pelas autoridades cearenses, temia que o beato pudesse transformar o seu vilarejo em mais um Canudos, episódio que ainda assombrava os militares. No massacre, teriam morrido cerca de 700 pessoas. Lourenço escapou, fugindo pela Chapada do Araripe. Doente, morreria nove anos depois, em Exu (PE), município nas cercanias do Crato.

“O sítio do beato foi ficando cheio de gente demais, ai meu pai achou melhor a gente escapar da fome lá no “curral dos flagelados”, pois o governo prometia muita esmola por lá”, diz o sobrevivente do campo de concentração Antônio da Silva. “Mas quem disse que as esmolas chegavam? Lá perdi foi seis irmãos, de fome braba. Eu mesmo só escapei porque fugi com o resto, de madrugada, ainda lembro como se fosse hoje. Era uma catinga tão feroz, meu filho, que nem dava pra dormir direito. E os urubus em cima, querendo arrancar as tripas dos falecidos.”


Casarões de Senador Pompeu


A história das secas que castigam a população do Nordeste desde pelo menos 1877, deixou um rastro de tragédias e mortes assombroso. Nunca foi feito um levantamento a respeito dos números de nordestinos que perderam as vidas por causa da fome nestes períodos. Os levantamentos parciais, no entanto, são assustadores. Somente entre 1877 e 1913, portanto ainda sem os números da seca de 1915, o governo federal, por intermédio do IOCS estimava que 2 milhões de pessoas haviam morrido em consequência da miséria nas estiagens. Pouco mais de 100 anos depois, a equipe do livro Genocídio do Nordeste (organizado pela Comissão Pastoral da Terra e o Ibase, entre outras organizações) repetiu o desafio de contar as vítimas da seca e chegou ao número de 3,5 milhões de mortos somente no período entre os anos de 1979 e 1984.

O campo de concentração no Alagadiço, ao oeste de Fortaleza foi desfeito e as vítimas foram dispersadas em 18 de dezembro de 1915. Durante essa seca, muitos cearenses também migraram para a Amazônia.

Seca de 1932

Em 1932, nova seca assola o Ceará e novamente o movimento dos sertanejos se faz em direção às grandes cidades atendidas pela via férrea. Desta feita o governo instala novos campos de concentração, cercados por arames farpados e vigiados por soldados em:
Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim, Cariús, Crato ( Buriti, por donde passaram 65.000 pessoas ) além do já conhecido campo do Alagadiço(Otávio Bonfim) e o novo campo a noroeste da capital, o Pirambu, mais conhecido como o Campo do Urubu.
Campos projetados para abrigar 2000 pessoas, chegaram a manter 18.000 flagelados. As condições de higiene inexistiam, as pessoas viviam em verdadeiros currais.
Ao chegar tinham suas cabeças raspadas e era obrigadas a usar um uniforme feito de sacas de açúcar, confeccionado por eles mesmos.
A cabeça raspada impedia a proliferação de piolhos, no entanto, as péssimas condições de higiene, alimentação precária e um surto de cólera, dizimaram milhares de sertanejos presos nesses campos de concentração tupiniquins.
"A seca de 1932 foi uma das maiores da história do Ceará. Fome e doenças como cólera, febre amarela e varíola marcaram aquele povo sofrido pela sede e fome. Senador Pompeu foi uma das cidades que abrigou um dos sete campos de concentração, criados pelo governo da época para deter a vinda de retirantes à Fortaleza."


Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal 
O POVO, em 16/04/1932


Crianças num Campo de Concentração da seca de 1932, com distrofia farinácea. 
Com a escassez de alimentos, a saída era matar a fome com um pirão feito apenas de farinha, água e sal, que em excesso, causava edema na barriga. E nos meninos, até no saco escrotal. Muitos não podiam mais andar pelo inchaço e pela desnutrição e viravam presa fácil para as epidemias. Livro da comissão Federal que visitou os campos de concentração do Ceará na seca de 1932 - Acervo: Dnocs. Fotografia do livro feita por Valdecy Alves.

História real de quem ficou detido no Campo de Concentração do Pirambu:


"Amigo Leitor,

É impressionante como o tempo passa e tem fatos da vida da gente, que não conseguimos esquecer facilmente. Parece até ferrugem encardindo a alma, mofo sufocando o ar.

Lembro como se fosse hoje, o sol no céu tinindo como brasa, ferindo a terra desnuda, efervescendo as angústias e diluindo os sonhos de sertanejos vermelhos por fagulhas incandescentes. O ano era 1932, nunca um inverno foi tão esperado. Sabíamos que se não chovesse a vida se complicaria ainda mais.

Em janeiro de 1932, o desespero começou a comer os ânimos de muitos dos meus amigos, que partiram tristemente em rumo a Fortaleza. A maior parte deles foi tragada pela placidez luminosa dos dias queimosos. Desaparecendo para sempre.

Assim como outros, resolvi aguardar até o dia 19 de março, rogando insistentemente para São José fazer a chuva chover. Mas, tudo foi em vão, em vez da fartura proveniente de um glorioso inverno, tivemos de enfrentar o abraço entristecedor de uma grande seca.

No final do mês de março, levas de retirantes enchiam de dor e saudade as estradas do Sertão. Das mais longes paragens saíam homens e mulheres arrastando filhos e seus poucos pertences a caminho da Capital. Muitos se juntavam, formando bandos de flagelados, que andavam longos trechos a pé, a procura de uma estação de trem.

As estradas de poeira findavam, portanto, quando encontrávamos as estações ferroviárias. De lá saíam uma quantidade impressionante de sertanejos sedentos de fome e de esperança. A partir de abril, o número de flagelados que se dirigiam a Capital, aumentou consideravelmente.

O Governo durante alguns meses suspendeu a distribuição das passagens de trens para Fortaleza. Porém, nos meses iniciais, essa medida não foi suficiente para deter a vinda dos meus amigos. Muitos dos quais, invadiram locomotivas e chegaram ao destino tão desejado: “a cidade grande”.

A vinda para Fortaleza representava para nós, o sonho de uma vida melhor. Acreditávamos ser a terra de Iracema, a nossa Canaã perdida. Um lugar onde teríamos emprego, moradia e comida. Mas, ao contrário disso, o nosso sofrimento só estava começando. Não sabíamos que o pior ainda viria...

Coincidentemente com a seca de 1932, Fortaleza vivenciava um intenso processo de urbanização e embelezamento. O progresso se materializava na construção de prédios modernos, nas ruas alinhadas e na valorização do turismo local. No entanto, a cidade que queria ser moderna e civilizada estava sendo ocupada por um indesejado fluxo de flagelados, que traziam incrustados em seus olhares e gestos a sombra amarga da pobreza. Homens, mulheres, velhos e crianças eram obrigados a pedir esmolas para sobreviver. Em cada um deles, denunciavam-se a todo instante a situação calamitosa que se achava o Sertão.

A urbe alencarina, pouco a pouco se transformava num palco de miséria e tristeza, que contrastava com os interesses de uma burguesia voraz de progresso. Pressionado pela elite e pelos jornais de Fortaleza, que criavam a imagem de um retirante ameaçador, capaz de cometer saques e revoltas com proporções incalculáveis na cidade, (o que de fato era uma grande mentira, pois a gente só queria um lugar digno pra viver em paz); fez com que o Estado tomasse uma medida drástica, a qual marcou para sempre a minha vida e a de muitos.

Para barrar a marcha dos retirantes para a Capital, o Estado pôs em vigor o projeto de construção de Campos de Concentração. Ao todo foram erguidas sete concentrações, localizadas nas cidades de Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, São Mateus, Crato e duas em Fortaleza. A princípio, esses locais seriam espaços destinados a atender aos flagelados da seca, disponibilizando comida e assistência médica para todos. Mas, na prática tudo era uma verdadeira farsa. Dali não podíamos sair sem a autorização dos inspetores do campo e havia guardas nos vigiando constantemente. Aqueles que tentavam fugir eram enquadrados na lei como marginais.

Em nome dos parâmetros de civilidade e modernidade, o Governo tinha conseguido, finalmente, “enjaular a pobreza”. Milhares de retirantes ficaram presos e a morrer de fome e de doenças como, Varíola, Sarampo e Desnutrição. Para se ter uma ideia, cada concentração dessas tinha a capacidade de abrigar duas mil pessoas, mas chegavam a receber um número que variava de dezoito mil a sessenta e cinco mil flagelados. Morriam de oito a dez pessoas por dia. Tínhamos uma convivência muito íntima com a morte.

Os Campos de Concentração eram batizados por nós como “Os Currais do Governo”, nome bem oportuno para a própria situação que vivenciávamos. Mas, cada um tinha um apelido próprio. O meu, por exemplo, chamava-se Urubu. Ele corresponde hoje, o bairro do Pirambu.



Os Campos funcionavam como uma prisão. Os que lá chegavam não podiam mais sair, ou melhor, só tinham permissão para se deslocar quando eram convocados para o trabalho na construção de estradas, açudes ou obras de “melhoramento urbano” de Fortaleza, ou quando eram transferidos para outro Campo. Os concentrados eram transportados de caminhões e, a todo o momento, ficavam sob o atento olhar de vigilantes, que os seguiam feito cães ferozes.

Alguns desses guardas eram, inclusive, ex-concentrados, que devido ao “bom comportamento” ou outro motivo que desconheço, conseguia esta "promoção". Meu tio, o seu Muriçoca, o qual acho que você conheceu, pois era muito popular em Fortaleza, por ser o porteiro do Teatro José de Alencar; foi guarda do Campo de Concentração do Crato. Esperto como era, além de ter um carisma inconfundível, titio com sua magreza aguda conseguiu driblar as autoridades. Fugindo da seca, ele se alistou para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Ao retornar para o Ceará, mais especificamente para o Crato, ele tratou logo de vestir sua elegante farda. Impressionado a todos, pois um homem fardado naquela época passava a ideia de respeito e autoridade. E, assim, conseguiu ser guarda em vez de concentrado. Que saudades dele! Que Nosso Senhor Jesus Cristo cuide bem de titio Muriçoca!

Apesar de todo sofrimento, a gente sempre dava um jeitinho de animar a vida, afinal, também, somos filhos de Deus. Quando todos terminavam seus serviços nas obras de construção de Fortaleza, nós nos reuníamos para cantar belas canções de amor, fazer desafios e repentes. A gente, ainda, tocava instrumentos e dançava, relembrando as noites felizes e enluaradas que vivemos no sertão, antes da seca chegar.

O nosso Campo, o Urubu, era o mais visitado de todos. Para lá se dirigiam jornalistas, padres e até turistas. Destes chegávamos a receber alguns trocados, que nos eram entregues com ares de piedade, disfarçada por certo fascínio, porque, éramos, na realidade, bichos enjaulados, servindo de atração e divertimento para os ricos.

Uma das coisas mais detestável dentro do Campo eram os serviços de vacinação. Toda aquela agulharada e parafernália médica eram tão assustador, que nos levavam a reagir de diferentes maneiras. Chegávamos, mesmo, a esconder as crianças debaixo das camas para que os médicos não as vissem. Preferíamos mil vezes, as meizinhas, as rezas e as beberragens de Dona Raimunda. Aquela sim, sabia cuidar dos nossos males. Muitas pessoas falavam que Dona Raimunda era uma santa enviada por Deus. Ela faleceu, e depois de vinte e quatro horas voltou a Terra por ordem divina e com poderes de curar ou predizer a morte de quem lhe consultar.

Confesso que também tinha medo da cozinha do Campo. Lembro que seu acesso era constituído por um grande corredor estreito, onde todos nós ficávamos comprimidos para receber a comida. Anos depois, conversando sobre isso com um amigo, Francisco Lima, ex-concentrado do Campo de Ipu, ele me falou que achava a cozinha parecida com o inferno. “Aqueles homens de avental de couro vermelho, mexendo os tachos, as comidas...Era um fogo danado, aqueles homens brigavam com os pobres que chegavam e tinha uma cerca para evitar a invasão...”

Hoje, amigo leitor, aos 85 anos de idade, posso dizer que já vivi e passei por muitas coisas nesta vida. Mas nenhuma delas me marcou tanto como a passagem pelo Campo de Concentração. Vejo que a miséria, a pobreza e o descaso daquela época só fizeram aumentar. Os pobres não têm direito algum nesta sociedade mandada por ricos. Continuamos vivendo em concentrações, agora conhecidas por favelas ou conjuntos habitacionais afastados da cidade.

Senti vontade de lhe escrever, porque quero que saibas através das minhas memórias, um pouco desta história do nosso Ceará, ainda tão desconhecida de muita gente."

*Personagem fictício criado para narrar à história real dos Campos de Concentração, tendo como base o livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”, da professora do Departamento de História da UFC, Kênia Sousa Rios
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Na seca de 1932 o nordeste brasileiro sofria com as consequências da estiagem, mas também vivia um momento histórico próprio dentro da era de Getúlio Vargas; Lampião e seu bando centralizavam as atenções dos políticos; as oligarquias políticas do Nordeste mudavam de nomes: Padre Cícero ainda tinha influência política e milagrosa para os sertanejos e a irmandade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto atraia centenas de flagelados para os arredores de Crato, no Ceará. Com o temor da intensa invasão de flagelados para Fortaleza e para outras grandes cidades do Ceará, a estratégia dos Currais do Governo MAIS UMA VEZ foi implantada, só que desta vez não somente em Fortaleza, mas também em cidades com alguma estrutura básica e com estações de trens. Além dos campos de concentração na capital, um no já conhecido Alagadiço e um outro no noroeste da capital, no Pirambu. Estima-se que cerca de 73.000 flagelados foram confinados nesses campos onde as condições eram desumanas, o que resultou em inúmeras mortes. Ainda durante essa seca, flagelados cearenses foram enviados para o combate nas trincheiras da Revolução de 1932 em São Paulo. A seca de 1932 foi uma das maiores da história do Ceará. Fome e doenças como cólera, febre amarela e varíola marcaram aquele povo sofrido pela sede e fome.

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localização dos sete campos de concentração no Ceará (clique para ampliar)


Mapa da localização dos campos de concentração de Matadouro e Urubu 
(clique para ampliar)

O fim dos campos de concentração

As chuvas do início de 1933 recompuseram os pastos e os sertanejos isolados passaram a reclamar o direito de voltar ao sertão. Em todo caso, a liberação dos retirantes não foi imediata, houve discussão a cerca da importância da manutenção das prisões, uma vez que a mão de obra que se fazia disponível se mostrava muito útil à manutenção das obras de melhoramento urbano de Fortaleza. Mas o fim da seca determinava também o fim do envio de verbas da União para socorro aos flagelados e, aos poucos, chegou-se ao consenso de que eles deviam ser libertados.
É interessante notar que, durante o processo de tomada de decisão acerca da liberação dos retirantes isolados, questionou-se o uso que seria dado à infraestrutura construída para os campos de concentração, como registra esta matéria do periódico Gazeta de Notícias, de 25 de Fevereiro de 1933:


"Perguntamos, então: Ficará o campo do Pirambu abandonado, sem outro aproveitamento agora em diante? Serão retirados os seus pavilhões, sua capelinha, seu posto de saúde? Achamos que não e, até é possível que o governo do estado já tenha em mente alguma coisa... a propósito...cremos que o campo de concentração do Pirambu auxiliaria a solução do sério problema da mendicância, que de muito vem sendo objeto de comentários e cogitações nesta capital... A mendicância precisa ser socorrida pelo poder público e este bem poderia transformar o antigo "curral do governo" num abrigo para os mendigos de toda sorte que andam pedinchano diariamente pelas ruas de fortaleza, pondo a nu o aspecto deprimente desse problema que ainda está por resolver."


Mas ao contrário do que sugeria a matéria do Gazeta de Notícias, os campos não serviram ao propósito de solucionar o problema da mendicância em Fortaleza. Muito pelo contrário, estudos sobre o processo de favelização de Fortaleza assinalam os anos de 1932 e 1933 como marcos na expansão da periferia de Fortaleza. Os retirantes que ficaram na capital após as chuvas de 1933 passaram de flagelados a favelados e fundaram, no entorno do que era antes o campo de concentração do Pirambu, a favela do Pirambu, a maior de Fortaleza ainda nos dias de hoje.


Curral Grande: Construção de um texto dramatúrgico abordando o isolamento de flagelados no Ceará durante a seca de 1932 - Marcos Barbosa de Albuquerque

Créditos: Todas as fontes já citadas, Wikipédia e diversas pesquisas na internet

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