A Praça Fernandes Vieira foi inaugurada em 07 de março de 1940, após remodelação e ajardinamento.
A então Praça Fernandes Vieira. Foto em direção ao norte, estas duas casas deram lugar a um bloco de apartamentos. A rua à esquerda é a Avenida Filomeno Gomes. Hoje é a Praça Gustavo Barroso. O ano dessa foto é entre 1940 e 1943 - Arquivo Nirez
Logo, veículos saem rapidamente e enfim reconhecemos a personalidade da praça.
Em 1945, o Liceu do Ceará teve sua administração transferida para as proximidades da então Praça Fernandes Vieira. Ainda que, com o passar do tempo, tenha havido mudança de nome para Praça Gustavo Barroso, sela-se a “vox populi”. Não importando qual o nome – aliás, quem sabe o verdadeiro nome da praça? - todos a conhecem somente como a "Pracinha do Liceu".
Antiga Praça Fernandes Vieira
Próxima ao Centro de Fortaleza, a pracinha do Liceu foi, e ainda é, ponto de encontro de pessoas das mais variadas classes sociais. No passado, recebera em seus bancos alunos do Liceu, hoje personalidades ilustres. Ainda continua a receber os alunos do colégio, mas muitos com perspectivas de um futuro não tão ilustre.
Aprendizes de marinheiros vindos de todos os locais do país, moradores das redondezas, transeuntes, trabalhadores, idosos e pessoas que simplesmente gostam da praça. Enfim, todos os tipos e estereótipos, passam, sentam, encontram-se, fazem sua história nas calçadas da praça.
Foto do dia 31 de agosto de 1962 - Inauguração do monumento à Gustavo Barroso com as presenças de Luis Sucupira, Raimundo Girão, Albano Amora e Mozart Soriano Aderaldo - Arquivo Nirez
Em 1965, os restos mortais de Gustavo Barroso foram depositados aos pés da estátua, em cumprimento ao desejo do próprio homenageado. Agradecimento: Isabel Pires
pingue-pongue para o jogo. Para os que querem matar a fome, opção é o que não falta. Há duas barracas na praça servindo lanches, refeições e todos os tipos de petiscos.
A barraca do Silvestre*, localizada quase ao centro da praça e bem de fronte à saída do colégio, é a mais popular. São 25 anos enchendo o paladar de visitantes, famílias e dos trabalhadores das redondezas. O proprietário, Silvestre Neto de Oliveira Mota de 55 anos, é o caixa e afirma: “A praça é tranquila. Nunca fui assaltado. Dificilmente aparece algum menino se queixando de roubo de celular.”
A concentração da praça se volta para a barraca do Silvestre. Ninguém se preocupa com a vestimenta. O que mais chama à atenção são as opções de pratos. As mesas brancas dão lugar aos que saem da fila de pagamento. Os mais despojados estão de boné, sandália rasteira e, quase sempre, ficam sem camisa. Já outros, que trabalham por perto, usam uniformes. Cada um escolhe onde quer ficar.
Um casal maranhense almoça, tranquilo. E, em meio a tanta conversa, não percebe quem está mais interessado na comida: o cãozinho do casal.
A companhia mais inesperada vem do céu. São os pombos que se alimentam de todas as migalhas que caem ao chão.
As árvores e as plantas, que embelezam os canteiros, recebem cuidados especiais.O responsável por manter o verde da praça é o jardineiro Francisco Monteiro da Silva de 37 anos. Sozinho, ele cuida das plantas e está atento a todo movimento da praça “Sempre some alguma placa. Já roubaram a placa da estátua do Gustavo Barroso e, recentemente, sumiu a placa que informava a última reforma da praça na gestão da prefeita Luizianne Lins”, comenta o jardineiro, chamando a atenção para o descaso do policiamento durante o dia. Vestindo um uniforme verde, com a esperança de um dia o descaso acabar, o jardineiro molha a terra e ao mesmo tempo conversa com um menino descalço que se aproxima. Ele não se importa em dar atenção à curiosidade do garoto. A água é espalhada pelos canteiros dando vida às plantas. O dia ensolarado também ajuda o trabalho de Francisco. Quando se sente cansado, senta em um dos bancos, acomoda -se, tira um cigarro do bolso e passa a fumar pensativo. Vira a cabeça de um lado para o outro. Nada o tira a concentração, pois os 10 minutos servem para pensar na vida e contemplar a beleza da praça.
11 de agosto de 1944 - Inauguração do busto do Padre Antônio Tomás na Praça do Liceu
O nome que batiza a praça é em homenagem ao ex liceísta Gustavo Barroso. Advogado, professor, político, contista, folclorista, cronista, ensaísta e romancista, nasceu em Fortaleza, em 29 de dezembro de 1888, e faleceu no Rio de Janeiro, em 3 de dezembro de 1959. Em 8 de março de 1923, foi eleito para a Cadeira n.º 19 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Silvério Gomes Pimenta.
Foi redator do Jornal do Ceará (1908-1909) e do Jornal do Comércio (1911-1913); professor da Escola de Menores, da Polícia do Distrito Federal (1910-1912); secretário da Superintendência da Defesa da Borracha, no Rio de Janeiro (1913); secretário do Interior e da Justiça do Ceará (1914); diretor da revista Fon-Fon (a partir de 1916); deputado federal pelo Ceará (1915 a 1918); secretário da Delegação Brasileira à Conferência da Paz de Venezuela (1918-1919); inspetor escolar do Distrito Federal (1919 a 1922); diretor do Museu Histórico Nacional (a partir de 1922); secretário geral da Junta de Jurisconsultos Americanos (1927); representou o Brasil em várias missões diplomáticas, entre as quais a Comissão Internacional de Monumentos Históricos (criada pela Liga das Nações) e a Exposição Comemorativa do Centenário de Portugal (1940-1941). Em honra à sua memória, ao centro da praça, ergue-se sua estátua que, a mercê do vandalismo e do descaso das autoridades, jaz pichada e sem a placa que lhe identificava.
As instalações do Corpo de Bombeiros, ao lado da praça, comemoraram 76 anos no dia 7 de setembro de 2010. As dependências do prédio vermelho, já serviram e ainda servem, eventualmente, de prisão. Pela livre expressão, a escritora Rachel de Queiroz foi mantida presa na época da ditadura. O preso mais recente é o juiz Pedro Percy que matou um vigilante na cidade de Sobral.
Foto de Chico Monteiro
A frase, “Corpo de Bombeiros Militar – Liceu do Ceará. Somos fortes porque somos unidos”, está pintada na lateral do colégio, em frente ao quartel dos Bombeiros, para lembrar o comando do coronel Leonel Pereira de Alencar Neto - 1995 a 2000. Os 5 anos foram marcados por uma parceria entre o Corpo de Bombeiros e o Liceu do Ceará, quando foram ministradas palestras, a pintura das dependências do colégio e a poda das árvores. Com a mudança de comando, a ajuda ficou restrita ao socorro em caso de emergência, ressalta o cabo Sena, de 33 anos.
A vida desbrava na praça. Se durante o dia é parada certa para os que passam em seus arredores, à noite é reduto de uma alegria e lazer insondáveis. De tantas reformas sofridas, a última trouxe de volta o brilho das lâmpadas de néon e o calor de famílias, amigos e namorados que aproveitam o cair da noite para se deliciar com uma agradável brisa sob as estrelas.
As crianças correm, brincam, andam de bicicleta, jogam bola, ressuscitam os velhos pega-pega e esconde-esconde, mas gostam mesmo é do pula-pula e da cama-elástica. De quinta a sábado, das 17:00 às 23:00, Carlos Henrique faz a festa da criançada. Dono dos brinquedos, ele já está há seis anos na praça e gosta muito de ver a molecada pulando e dando cambalhota.
Bruno Azevedo, 21 anos, filho do vizinho Piauí, formando da Escola de Aprendizes de Marinheiros, vê na praça um ponto de encontro com os amigos. A diversão é garantida nas quadras, onde participa das boas e velhas peladas. “Também é bom usar os equipamentos de ginástica. A gente sai da escola e vem se exercitar aqui. Rola um clima de descontração e uma paquera com as meninas que vêm e vão”, afirma o jovem marinheiro, que está de partida para o Rio de Janeiro, após onze meses em Fortaleza, mas promete voltar. “A cidade é muito boa. Gente bem humorada, brincalhona. Vou voltar sempre que puder!”
A barraca do Silvestre também abre para a vida noturna. Agora, porém, a clientela tem outras exigências. Longe da pressa do dia, as pessoas que vêm à praça querem sentar, conversar, tomar uma bebida e relaxar. Mas a concorrência não dá mole. Barracas de caipirinha espalham-se pela praça e conquistam um público fiel, com o bom papo e a simpatia de quem está por trás do balcão.
Mas ir à pracinha do Liceu e não tomar um caldo de cana com salgado, é como ir à Roma e não ver o Papa! Há dez anos, com um preço sempre convidativo, Aki Lanches faz história.
A lanchonete está bem em frente à praça, especializada em caldo de cana geladinho e feito na hora. Às vezes, a quantidade de clientes é bem maior do que os dois únicos atendentes podem dar conta. “Tem horas que o negócio aqui é estressante. Só tem dois pra atender, receber o dinheiro e fazer o caldo. Quando está muito cheio a gente tem que ficar ligado, pois o pessoal pode ‘vazar’ sem pagar”, explica Luís, irmão de Farias, o dono da lanchonete.
“Em geral, aqui fica cheio entre seis e oito da noite. É muita gente mesmo! Nós pedimos o dinheiro adiantado para evitar os engraçadinhos, mas sempre tem um esperto que ‘passa a perna’. O preço de R$ 0,50 por um copo de caldo e um salgado chama muita gente. Principalmente o pessoal de baixa renda”.
Entre salgados, copos, a moedeira e os pedaços de cana, uma mochila pendurada bem ao centro da lanchonete chama a atenção. Com o logotipo da Marinha bordado, a mochila é produto da confecção que lá funciona. “A gente faz todo tipo de fardamentos e acessórios. Mas o que dá dinheiro mesmo é o lanche”, afirma Luís.
A bela vista da praça é complementada pelas construções que a rodeiam. Casarões antigos, com arquitetura colonial, propriedades do patrimônio histórico de Fortaleza, lembram-nos de que no passado, o bairro fora o reduto das elites.
Seja pelas pernas das meninas que desfilam de minissaia, pelos corpos malhados dos jovens que jogam bola, pelas crianças que vem e vão, pelas pessoas que se sentam para colocar a fofoca em dia, a Pracinha do Liceu transborda em vida. O preconceito de que é um reduto de marginais cai quando pisamos em sua calçada. Todos os tipos de pessoas vão à praça, mas sempre com saudáveis objetivos: descontrair-se, relaxar e admirar a beleza que a praça esbanja. De dia ou de noite, aqui se respira vida.
Islene Moraes
* Silvestre não trabalha mais na praça! :/