Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Praça do Ferreira
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque ´Parte III

 

As praças, os cafés e os bondes


A transição do século XIX para o século XX trouxe consigo mais inovações e equipamentos de lazer para Fortaleza, embora alguns já existissem como é o caso do Passeio Público, mas além dele a capital dispunha de:

Praças remodeladas, jardins públicos, ruas alinhadas com bondes, transeuntes, sobrados e estabelecimentos comerciais, Passeio Público e Parque da Liberdade e seus elegantes frequentadores, Estação Central Ferroviária, mansões e fachadas art noveu, cafés, templos, escolas, portos, praias, lagos, etc. (PONTE, 2010, p.141).

Em outras palavras, um conjunto de equipamentos que representavam o lazer e cotidiano dos habitantes. Dentre estas inovações estavam a remodelação das três principais praças da cidade – a do Ferreira, Marquês de Herval (atual José de Alencar) e a da Sé, entre os anos de 1902 e 1903, receberam amplos e vistosos jardins com gradil, recheados de estatuas de inspiração clássica, canteiros de flores e plantas ornamentais, coretos, longos bancos, chafarizes e vasos importados.

Praça do Ferreira e seu jardim no início do século XX, resultado da primeira urbanização da praça. O Jardim 7 de Setembro foi inaugurado em 1902, por obra do intendente Guilherme Rocha.Era rodeado por grades, muito arborizado e florido, um lugar construído para a prática de atividades ao ar livre ou para passeios ao entardecer.

Pontes faz uma menção de como ficaram as três praças depois de sua remodelação comparando-as como réplicas do Passeio Público:

Para se ter uma ideia, os jardins eram como réplicas em menor proporção do Passeio Público encravadas, no centro daquelas praças. Isto é: além do próprio Passeio Público, a cidade agora tinha, em seus três principais logradouros, ilhas paradisíacas e seguras, onde os citadinos mais distintos pudessem se sentir como se estivessem em Paris, enquanto assistiam ao espetáculo do movimento urbano desenrolar-se em torno. (PONTE, 2007, p.181).

Segundo o historiador Ponte, a remodelação das praças teve também como intuito não só o embelezamento da cidade, mas criar um espaço de utilização pública onde a população, principalmente as crianças e os jovens pudessem praticar exercícios e atividades esportivas ao ar livre. (PONTE, 2010).

Isto se devia ao fato de que naquele momento a pratica de esportes estava começando a ser adotada pela sociedade e esta prática representava a saúde que as medidas saneadoras tanto buscavam alcançar.

A Praça do Ferreira, um dos logradouros referenciais da cidade até os dias de hoje era a principal área do comércio local, conhecida também como o coração da cidade, foi palco para a construção dos quatro cafés mais elegantes da cidade – O Java, o Comércio, o Elegante e o Iracema, todos construídos em estilo chalet francês, localizados nos quatro cantos da praça.

Café Java - Acervo Lucas

Foi no Café Java, o preferido da boemia e dos intelectuais jovens, que surgiu a ideia da criação de uma agremiação literária, conhecida como Padaria Espiritual, que se destacou pela sua inovação e irreverência. Este local foi ponto de encontro dos escritores Antônio Sales que foi o fundador da agremiação, Adolfo Caminha e Rodolfo Teófilo. (CORDEIRO, 2007).

Segundo Ponte “Boêmios e janotas deviam sentir-se como que em Paris enquanto sentavam nas mesas ao ar livre desses cafés e contemplavam fascinados o belo jardim no centro da praça” (PONTE, 2009, p.75).

Nas figuras abaixo, imagens dos quiosques do Café Comércio, Elegante e do Café Iracema respectivamente.

Café do Comércio

Café Elegante em 1908

Café Iracema em 1910. 

Nas palavras de Adolfo Caminha, no romance A Normalista o autor faz a seguinte afirmação:

[O]s cafés conviveram romântica e harmoniosamente com o pouco e lento movimento de cabriolets e bondes puxados a burro em torno da Praça, mas já não se coadunavam com o agitado séquito de pedestres, automóveis, bondes elétricos e caminhões dos frenéticos anos 20. (PONTE, 2010, p.65).


Loja Torre Eiffel.
Arquivo Nirez

Era nas praças que a sociedade se reunia para encontros nos bancos, um bate papo com os amigos e conhecidos, para admirar as vitrines das lojas que por sua vez tinham nomes franceses ou pelo simples fato de passar o tempo e imaginar-se na Europa.

Se a Praça do Ferreira passou por reformas no inicio do século XX, o mesmo ocorreu com a então Praça Marques de Herval, atualmente Praça José de Alencar, conforme afirma Silva e Filho (2004):

Em 1903, a praça é reformada na gestão do intendente municipal Guilherme Rocha, e ganha um belo jardim ornado de bancos, vasos, colunas, estatuaria, iluminação a gás e um coreto. Como preito ao chefe da oligarquia local, passa a chamar-se Jardim Nogueira Acioly. (SILVA E FILHO, 2004, p. 54).

Em seguida, alguns anos depois entra em cena na reforma da Praça Marques de Herval (Ponte, 2010) um novo equipamento que proporcionou encanto e impressionou a população, o Theatro José de Alencar.

O Theatro era a maior obra arquitetônica de Fortaleza de então e densa de significados artísticos e culturais. Era considerado um dos mais belos do país, sua estrutura toda metálica em estilo art noveau, ficou a cargo da empresa escocesa Walter McFarlane & Co., o teatro representava progresso e era símbolo da modernidade que se instalara na capital, até os oposicionistas do então presidente do Ceará, Nogueira Accioly, “tiveram que reconhecer a beleza da nova casa de espetáculos [...]”. (PONTE, 2007, p.181).

Estes logradouros tiveram um grande papel na representação daqueles belos tempos, porém quando este período entra em decadência na década de 20, na gestão do prefeito Godofredo Maciel, os jardins e os cafés tiveram que ser demolidos para que as ruas pudessem ser ampliadas e o espaço urbano remodelado novamente para dá passagem aos automóveis e demais equipamentos.


Parte I

Parte II


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo


domingo, 2 de dezembro de 2018

Os Jardins de Fortaleza II

Nos jardins de Fortaleza, os cata-ventos estavam geralmente associados a caixas d’água metálicas, adquiridas provavelmente de países europeus como parte do rico universo de edificações, instalações, equipamentos e componentes arquiteturais importados em massa por países latino-americanos em processo de urbanização a partir do século XIX. Esses reservatórios d’água “destinavam-se à irrigação dos jardins públicos por gravidade” e “formavam binário com cata-ventos destinados a elevar a água das cacimbas adjac
entes”. (T. Lindsay Baker - 2012, p. 120).
 

Nos Estados Unidos, embora predominantes no contexto rural, cata-ventos eram instalados em áreas urbanas em várias partes do país, já que governos locais financiavam a escavação de poços e a construção de moinhos para uso público. Cavalos e mulas usados em meios de transporte anteriores à era do automóvel demandavam consumo regular de água, de modo que “próximos aos poços construíam-se cochos de concreto, madeira ou aço com lados de altura apropriada para os animais beberem confortavelmente”. (Cf. ibidem, p. 120).

Esse sistema foi registrado no país a partir do final do século XIX e desapareceu após a década de 1920, com a era do veículo automotor. As imagens que o autor T. Lindsay Baker fornece de distritos urbanos dos Estados Unidos - Kansas City, no Kansas, e Ruskin e Farnam, em Nebraska - mostram poços e moinhos semelhantes às cacimbas e cata-ventos de Fortaleza, mas nenhum deles instalado em jardins. Tais ilustrações - entre outras de San Diego, na Califórnia, e Canyon, no Texas - retratam cochos, carroças, vias sem pavimentação e áreas livres cobertas por terra, sem tratamento paisagístico, indicando que os moinhos bombeavam água para os animais ou para a população, mas não para a irrigação de jardins públicos.


Em Fortaleza, a exemplo do que ocorria em áreas urbanas dos Estados Unidos, a municipalidade era responsável pela instalação e manutenção de cata-ventos em logradouros públicos, segundo consta na seção de finanças municipais sob a rubrica “conservação de cataventos e motores” no Anuário Estatístico do Estado do Ceará relativo aos anos de 1922, 1923 e 1924.

No entanto, no começo do século, ao comentar a seca de 1900, Raimundo Girão afirma que, àquela época, Fortaleza revelava uma “simplicidade provinciana de praças ainda sem jardins, antes monótonos quadros de pastagem do gado à solta”. Naquele tempo, a cidade contava com o Passeio Público, mas ainda não haviam sido ajardinadas as praças do Ferreira e Marquês do Herval, o que veio a ocorrer entre 1902 e 1903.
 


Sobre a Praça do Ferreira, diz Gustavo Barroso (1888-1959) que, durante a seca de 1877-1879, foi aberta em seu centro uma cacimba em pedra lioz para provisão d’água, ao lado da qual se instalou “um chafariz do sistema que os franceses denominavam fontaine Wallace”. Essa peça parece ter sido substituída posteriormente, já que, na época de seu ajardinamento, em 1902, a praça dispunha de cata-vento e caixa-d’água e bacias para irrigação, conforme postagem anterior.

Até então, a Praça do Ferreira era um antigo areal chamado Feira Nova com um “cacimbão no centro”, ponto de parada dos comboios vindos do interior, a que se mostrariam úteis “as mongubeiras e as castanholas floridas, enchendo o solo da frescura das sombras doces e dos frutos gostosos”, bem como a água da cacimba, em palavras de Raimundo de Menezes (1903-1984).

É possível que cacimbas perfuradas para obtenção d’água doce tenham sido aproveitadas quando do ajardinamento de praças, dotadas de cata-ventos e reservatórios. Segundo Liberal de Castro, escavavam-se cacimbas de uso público no ponto central das praças, que, uma vez “ajardinadas, ganhavam caixas-d’água e cataventos, instalações usadas na elevação e na rega dos jardins”.



Contudo, segundo iconografia da época, a Praça General Tibúrcio, ajardinada entre 1913 e 1914, não tinha cata-vento, de modo que desconhecemos quais teriam sido as soluções adotadas para sua irrigação. Por sua vez, a Praça José de Alencar (hoje Waldemar Falcão, que não deve ser confundida com a atual José de Alencar, antiga Marquês do Herval), embora não ajardinada, era dotada de um cata-vento e de um reservatório, além de um chafariz.


Dessa maneira, supomos que a água bombeada pudesse servir para o consumo dos moradores ou dos animais que trafegavam na cidade anteriormente à popularização do automóvel ou vinham do Sertão - nesse último caso, assemelhando-se ao que ocorria em localidades urbanas dos Estados Unidos.
A partir dos anos 1930, a iconografia urbana da capital cearense, nela incluindo-se as fotos do Álbum de Fortaleza, de 1931, mostra que os logradouros urbanos não mais possuíam cata-ventos. Naquela época, a cidade já dispunha do novo serviço de abastecimento d’água, o qual compreendia captação, adução por tubulação, armazenamento em duas caixas d’água localizadas na Praça Visconde de Pelotas e rede de distribuição.

Esses reservatórios eram remanescentes da década de 1910, pois coube ao governador Antônio Pinto Nogueira Accioly (1896-1900, 1904-1912) iniciar as obras do sistema de abastecimento d’água, o qual foi inaugurado somente posteriormente, na gestão estadual de José Moreira da Rocha (1924-1928).62 O novo serviço, todavia, tinha “capacidade de abastecimento parcial à população”.



Fotos daquela época indicam que, se por um lado os cata-ventos já haviam desaparecido das praças ajardinadas, sua existência resistia nos quintais das casas, pois ainda deviam desempenhar importante papel no fornecimento d’água para o consumo doméstico. Segundo Emy Falcão Maia Neto, em 1927, os cata-ventos continuavam sendo anunciados pelas funilarias, sinalizando que faziam “circular água aonde a rede ainda não chegava ou como uma fonte alternativa para fugir dos preços cobrados”.


Naquela década, após a reforma completa que lhe foi imputada, em 1925, no governo do prefeito Godofredo Maciel (1924-1928), a Praça do Ferreira, que antes possuía cata-vento e caixa-d’água, aparece destituída de ambos em fotos da época. Tais imagens ainda deixam ver a presença de fícus-benjamim  no contorno da praça, exemplificando o plantio de espécies arbóreas resistentes, conforme postado anteriormente.


O desaparecimento do sistema de irrigação por moinho eólico também se verifica na Praça José de Alencar. Em 1929, em seu espaço central, antes ocupado por pavilhão, cata-vento e reservatório d’água, foi instalada a escultura do escritor que nomeia o logradouro.


Portanto, admitimos que os anúncios veiculados pelo jornal O Povo entre 1928 e 1930 e antes referidos ofereciam, de fato, cata-ventos usados, tendo particulares como possíveis interessados. Esse é um marco cronológico razoável para o seu desaparecimento dos jardins públicos da cidade, ainda que permanecessem nas propriedades privadas.


Leia também a Parte I

Créditos: Aline de Figueirôa Silva (Arquiteta e urbanista) - Artigo: À procura d'água: cata-ventos americanos nos jardins de Fortaleza, Folha do Litoral de 1918, Jornal A Lucta de 1922, Jornal A Razão de 1931, Jornal A Ordem de 1930, Revista do Instituto do Ceará de 1899, Arquivo Nirez, Arquivo Fortaleza Nobre e Museu da Imagem e do Som.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Os Jardins de Fortaleza


Em Fortaleza, a alta incidência de sol foi um fator importante na seleção e nos modos de plantio da vegetação arbórea, em razão da necessidade de sombra como condição favorável à permanência nos jardins públicos. A vegetação constituía um recurso de amenidade climática e remodelação da fisionomia da cidade, trazendo benefícios diretos ao bem-estar da população, à estética e à salubridade urbana.

Desse modo, a seleção das espécies botânicas, especialmente das árvores, nativas ou exóticas, que identificamos nos jardins, podia vincular-se tanto aos seus aspectos ornamentais (floração, atributos das copas, troncos e folhagens) quanto utilitários (sombreamento, rápido crescimento e resistência à estiagem).

Revistas e jornais dos anos 1920 e 1930 ressaltavam a arborização das vias e jardins da cidade, ora enaltecendo as ações realizadas pelo poder público, ora reclamando contra sua escassez, prescrevendo seus benefícios ou ainda apelando à população para conservá-la.

Exemplo disso é uma matéria publicada no Ceará Ilustrado de janeiro de 1925 que enfatizava a necessidade “duma praça intensamente arborisada, onde nas horas de canicula a população pudesse abrigar-se á sombra das arvores”, recomendando o plantio de “mangueira ou outras plantas fructiferas e exóticas” no Parque da Liberdade.¹ A mesma matéria abordava as vantagens do plantio de árvores, bem como apresentava justificativa para a escolha de algumas espécies. Apontava a chegada da estação chuvosa como oportuna para avançar no serviço de arborização da cidade, a fim de facilitar “a péga das arvores”, que deveriam ser “de especies resistentes ás seccas”, citando o oitizeiro, o fícus-benjamim ou a figueira e a canafístula.



De fato, entre as espécies arbóreas, o exótico fícus-benjamim encontrava-se em vários jardins de Fortaleza - espécie de rápido crescimento e copa densa, atributos importantes para garantir a necessária provisão de sombra.


Documentamos ainda a existência dos nativos oitizeiros no Passeio Público e no Parque da Liberdade, castanholas e mongubeiras. Estas últimas, também nativas, já estavam presentes em alguns logradouros da cidade, mesmo antes de serem ajardinados, e eram muito referidas nas crônicas e memórias de escritores locais. Trata-se de espécies umbrosas, portanto, apropriadas ao clima quente. A nativa canafístula, por sua vez, estava presente na Praça Visconde de Pelotas, ajardinada em 1933.


Famoso na crônica histórica fortalezense era o oitizeiro existente junto à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Praça General Tibúrcio, pois, conforme conta o cronista Otacílio de Azevedo (1892-1978), “sob sua fronde, procuravam refrescante abrigo contra os ardores da canícula” aqueles que ali paravam para conversar sobre arte, política, religião ou a vida alheia.

A presença da vegetação nos logradouros da cidade também foi registrada no Correio do Ceará por um viajante oriundo do Recife em passagem pela capital cearense em 1930, ao ressaltar “suas praças ajardinadas com esmerado gosto” e “a arborização vasta e elegante, que muito concorre para a amenidade do seu clima”.² Uma nota que circulou no mesmo jornal durante o mês de julho daquele ano dirigia às mães de família “o instante appello de, todos os dias, pela manhã, mandarem deitar um jarro d’agua ao pé das tenras arvores e inclinar os seus filhinhos a serem amigos das plantas”. O excesso de sol e a necessidade d’água eram, enfim, desafios postos à implantação e à conservação dos jardins.

Observamos também nos jardins públicos de Fortaleza a exiguidade de elementos aquáticos contemplativos, talvez em razão da evaporação causada pela predominância de dias quentes ao longo do ano, ou por deficiências nos serviços regulares e infraestruturas de abastecimento d’água e/ou por seu custo de manutenção.

A região foi afetada por períodos de estiagem, a exemplo das secas de 1877-1879, 1888, 1900, 1915 e 1919, ensejando medidas como a perfuração de poços de uso público e a criação de obras emergenciais a fim de empregar retirantes sertanejos, provendo-os de trabalho e alimento. A grande estiagem de 1877-1879 impôs dificuldades à operação da Ceará Water Work Company Limited, concessionária que realizava o serviço de fornecimento d’água em Fortaleza, mas que já se encontrava em crise.

Nesse sentido, há relatos que indicam o aproveitamento de recursos naturais para a criação de um lago decorativo no terceiro plano do Passeio Público e de um lago navegável no Parque da Liberdade, em detrimento de fontes e lagos que precisariam ser alimentados artificialmente.



O Passeio Público foi inaugurado por fases a partir de 1880 e, durante muito tempo, constituiu o principal logradouro público ajardinado de Fortaleza. Era estruturado em três planos, correspondentes a três níveis topográficos, entre a cidade e a praia. Porém, segundo o engenheiro e cronista João Nogueira (1867-1947), o negociante Antônio Tito Rocha, que já o explorava para a prática de patinação por volta de 1879, efetuou melhoramentos no “terceiro plano, que foi ajardinado, construiu um lago, que era alimentado pelas águas do riacho Pajeú.



O Parque da Liberdade, por sua vez, começou a ser estruturado em 1890 e foi remodelado e rebatizado de Parque da Independência em 1922. A primeira intervenção consistiu no aproveitamento da Lagoa do Garrote, que “se viu aprisionada em margelas de cimento, para se tornar o lago central de belo jardim público”, descrição correspondente às fotos publicadas no álbum Fortaleza 1910. A lagoa delimitava uma “minúscula ilha”, na qual, já no século XX, foi erguido um pavilhão conhecido como Templo do Cupido. O parque tornou-se um dos espaços de recreação da população, e a antiga lagoa, um de seus atrativos, recanto de contemplação e local para o passeio de barcos.


O Jardim 7 de Setembro, criado na Praça do Ferreira em 1902, dispunha de um conjunto de bacias como parte do seu sistema de irrigação, demonstrando, portanto, sua função utilitária.


Posteriormente, na década de 1930, algumas praças foram dotadas de peças aquáticas na ocasião de seu ajardinamento. Em 1930, foi instalada uma fonte luminosa no Jardim Tomás Pompeu da Praça Comendador Teodorico ou da Lagoinha. A peça foi importada da Alemanha e inaugurada naquele ano, quando a cidade já possuía redes de energia elétrica³, coexistindo com o sistema a gás, e de abastecimento d’água, embora este último serviço atendesse apenas parcialmente a população quando de sua inauguração, em 1926.

Finalmente, a Praça Visconde de Pelotas, onde haviam sido erguidas duas grandes caixas d’água como parte do novo serviço de abastecimento, foi ajardinada em 1933 e dotada de um lago central, de modo que afirmamos a interdependência entre as características do meio e os recursos infraestruturais necessários à implantação e manutenção dos jardins.


Antes que o referido sistema de fornecimento d’água, inaugurado em meados dos anos 1920, pudesse ser disponibilizado para a irrigação de jardins e a alimentação de lagos e fontes, o uso dos cata-ventos foi uma solução significativa no tocante à rega e à manutenção de tais espaços.


CATA-VENTOS PARA A IRRIGAÇÃO DOS JARDINS

À procura de água doce: os cata-ventos nas memórias e no espaço da cidade
Em Fortaleza, deu-se o notável aparecimento de cata-ventos ou moinhos de vento nos quintais das residências e espaços públicos da cidade, os quais utilizavam a energia eólica como força motriz para puxar água de poços e cacimbas.
Embora tais equipamentos estejam fartamente ilustrados na iconografia fortalezense, há poucas informações bibliográficas extensas sobre sua origem, aquisição, funcionamento e contexto de onde foram importados.



Testemunha ocular de sua presença na Praça do Ferreira, Otacílio de Azevedo recorda que, quando chegou à cidade, por volta de 1910, ali, “à falta de óleo, gemia um velho catavento, sobre uma cacimba gradeada. Enchia uma imensa caixa d’água pintada de roxo- terra”. Deparava-se com “um belíssimo jardim - rosas, dálias, papoulas - enfim uma imensa variedade das mais belas flores”. Noutra crônica sobre a Praça do Ferreira, o autor informa a existência de “uma caixa d’água e um catavento, que puxava água para aguar os jardins”.

Em outro registro, o escritor Mozart Soriano Aderaldo (1917-1995), com base em reportagens de época, descreve a feição do logradouro quando ajardinado, em 1902. O autor afirma que “um catavento puxava água para um depósito que abastecia oito tanques destinados a manter viridentes os canteiros floridos situados nas partes em que se dividia o trecho central”.

Segundo ambos os relatos, embora stricto sensu destituído de qualquer função decorativa, o cata-vento da Praça do Ferreira era visivelmente importante para manter viçosos e vistosos os canteiros do jardim.



Enquanto o cata-vento da Praça do Ferreira comparece nas lembranças e escritos de Otacílio de Azevedo e Mozart Soriano Aderaldo, o arquiteto José Liberal de Castro articula a dificuldade de obtenção de água doce em Fortaleza à concepção projetual do Passeio Público. A despeito de sua filiação às matrizes paisagísticas europeias, o passeio adaptava-se às condições topográficas e hídricas locais, visto que “minguava a água na Cidade, obtida de cacimbas, com dificuldades, e elevada às caixas de distribuição por meio de bombas movidas a braço ou por cataventos”. Liberal de Castro afirma que “o agenciamento em patamares procedia do aproveitamento da disposição rampada do terreno, sem quaisquer vínculos com os jardins à italiana, estes animados pela fartura hídrica, em canais, lagos, fontes e cascatas”.



Informações sobre a procedência de tais equipamentos constam na obra do escritor e ex-prefeito (1933-1934) Raimundo Girão (1900-1988). O autor afirma que, no início do século XX, os cata-ventos de Fortaleza, “em geral, eram de fabricação norte-americana, quase todos dos tipos Dandy e IXL”, e, em razão do seu crescido número, ofereciam “sugestivo aspecto” à cidade. Ainda segundo o autor, a população supria-se de água por meio de “cacimbas escavadas nos quintais das casas e elevada por moinhos de vento a rodarem desesperadamente dia e noite”, ao passo que a água potável “era distribuída pelas residências em cargas de quatro ancoretas ou canecos, transportados por jumentos”.
Reafirmando a informação de Girão, José Liberal de Castro registra que os cata-ventos metálicos, existentes “em número incontável” na cidade, eram utilizados nas moradias antes da instalação da rede de distribuição d’água domiciliar, mas também serviam para a irrigação dos jardins públicos. Em suas palavras, “os cata-ventos na quase totalidade exibiam, nas pás, o logotipo da marca Dandy, americana, embora alguns exemplares fossem de fabricação local”, produzidos pela Fundição Cearense.

A arborização da cidade era uma preocupação constante: 









Continua...

¹ É importante lembrar que, naquele ano, a cidade de Fortaleza contava com pelo menos seis jardins públicos: o Passeio Público, o Parque da Liberdade, o Jardim 7 de Setembro da Praça do Ferreira, o Jardim Nogueira Accioly da Praça Marquês do Herval, o Jardim Pedro Borges (ou Caio Prado) da Praça da Sé e a Praça General Tibúrcio, não se dispondo, contudo, de informações sobre seu estado de conservação.

² Nota originalmente publicada em 6/8/1930 sob o título Fortaleza no Jornal Pequeno, editado na capital pernambucana. Cf. Correio do Ceará (16/8/1930, p. 7).

³ No caso do sistema elétrico, para o funcionamento da fonte, foi necessário, contudo, fazer uma instalação especial por um engenheiro inglês.


Créditos: Aline de Figueirôa Silva (Arquiteta e urbanista) - Artigo: À procura d'água: cata-ventos americanos nos jardins de Fortaleza, Mensagens do Governador do Ceará para Assembleia em 1927/1943, Jornal Pátria (1915), Jornal O Ceará (1928), Jornal A Razão (1931), http://bndigital.bn.gov.br, Acervo Lucas, Acervo Fortaleza Nobre e Arquivo Nirez

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