Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Pirambu
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A queda do pássaro gigante - O registro de uma mente!


NO DIA EM QUE ME TORNEI CELEBRIDADE

Ingressei nos quadros da então Rede Ferroviária Federal S/A aos 18 de outubro de 1981, via concurso público, e de entre 1648 candidatos para 25 vagas logrei o 14º lugar. Iniciei como Manobrador, depois Praticante de Estação (87), Agente de Estação (89), em 1994 Chefe da Estação Central e até 2011 fiquei como Assistente Técnico do Museu do Trem, dando expediente na Associação dos Engenheiros da Rede de Viação Cearense. Aí deixei de andar dentro de trem e ele ficou andando dentro de mim...

Então vamos ao assunto Piloto ou em Epígrafe: Você pode modificar seu presente visando um futuro, agora é impossível querer mexer no seu passado, afinal passado não é o que passa e sim, o que fica do que passou. Como nossa mente registra, o indelével fica sempre perto.

Em 1973 eu era aprendiz de operário na Fabrica de Tecidos São José no Jacarecanga. Trabalhava no horário de 14 às 22hs. Aos 20 de outubro deste 1973, fui com uma caneta e papel prestigiar um evento: A INAUGURAÇÃO DA AVENIDA LESTE.

Reclame antigo da Fábrica de Tecidos São José - Arquivo Assis Lima

Como rapazote fiquei com muito esforço, ao lado do Palanque das autoridades. A pior coisa que possa existir é um intelectual pobre. Anotei muita coisa. Precisamente às 10:25hs, chegava ao Palanque ao som da Banda Musical da Marinha, o Excelentíssimo Sr. Ministro de Estado do Interior José Costa Cavalcante (Tenente – Coronel do Exercito 1918-1991), que viera representar o Presidente da República Emilio Garrastazu Médici; Governador César Cals; o Prefeito Vicente Fialho e várias outras autoridades militares, civis e eclesiásticas.

Morro do Moinho (Hoje local onde fica o Instituto Médico Legal (IML) - Arquivo Assis Lima

Quando Costa Cavalcante estava fazendo seu pronunciamento, a apoteose do discurso fora interrompida, devido o ribombar das ensurdecedoras turbinas de quatro aeronaves Xavantes em vôo rasante. Depois começou acrobacias sob os efusivos aplausos; aí foi quando um dos pássaros gigantes cor de prata, entrou em parafuso em uma das manobras no corte dos céus do Pirambu (o palanque havia sido montado defronte ao hoje desativado Kartódromo). Três coisas ficaram na solidão: a casa do pintor primitivista Chico da Silva, o Bar do Ferrim, famoso por vender anzol cara torta, e aquela que fora casa de praia da família Moraes Correia, que ficou promíscua levando o nome de Cabaré Gozo do Siri. Naquele tempo ninguém conhecia a palavra Motel. É um termo moderno usado, e que com a inversão de valores, o imoral está sendo legal.
Pois bem, o Xavante caiu em cima de residências na rua Gomes Parente esquina com a rua Santa Rosa, a 100 metros da Cia. Ceará Têxtil de Jaime Machado. Foram atingidas quatro casas, vitimando fatalmente 12 pessoas, levando outra dezena para a unidade de queimados do IJF, ainda com a frente para a rua Senador Pompeu com Antônio Pompeu e era ainda conhecido como Assistência Municipal. O Polion Lemos, cinegrafista na época da TV Ceará Canal 2, conseguiu subir ao telhado de uma casa defronte, e registrou tudo em imagens.


 
Vista aérea do Arraial Moura Brasil. Vemos toda a extensão da praia, desde a Praia Formosa (hoje no local se encontra o Marina Park) até a Leste-Oeste, local onde ocorria o "espetáculo". A rua na parte inferior é a rua Barão do Rio Branco. Também podemos observar o antigo gasômetro que ficava vizinho à Santa Casa de Misericórdia. Foto provavelmente da década de 50. Arquivo Assis Lima. 

Perspectiva hoje - Ivan Gondim

O piloto que morreu somando 13 em numero de mortos, tratou-se do Major Aviador Rangel Molinos, que não era um cearense. A cerimônia fora interrompida. Se eu tivesse, ou melhor, se existisse os recursos que hoje temos, as imagens que não sai de minha mente estariam no Youtube.
Escrevi minha primeira matéria. Aiiiiii quando cheguei à fábrica, eu fui o único que havia conferido in-loco a tragédia. A sessão dos filatórios (fiação) parou e os operários fizeram em torno de mim um círculo para me entrevistar, pois muitos, ou melhor, a maioria morava no Pirambu. Uns moravam na rua Odorico de Morais de testa a Mercearia Vencedora do bairro, outros entravam na rua Mossoró, ainda tinha os que entravam na 7 de Setembro que, na esquina ficava a Padaria Jangada e lá na frente a barbearia do seu Celestino, onde eu cortava meu cabelo. Os demais adentravam na rua Largo dos Santos.

Foi assim que nasceu minha aptidão pelo escrito. Um operário de pequena estatura, para comentar um grande acontecido.
Relembrando, fui para a Estrada de Ferro, porque como disse Raquel de Queiroz: “Menino criado em beira de linha fica com o trem no sangue”. Mas, paralelamente exerço Jornalismo e também faço rádio com o meu currículo escolar graduado e com os devidos registros profissionais em órgãos competentes. Mas rádio e Jornal não dá dinheiro, a não ser que tenhamos vínculo empregatício, ou somos terceirizados via publicidades.
Com ou sem dinheiro, escrever me faz bem.

Assis Lima

Bônus:

"Campo doado pela família de Jacinto de Matos ao Estado, quando o Governador era Parsifal Barroso, para a Construção do Grupo Escolar Sales Campos. Jacinto de Matos é o Patrono da Rua de entrada do Pirambú. Prestou como Engenheiro Cívil relevantes serviços a Estrada de Ferro no Ceará na década dos anos 1920. Era pai da Professora Nilse Borges. Estudei com seu Neto Edmilson Borges em 1969. Os Galpões eram da São Judas Thadeu, e vizinho ao terreno marcado era o Instituto São Luis do Professor Luis de Melo, pai do médico pediatra João Nelson. São Judas Thadeu era uma Usina que fabricava com caroços de algodão o famoso óleo Patury. A Usina Thadeu como conhecíamos, era cliente da RFFSA, e recebia vagões fechado com algodão com caroços e também tanques com óleo de mamonas, em que este registro de 1956 mostra um estacionado para descarga." Assis Lima

O Pirambu de outrora - Arquivo Assis Lima

Arquivo Assis Lima

Leia também:

Tragédia na inauguração da Avenida Leste-Oeste


Colaborador: Assis Lima

Ex-Ferroviário, Assis Lima é radialista e jornalista.
Idealizou e mantêm o Blog Tempos do rádio

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Curral das Éguas por Descartes Gadelha



Em 1990, o desenhista Descartes Gadelha, trouxe a tona e reviveu o mundo oculto do "Curral" (o "Curral das Éguas") dos Anos 30; do Arraial Moura Brasil dos Anos 40; do "Cinzas" dos Anos 50; do "Pirambú" dos Anos 60; do "Farol" dos Anos 60 e 70; do "Centro" de todas as décadas das do 1900's. Descartes conseguiu captar em suas telas, com coerência e representatividade, a mudança social de cenário do tráfego metropolitano dos anos 70 e condensar os efeitos da "mídia" dos anos 80 e reuniu tudo isso na Exposição "De um alguém para outro alguém".

Segundo Descartes: O termo "De um alguém para outro alguém", foi colhido na década de 60 na Amplificadora Brasil (instalada na região do baixo meretrício chamada "Curral das Éguas", no bairro do Arraial Moura Brasil), popularmente chamada de irradiadora e que prestava importante serviço de comunicação à comunidade.

Era comum ouvir-se mensagens sonoras como estas:

"Esta linda página musical vai de um alguém para outro alguém que está muito arrependido" ou "esta mimosa joia musical é uma solicitação de um alguém para outro alguém que oferece ao seu próprio coração ferido e que outro alguém sabe quem é".

Gadelha narra suas impressões sobre o meio ambiente de prostituição do qual tem referência desde pequeno, quando morava na Castro e Silva, rua circundante da zona considerada promíscua.


Destoando da opinião geral, Gadelha sempre observou os habitantes do curral pelo lado filosófico - como ensinava seu pai - um místico que via naquele lugar um estágio da condição humana ou da evolução de algumas pessoas. Ultrapassada a barreira do preconceito foi mais fácil conviver sem remorsos ou cobranças com as mulheres que sobreviviam das casas de recursos e com a nostalgia de ruas, vielas e casas bem pintadas rodeadas pelo mar, luar, a Estação de trem, a Santa Casa de Misericórdia, o Passeio Público e a antiga Cadeia pública.

Do "Curral das Éguas", Descartes captou a alma das prostitutas, dos bêbados, dos gigolôs e dos agenciadores de garotas que formavam uma grande família uma espécie de tribo urbana a abrigar as mulheres imprestáveis às grandes pensões. Descartes relembra a trajetória percorrida pelas meretrizes nos lupanares. "As prostitutas de antigamente, ao contrário de hoje, praticamente não tinham escolha. Depois do defloramento não seguido do casamento as mulheres eram obrigadas a sustentarem-se e a única opção eram as pensões ou casa de recursos".

Zé Tatá de baiana ajuda seu amigo "Tereza" com os adereços. Carnaval de 1942

A via crúcis seguida pelas "meninas" era guiada, inexoravelmente, pela decadência. "Elas começaram nas grandes pensões como a Fascinação, na esquina da Senador Alencar com Castro e Silva que tinha como marca registrada a música Fascinação na voz de Carlos Galhardo. Outra casa considerada "classe A" era a Hollywood, onde se encontrava as novidades que apareciam na praça. Garotas com 18 anos, recém-acolhidas pela dona da pensão. Da Fascinação e Hollywood as mulheres desciam para a América, Los Angeles ou Califórnia. De lá para o Zé Tatá ou o Oitão Preto, quando as mulheres atingiam 25 anos, já estavam no Curral.
"Esse movimento de decadência e de descida era natural e encarado como inevitável", afirma Gadelha. No Curral, elas arranjavam velhos para sustentá-las até mais ou menos uns 35 anos e, depois disso, tornavam-se cafezeiras, boleiras e executavam pequenos serviços. As prostitutas, segundo a pesquisa empírica, com base na vivência de Gadelha, nunca morriam velhas. "Elas não passavam dos 50 anos, talvez pelas condições de vida, alimentação e, principalmente, pela grande quantidade de bebida que consumiam".
Na hora da morte, conta Gadelha, revelava-se o momento mais fraterno e religioso da comunidade. Quando a companheira não tinha dinheiro para ser enterrada, as prostitutas se cotizavam e iam deixar o dinheiro na seda da amplificadora Brasil que passava todo o dia tocando a Ave-Maria, de Shunbert, na voz de Vicente Celestino. O código era tão perfeito que ao se ouvir a música, todos no Arraial sabiam da morte da prostituta, a ser velada na Capela de Santa Terezinha, construída pelas mulheres-damas, hoje o único marco referencial da extinta comunidade.



A extinção do "Curral das Éguas" e a dispersão de seus moradores foi causada pela expansão da cidade e a construção, na década de 70, da Avenida Castelo Branco, a conhecida Leste-Oeste. Segundo Gadelha, não havia necessidade da destruição do Curral. "O Curral era uma tradição da cidade, o lado romântico e ingênuo da prostituição, muito diferente das casas de hoje".

O fim das vilas e das casas de madeira, papelão ou sacos plásticos, que delineavam o quadro surrealista, digno de Hieronymus Bosch e Peter Bruegel, deslocou seus habitantes para outras regiões da cidade também conhecidas zonas de prostituição como o "Farol do Mucuripe", a Barra do Ceará e algumas ruas do centro. Com o deslocamento, frisou o pintor, foi desmantelada toda a organização social da cidade e houve um estágio de decadência generalizada das prostitutas.

Nos anos 60, não se ouvia falar em cocaína. Usava-se pouca maconha e muito álcool.

Segundo Gadelha a prostituição é fenômeno comum a todas as sociedades. Desde tempos imemoriais. Assim, de antemão, estamos todos redimidos dos currais e faróis que ameaçam com sifilítica pestilência os alicerces morais de nossa civilização ocidental e cristã. Convenhamos, porém, que nós soubemos acrescentar perversos, ingredientes a esse fenômeno social, tornando imoral o que poderia ser apenas amoral.
A prostituição nasce da hipocrisia de famílias ditas austeras, virtuosas, mas que encorajam a iniciação sexual dos seus filhos com criadinhas trazidas do Interior. Nasce do machismo que ainda condena ao limbo, em certos meios, a mãe solteira. Nasce da pobreza absurda em que vivem milhões de brasileiros, amontoados em completa promiscuidade, sem teto, sem pão, sem lei e sem grei.


Antiga rua Santa Terezinha no Arraial Moura Brasil - Demolida para passagem da Av. Leste-Oeste


Descartes mostra a "zona" e também os frutos do seu ventre: os meninos de rua que se atiram ávidos sobre o carro, onde um casal burguês aguarda apenas o sinal abrir para dar as costas novamente à miséria. O desdém da mulher que lê o horóscopo e do seu acompanhante, escondido atrás de escuras lentes, é o mesmo da nossa sociedade.
Diante dos dramas humanos que nos cercam, preferimos mergulhar na quimera do zodíaco, no mundo do faz-de-conta, onde a solução de todos os problemas está escrito nas estrelas. Confrontados em colocar um par de óculos escuros e pisar fundo no acelerador, deixando para trás a cinza, a esquina, o beco, o farol, o curral, ou qualquer outro lugar onde se diz que a mulher leva vida fácil. Ou vida alegre.

DESCARTES GADELHA
(Fortaleza – CE 1943)

Desenhista, pintor e escultor. Participou de importantes mostras coletivas, destacando-se “A Paisagem Cearense”, no MAUC-UFC (Fortaleza – CE 1963), “Pintores do Nordeste”, no Museu do Unhão (Salvador – BA 1963), “Lirismo Brasileiro” (Tel-Aviv 1965), “O Circo”, no paço das Artes (São Paulo – SP 1978) e “12 Artistas de Seis Países Latino-Americanos”, na Casa do Congresso de Angostura (CaracasVenezuela 1982). Obteve prêmio no XIV Salão Municipal de Abril (Fortaleza – CE 1964), nos I e II Salões Nacionais de Artes Plásticas do Ceará e no 1º Salão de Artes Plásticas do BNB-Clube, todos em Fortaleza (CE), nas décadas de 70 e 80. Individualmente, realizou diversas exposições, destacando-se em importância: Galeria Goeldi (Rio de Janeiro – RJ 1966), Galeria Samambaia (São Paulo – SP 1968), Instituto Goethe (Salvador – BA 1974) e as expressivas mostras “Catadores do Jangurussu”, no MAUC-UFC (Fortaleza –CE 1986), “De um Alguém para Outro Alguém”, também no MAUC-UFC (Fortaleza – CE 1990) e a mega-exposição “Cicatrizes Submersas” – com mais de 100 pinturas a óleo de média e grande dimensões, além de esculturas, cerâmicas, gravuras e desenhos, retratando a saga do beato Antônio Conselheiro nos sertões do Nordeste do Brasil e seu epílogo em Canudos -, realizada no Palácio da Abolição (Fortaleza – CE 1997) e posteriormente, em 1999, na reinauguração do Museu de Arte da UFC, local onde as obras se encontram, incorporadas ao acervo do museu por doação do próprio artista. Numa linguagem expressionista, Descartes Gadelha retrata em sua obra a cultura, a religiosidade e os problemas sociais comuns ao Ceará, sua terra natal, e ao Nordeste do Brasil.

(Fonte: Firmeza, N. & Montezuma, L. Dicionário das Artes Plásticas do Ceará. Fortaleza: Oboé, 2003)

Crédito: http://www.mauc.ufc.br/
Telas: Descartes Gadelha



sábado, 28 de setembro de 2013

Postais Praias de Fortaleza



Postal Praia do Meireles e Iracema vistas do mar.

Postal Jangadas na Praia de Iracema

Postal Jangadas em repouso.

Postal Mucuripe - Jangadas em repouso.

Postal Jangadas ao Pôr do sol

Postal Praia do Mucuripe. Datado de 15 de maio de 1974.

Postal Jangadinhas do Ceará

Postal Jangada e Jangadeiro

Postal Jangadas

Postal Jangadas na volta da pesca. Praia do Mucuripe

Postal Jangadas no Mucuripe

Postal Jangadas regressam da pescaria. Praia do Mucuripe

Postal fim de tarde na Praia do Náutico.


Postal Praia do Futuro anos 70 - Editora Edicard

Postal Praia do Pirambu datado de 02 de julho de 1974.





segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Tragédia na inauguração da Av. Leste-Oeste


Primeiro trecho asfaltado da Avenida Leste-Oeste em 1973 
Arquivo O Povo

Em 20 de outubro de 1973, com a presença do Ministro do Interior, Costa Cavalcante, são inauguradas várias obras, entre elas, a primeira etapa da Avenida Marechal Castelo Branco (Avenida Leste-Oeste).
Durante as comemorações aviões faziam evoluções, quando um deles se desgoverna e se projeta sobre três casas na Rua Gomes Parente, no Pirambu, matando mais de uma dezena de pessoas e deixando dezenas de feridos.
O Xavante era pilotado pelo tenente aviador Pedro Rangel Molinos, que era gaúcho.

"O bairro onde nasci e me criei, em Fortaleza, tem a curiosa peculiaridade de várias de suas ruas serem identificadas por dois nomes, um oficial e outro atribuído pela população local.

A rua Pedro Artur, mais conhecida como Rua Sete de Setembro  
Imagem Google Street View

Por exemplo, a minha casa ficava em uma rua chamada oficialmente de Pedro Artur, que era – e ainda é – conhecida como Rua Sete de Setembro. O nome da rua dos fundos da casa é Monsenhor Rosa, mas todos a chamam de Rua Mossoró. Basta caminhar até a esquina para chegar à Dom Hélio Campos, apelidada de Rua da Felicidade.

Pode ser estranho, mas é um traço cultural tão forte do lugar, que o próprio bairro chama-se oficialmente Nossa Senhora das Graças, mas qualquer fortalezense que passa por ali sabe que está atravessando o Pirambu.

 1937. Estamos no Arraial Moura Brasil, na parte de baixo, atual Avenida Presidente Castello Branco (Leste-Oeste). Vemos a Comunidade de Santa Teresinha em torno de sua capelinha, que foi a única a resistir quando a avenida foi rasgada.
Em 1936-37, o Arraial Moura Brasil foi urbanizado. Acervo Lucas.
No começo dos anos 1970, a minha rua era uma das mais importantes do bairro, porque era a via por onde circulavam os ônibus que faziam a linha para o centro da cidade. Foi assim até 1973, quando foi aberta a Avenida Presidente Castelo Branco, apelidada imediatamente de Leste-Oeste, porque segue paralela à margem do Oceano Atlântico, ligando o Mucuripe (Leste) à Barra do Ceará (Oeste).

 O bairro Arraial Moura Brasil muito antes da construção da Avenida Leste-Oeste

Para os meninos da minha idade, foi uma ótima mudança, já que, sem os ônibus circulando, ficou mais seguro brincar na rua, mas a melhor parte aconteceu mesmo antes da inauguração da avenida, no período de sua construção.

Primeiro foi brincar nos escombros das casas desapropriadas, que as pessoas foram abandonando, levando portas, janelas, telhas e outros de seus pedaços, para aproveitar na construção da nova moradia. O cenário de destruição era perfeito para brincar de guerra e esconde-esconde, numa época em que as crianças podiam usar armas de brinquedo, e os pais não morriam de medo quando passavam horas sem saber onde os filhos estavam.

Foto publicada no Jornal O POVO, em 05/10/1974. Importante via de ligação entre o Porto do Mucuripe e a Barra do Ceará - a Avenida Presidente Castelo Branco - foi entregue ao público, como uma das maiores obras da administração do prefeito Vicente Cavalcante Fialho.

Depois, veio o tempo de assistir ao espetáculo das máquinas trabalhando. Ficávamos maravilhados com a força dos tratores de esteira, derrubando as últimas paredes que restavam das casas, revirando tudo e fazendo grandes montanhas de entulho. Sim, montanhas, porque, para um menino de sete anos, eram enormes aqueles montes de terra e, quando os tratores paravam, sempre achávamos um jeito de brincar neles. Depois vinham as pás mecânicas e punham toda aquela terra em caminhões que a levavam não se sabia para onde.

Máquinas de terraplanagem, de compactação, de colocação do asfalto, conhecíamos cada uma delas, certamente que por nomes diferentes desses que uso hoje.

Inauguração da 1ª etapa da avenida em 1973 - Arquivo Nirez

Até que chegou o dia da inauguração, acredito que em outubro de 1973. Meu pai estava trabalhando, mas eu e meu irmão fomos com minha mãe ver a festa. Havia muita gente, carros, banda de música, caminhões de bombeiros e militares com fardas de todos os tipos.

 A grande festa de inauguração - Arquivo Nirez

Eu nunca tinha visto nada parecido. De repente, ouvimos um barulho estranho, vindo do céu, e quatro aviões Xavante passaram sobre nossas cabeças. Voavam baixo, fazendo o que depois me diriam que era um voo rasante. Seguiram assim por mais alguns instantes e, de repente, subiram, quase na vertical, diante dos nossos olhos atentos e atônitos.
Mas, no meio da subida, um dos aviões passou a se comportar de modo estranho. Não acompanhava mais os outros, girava, rodopiava… Apontou o bico para baixo e sumiu por trás das casas. Uma imensa coluna de fumaça negra ergueu-se no ar.

Foto da inauguração da Avenida Presidente Castelo Branco, publicada no Jornal O POVO, em 07/10/1974. Milhares de estudantes de vários colégios de Fortaleza ficaram colocados ao longo da avenida, formando ala dupla para a passagem das autoridades que chegaram ao lado do Forte Nossa Senhora da Assunção.

Foi como se, por alguns segundos, tudo houvesse ficado em silêncio. Como se o tempo houvesse parado um pouco para que as pessoas pudessem entender o que estava acontecendo. Acho que eu nem respirava.

- Caiu! – gritou alguém.

Foto do Xavante que caiu sobre as casas no Pirambu - Arquivo O Povo

E o tempo voltou a funcionar. Houve gritos e correria. Verdadeiro pânico tomou conta da multidão. Lembro bem de um caminhão de bombeiros saindo, com a sirene ligada, um de seus soldados correndo e se pendurando nele.

Um modelo Xavante está exposto na Base Aérea. A aeronave marcou a história da aviação de caça brasileira - Arquivo Diário do Nordeste

Olhei de novo para a coluna de fumaça. Mesmo tendo apenas sete anos eu podia perceber que sua base ficava bem na direção da nossa rua. Acho que minha mãe também percebeu isso, porque não queria nos levar para casa. Entramos apressados em um táxi que não sei de onde surgiu e fomos para a casa de uma amiga da família, um pouco distante da nossa.

Dona Geralda prometeu cuidar de nós enquanto minha mãe ia ver como as coisas estavam. Ficamos ali o dia inteiro, esperando notícias. Se fosse hoje teríamos procurado alguma coisa na TV ou na Internet, mas, naquele tempo, tivemos que aguardar até nossa mãe chegar, já no final da tarde, e nos levar para casa. Nosso pai já nos esperava lá.

Sim, a nossa casa continuava de pé. O avião caíra a uma quadra e meia dela, uns duzentos e cinquenta metros ao leste, segundo posso ver hoje nos mapas do Google.


Fomos dormir tarde da noite, depois de ouvir as muitas histórias que foram sendo contadas por vizinhos que a toda hora apareciam para conversar com meu pai.
No dia seguinte, de manhã bem cedo, eu e meu irmão fomos com meu pai ver o local do acidente. A cratera era imensa. Não sei quantas casas foram destruídas. Lembro que saía fumaça de alguns pontos do chão. Em um dado momento, soltei a mão de meu pai e me aproximei de algo parecido com uma pedra:

- Papai, tem uma coisa aqui! Tá meio enterrado, mas…

Meu pai revirou a terra com um pedaço de madeira e pudemos ver que era o pé de uma das vítimas. Um pé grande, de homem adulto, com um pouco de pele da perna todo encolhido, parecendo carvão. Fiquei olhando para aquele pé, até que um homem fardado aproximou-se e o recolheu.

Minutos depois voltávamos para casa, conversando sobre o que vimos ali. Alguns dias mais tarde, fiquei sabendo que treze pessoas haviam morrido no local, incluindo o piloto do avião.

Rua Gomes Parente, lugar da queda do avião 
Imagem Google Street View

A rua onde o acidente aconteceu chama-se Gomes Parente, e naquele tempo não tinha um segundo nome. Não tinha, porque desde então passou a ser conhecida como Rua do Avião."

Marcos Mairton

A Leste-Oeste nos anos 70

Uma segunda visão do ocorrido:

"No ano de 1973 eu tinha 16 anos e estudava no Colégio Estadual Liceu do Ceará cursando a 7ª Série. Durante a semana que antecedeu o dia da inauguração da Av. Leste Oeste fomos informados que o Liceu iria desfilar, usando o mesmo fardamento do desfile que acontecera no dia 7 de Setembro.
Na manhã daquele Sábado acordei cedo, vesti minha farda engomada no grude, no capricho, amarrei uma fitinha verde e amarela no punho e me mandei para o local da solenidade. Desci do ônibus na Praça do Liceu e fui a pé para a Marinha, misturado com outros alunos que também haviam sido convocados.
O Liceu foi um dos últimos a desfilar. Já passava do meio dia quando nos dispersamos. Alguns alunos foram para suas casas e outros, como eu, ficaram observando o final da solenidade. Os caças Xavantes já haviam dado alguns voos rasantes, mas neste último, eles surgiram em número de três, sobrevoando a Marinha no sentido sertão mar. Ao passarem sobre o palanque das autoridades armado junto ao muro da Marinha, eles empinaram e subiram quase na vertical. Lá no alto um deles começou a expelir uma fumaça negra e por uma fração de segundos ele fez uma pirueta no ar, como se tivesse desgovernado, lembrando uma folha seca ao sabor do vento. Em seguida empinou o bico para baixo e descreveu uma diagonal caindo inapelavelmente no solo, sobre umas residências. A queda foi tão rápida que o piloto não teve nem tempo de ejetar o assento e acionar o paraquedas. Os outros dois Caças interromperam as manobras e voltaram à Base. 
O Avião caiu, ouviu-se o grito da multidão que corria desesperada na direção da coluna de fumaça negra que se erguia do local onde o avião caíra. E eu correndo junto da multidão, pulando cercas, pulando arbustos, me esquivando dos pés de mata-pasto, dos pés de salsa, vencendo a areia fofa típica de região praiana. Lembro ter passado junto a um muro de uma fábrica, creio que era os fundos da antiga Cibresme e corri mais um pouco até chegar numa rua estreita. De onde eu estava dava para ver e escutar o crepitar das chamas consumindo o que restou do avião, a parte traseira de uma casa e um pé de castanhola. Considerando a multidão que acorrera ao local do sinistro, creio que eu fui um dos primeiros a chegar. As pessoas contemplavam a cena caótica e se entreolhavam como se tivessem procurando uma explicação para aquele desastre.
De repente eu vi uma cena que me deixou estupefato, lívido, sem ar nos pulmões. Era como se eu tivesse levado um potente soco na boca do estômago. A boca ficou seca, um gosto amargo de fel na boca. Eu só pensava em sair daquele local o mais rápido possível. A minha curiosidade se escafedeu como que por encanto e fui forçando a passagem entre as pessoas, que assim como eu também ficaram chocadas com a imagem, como se não acreditassem no que estavam vendo. Às duras penas consegui sair dali e chegar numa rua que ia dar na Av. Francisco Sá, na altura da passagem de nível que fica próximo da Brasil Oiticica. Apanhei o ônibus e fui pra casa tentando esquecer o que tinha visto. Mas nós não dominamos nossos pensamentos. Por mais que tentasse, a cena aparecia viva na minha frente. Naquele dia não almocei e passei uma semana sorumbático, triste. O assunto da queda do avião dominou a cidade por vários dias. 
A cena que me deixou chocado foi ver uma garota totalmente despida, pelo tamanho dos seios, do tamanho de limões, e pela rala penugem que cobria a vulva, ela deveria ter no máximo uns doze anos. A pele toda se soltando, como se fosse papel se descolando em tiras. Por baixo da pele era uma cor branca como se ela não tivesse sangue. Os cabelos na altura dos ombros se encontravam úmidos, como se tivessem sido molhados com uma espécie de gosma, não eram soltos, eram grudentos. Os olhos esbugalhados em tempo de sair pelas órbitas fitando as pessoas, suplicando ajuda, porém sem gemido, sem dizer uma palavra, trespassada de dor, sem entender o que houvera acontecido. Não sei se ela se encontrava no banho, no momento que o mundo desabou sobre a casa dela, ou se ela livrou-se das vestes ao ser encharcada com a gasolina altamente volátil do avião e pegado fogo.
Uma Senhora se aproximou da garota trazendo uma toalha branca umedecida e a cobriu. Alguém solicitou ajuda para leva-la ao hospital e prontamente um Senhor se apresentou se oferecendo para transportá-la. Embarcaram numa C-10 branca e foi à última vez que vi aquela garota. Não sei se ela sobreviveu. Passado tanto tempo, 45 anos depois daquela fatídica manhã eu ainda lembro com uma impressionante riqueza de detalhes."

Santos Souza

Alguns Acidentes

junho de 1967 o jato da FAB explode na Usina Evereste. Dez pessoas morreram e 22 ficaram feridas.
1967 avião cai em Messejana. Morreram o ex-presidente Castelo Branco, seu irmão, Cândido Castelo Branco, e três outras pessoas.*
1967 Um caça não municiado (TF-33) da Força Aérea Brasileira sob comando do 1º Tenente Renato Ayres, chocou-se com violência contra os verdes-mares do Mucuripe. O impacto causou uma explosão imediata chocando a população que assistia perplexa.**
1973 um Xavante cai no Pirambu, matando 13 pessoas.
1981 Caça cai no mar, matando piloto.
1981 Xavante cai na Barra do Ceará.
1982 Boeing 727 "Super 200" da Vasp choca-se com a Serra de Aratanha, matando 135 pessoas.
1987 Xavante decola e cai em seguida, na área militar do Aeroporto Pinto Martins.
1989 Bimotor cai na Lagoa da Parangaba.
2007 Em abril, o Boeing 737-300 da Gol fez um pouso forçado, derrapando 15 metros e saindo da pista, depois atolando na lama. 

Diário do Nordeste


*Notícia de 18 de julho de 1967: "Ontem, no Ceará, uma colisão aérea vitimou o ex-presidente Castelo Branco, que havia deixado a Presidência da República há quatro meses.
O avião em que ele estava, com mais seis pessoas, foi atingido na cauda por um caça militar e caiu em "parafuso". Sem grandes problemas, o jato da aeronáutica conseguiu pousar na sua base. Quanto ao bimotor abalroado o resultado foi trágico: com excessão do co-piloto, salvo milagrosamente, todos os demais morreram no choque da pequena aeronave com o solo." Escapou o co-piloto Emílio Celso. Morreram, o Comandante Celso Tinoco Chagas,  a escritora Alba Frota, o Marechal Castello Branco, seu irmão Cândido Castello Branco e o Major Assis.  Circularam rumores de que o avião do ex-presidente teria invadido a zona destinada ao avião da FAB.

**O dia era 22 de outubro de 1967 e milhares de pessoas lotavam a faixa de areia do Iate Clube até a Praia de Iracema para assistir ao show aéreo prometido para aquele dia como parte das comemorações da semana da asa. Dez aeronaves participavam do evento e até um alvo incendiário foi montado dentro da Enseada do Mucuripe para demonstrações de tiro.





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Créditos: Diário do Nordeste, Jornal da Besta Fubana e 

Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo

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